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Fórum


Série "Correspondentes de Guerra"
Não tem cobertura
jornalística de guerra no Brasil

Categoria profissional do jornalista correspondente internacional de guerra: subsídios para uma classificação do gênero informativo no Brasil, Portugal e Espanha

Depoimento de Cristiana Mesquita a Ruth Vianna*

A longa e emocionante entrevista que publicamos abaixo faz parte de uma série de entrevistas que realizamos para a pesquisa de pós-doutorado que desenvolvemos no Departamento de Jornalismo e Editoração, no Núcleo de Jornalismo Comparado, da ECA-USP, sob a orientação do Prof. Emérito José Marques de Melo. Este trabalho será publicado, oportunamente, em livro específico para este fim.

Já entrevistamos correspondentes internacionais de guerra como Josep Lluis Nicolas (Barcelona, 1996, da TV-3 Catalunya), quando iniciou nosso interesse pelo tema. Nicolas havia coberto todas as guerras dos últimos vinte anos, sendo as suas últimas Bósnia e Kosovo. Aqui no Brasil falamos com o veterano de guerra Luiz Edegard de Andrade (maio de 2004, Rio de Janeiro, ex-diretor de Jornalismo da Rede Globo e atual comentarista de telejornais da TVE do RJ, que esteve no Vietña cobrindo a guerra) e autor do recente livro publicado Bao Chi Bao Chi, sobre a Guerra no Vietña; vários correspondentes internacionais da ACE-SP, tais como a presidenta da Associação dos Correspondentes Estrangeiros em SP, a jornalista peruana Verônica Goyzueta, e o jornalista argentino Carlos Turdera entre outros. A ACE-SP vem nos dando apoio como fonte desta nossa pesquisa, disponibilizando vários materiais sobre o assunto.

Ainda, várias obras e sites sobre correspondentes de guerra vem sendo pesquisadas por nós. Indicamos as obras Guerra e imprensa: Um olhar crítico da cobertura da Guerra do Iraque, com prefácio de Heródoto Barbeiro, organizado pela ACE-SP e lançado pela Summus Editorial, São Paulo, 2003. Também as obras de Gore Vidal, principalmente Sonhando a Guerra: Sangue por petróleo e a Junta Cheney Bush, com prefácio de Luiz Fernando Veríssimo, cuja edição é da Editora Nova Fronteira, 2002. A obra de Luis Edegard de Andrade Bao Chi Bao Chi, sobre a Guerra no Vietña é uma obra prima que retoma a importância de se pesquisar a fundo o papel e a função do correspondente de guerra em nosso país (Ver www.editoras.com/objetiva/442-9.htm).

Figuras como José Hamilton Ribeiro e Joel Silveira, Juarez Bahia, entre outros também fazem parte dessa investigação, que serão pouco a pouco colocadas à disposição do público leitor.


“Em cobertura de guerra (...) agora, pelo menos a gente aprendeu com isso, né...? Fonte oficial da Casa Branca (...) jamais...”

Leia abaixo o depoimento de Cristiana Mesquita (Correspondente internacional de guerra da Associated Press) à jornalista Ruth Vianna como parte de sua pesquisa de Pós-Doutorado (NJC/CJE/ECA/USP) sobre a Categoria profissional do jornalista correspondente de guerra e seu papel nos telejornais brasileiros, portugueses e espanhóis na construção do drama humano, através do uso de palavras, imagens e sons, sob a direção do Prof. Emérito Dr. José Marques de Melo.

Cristiana Mesquita, a única jornalista brasileira que esteve no front da Guerra do Iraque, 46 anos, de família sergipana, mas se considera baiana, do Rio de Janeiro... enfim... brasileira e cidadã do mundo. Viveu em Londres desde os seus 18 anos de idade, quando foi para lá acompanhar o marido, o jornalista Antonio Brasil que foi trabalhar na Central de Correspondentes da Rede Globo, de Londres.

Ex-bailarina clássica, estudou balé em Moscou aos 14 anos de idade; mas em umas de suas férias se encantou com a vida dos jovens londrinos (pintou o cabelo de azul, ouviu muito rock... e muito mais...) e, depois acabou voltando para o Rio de Janeiro, retomando os palcos de balé, tendo como sua mestra–disciplinadora a professora ucraniana Eugenia Feodorova que ensinava na supertradicional companhia de balé do RJ, Fundação Brasileira de Balé.

Foi ai que conheceu um cinegrafista da Rede Globo que foi fazer uma cobertura de dança na qual participava, o jornalista Antonio Brasil, que após um amor a primeira vista tornou-se seu marido pouco tempo depois; casaram-se e foram viver em Londres, onde Brasil foi trabalhar. Mesquita tentou continuar na dança mas os trabalhos que apareciam nesta área eram todos fora da Inglaterra.

Passou então a sair e fazer matérias com o Antonio Brasil e a repórter Sandra Passarinho - “sua guru até hoje” -, conforme nos conta. Ai foi-se encantando pelo trabalho e passou a fazer alguns “bicos” free-lancer para uns correspondentes escandinavos, já realizando alguns trabalhos mais sérios. Em 1983, trabalhou algum tempo para a Globo do Rio. Foi contratada pela Worldwide Television News (WTN), que não existe mais.

Nestas idas e vindas de Cristiana Mesquita pelo mundo afora cobrindo guerras, a jornalista tem em seu currículo nove vezes para a Bósnia, correspondente ao período de 1992 a 1995; em 1995 cobertura de guerra em Kosovo , que segundo ela foi – “um golpe de misericórdia: lá estavam apenas 25 jornalistas, de tão louco que era estar ali naquele momento” [1]; depois de Kosovo diretamente para o Haiti e; em outubro de 2001 continuou sendo a única jornalista brasileira de TV a chegar e a cobrir a guerra no Afeganistão quando os Estados Unidos atacaram e; depois em 2003 continuou sendo a única jornalista brasileira de TV a cobrir a guerra dos EUA versus Iraque no front, como jornalista embbeded (embutida) nas Tropas Americanas.

