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Série
"Correspondentes de Guerra"
A imprensa brasileira deu pouco espaço
para a cobertura da guerra no Afeganistão
Depoimento
de Verónica Goyzueta a
Ruth
Vianna*
"...Acho
que se não fosse por causa da guerra, eu publicaria
muito mais. Inclusive, acho que conseguimos um espaço
hoje porque o Lula é o personagem, é uma personalidade".
Ruth
Vianna - Verônica como surgiu a Associação
dos Correspondentes Estrangeiros em São Paulo?
Verónica
Goyzueta - A associação foi fundada há
27 anos, se não me engano, em julho de 1977. Ela surgiu
como uma dissidência da associação do Rio
de Janeiro. Na verdade, a do Rio de Janeiro era a única
associação que existia nessa época, e que
tem mais de 40 anos; e foi fundada quando o Rio era a capital
do Brasil. Então, os correspondentes estavam todos concentrados
no Rio de Janeiro no começo.
Mas
com o crescimento de São Paulo e com o deslocamento da
capital do Rio de Janeiro para Brasília, muitos correspondentes
começaram a trabalhar em São Paulo e eram registrados
na associação do Rio de Janeiro. Em Brasília
surgiu uma associação formada por pessoas basicamente
de agências de notícias, mas que não cresceu
muito porque teve uma deficiência dos correspondentes
que foram morar lá. Então, foram para lá
os correspondentes obrigados por suas empresas a morar lá.
As empresas deslocaram os correspondentes para morar em Brasília
para trabalhar para eles.
Em
São Paulo e no Rio de Janeiro, a maioria dos correspondentes
são pessoas que moram nessas cidades há muito
tempo. Dessa dissidência do Rio surgiu a Associação
de Correspondentes de São Paulo, mas com um nome que
eu não me lembro. É uma associação
que vem crescendo muito. Hoje, eu acredito que seja a associação
mais importante no Brasil porque há ao todo 102 correspondentes,
que realmente estão trabalhando como correspondentes.
O
que acontece no Rio de Janeiro hoje é que se tem várias
pessoas que eventualmente trabalham para alguns meios de comunicação,
muito raramente, e mantêm-se como correspondentes. Em
São Paulo, são pessoas que trabalham toda a semana
e que estão ligadas a jornais e emissoras de TV.
Ruth
Vianna - Quais são as condições de trabalho
dos correspondentes hoje no Brasil?
Verónica
Goyzueta - As condições de trabalho dos correspondentes
mudaram muito. Antes, os correspondentes trabalhavam na cidade.
Se o correspondente trabalha em casa, o jornal dava ajuda de
custo para cobrir gastos com computador e Internet. Hoje, não
tem nenhum tipo de assistência, poucos têm contrato,
muitos trabalham como free-lance para vários jornais.
Quase ninguém tem contrato.
"...A
repórter encontrou no jornal Corriere della Sera um
correspondente, que acho, que ganha seis mil ou oito mil dólares
e mora em uma cobertura no Rio. Aqui você tem os caras
da Globo que ganham uma fortuna e os jornalistas que ganham
uma mixaria. Com os correspondentes acontece a mesma coisa.
Tem o sortudo que escreve uma matéria por mês
e ganha uma fortuna e, em geral, uma série de correspondentes
free-lance que pastam para conseguir fechar o mês".
Ruth
Vianna - Não tem nenhuma estabilidade?
Verónica
Goyzueta - Não. Algumas empresas fazem contratos.
As agências de notícias têm contratos muito
claros. Eu, por exemplo, com um dos meus jornais não
tenho contrato. Nunca assinei. Mas não é possível
que você não conheça seus chefes. Eles estão
lá e um dia te ligam e te perguntam se você não
quer trabalhar para eles.
Você
aceita e vai. Então, eles me pagam todo mês um
salário. Isso é raro. Nem todo mundo tem salário
fixo. Mas nunca foi assinado nenhum compromisso, nada. No caso
da ABC, o assédio também foi feito por telefone.
Mas eles pagam por matéria. Então, recebo pela
quantidade de matérias enviadas.
Ruth
Vianna - Tem uma tabela de preços e tem sido respeitada?
Verónica
Goyzueta - Sim. Tem sido respeitada. Apesar de não
ter os contratos, todo mundo cumpre seus compromissos. Mas há
casos que foram denunciados para a associação
de empresas que não pagaram depois que pediram algum
serviço. Mas, em geral, as pessoas pagam; demoram, mas
pagam.
Enfim, a Associação de São Paulo tem tido
um crescimento expressivo nos últimos anos. Há
mais ou menos cinco anos, estou na diretoria da associação.
Em cinco anos, a Associação cresceu muito, de
60 para mais de cem pessoas. Mas com esse esquema de contrato
de trabalho mais simples.
Ruth
Vianna - Como a associação está organizada?
Verónica
Goyzueta - Nós temos uma diretoria. A Associação
de São Paulo, mesmo com todo esse crescimento, tem um
funcionamento bem simples. Nós temos uma diretoria, mas
não temos muitas normas. Não é uma associação
registrada oficialmente, não tem um registro.
Ruth
Vianna - Por quê?
Verónica
Goyzueta - Os membros são estrangeiros. As pessoas
mudam o tempo inteiro. Algumas vão embora. Então,
ninguém quer assinar os papéis e assumir responsabilidades.