Mudanças enquanto pessoa

Em tantas guerras cobertas Cristiana Mesquita tem muitas estórias e história, que são contadas em várias entrevistas pela correspondente internacional que tem já mais de vinte anos cobrindo guerras, inclusive que perdeu a mãe quando estava trabalhando no front, mas teve que suportar dor tamanha por estar a muitos quilômetros de distância, pois estava em Jabalsarad. Muitas destas estórias, histórias e cenas, segundo a correspondente, provocaram mudanças nela enquanto pessoa. Em entrevista ela recorda cenas que jamais esquecerá:

“(...) em Mostar, na Bósnia (...) O grande orgulho da cidade era que, apesar de tudo, a padaria funcionava e tinha pão todo o dia. Para ilustrar isso tínhamos de sair de manha com uma mulher para comprar pão. Podíamos morrer no meio do caminho, mas era aquela coisa de se apegar às rotinas para se manter são. Ela foi pegar a sacola antes de sair, muito abatida, cabelo sujo, e, antes de abrir a porta, abriu a bolsa, tirou um batom e passou. Achei absolutamente genial. A sanidade e a civilidade estão em pequenos atos. As coisas dela estavam quebradas lá no canto, mas tem certas coisas que são sagradas. Para ela, era o batonzinho. Tem certas coisas que têm de ser sagradas e você tem que arranjar um jeito de faze-las em qualquer situação” [2].

Mantendo a estabilidade psicológica

Uma figura alegre, gentil, sutil sem deixar esconder atrás de seus olhos azuis claros uma vivacidade contagiante, expressão típica do profissional que sabe ter cumprido o seu papel com eficiência e responsabilidade.

É mãe de dois belos filhos, o Gabriel, 20 anos e a Julia de 14 anos. E sempre que está em casa, fora front da guerra tenta levar a vida mais rica e saudável que existe, participando de toda a rotina dos filhos: reunião escolar, shopping, deveres de casa, etc.

Sem formação superior, não passou pelas escolas ou faculdades de jornalismo. Começou na atividade por pura vocação, servindo cafezinho lá para os correspondentes em Londres, mas sempre dava um jeitinho de ir dando a sua opinião e participando da rotina de trabalhos dos correspondentes, que viviam em Londres nos anos 70. Acabou saindo para fazer as reportagens junto com os correspondentes e; logo em seguida; já saia sozinha e fazia as coberturas se transformando em mais uma jornalista correspondente da sucursal de Londres.

De lá para cá, em seu vasto currículo é a correspondente brasileira que mais cobriu as guerras. Esteve em Saravejo; Iugoslávia; Bósnia; Irã; Kuait; Afeganistão e, agora, no Iraque. Em maio de 2004, quando a entrevistamos em sua residência no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, tinha recém chegado do Iraque e já estava de malas prontas... quer dizer com a mudança praticamente empacotada, para mais uma missão: Chefiar o Bureau de Correspondentes da AP em Buenos Aires, Argentina.

“No Brasil, porém, (Cristiana Mesquita) não pode trabalhar. Falta-lhe o papel...” (Antonio Brasil)

O jornalista Antonio Brasil, marido da correspondente, com quem esteve casada 23 anos e que ela faz questão que de dizer que ainda são um casal, pois vivem uma vida de mais do que eternos enamorados, mas de verdadeiros amigos e parceiros profissionais, em 31 de outubro de 2001 escreveu uma matéria instigante e afetuosa sobre Cristiana Mesquita no http://especiais.no.com.br da revista/noticias/42793/1006048780000 , intitulada No coração da guerra, na qual Brasil retoma a questão da exigência do diploma para jornalista, uma vez que a juíza Carla Abrantkoski, da 16a. Vara Federal em São Paulo, decidiu que a exigência do diploma para jornalista é inconstitucional, o que para o jornalista “valeria lembrar da história de Cristiana Mesquita, repórter de televisão freelancer, 20 anos de profissão e veterana de diversas guerras, do Kosovo ao Haiti”, sendo “a única jornalista de TV brasileira que conseguiu entrar no Afeganistão. No Brasil, porém, (Cristiana Mesquita) não pode trabalhar. Falta-lhe o papel”, diz Antonio Brasil.

Em tom candente, Antonio Brasil relata em qual cenário a repórter correspondente internacional trabalha, sem ser reconhecida oficialmente como jornalista em seu próprio país, embora realize trabalhos jornalísticos da maior relevância:

“Aos 44 anos, Cristiana está morando num barraco feito de barro dividido com alguns outros correspondentes estrangeiros em Jamal al Sarad, a 70 quilômetros da capital, Cabul. Além de muito próxima da linha de frente Taliba, também está ao lado dos alvos militares de centenas de jovens pilotos norte-americanos com seus caças maravilhosos e bombas inteligentes. Como ela mesmo diz com seu jeito descontraídos e resíduos de bom humor, ‘considerando os inúmeros erros, talvez as inteligências dessas bombas e de alguns militares aliados estejam em dúvida’” [3].

“Entre as limitadas fontes do Pentágono e as declarações fervorosas dos líderes Taliban, alguns jornalistas precisam ir onde as notícias estão.”

Continuando, o jornalista Antonio Brasil diz “Mas não existe qualquer dúvida, mesmo para os mais desligados de que não parece ser uma boa idéia estar tão próximo desse tipo de notícia. Não seria melhor só descrever as imagens produzidas por outros jornalistas de qualquer outro lugar? ‘Não para mim. Alguém tem que fazer este trabalho e, por enquanto, também acho que esse alguém é eu.’ Entre as limitadas fontes do Pentágono e as declarações fervorosas dos líderes Taliban, alguns jornalistas precisam ir onde as notícias estão” [4].

Brasil conta ainda que “centenas de jornalistas, de diversos países, aguardam há semanas por uma oportunidade de chegar até a linha de frente. Em pequenos aeroportos do Tajiquistao e Usbequistao, ou mesmo da fronteira do Paquistão, estão dispostos a esperar muito e a pagar fortunas por uma carona num dos poucos helicópteros que se atrevem a desafiar o poderio aéreo americano. É uma viagem difícil que deve ser conduzida por pilotos experientes numa rota sinuosa e delicada por entre cadeias de montanhas, onde o clima é imprevisível” [5].

Mas este não foi o caminho escolhido por Cristiana Mesquita conforme ela já nos falara em entrevista, além de ter “a obrigação de acompanhar duas toneladas de equipamentos que servem a todas as televisões do mundo” (...) [6] “seguiu por terra”. Brasil relembra que “foram quatro dias e três noites atravessando em dois caminhões uma trilha utilizada apenas por contrabandistas, mulas; e velhos guerrilheiros mujahedins. Talvez explique porque tão poucos jornalistas brasileiros conseguiram entrar em território afegão quanto mais chegar à linha de frente” [7], relata o jornalista.

O jornalista conta também que Cristiana Mesquita “foi contratada pela APTV, a agência internacional de notícias para televisão da Associated Press para fazer o impossível: levantar um posto avançado para muitos jornalistas de todo o mundo que precisam, mesmo que seja por alguns minutos, experimentar e transmitir os horrores da guerra. Todo esse trabalho para fornecer as imagens e informações da guerra vista de todos os ângulos e por todas as suas vítimas” [8].

O fato é que somente depois de todo este esforço pessoal e profissional é que Cristiana Mesquita sendo a única jornalista brasileira a estar cobrindo a guerra efetivamente no Afeganistão, no front dos acontecimentos é que a Rede Globo de Televisão resolveu convidá-la e contratá-la para estar transmitindo diretamente do Afeganistão para os telejornais da Rede Globo e da GloboNews:

“No Brasil, seu rosto congelado numa foto improvisada de última hora está freqüentando os telejornais da Globo e da GloboNews. Cristiana se tornou nossos únicos olhos e nossa única voz diretamente do Afeganistão”, enfatiza Antonio Brasil” [9].

Naquele momento, Brasil realizou uma entrevista direta com Cristiana Mesquita para publicação on-line, de Cabul por telefone via satélite, na qual a correspondente internacional falava das dificuldades de seu trabalho arriscado, mas principalmente da pior dificuldade que era não poder trabalhar como jornalista em seu próprio país (Brasil) por não possuir o diploma de jornalista, embora já ter exercido mais de vinte anos de jornalismo freelancer para várias televisões de diversos países, mas não pode trabalhar como jornalista no Brasil.

Nesta entrevista, dada em tempo real, através de cabos telefônico e satélite, Cristiana Mesquita dizia “(...) aqui no vale do Pashtan, no Afeganistão, estou trabalhando com velhos companheiros de outras guerras. Gente de diversos países que como eu precisam trabalhar para viver (...) Estou numa pequena cidade chamada Jabal al Sarad que fica a aproximadamente 70 quilômetros ao norte de Cabul, próximo das linhas de frente das forças da Aliança do Norte (...) Fiz provavelmente a pior viagem da minha vida (...) Parecia um cenário bíblico. Além dos perigos de emboscadas e minas terrestres, eram desertos desolados e montanhas com mais de 4.000 metros de altura e temperaturas abaixo de zero durante a noite e calor durante o dia.” [10].

Cristiana Mesquita tentava descrever o mais fiel possível tudo o que ocorria com ela e sua equipe lá em Jabal al Sarad para o jornalista Antonio Brasil:

“Alugamos uma casa e instalamos nossos equipamentos para a transmissão de televisao. Acordo às 7h30 sempre mas não tenho hora para dormir. Temos aqui equipes de diversos países como os EUA, Japão, Itália, Espanha e tantos outros e, com as diferenças de fusos horários, geramos matérias e transmissões ao vivo o tempo todo. Costumo sair pela manha para saber o que está acontecendo e assistir aos briefings diários da Aliança do Norte. Na medida do possível, gravamos os bombardeios americanos e visitamos os locais atingidos. Também produzimos matérias para os nossos clientes da APTN. Falo regularmente com nossa central em Londres com o telefone via satélite. (...) As condições de vida são sempre muito precárias. Mas, ainda assim, elas são bem melhores do que as condições dos afegãos... A maioria nunca viu um dia de paz nos últimos 30 anos...” [11].

Da sua base, no escritório em Londres, Criatiana Mesquita passou a viajar o mundo, assim ela é sergipana, baiana, carioca, londrina, latino-americana, de Bósnia; depois Saravejo; Iugoslávia; Afeganistão; Kosovo; Haiti; Iraque... Cristina Mesquita é – não importa a nacionalidade – é simplesmente, repórter, jornalista, cidadã do mundo.

A sua longa experiência é notória, mas nem por isto deixa de ser um ser humano apaixonado pela vida, pelo que faz, com garra, energia... não deixa de ser mãe e a emoção de ser mãe... Mesmo tendo visto e vivido de perto as atrocidades de cada uma dessas guerras; não deixa de se emocionar, de ter vínculos de afetividade pelo ser humano, principalmente com a população de cada país onde esteve, dos refugiados.

Esteve embutida nas Tropas Americanas para cobrir a guerra do Iraque, mas nem por isto deixou de ter uma visão crítica, tendo como princípio à ética em cada um dos trabalhos realizados. Cristiana Mesquita, ou simplesmente Tilt, como é carinhosamente chamada no meio jornalístico nos conta um pouco de todas estas suas experiências. O maior sonho da repórter é ainda poder cobrir um desfile de modas nos palcos de Paris e Milão.

Pela WTN, cobrindo as Guerrilhas de El Salvador e Nicarágua

Na WTN realizava todo tipo de reportagens: de esporte, a economia, a política, mas que não tinham nenhuma visibilidade pública, até que realizou uma reportagem especial sobre um grupo de missionários norte-americanos, de mau caráter, como diz, chamado New Tribles Mission, “especialistas em ir a lugares completamente remotos para evangelizar as pessoas” [12], conforme publicou a TPM (Revistatpm.com.br). Fazia isto com uma tribo no Pará conta: “uma tribo do Pará que nunca tinha tido contado com o homem branco” [13].

A matéria teve uma repercussão ótima. Após este êxito jornalístico Cristiana Mesquita passou a realizar trabalhos mais duros (hards), como costuma brincar: cobriu as Guerrilhas em El Salvador e na Nicarágua. Segundo ela, “fazia contato com os guerrilheiros, passava a noite no meio do mato, nas trincheiras” [14]. Mas, ainda, este não era o perigo maior.

Cristiana iria cobrir trabalhos mais arriscados como as ditaduras no Chile e na Argentina. Após estas experiências todas, quando estourou a Guerra na Bósnia foi enviada para lá, uma vez que existiam poucos jornalistas com toda esta bagagem profissional de cobertura jornalística de riscos [15].

Vivendo na cidade mulçumana de Srebrenica

Em 1992, quando do começo do cerco a Saravejo, Cristiana Mesquita foi enviada a Belgrado, Iugoslávia, onde ficaria administrando o escritório da Agência, mas para ela já que estava lá - no lugar dos acontecimentos -, era muito difícil ficar só no escritório. Em entrevistas ela conta como a “coisa estava feia” e começa, então, “sair por dentro da Bósnia e realizar matérias” [16]. Realiza importantes reportagens na pequena cidade mulçumana de Srebrenica. Segundo ela, “o exército sérvio cercava a cidade havia oito meses, nada entrava ou saia de lá. Os civis estavam passando fome, e o local estava sendo bombardeado diariamente” [17].

Mesquita conta que um caminhão da ONU estava tentando entrar com roupas, comida e medicamento e ela decide entrar junto” [18], sendo este o seu grande desafio.