Então, têm alguns que já moram por aqui
e já passaram por aqui. Ninguém quer assumir a
responsabilidade por uma associação na qual as
pessoas mudam.
Na
Associação de Brasília, por exemplo, um
correspondente deu um golpe na praça e todo mundo foi
em cima da Associação. É difícil
se comprometer por uma pessoa que vem ao Brasil ficar por um
período.
Ruth
Vianna - Vocês não têm uma sede fixa?
Verónica
Goyzueta - Não, não temos. A falta de registro
dificultou uma série de coisas. A gente não tem
conta em nome da Associação, não tem nenhum
tipo de registro. A gente está até pensando em
fazer para resolver esse tipo de coisa. A conta está
no meu nome e a gente tem um endereço no Sindicato dos
Jornalistas, cedido por eles. Em uma parceria que a gente está
fazendo, é possível que a gente tenha um endereço
e um telefone.
Na
verdade, a gente precisa de uma estrutura. O que mais temos
de contato são assessorias que nos procuram para saber
de correspondentes, que queiram passar matérias, que
queiram marcar entrevista. Para isso não precisa de uma
estrutura especial. Então, a gente tentou fazer a coisa
virtual. A gente tem esse site, onde as pessoas acham a gente
e têm as informações sobre nós. E
aí a gente se encontra de maneira informal.
A
gente marca em um bar, vai e se encontra. Uma parte que não
se comenta muito é a newsletter. Nós temos uma
newsletter interna, pela qual as pessoas sabem que a associação
está se movimentando e é sempre ligada para alguma
coisa. Por exemplo, tem um menino que queria se desligar da
Associação porque não era mais correspondente.
Mas alguns ex-correspondentes que pedem para assinar a newsletter.
Ruth
Vianna - Funciona com assinatura da publicação?
Qual a periodicidade essa Newsletter?
Verónica
Goyzueta - Não tem data para sair. Ela sai quando
tem coisas da Associação. Por exemplo, tem uma
entrevista coletiva com o Requião. Então, ela
funciona para avisar que tem essa entrevista, depois para pedir
as confirmações dessa entrevista e na véspera
para avisar que tem a entrevista. Então, na semana da
entrevista a newsletter saiu três vezes.
Ruth
Vianna - É uma forma de manter o corresponde informado
sobre o que está acontecendo?
Verónica
Goyzueta - Essa é uma das coisas que se precisa na
Associação e para isso não precisa de uma
grande estrutura. A gente cobra uma mensalidade irrisória
de R$ 10,00 por mês de cada correspondente.
A
gente não tem estrutura e a gente não paga secretária
nem escritório nem telefone. Então, é muito
simples. A gente se organiza para fazer coisas desse tipo. Esse
foi um trabalho que a gente desenvolveu.
Ruth
Vianna - Agora vocês sentiram a necessidade de mostrar
para a sociedade e para os intelectuais que teria de falar sobre
esse tema? De mostrar a existência da ACE-SP?
Verónica
Goyzueta - A gente tem alguns problemas. Como nascemos de
uma dissidência, ficou uma mágoa no Rio de Janeiro.
Hoje, temos uma aproximação bem mais amigável
do que tínhamos antes. O Rio sempre se apresentou como
uma associação nacional. Então como todos
correspondentes da imprensa estrangeira, quando eles se apresentam
para alguma coisa, falam do Brasil.
Isso nos atrapalhava muito porque eles iam a busca de patrocínio.
Quando íamos buscar nossas coisas, diziam que já
vieram. Diziam que deram para a Associação do
Rio, que era a geral. Tínhamos de falar que eles são
outra associação e não nos representam.
Eles conseguiam entrevistas coletivas e os entrevistados não
queriam nos dar entrevistas. Houve um episódio muito
chato.
Uma
vez marcamos uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso e
eles conseguiram, de última hora, desviar para o Rio.
A entrevista foi marcada aqui. Foi super chato porque nós
tínhamos organizado. Então, tínhamos muitos
problemas. A gente começou com um diálogo melhor
com o Rio, inclusive, porque o atual presidente trabalhou comigo.
A gente tinha uma relação legal e a gente começou
a conversar e a tentar suavizar as coisas.
A
gente está em uma discussão de adotar o mesmo
nome, mas com um RJ, um SP e um BR, de repente, em Brasília.
Tem outros problemas. Não sei se posso falar essas coisas.
Tem uns poucos que sumiram de casa.
Tem
uma pessoa que acho que se chama Carlos Tavares. É uma
pessoa que sempre apoiou a associação do Rio.
Foi ele quem arrumou os patrocínios. É importante
uma pessoa que tenha poder lá. É importante manter
o nome da associação do Brasil porque os correspondentes
conseguem coisas e dá status. Por isso que eles têm
tantos correspondentes mesmo que não trabalhando.
Ruth
Vianna - Por que não fazer uma associação
central, onde tenha as demais nos Estados?
Verónica
Goyzueta - O problema é esse. Hoje, o Rio se apresenta
como uma associação central e nós não
concordamos com isso.
Ruth
Vianna - Qual a imagem que vocês querem passar?
Verónica
Goyzueta - Acho que no ano retrasado, saiu na revista Veja
uma matéria sobre os correspondentes estrangeiros. O
texto mostrava a vida de glamour do correspondente. A repórter
encontrou no jornal Correio de la Siera um correspondente, que
acho, que ganha seis mil ou oito mil dólares e mora em
uma cobertura no Rio.
Aqui
você tem os caras da Globo que ganham uma fortuna e os
jornalistas que ganham uma mixaria. Com os correspondentes acontece
a mesma coisa. Tem o sortudo que escreve uma matéria
por mês e ganha uma fortuna e, em geral, uma série
de correspondentes free-lance que pastam para conseguir fechar
o mês.
Nós
não fizemos nenhum protesto contra a matéria,
mas mostrava um estereótipo do correspondente e que tinha
muito a ver com algumas coisas que existem entre os correspondentes
do Rio. Lá tem muita gente que trabalha em outras coisas
e de vez em quando faz uma matéria e se apresenta como
correspondente.
O
Requião convidou um grupo de correspondentes do Rio e
de São Paulo para uma entrevista. Durante a entrevista,
havia muitos jornalistas do Rio de Janeiro e vários nem
pegavam o caderninho para fazer anotações. Os
caras foram viajar.
Os
correspondentes recebem vários convites. Os caras aceitam
a viagem, mas nem escrevem nada. Teve uma que foi pedir emprego
na assessoria de imprensa do Requião e eu morri de vergonha.
Nós fizemos um projeto para mudar essa imagem.
"Nós
tivemos alguns problemas com grupos de jornalistas que trabalhavam
com revistas de jogos, de máquinas eletrônicas
e de cassinos. Para ser correspondente, precisa trabalhar
para uma publicação estrangeira. Eles trabalhavam
para revistas de jogos em países como a Argentina e
a Itália. Ficou uma situação delicada
porque não sabíamos o que fazer com eles...
e disseram que não tinham carteirinha da associação,
mas tinham carteirinha do Itamaraty. Eu respondi que era muito
chato o Itamaraty aceitar pessoas como essas".
Ruth
Vianna - Vocês têm um código de ética
a ser seguido pelos correspondentes?
Verónica
Goyzueta - Não. Cada um tem sua responsabilidade.
Temos muita sorte de não ter esses problemas em São
Paulo. Não tem nenhum critério para contar. Outro
dia se apresentou um cara que trabalha em uma rádio de
uma igreja na Colômbia. Não dá para proibir.
É um emprego do cara. Eu respeito o emprego do cara.
Nós
tivemos alguns problemas com grupos de jornalistas que trabalhavam
com revistas de jogos, de máquinas eletrônicas
e de cassinos. Para ser correspondente, precisa trabalhar para
uma publicação estrangeira. Eles trabalhavam para
revistas de jogos em países como a Argentina e a Itália.
Ficou uma situação delicada porque não
sabíamos o que fazer com eles. E eles queriam entrar.
Eles foram a uma assembléia da associação.
Como
não eram membros, o vice-presidente disse que não
poderiam entrar na associação. Eles ficaram muito
puto mesmo e disseram que não tinham carteirinha da associação,
mas tinham carteirinha do Itamaraty. Eu respondi que era muito
chato o Itamaraty aceitar pessoas como essas.
Ruth
Vianna - Eles eram jornalistas mesmo?
Verónica
Goyzueta - Eram jornalistas. Ainda bem que eles ficaram
chateados e não voltaram nunca mais. Nós não
tivemos que cortá-los.
Ruth
Vianna - Eles eram de qual país?
Verónica
Goyzueta - Era um grupo de vários países.
Tinha um que publicava em uma revista da Argentina, outro publicava
em uma revista na Itália e tem um que não saiu
da associação e que publica para uma revista de
jogo da Austrália. Ele continua cadastrado. Mas só
depois soubemos que ele trabalhava para uma revista de jogo.
Eu acho que eles tinham algum interesse político.
Até
por esse estereótipo, eles acham que a Associação
dos Correspondentes tem algum poder e que isso dá status
e prestígio. Eles queriam se aproveitar disso. Mas não
temos nem uma nem outra coisa. Ainda bem que eles não
insistiram e que não tivemos de tomar nenhuma medida
mais séria. Em principio, não daria para cortar
porque já basta ser um profissional que trabalha para
uma publicação estrangeira.
Ruth
Vianna - O que é preciso chegar a um país como
correspondente? O que o governo exige?
Verónica
Goyzueta - O governo exige uma carta do jornal ou da publicação
para a qual o profissional trabalha dizendo que o profissional
é correspondente dessa entidade. Agora, isso era bem
mais tranqüilo. Hoje, é bem mais burocrático.
Isso é para ter o visto de correspondente. Existem profissionais
que trabalham como correspondente e não precisam mais
do visto.
Para ter um visto de correspondente, é necessária
uma carta do jornal, falando que o profissional é correspondente
e que eles se responsabilizam pelo profissional. Essa carta
tem de ser levada na Embaixada do país de origem, atestada
como sendo verdadeira e com uma tradução juramentada
em português. Tudo carimbado na Embaixada. Essa documentação
vem para o Brasil.
Então,
primeiro é dito se o profissional pode vir. Depois, continua
correndo o processo até que o visto seja emitido. O processo
se repete no momento da renovação do visto, mas
o pedido é feito diretamente no Itamaraty porque o profissional
já tem o vínculo. Então, é renovada
a carteira do Itamaraty. O correspondente tem uma carteira do
Itamaraty e o visto para morar no país.