Na Bósnia Mesquita trabalhava com dois cinegrafistas sérvios, o que era complicado, pois se os mulçumanos os descobrissem eles morreriam. Cristiana diz que não teve dúvidas, após uma longa conversa com os dois “falsifiquei as carteiras de trabalho deles, coloquei como italianos e fomos” [19]. O sucesso deste trabalho após realizar excelentes matérias rendeu a Cristiana Mesquita aumento de salário e mais oito viagens para Bósnia.

Nesta suas coberturas de guerra em todos estes países Mesquita viveu muitas situações de perigo. Uma delas foi em Mostar (Bósnia), em 1993.

Mesquita conta que:

“A cidade estava dividida e sendo bombardeada com cerca de 300 impactos de artilharia por dia, fogo pesado. Resolvemos sair de manha para ver onde estava a linha de frente, se tinha avançado ou recuado. Quando chegamos, começou o bombardeio. Eu e o cinegrafista corremos com o equipamento pesado sem saber para onde ir, até que um oficial mulçumano me pegou pela camisa e me jogou no porão. O cinegrafista veio atrás e nós ficamos ali umas cinco horas. Era um abrigo do exército, então eles traziam os feridos. Tinha cheiro de sangue, de urina, de medo. É uma dessas situações na qual ou você se ocupa, ou enlouquece” [20].

“Não estava ali para lutar e curar, mas para observar, o que, se você pensar, é a coisa mais inútil que se pode fazer numa guerra.”

Para não morrer louca naquele local sórdido, Cristiana conta que para passar, inclusive o medo, ela passou a se ocupar com “os soldados que iam sendo trazidos, alguns muitos feridos” [21]. Cristiana se recorda que “eles choram, chamam pela mãe, seguram em você, que tem que acompanhar todo aquele sofrimento e quieta. Isso dá uma tremenda sensação de impotência. Não estava ali para lutar e curar, mas para observar, o que, se você pensar, é a coisa mais inútil que se pode fazer numa guerra. Então procurava me ocupar. Limpava ferida, conversava com os caras, trocava gaze de olho” [22].

“O barulhinho da bicicleta... isso virou um pesadelo recorrente...”

Quanto ao cinegrafista, entrou em estado de choque: “bebemos uma garrafa de Jack Daniel’s naquele porão e o único movimento que ele fazia era levantar a garrafa até a boca. Não falava nem olhava para nada” [23]. Parado os bombardeios eles “foram em direção ao carro, correndo em ziguezigue, por causa de uns franco-atiradores. De repente ele parou e colocou a câmara no ombro. Ouvi o barulho das rodas de uma bicicleta, em que vinha um velhinho. Eu falava: - Pára, pára!’. Quando o senhor cruzou a rua, foi atingido. O atirador que estava me perseguindo desde que sai do porão atirou no velho para me atrair. Sabendo disso, não pude fazer nada e o velhinho morreu na minha frente. Isso virou um pesadelo recorrente, o barulhinho da bicicleta” [24].

Cristiana Mesquita e sua equipe viveram em Vitez, na Bósnia Central por mais de dois meses, esperando as tropas croatas avançarem, sobreviveram a bombardeios nesta casa.

“Em Saravejo vi cenas horríveis”

Em Saravejo se juntaram à equipe da WTN a equipe da agência de noticias Reuters. Cristiana enfrentou péssimas condições de transporte até chegar a Saravejo, segundo ela “era um verdadeiro evento chegar a Saravejo: tinha que pegar um vôo militar na ONU em Zegreb, na Croácia, cuja condição para entrar no avião era ter capacete e colete à prova de balas. Ai você se sentava no chão, espremida em meio a toneladas de equipamentos, fazendo força com o pé para que eles não despencassem na sua cabeça. Uma hora e meia e muito frio, por causa da despressurização. Como se não bastasse, o passageiro ainda eram recebidos a tiros, dados pelos sérvios” [25], relembra.

Um dos acontecimentos mais horríveis presenciados pela jornalista Cristiana Mesquita em Saravejo, a pior guerra que cobriu por ser uma guerra civil, foi o dia em que explodiram o mercado, que segundo ela “era a única coisa que tinha sobrado da vida social da cidade” [26]. Ela conta que ele “foi totalmente bombardeado numa hora de muito movimento.

Chegamos lá em seguida e foi difícil ver o desespero das pessoas. Além disso, tínhamos que fazer plantões em determinados pontos onde era só deixar a câmera ligada que, mais cedo ou mais tarde, alguém morria na frente da lente. Este tipo de trabalho era horrível (...)” [27].

“A saída foi ir pelo Tadjiquistão”

Em outubro de 2001 quando os Estados Unidos atacaram o Afeganistão Cristiana Mesquita ao invés de entrar pelo Paquistão como fez a maioria dos jornalistas, ao saber que ninguém conseguiria passar por lá, resolveu ir pelo Tadjiquistao. Ela nos diz que sabia exatamente aonde queria chegar: “em Jabalsarad, o último enclave da Aliança do Norte antes de Cabul, a 70 quilômetros da capital afegã” [28]. Mas nem tudo foi tão simples assim: “antes de sair, olhando no mapa, parecia factível pegar um jipe e andar 250 quilômetros, mas a situação era completamente diferente. Foram quatro dias para fazer o trajeto em um caminhão russo, onde colocamos o equipamento, e dois Toyotas velhíssimos. Quase não dormimos por causa do frio, ficamos sem comer, fazendo xixi na moita” [29].

Em Jabalsarad, Cristiana Mesquita e sua equipe alugaram a casa de uma família muito pobre e viveram lá por mais ou menos um mês e quando Cabul caiu, se mudaram para lá, acompanhando de perto a entrada das tropas da Aliança do Norte na cidade.Mas tudo isto não foi uma operação fácil de se realizar, Cristiana Mesquita conta que:

“Assim que cheguei, dei meia-volta. Tinha de voltar a Jabal para transmitir o material. Mandei os cinegrafistas entrarem e continuarem gravando. Não tínhamos mais dinheiro e o pessoal que alugou a casa para a gente começou a suspeitar disso. Disse a eles que ficaria lá como garantia, mas, quando eles deram uma trégua, me mandei de volta para Cabul, de carona com um velhinho. Entrei vestida de homem e assim fiquei três dias, sem poder nem trocar de calcinha. Depois a empresa mandou dinheiro, eu voltei lá e paguei todo o mundo” [30].

Padrão da Rede Globo: “Cristiana, você tem um blazer?”

Em Cabul, Mesquita e sua equipe trabalhou três dias seguidos e mais de 20 horas por dia. A equipe chamou a atenção de toda a população que iam todos atrás da equipe olhar o trabalho que eles faziam, isto é, a cobertura jornalística, dificultando os trabalhos. Para Mesquita o aprendizado que se tira disto é que “é difícil observar quando você está sendo observado” [31].