Ruth
Vianna - Quanto tempo o correspondente estrangeiro pode ficar
aqui no Brasil?
Verónica
Goyzueta - Eu acho que o prazo é de um a quatro anos.
Mas, em geral, dão um prazo de dois anos. E o correspondente
vai renovando depois. Acho que o profissional pode ter até
três renovações como correspondente. Depois
disso, o correspondente tem de mudar de país ou deve
ficar por outros motivos, como casar e ter filhos.
"A
cobertura de economia no Brasil é muito importante.
O Brasil é hoje considerado um jogador importante no
mercado global".
Ruth
Vianna - Você trabalha em casa ou em uma redação?
Verónica
Goyzueta - Eu trabalho em casa. Eu já trabalhei em
agências, em revistas e hoje trabalho para dois jornais.
Na agência eu tinha um escritório. Eu ia ao escritório
todos os dias e cumpria horário de trabalho. Trabalhava
de segunda à sexta das seis da manhã as seis da
tarde ou oito da noite, dependendo do dia.
Nessa
época eu cobria economia e finanças. Fazia fechamento
das bolsas, abertura e fechamento do dólar e tudo que
acontecia com economia. A cobertura de economia no Brasil é
muito importante. O Brasil é hoje considerado um jogador
importante no mercado global.
Ruth
Vianna - Quando você veio morar aqui em São Paulo?
Verónica
Goyzueta - Eu estou a oito anos em São Paulo. Eu
vim trabalhar em um escritório muito pequeno. Quando
cheguei havia três pessoas que trabalhavam em uma salinha
no centro e iríamos mudar para a Faria Lima. A Bloomberg
quase não existia. Hoje a agência tem um escritório
enorme. A agência de notícias Reuters tinha pouquíssimas
pessoas. Hoje, tem um escritório gigante. Acho que trabalham
cerca de cem pessoas.
A Internet ajudou muito e a coisa do tempo real. A necessidade
de se ter notícias de negócios em tempo real fez
com que se contratasse muitas pessoas principalmente nas agências
de notícias. Nesse tempo eu cumpria essa rotina de escritório.
Depois, eu fui trabalhar em casa. Aí é uma rotina
muito desorganizada.
Trabalhar em casa não tem horário para acordar,
mas tem os compromissos da casa e ao mesmo tempo tem de ficar
trabalhando. Então, perde-se a noção do
tempo que se fica trabalhando. Tem dias que trabalho até
de madrugada. Não é porque tenham tanto trabalho,
mas não consegui trabalhar durante o dia e trabalho à
noite.
Ruth
Vianna - Para se preparar para o trabalho tanto em casa quanto
num escritório ou numa agência, você lê
jornais?
Verónica
Goyzueta - Como trabalho em casa, por uma questão
de segurança, eu não assino nada, eu leio tudo
na Internet. Leio a Folha, o Estadão, o Valor Econômico.
"O
Itamaraty tem um clipping super legal de todos os jornais,
com todas as notícias que saíram sobre economia.
Eu tenho muito espaço para fazer as coisas que eu gosto.
Isso é uma felicidade. No ABC eu trabalho para a página
de internacional".
Ruth
Vianna - Por uma questão de segurança... mas pelo
fato de você ser estrangeira?
Verónica
Goyzueta - Não. Se você mora em apartamento,
vão entregar na portaria as revistas ou jornais. Mas
em casa, não. Eu viajo muito. Se eu ficar fora uma semana
e começar a acumular jornal na minha porta, vão
assaltar minha casa.
Mas assino eletronicamente. O Itamaraty tem um clipping super
legal de todos os jornais, com todas as notícias que
saíram sobre economia. Eu tenho muito espaço para
fazer as coisas que eu gosto. Isso é uma felicidade.
No ABC eu trabalho para a página de internacional. Em
geral, essa página é muito curta.
"No
ABC (para o qual trabalha a correspondente) (...) a Espanha
fez parte da guerra até bem pouco tempo. Inclusive
até pela saída, eles continuam publicando a
guerra. Eles publicam muitos materiais sobre a guerra e, por
isso, sobra pouco espaço para a América Latina
e para o Brasil também".
Ruth
Vianna - Você cobriu algum material de guerra?
Verónica
Goyzueta - Não.
Ruth
Vianna - Como vem sendo dada a cobertura de guerra nesses jornais?
Verónica
Goyzueta - No ABC, a cobertura de guerra é bem importante.
Por isso, não tem espaço para outras matérias.
A Espanha fez parte da guerra até bem pouco tempo. Inclusive
até pela saída, eles continuam publicando a guerra.
Eles publicam muitos materiais sobre a guerra e, por isso, sobra
pouco espaço para a América Latina e para o Brasil
também.
Por
exemplo, esse domingo eu publiquei a minha matéria mais
lida no ABC. Foi o namoro do Ronaldinho. Não é
uma coisa que me dá muita satisfação. É
uma coisa que me dá curiosidade. Quando eu mando matéria
sobre o Lula, é muito pouco lida.
Ruth
Vianna - É você que pensa em suas pautas?
Verónica
Goyzueta - Eu que penso na pauta. Tem dia que eu penso em
um assunto, mas vejo na Internet que estourou uma bomba e morreram
várias pessoas no Iraque. E eu penso: hoje não
vou publicar nada.
Ruth
Vianna - O que você acha interessante aqui no Brasil para
publicar?
Verónica
Goyzueta - Hoje, por exemplo, eu achei que o negócio
do salário mínimo, uma derrota do governo, era
importante, mas não teria curiosidade lá. Mas
às vezes sou surpreendida. Quando aprovaram a reforma
tributária, eu não mandei a pauta. Mas eles me
ligaram para mandar.
"...acho
que se não fosse por causa da guerra, eu publicaria
muito mais. Inclusive, acho que conseguimos um espaço
hoje porque o Lula é o personagem, é uma personalidade.
Então, ele é um atrativo para fora. Toda a história
dele tem um apelo bem forte. Se estivéssemos nessa
situação na época do Fernando Henrique
Cardoso, não publicaríamos nada".
Ruth
Vianna - Mas isso por causa dos interesses de investimento no
Brasil, né?
Verónica
Goyzueta - Não. Porque foi considerada uma vitória
do Lula.
Ruth
Vianna - O Lula é prestigiado na Espanha?
Verónica
Goyzueta - É. Eu acho que se não fosse por
causa da guerra, eu publicaria muito mais. Inclusive, acho que
conseguimos um espaço hoje porque o Lula é o personagem,
é uma personalidade.
Então,
ele é um atrativo para fora. Toda a história dele
tem um apelo bem forte. Se estivéssemos nessa situação
na época do Fernando Henrique Cardoso, não publicaríamos
nada.
"A
imagem do Lula é muito atrativa para fora. Um cara
que foi sindicalista e operário, não teve formação
intelectual e, de repente, chega aonde chegou...é o
pobre do Brasil chegando ao cargo mais alto do país.
Isso tem muito atrativo".
Ruth
Vianna - O Fernando Henrique não é bem querido?
Verónica
Goyzueta - Não, não é que não
seja bem querido. A imagem do Lula é muito atrativa para
fora. Um cara que foi sindicalista e operário, não
teve formação intelectual e, de repente, chega
aonde chegou... é o pobre do Brasil chegando ao cargo
mais alto do país. Isso tem muito atrativo.
O
Fernando Henrique despertou muita curiosidade no começo
porque ele era um sociólogo. Todo mundo tinha curiosidade
para saber o que um intelectual, que tinha estudado todos os
problemas da América Latina, faria no governo. Todo o
processo durante o governo do Fernando Henrique foi muito forte.
Estavam
todos os investidores de olho no Brasil. Eu escrevia muito sobre
as privatizações e sobre tudo que acontecia na
economia aqui. Eu não sei como será o Lula daqui
oito anos.
Ruth
Vianna - Eu me recordo, no tempo que fiquei na Espanha, que
por duas ou três vezes ficaram esperando o Fernando Henrique
e ele, por final não ia ao país, não ia
para a Espanha. Eu vi que eles não tinham muita simpatia
por este comportamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eles ficavam furiosos...
Verónica
Goyzueta - No final do governo Fernando Henrique, não
tinha mais novidade e não tinha o que publicar. Isso
pode acontecer a qualquer momento com o Lula.
"O
correspondente do La Nación disse que quando se manda
uma notícia, eles acham que o jornalista está
ligando de um orelhão na praia e com água de
coco do lado".
Ruth
Vianna - O que você acha que dentro do que é considerada
notícia, aqui, é de interesse para a Espanha?
Verónica
Goyzueta - Tem muitas notícias usando o estereótipo.
Às vezes você foge do estereótipo porque
mora aqui, conhece a cultura e sabe que aquilo é uma
montagem, mas eles querem a matéria. Eu estava conversando
com a editora este final de semana. Eu ofereci uma nota sobre
os 60 anos do Chico Buarque.
E
ela aceitou. Foi uma nota curta. E, logo em seguida, ela falou
para mandar matérias de verão, mas estamos no
inverno. Eles pensam no Brasil como o país do verão.
Eles acham que vivemos em uma eterna praia. O correspondente
do La Nación disse que quando se manda uma notícia,
eles acham que o jornalista está ligando de um orelhão
na praia e com água de coco do lado.
"Na
época da cobertura do Afeganistão eu achei fraco.
Eu achei que tinha pouca informação. Eu acho
que era um acontecimento muito importante, mas que a imprensa
brasileira deu pouco espaço".
Ruth
Vianna - Você enquanto telespectadora e leitora, como
você definiria a cobertura das guerras do Afeganistão
e do Iraque? E qual o papel dos meios de comunicação?
Verónica
Goyzueta - No caso da cobertura do Afeganistão não
está nem tão fresco porque eu só acompanhei.
Mas em relação ao Iraque, nós fizemos um
trabalho sobre o acompanhamento da guerra e tenho isso muito
mais claro. Na época da cobertura do Afeganistão
eu achei fraco. Eu achei que tinha pouca informação.
Eu acho que era um acontecimento muito importante, mas que a
imprensa brasileira deu pouco espaço.
Ruth
Vianna - Você acha que ela deu pouco espaço por
quê?
Verónica
Goyzueta - Eu tenho a impressão que a imprensa brasileira
se importa muito com o que acontece aqui e dá muito pouca
bola para o exterior.