Apesar de todas estas dificuldades Cristina Mesquita acabou entrando ao vivo diariamente nos telejornais da Rede Globo como sendo a única jornalista brasileira emitir desde o local dos acontecimentos. A jornalista conta como isto aconteceu:

“Mandei um e-mail para o Carlos Henrique Schröder, diretor de jornalismo da Rede Globo, antes de ir para o Afeganistão, dizendo que, se precisasse, estaria lá. Tinha certeza que eles mandariam uma equipe e me ofereci para dar um apoio logístico. Quando liguei falei: ‘Cheguei’, ele disse ‘Chegou aonde?’, ‘No Afeganistão’? 'Como você entrou?’, perguntou ele... ’não disse que vinha?’. Os caras da Globo estavam tentando entrar pelo Paquistão e não conseguiram. Ai ele me pediu para entrar em audiotapes (telefone e foto na tela) no Jornal Nacional” [32].

Nem é preciso dizer que a emoção da repórter foi muito grande, uma vez que fazia vinte anos que ela não aparecia ao ar em um canal brasileiro de televisão. A partir daquele momento, passou a dar ibope as matérias da jornalista e a Rede Globo passou a pedir mais matérias para Cristiana Mesquita, mas a jornalista não tinha tempo suficiente para atender tal solicitação e também se sentia muito despreparada visualmente, isto é cabelo certinho, roupas bonitinhas e adequadas, etc para atender ao padrão global. Mas, enfim pediram para ela entrar ao vivo e Cristiana achou que podia fazer ao vivo. No entanto ela conta que:

“um pouquinho antes da entrada da noticia ao vivo na Rede Globo, telefonou uma das editoras de Londres e perguntou: ‘Cristiana, você tem um blazer?’ Cai na gargalhada e respondi: ‘Não tenho blazer, nem batom, meu cabelo não é lavado há mais de uma semana, está uma pasta, e vocês ainda têm tempo de desistir!’ Mas foi assim mesmo (...)” [33].

Na opinião de Cristina Mesquita “o padrão da Rede Globo de jornalismo tem uma razão muito lógica de ser para os repórteres estarem sempre certinhos. Isto é: o telespectador escuta o que eles estão falando em vez de ficar reparando que o cabelo está esquisito ou a blusa não combina. Este padrão tem uma razão, mas a Globo levou isto ao extremo”. A jornalista lembra que na “CBN tem gente bonita, feia, magra, gorda. Na Rede Globo não (....)” [34].

“Interesse dos Estados Unidos no Iraque”

Criticamente na opinião da correspondente Cristiana Mesquita “é obvio que os Estados Unidos têm interesses econômicos na região do Iraque” [35]. “O Iraque é o maior produtor de petróleo do mundo e isso não é descartado pelos EUA em hipótese alguma. Se fosse Saddam Hussein em um país miserável na África, a situação seria outra. Por outro lado, não existe lugar para pessoas como Saddam Hussein no mundo. Não acredito que uma guerra seja a maneira mais apropriada para se livrar dele. Mas acho que ela é inevitável (...) Os iraquianos são péssimos soldados (...) o que me preocupa é como vai ficar a geopolítica daquela área depois” [36], afirmou em entrevista publicada pela TPM (Revistatpm.com.Br).

“O Brasil precisa cumprir o seu papel de dar acesso à informação”

Mesquita demonstra claramente que no Brasil atualmente não se faz cobertura de guerra como já se fez no passado. Os correspondentes brasileiros no exterior estão trabalhando de forma muito estrangulada pelo próprio veículo que ou não quer gastar dinheiro ou que não se interessa em dar matérias que podem não resultar em ibope.

Demonstra também que a função e o status do profissional repórter no Brasil perdeu espaço e importância e que é necessário resgatar esta função e importância. O Brasil para cumprir adequadamente o seu papel de dar acesso à informação de forma democrática, é necessário resgatar a cultura do correspondente internacional, pois os demais países têm esta atividade bastante atuante por entenderem que o direito à informação é fundamental para a verdadeira liberdade de expressão.

Mesquita destaca ainda que os importantes correspondentes de guerra que o Brasil teve foram Joel Silveira e Luis Edegard de Andrade, este último cobrindo o Vietñan no local dos acontecimentos para a Revista Realidade.

“Cobrir guerra... É noticia... É primeira página...”

Em entrevista para a publicação on-line Fazendo Media, de Niterói, Rio de Janeiro a Victor Ribeiro Cristiana Mesquita apresenta argumentos significativos da importância de se manter um jornalismo eficiente de correspondentes internacionais na guerra. Ao ser perguntada pelo jornalista “Por que cobrir guerra?”, Mesquita responde com outra pergunta: “Por que não cobrir?” [36], no entanto ela afirma que “É um evento jornalístico importante e não é para qualquer pessoa, porque envolve interesses, tem um preparo, mas que certamente todo o jornalista deve ter, pelo menos, curiosidade de cobrir.É notícia. É primeira página. É da maior importância que exista esta cobertura para as pessoas saberem o que está acontecendo” [37].

Sobre a dificuldade na operação da notícia quando existe uma situação como a do Marcos Uchoa (correspondente da TV Globo), que cobriu a guerra do Iraque estando no Kuait, questionada pelo jornalista Victor Ribeiro (Fazendo Media), a correspondente Cristiana Mesquita deixou claro que pode ser muito “frustrante”. Segundo ela, ela estava com o jornalista Uchoa na mesma época, no Kuait: “ele estava sozinho, com um cinegrafista no Kuait, ficou completamente à mercê das informações que recebia de segunda mão, ou seja: o que ele via na CNN ou recebia através das agências (de notícias)” [38].

“Um lugar como o Iraque tem notícia todo dia...”

Cristiana Mesquita foi categórica ao afirmar para o Fazendo Media que ela não via nenhum mérito em se cobrir a guerra do Iraque e ficar três ou quatro dias para passar no ‘Jornal Nacional’. Ou você vai para fazer um grande especial, ou você mantém regularmente um sistema em que você esteja regularmente lá” [39].

Para a correspondente, conforme sua entrevista para a Fazendo Media, “um lugar como o Iraque tem notícia todo dia” [39a]. Mesquita não é favorável ao que vem ocorrendo hoje em dia com a cobertura internacional realizada pela televisão brasileira. Afirmou ainda que é necessária mais seriedade na cobertura internacional e, também de guerra:

“Se você quer fazer uma cobertura internacional séria, você não pode deixar de ter regularmente no Iraque. De um tempo para cá a televisão brasileira deixou de fazer cobertura internacional. As televisões têm contratos com as agências , recebem todas as imagens e aquelas que têm correspondentes, saem e fazem uma passagem (trecho da matéria de TV em que o repórter aparece) por lá” [40].