"O
Brasil não tinha correspondentes no Iraque. Há
uma estrutura de comunicação muito forte, com
grandes empresas de comunicação no mundo e uma
empresa do porte da Globo, e era muito doido não ter
um correspondente da Globo no Iraque".
Ruth
Vianna - Mas você acha que é por questão
política?
Verónica
Goyzueta - Eu acho que, inclusive, é porque não
tem dinheiro para mandar correspondente para o lugar. Já
há algum tempo vivemos uma crise na comunicação.
Isso na guerra do Iraque ficou muito evidente. O Brasil não
tinha correspondentes no Iraque. Há uma estrutura de
comunicação muito forte, com grandes empresas
de comunicação no mundo e uma empresa do porte
da Globo, e era muito doido não ter um correspondente
da Globo no Iraque. Eu pensava que como a Globo, uma potência,
não tem um cara no Iraque. Com os jornais aconteceu a
mesma coisa.
Tem-se
jornais importantes e apenas a Folha de São Paulo conseguiu
mandar dois caras durante um mês. Eles tinham duas pessoas
que ficaram um tempinho mandando crônicas. Nem estavam
cobriam a guerra. Era um trabalho diferente. Pode-se fazer um
diferencial quando se tem outras coisas. Quando se tem um correspondente
de verdade cobrindo, dá para fazer algumas crônicas.
Mas eles tinham uma pessoa para fazer crônicas e outra
para fazer fotos diferentes, mas não tinha ninguém
para fazer um trabalho jornalístico.
Ruth
Vianna - Você acredita que isso comprometa a imprensa
brasileira?
Verónica
Goyzueta - Como não se tem nenhum tipo de censura
na imprensa aqui, tinha-se acesso a tudo que saia nas agências
de qualquer lugar. Então, tinha-se informação.
Mesmo que não se entende, podia pegar a Al-Jazeera. Você
tinha liberdade de acesso a informação que quisesse.
Não
sei como se deram essas coisas nos Estados Unidos, por exemplo,
mas você tinha acesso aqui a um monte de... não
tinha limite. A televisão brasileira transmitia material
da Al-Jazeera, transmitia material da CNN. Tinha tudo o mesmo
espaço. Então, tinha-se essa diversidade do que
se recebia de fora.
"Tem
pessoas que querem fazer denúncias e nos procuram porque
a imprensa brasileira não quer publicar porque tem
o rabo preso por um monte de coisas. Já a imprensa
estrangeira, não. Se eu ligar para o meu editor, falar
que tem uma matéria sobre o Requião, que ele
nem conhece, e ele achar interessante, ele vai publicar".
Ruth
Vianna - Você acha que não tem censura na imprensa
brasileira?
Verónica
Goyzueta - Nesse caso, não. Na verdade, a imprensa
brasileira não tem... Para trazer coisas do exterior
não tem nenhum... Tem para os que vivem aqui. Uma vantagem
da imprensa estrangeira onde está é um pouco isso.
As pessoas procuram o correspondente estrangeiro para oferecer
pautas que aqui não são publicadas.
Por
que o Requião já nos chamou três vezes?
Porque ele não tem espaço na mídia brasileira.
Então, ele procura os correspondentes estrangeiros. É
uma sacada de uma pessoa esperta. Ele já levou os correspondentes
ao Paraná. Para qualquer matéria feita no Paraná,
o correspondente vai encontrar toda uma estrutura para trabalhar.
Tem
pessoas que querem fazer denúncias e nos procuram porque
a imprensa brasileira não quer publicar porque tem o
rabo preso por um monte de coisas. Já a imprensa estrangeira,
não. Se eu ligar para o meu editor, falar que tem uma
matéria sobre o Requião, que ele nem conhece,
e ele achar interessante, ele vai publicar.
Ruth
Vianna - Mas nós recebemos informações
das agências e às vezes os jornais e a televisão
nem trabalham o texto. Eles não vão falar mal
dos Estados Unidos. Eu acho que o jornal impresso fala de todos
os lados. A televisão deixa muito... muito a desejar...
Verónica
Goyzueta - Eu acho que em algum canal específico
da televisão pode até ter isso. Nesse momento
não vou saber diretamente quem pode ter alguma censura.
Aqui na mídia, os Estados Unidos são detestados.
Ninguém gosta do Bush.
Ruth
Vianna - Isso por parte dos jornalistas, não pelos donos...
Verónica
Goyzueta - Na Globo tem espaço para o Arnaldo Jabor,
que chama o Bush de psicótico, de retardado e de nazista.
Todo xingamento que se pode ouvir de alguém, o Jabor
já falou. Quer dizer, não tem censura aí.
Na imprensa da Globo ninguém gosta dos Estados Unidos,
um país que provoca uma guerra.
Eu
acho que o governo Bush não tem nenhuma simpatia na imprensa
brasileira. Por outro lado, tinha canais, e acho que até
na Globo, que transmitiam material da Al-Jazeera. Tinha material
traduzido e até eles citavam que na Al-Jazeera saiu tal
informação...
"A
única coisa que não tinha e foi muito fraco
foi o fato de a imprensa não poder investir e ter gente
lá. Não teve ninguém do Brasil. Mas antes
que eu me esqueça, só teve um correspondente
no Iraque. Era o Sérgio Calili que estava por conta
própria e mandava coisas para a revista Caros Amigos.