“É preciso cobrir os fatos desde o local dos acontecimentos, caso contrário é tudo muito pobre...”

A cobertura Internacional na TV brasileira, segundo a correspondente Mesquita, está muito pobre. Ela exemplifica que “ao assistir ao Jornal Nacional vi três notícias internacionais importantes, cobertas assim: ‘Patrícia Poeta falando sobre o Iraque, de Nova Iorque; o Luiz Fernando Silva Pinto, também sobre o Iraque de Washington; depois vem o Luiz Carlos Azenha, também de Nova Iorque’. Eu acho isso um recurso muito pobre. Não vejo razão para isto, porque quando você aparece é como se estivesse assinando a matéria” [41].

Para a correspondente, este tipo de atitude não é correta e nem profissional, pois “É como pegar o Jornal do Brasil ou o Globo, que publicam matérias da Reuters e da AP e, ao invés de colocar o nome da agência em cima, como eles fazem, um jornalista qualquer assumisse o crédito” [42]. Cristiana disse ainda à Fazendo Media que “para cobrir uma guerra, você tem uma estrutura que as televisões brasileiras nunca se preparam para ter. Você tem todo um equipamento próprio, treinamentos especiais. Não sei qual é o esquema deles (os repórteres brasileiros), mas alguns editores argumentam que não há interesse em notícia internacional. (...) Não há interesse porque é malfeito. Se fosse bem feito, as pessoas se interessariam” [43], enfatiza.

“Dificilmente um brasileiro se considera latino-americano”

Em nossa entrevista, Mesquita falou também de como se cobre mal a América Latina, reafirmando estudos que já realizamos anteriormente sobre o assunto. Segundo ela, “seria falta de interesse das empresas de comunicação, que teria a obrigação de informar” [44]. Não cobrir a América Latina pelo Brasil é muito grave, pois “acaba criando um distanciamento cultural muito grande do Brasil com a América Latina (...) dificilmente um brasileiro se considera latino-americano” [45].

Ainda falando para a Fazendo Media, Cristiana Mesquita chama a atenção para o fato de que “A sensação de latino-americanidade no Brasil é muito rara. Os meios de comunicação, pela sua própria falta de interesse, ainda não conseguiram deixar claro que tudo que acontece na Venezuela, na Argentina, na Bolívia, tem repercussões de maior importância no Brasil” [46]. Afirmou também que:

“Esse é um continente em que a gente precisava conhecer ao máximo uns aos outros, para até mesmo agir em bloco, quando necessário. Existe uma miopia muito grnade das empresas de comunicação, que acham que a gente só quer saber o que está acontecendo em Washington ou na Europa. É fácil dizer que o Brasil adora coisa estrangeira, mas estrangeira do norte. Falar espanhol, nem pensar: é cucaracho (...) Até os próprios jornalistas querem Fulano de Tal, de Londres, para o ‘Jornal Nacional’, não querem falar? Fulano de Tal?, de Cochabamba, para o ‘Jornal Nacional’ (...) é um erro tremendo, porque da mesma forma como eles são alijados por nós, eles também não reconhecem o Brasil como parte da América Latina (...)” [47].

“A Bolívia vai estourar de novo...”

Sobre a recente ‘guerra civil’ passada pela Bolívia, a correspondente Cristiana Mesquita que já cobriu a região e agora está montando uma central de correspondentes, com sede na Argentina, mas que cobrirá também o país boliviano deixou claro em sua entrevista para a Fazendo Media “que a Bolívia vai estourar novamente, porque quando eles fizeram a formação do novo governo, mais uma vez as principais etnias e grupos, como os cocaleiros, quase não foram representados.

Então, as razões que levaram ao levante do ano passado continuam lá. Nada foi resolvido com relação ao escoamento de gás, que não chegou a ser a razão,mas foi quase que um lema. Vai estourar de novo e cada vez eles se organizam mais. Cada vez os cocaleiros, os camponeses estão mais organizados e eles são aimares (etnia indígena), viu? Difícil de encarar” [48].

A guerra ainda não acabou

Voltando á guerra dos EUA e o Iraque, Mesquita crê que a Guerra no Iraque ainda não acabou. Bush errou feio e a Cassa Branca faltou com a verdade nas intermináveis e milhares de coletivas que os correspondentes estrangeiros foram obrigados a participarem. A guerra do Iraque é uma manipulação dos EUA. O Bin Laden e Saddam Hussein e o Onze de setembro não têm ligação. Questões econômicas, tomar posse dos poços do petróleo e a sandice de Bush que quis vingar o Bush pai foram os verdadeiros motivos deste horror. O Iraque não tinha as armas químicas.

A imprensa mundial, de certa forma, saiu prejudicada, mas todos aprenderam a jamais confiar nas informações oficiais da Casa Branca.


Cobriando a guerra

Ruth Vianna - Você é brasileira?

Cristana Mesquita [foto] - Eu sou brasileira. Sou do Rio de Janeiro.

Reprodução

Ruth Vianna - Como você iniciou no jornalismo?

Cristiana Mesquita - Eu estava morando em Londres e comecei a trabalhar em uma empresa que agregava vários correspondentes internacionais, a maioria da Escandinávia. Havia jornalistas da Dinamarca, da Noruega e da Finlândia. Eu comecei primeiro fazendo café, chá no caso de Londres, para levar para os correspondentes e ficava olhando o trabalho deles.

Ruth Vianna - O que quê você foi fazer em Londres?

Cristiana Mesquita - Eu fui atrás do meu marido.

Ruth Vianna - Mas quem que é o seu marido?

Cristiana Mesquita - Eu sou casada com o Antonio Brasil. Na época, ele estava trabalhando como correspondente da Rede Globo em Londres. E eu comecei trabalhando lá como recepcionista, fazendo cafezinho. Mas eu me metia tanto e dava tanto palpite nas matérias que eles me chamaram para sair. Quando eles saiam para fazer as reportagens, eu ia junto. Depois, no final, eles ficavam no escritório e eu saia para fazer as reportagens. Quando eu chegava, eles só colocavam a voz por cima. Meu primeiro emprego fixo foi na Rede Globo, em Londres, onde trabalhei três anos. Depois, decidi que não queria mais ficar em Londres, que iria voltar ao Brasil.

Ruth Vianna - Isso aconteceu em que ano?

Cristiana Mesquita - Foi no final dos anos 70. Eu fiquei em Londres de 1976 a 1981.

Ruth Vianna - O Antonio Brasil estava trabalhando como correspondente?

Cristiana Mesquita - Exatamente. Quando resolvi voltar ao Brasil, trabalhei um ano na Rede Globo do Rio de Janeiro. Na época, eu estava em um departamento chamado “Coordenação de Produção do Jornalismo”. Aí, recebi a proposta de uma agência de notícias para televisão, que existia naquela época, chamada WTN. Eles me chamaram para montar um escritório para eles no Brasil. Eu aceitei o convite e, com o Antonio Brasil, montei o escritório. E aí a coisa foi evoluindo. Naquele ano foram feitas só reportagens do Brasil. Depois, comecei a viajar fazendo matérias por toda a América Latina. Aí continuou evoluindo e foram feitas matérias na Bósnia. Eu passei na Bósnia quase todo o período do final de 1991 até 1995.

Ruth Vianna - Você já falava inglês quando foi a Londres?

Cristiana Mesquita - Eu tinha aquele inglês de colégio.

Ruth Vianna - Você não tem ascendência européia?

Cristiana Mesquita - Não. Tenho ascendência baiana.

Ruth Vianna - Baiana?

Cristiana Mesquita - Sergipana, na verdade. E eu tinha pouco conhecimento de outros idiomas. Eu falava francês e tinha um inglês muito básico. Mas aprendi lá.

“Correspondente... internacional é o repórter da geral glorificado, não é...”

Ruth Vianna - Como correspondente, qual a sua rotina de trabalho? O que é ser um correspondente no exterior e cobrir para a Rede Globo?

Cristiana Mesquita - Correspondente internacional é o repórter da geral glorificado. Se você imaginar um jornal, o cara que trabalha na geral é aquele que sai de manhã para fazer uma matéria de moda, depois emenda para fazer uma outra coisa de economia à tarde e ainda pega uma partida de futebol à noite. Esse é o trabalho do correspondente. O correspondente é a antítese, o oposto, do setorista.

Ruth Vianna - Ele faz tudo?

Cristiana Mesquita - Faz tudo. Faz favela, faz presidente, faz moda, faz cultura. E eu acho que esse é o grande barato do jornalismo. Eu sei que muitas das pessoas que estão começando agora querem se especializar em uma área específica, com em economia ou em esporte. Eu não quero me especializar em nada. Eu quero que cada dia seja completamente diferente do outro. Então, isso é um pouco o trabalho do correspondente.

No caso de trabalhar para uma emissora de televisão, você sabe que a notícia tem de ter um certo gancho para o Brasil. Se não houver um gancho, você tem que ver a notícia internacional com um olhar brasileiro. Isso tem de ser feito de uma maneira que as pessoas que estão sentadas aqui achem aquilo importante, apesar de estar acontecendo tão longe, com pessoas com nomes difíceis de pronunciar e tudo mais. Você tem que trazer isso sempre para uma perspectiva brasileira.

Ser correspondente de agência: “eu não sei quem é meu público”.

No caso da agência já é diferente porque eu não sei quem é meu público. Meu público vai do Japão à Arábia Saudita, à Coréia, à América Latina.

Com isso, talvez você perca um pouco em criatividade na hora de produzir as suas reportagens, mas, ao mesmo tempo, você se torna muito mais específico. Você procura a informação fundamental que tenha de passar da história. O correspondente fica muito preso nos conceitos: como, quando, o quê, onde e por quê, que a mim interessa. Eu gosto disso. Eu gosto de passar a informação e deixar as pessoas tirarem suas próprias conclusões. Até porque o veículo exige. Se pegar um texto de agência, você vai ver uma reportagem de agência para televisão que segue a mesma linha.

Ruth Vianna: - Aquele mesmo padrão...

Cristiana Mesquita - O mesmo padrão.

Ruth Vianna: - Você tinha quantos anos quando iniciou como correspondente em Londres?

Cristiana Mesquita - Dezoito.

Ruth Vianna: - Quantas guerras você cobriu até hoje?

Cristiana Mesquita – Isso sem contar os conflitos na América Central, como na Nicarágua e El Salvador, que chamo de conflitos porque já peguei no final e eram mais escaramuças e saídas com rebeldes que faziam uma troca de tiros na floresta e na época não me tocaram como se eu estivesse cobrindo uma guerra.

Dentro daquele contexto da América Latina, os conflitos não eram muito diferentes de uma manifestação de estudantes no Chile, na época do Pinochet, ou dos perigos que os jornalistas corriam para tentar fazer qualquer tipo de matéria na Argentina, já bem no finalzinho das ditaduras. Eu peguei toda essa fase de transição da democracia na América Latina, que foi um período muito interessante também do jornalismo.

Ruth Vianna: - Por quê?

Cristiana Mesquita - Porque eu estava morando em Londres há muito tempo e voltei ao Brasil, à América Latina, em um período histórico, fundamental, que foi o começo das quedas das ditaduras. Ao mesmo tempo eu tinha que me educar sobre a história, principalmente a história da América Latina. Na escola, a gente já não aprendia história do Brasil.

Já havia esta deficiência. Era impressionante, mas aprendia-se desde o Descobrimento até a Declaração da República. Declarava-se a República em um ano e no ano seguinte voltava tudo de novo. Eu acho que tudo a partir daí estava mais ou menos censurado. Então, eu tive que me educar para poder educar meus editores, explicar para eles porque tal fato era importante e o que iria acontecer.

Porque uma vez que você tirava os generais de óculos escuros e medalhas eles não entendiam nada de América Latina. Eles viam só a questão exótica da América Latina. Aí era uma questão de fazer matérias sobre a real condição social do povo, de suas aspirações, e do surgimento de partidos políticos, que foi uma festa. Esse foi um dos períodos mais emocionantes da minha carreira, pelo tanto que eu tive que aprender para poder acompanhar. E a gente saía do Brasil. Eu me lembro que não cobri a eleição do Collor porque estava cobrindo a eleição no Chile e já era a queda do Pinochet. Daí, eu fui para a primeira eleição livre na Argentina e depois a Venezuela.

Ruth Vianna: - Fora os conflitos latino-americanos, você passou a trabalhar aonde?

Cristiana Mesquita - Depois veio o período de Bósnia, na primeira guerra servo-croata e a guerra da Bósnia, que considero uma coisa só. Se você quiser ser bem precisa, dividirá em duas coisas, mas, enfim, eu considero uma só. Eu fiquei todo esse período na Bósnia. Depois, voltei em 1998 para fazer o Kosovo, onde fiquei por quatro meses, durante os bombardeios e tudo o mais. Depois fui ao Afeganistão. E agora, finalmente, o Iraque.

Ruth Vianna: - Entao você esteve no Iraque?

Cristiana Mesquita - Sim.