Mas chegou um momento em que ele não podia se sustentar,
não deu para ficar e ele teve de voltar. Depois, ele
voltou outras vezes e ficou mais tempo no Iraque. Era muito
caro ficar no Iraque. Em uma guerra, o governo iraquiano cobrava
e a pessoa tinha de pagar uma diária".
Ruth
Vianna - Aí tem de ver de que forma eles transmitiam...
Verónica
Goyzueta - Sempre têm seus interesses, seus jeitos.
Mesmo assim, tinham espaço. Nesse sentido, o Brasil não
tinha nenhum rabo preso com os Estados Unidos nem com a guerra
do Iraque. Pelo contrário, a imprensa brasileira foi
supercrítica nesse espaço. A única coisa
que não tinha e foi muito fraco foi o fato de a imprensa
não poder investir e ter gente lá. Não
teve ninguém do Brasil. Mas antes que eu me esqueça,
só teve um correspondente no Iraque.
Era
o Sérgio Calili que estava por conta própria e
mandava coisas para a revista Caros Amigos. Mas chegou um momento
em que ele não podia se sustentar, não deu para
ficar e ele teve de voltar. Depois, ele voltou outras vezes
e ficou mais tempo no Iraque. Era muito caro ficar no Iraque.
Em uma guerra, o governo iraquiano cobrava e a pessoa tinha
de pagar uma diária.
Ruth
Vianna - E qual o papel da Internet nessa guerra das tecnologias?
Verónica
Goyzueta - Para mim, particularmente, foi ótimo.
Se a pessoa não gosta de ler o que sai na imprensa normal,
tinha-se meios de conseguir jornalistas independentes que estavam
no Iraque e mandavam informações por blogs.
Tinha
um correspondente que contava todos os dias em seu blog* tudo
que acontecia. O blog ficou tão famoso. Um dia ele se
desconectou e não tinha acesso à Internet. Então,
o povo achou que ele tinha morrido. A Internet virou um espaço
importante para a comunicação.
Ruth
Vianna - E você quanto jornalista que olha e procura ver
o Brasil de forma crítica, como você vê a
informação nas emissoras de televisão do
Brasil? Você assiste a muitos telejornais?
Verónica
Goyzueta - Eu assisto porque tenho obrigação.
Depois de todos os jornais que leio, eu assisto, no geral, os
telejornais da Globo, porque acho que temos que ver, e, quando
dá, assisto ao do Boris Casoy e do Paulo Henrique Amorim.
"Agora,
uma coisa que me chamou a atenção quando cheguei
é que eu achava os telejornais muito curtos. Eu estava
acostumada a telejornais de uma hora e quarenta, uma hora
e meia. Aquela coisa muito pasteurizada da notícia
em 30 segundos me custou um pouco para entender".
Ruth
Vianna - Desses, qual você acha que é o melhor?
Que traz mais conteúdo e que informa?
Verónica
Goyzueta - O que me ajuda mais no trabalho é o da
Ana Paula Padrão porque tem um enfoque econômico.
Eles falam bastante de bastidores e da parte política.
Outro que ajuda muito e que eu acho muito bom é o da
manhã, o Bom Dia Brasil. Depois, os outros têm
menos recursos.
Às
vezes, tem menos informação ou a mesma informação
em todos os lugares. Mas até o da Gazeta eu gosto. Eles
me passam credibilidade, parecem sérios. O jornal da
Cultura também é legal, mas não assisto
todos os dias. Aos telejornais da Globo eu tento assistir todos
os dias porque tudo que sai na Globo está tendo alguma
repercussão.
Às
vezes, eles têm alguma notícia que tem repercussão
e você tem de ficar meio ligado. Agora, uma coisa que
me chamou a atenção quando cheguei é que
eu achava os telejornais muito curtos. Eu estava acostumada
a telejornais de uma hora e quarenta, uma hora e meia. Aquela
coisa muito pasteurizada da notícia em 30 segundos me
custou um pouco para entender.
Depois,
eu me acostumei. Hoje, às vezes, acho que as outras televisões
têm jornais muito longos. Eu achava que faltava informação
e eu sentia que o noticiário era muito focado no Brasil,
que tinha poucas notícias do exterior. A parte dedicada
ao exterior era muito curta. Isso não só no jornal
na televisão, mas nos jornais impressos também.
E a cobertura da América Latina era pífia. Não
existia América Latina. Aliás, ainda não
existe. Isso é muito doido no Brasil.
Ruth
Vianna - Você acha que a forma como os telejornais transmitem
faz com que o telespectador entenda a informação?
É compreensível ou precisaria ser mudada a forma
de construção da notícia?
Verónica
Goyzueta - Eu acho que com esse formato eles conseguem chegar
às pessoas. É uma coisa muito rápida. Mas
também eu acho que nivela por baixo. Eu estava acostumada
a jornais que tinham mais análise. Eu nasci no Peru.
E eu não sei se nós estamos mais politizados.
Então, nós temos muito mais conhecimento do que
se passa em outros países e do que passa lá fora,
no resto da América Latina. No Peru, o programa de mais
sucesso era um veiculado aos domingos, de um jornalista.
"De
repente, você chega e encontra algo superpasteurizado
e matérias de 30 segundos. Às vezes, eles têm
até umas reportagens legais. E é tudo de efeito
visual. O estúdio é todo futurista. Eles pendurados
no meio da redação. Parece que daqui a pouco
vão pegar o disco voador e vão embora. Mas a
Globo tem essa mania. Se você prestar atenção,
verá que usam o futuro para tudo. O disco voador é
usado em tudo".
Ruth
Vianna - O programa de domingo aqui é o Fantástico...
Verónica
Goyzueta - O programa de domingo aqui é o Fantástico,
que é uma bobagem. Tem uma parte jornalística
fraca ou muito apelativa. O Fantástico é muito
longo e tem um monte de matérias bestas. No Peru, o programa
de maior audiência era o programa de entrevistas políticas
(do César Hildegard e outros de reportagens, de descobrir
escândalos.
Foram
esses programas que ajudaram a derrubar o Fujimori. Esses programas
eram longos e os jornais eram longos, de mais de uma hora. De
repente, você chega e encontra algo superpasteurizado
e matérias de 30 segundos. Às vezes, eles têm
até umas reportagens legais. E é tudo de efeito
visual. O estúdio é todo futurista.
Eles
pendurados no meio da redação. Parece que daqui
a pouco vão pegar o disco voador e vão embora.
Mas a Globo tem essa mania. Se você prestar atenção,
verá que usam o futuro para tudo. O disco voador é
usado em tudo. Eles cobrem o Carnaval da Marquês de Sapucaí
pendurados em uma cápsula de vidro.
"Não
que os brasileiros sejam burros, eu não estou falando
isso. Mas são muito desinformados. Ao mesmo tempo em
que sabem tudo sobre os Estados Unidos e a Europa, não
sabem nada sobre a América Latina. Eles não
sabem quem é o presidente do Paraguai. Isso me choca
um pouco".
Ruth
Vianna - Tem algo que não falamos que é importante
ressaltar no papel de correspondente, mesmo dentro desse aspecto
da análise da televisão, da imprensa no Brasil?
Verónica
Goyzueta - Uma coisa que sinto falta é de uma cobertura
da América Latina, que acaba gerando uma desinformação
no país. Os brasileiros falam muito mal dos americanos,
que os americanos são burros e desinformados.
Mas
acaba se tendo um pouco esse efeito no Brasil também.
Não que os brasileiros sejam burros, eu não estou
falando isso. Mas são muito desinformados. Ao mesmo tempo
em que sabem tudo sobre os Estados Unidos e a Europa, não
sabem nada sobre a América Latina. Eles não sabem
quem é o presidente do Paraguai. Isso me choca um pouco.
Eu
sinto que somos muito desinformados. Mas eu também tenho
a percepção que a gente tem essa visão
sempre pra cima. O Peru olha para o Brasil porque o Brasil é
um país grande, olha em sua volta porque tudo a sua volta
é maior. O Peru olha para os Estados Unidos, para a Europa
e para os países vizinhos. O Brasil já não
olha para nós. O Brasil não tem nenhum interesse
na América Latina.
O
Brasil olha para a Europa. Ao mesmo tempo, os peruanos não
olham para a África. Pergunte a algum peruano o que ele
sabe da África. Ele não sabe nada da África.
Eu acho que tem essa coisa de querer olhar mais para frente
e não querer olhar para os pobres, para os que estão
por baixo.
São Paulo, Brasil, maio de 2004.
*Blog.
Verônica Goyzueta, Presidenda da Associação
dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo, em seu
artigo Jornalismo na Guerra: nossas falhas em evidência
relatam a importância das novas tecnologias na transmissão
de informações sobre a guerra do EUA versus Estados
Unidos. Considera positiva "a liberdade oferecida pelo
ciberespaço". Segundo ela "centenas de sites
caseiros, profissionais, de jornalistas independentes, de ONGs,
disseram o que quiseram, mesmo para um número limitado
de leitores".
Para
ela, "com a grande mídia sendo criticada e discutida,
os sites antiguerra eram a alternativa barata para o comunicador
que tinha à mão um computador e a internet. Jornalistas
free lances colocavam suas crônicas no ar em páginas
pessoais, em blogs (diários virtuais). Eles formaram
uma verdadeira rede com enlaces com outras páginas similares
e com o mesmo fim: criticar a guerra do Palestine e dos exércitos
aliados".
O
destaque mais significativo dessas páginas, escreve Goyzueta
"foi o blog do jovem iraquiano conhecido na internet como
Salam Pax (paz em árabe e em latim), que virou praticamente
um correspondente de guerra com suas crônicas diárias
(http://
dear_raed.Blogspot.com). Chamado de 'o Anne Frank'
dessa guerra pelo empresário de internet blogueiro Nick
Denton (www.nickdenton.org)",
em Guerra e imprensa: Um olhar crítico da cobertura
da guerra do Iraque, Summus Editorial, São Paulo,
2003, págs. 51-62.
*Entrevista
concedida por Verônica Goyzueta (Correspondente internacional
no Brasil do ABC da Espanha e Presidenta da Associação
dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo - ACE -
SP) à jornalista Ruth Vianna, como parte de sua pesquisa
de Pós-Doutorado [CJE-NJC- ECA-USP] sobre a Categoria
profissional do jornalista correspondente de guerra e seu papel
nos telejornais brasileiros, portugueses e espanhóis
na construção do drama humano, através
do uso de palavras, imagens e sons, sob a direção
do Prof. Emérito Dr. José Marques de Melo.
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