Ruth Vianna: - Você cobriu para a Globo?

Cristiana Mesquita - Eu só cobri Londres. Naquele período, é lógico que eu viajava, fazia matéria na Espanha e tudo o mais. Mas não fiz nenhum trabalho de guerra para a Globo nesse primeiro estágio. O que aconteceu com a Globo é que quando eu estava no Afeganistão eles não tinham ninguém lá. Eu estava na época free-lance e não tinha ainda o contrato com a AP. Então, consultei o pessoal da AP. Perguntei se eles se incomodavam ou havia algum problema em trabalhar para a Globo. Eles disseram que não, que a Globo sempre foi um cliente muito importante, e que eu poderia fazer. E eu fazia para os dois.

Ruth Vianna: - Mas no Afeganistão, o Iraque não?

Cristiana Mesquita - o Iraque, não.

Ruth Vianna: - O Iraque você cobriu para a AP?

Cristiana Mesquita - Para a AP.

Ruth Vianna: - Qual a diferença entre cobrir para a Globo e para a AP?

Cristiana Mesquita - No fundo, não tem muita diferença porque o tempo que podia dedicar e os instrumentos que tinha para fazer alguma coisa para Globo, estando sozinha, eram tão poucos que, no final das contas, eu dava uma repaginada no material que já tinha produzido e investigado durante o dia e soltava para a Globo.

Ruth Vianna: - Qual é o dia-a-dia do correspondente no Afeganistão, na Bósnia ou no Iraque?

Cristiana Mesquita - Numa guerra!?

Ruth Vianna: - É.

Cristiana Mesquita – O que você tem? Você fica no local de combate. Você vai para o front. Mas você tem duas maneiras de fazer isso. No Iraque, por exemplo, eu tive uma experiência muito interessante. Eu vou te dar exemplos porque, obviamente, cada guerra é uma guerra, cada situação é uma situação diferente. No Iraque, eu tive uma sorte muito grande porque fiz coisas muito diferentes. Eu entrei no Iraque logo atrás das tropas.

Eu não estava lá durante o bombardeio; mas assim que as tropas americanas entraram em Bagdá, entrei atrás pelo sul. Eu fiquei durante dois meses completamente móvel, completamente solta e cobrindo toda parte do sul do Iraque, que envolvia Basra, uma cidade importante. Nesse período, eu estava com os Ingleses. Cobri Nassirya, Karbala e Najaf, cidades sagradas. Cobri todos os rituais muçulmanos que tinham sido proibidos, rituais xiitas proibidos durante a época de Saddam Hussein e que aconteceram pela primeira vez após muito tempo. Eu fiquei completamente solta. E éramos apenas eu e o cinegrafista.

“...Saíamos gravando e transmitíamos do meio do deserto, se fosse necessário, ou de qualquer cidadezinha microscópica...”

Ruth Vianna: - Era um cinegrafista brasileiro?

Cristiana Mesquita - Não, o cinegrafista era egípcio. Era ótimo porque falava a língua. Eu dirigia um jipe blindado, aquele jipe americano militar, equipado com sistema de transmissão ao vivo, por satélite. Uma tecnologia super nova, mais ou menos inaugurada nessa guerra. Então, nós chegávamos nos lugares, saíamos gravando e transmitíamos do meio do deserto, se fosse necessário, ou de qualquer cidadezinha microscópica. A gente tinha autonomia para fazer transmissão. A gente também podia entrar ao vivo em 15 minutos. Esse era o tempo que demorávamos, para nos preparar e entrar ao vivo.

Ruth Vianna - E as tropas não barravam vocês?

Cristiana Mesquita - Não tivemos nenhum problema com os iraquianos. Os americanos impuseram algumas restrições. Havia lugares que queríamos entrar e não podíamos. Por exemplo, eles têm uma base grande em Nassirya (Nazaria), onde eu queria tentar fazer as entrevistas, mas era uma dificuldade enorme. A gente passava horas do lado de fora da base. Eram feitos mil telefonemas e mil bilhetinhos, que os soldados levavam lá dentro e voltavam.

Ruth Vianna: - Na base americana?

Cristiana Mesquita – Na base americana em Nassirya (Nazaria), uma cidade importante do Iraque. Eu queria fazer uma matéria sobre a cidade de Ur, uma das cidades mais antigas do Iraque, uma das mais antigas do mundo e cidade de onde veio Abraão. (Cidade de Ur [Haran], Mesopotânia). E essa cidade estava dentro da base americana. Eles cercaram a cidade. Eu queria fazer uma matéria justamente sobre isso.

Como um monumento histórico dessa importância está dentro de uma base e a gente não tem acesso? Então, eles complicavam porque nessa época já tinham um pânico de segurança muito grande. Mas foi muito mais tranqüilo do que a minha última cobertura. Agora, a situação ficou bem mais complicada. Digo agora dezembro, janeiro e fevereiro. Na segunda vez que fui, em julho, fiquei embutida com a 4ª Divisão de Infantaria, em Tikrit. Então, já era outro tipo de trabalho. Eu levava uma vida militar mesmo, de dormir nos dormitórios. Nós estávamos acampados dentro de um dos palácios de Saddam Hussein, que era onde estavam os militares americanos. E eram dormitórios com 19 pessoas.

Ruth Vianna: - Eram todos jornalistas?

Cristiana Mesquita - Não! Soldados!

Ruth Vianna: - E não tinha jornalistas?

Cristiana Mesquita – Tinha jornalistas. No mesmo dormitório, com a gente, tinha outro fotografo. Em outro dormitório tinha um pessoal de outra empresa. Mas no nosso dormitório tinha um fotógrafo, o meu cinegrafista e eu. O resto eram soldados. E eu estou falando de soldado homem. Não estou falando de soldado mulher. Foram quase um mês e meio com eles, saindo à noite para fazer patrulha, para entrar nas casas e para tentar capturar. Naquela época a gente já estava achando que o Saddam Hussein estaria naquela região. A idéia de estar embutia com eles era que nós íamos a busca do Saddam. Eles achavam isto ótimo.

Ruth Vianna: - Por que era ótimo?

Cristiana Mesquita - Tikrit era uma cidade onde as pessoas eram pró Saddam. Então, eles, provavelmente, iriam encontrar os insurgentes em Tikrit. Foi onde, finalmente, acharam o Saddam mesmo, muito tempo depois. Depois de estar com esse pessoal, fui para o norte, mais uma vez embutida, com o 101, de Infantaria, ao norte de Mosul (a maior cidade ao norte do país), que aí já era uma das piores condições de vida possíveis.

A gente dormia em uns bunkers que tinham pertencido ao Exército iraquiano. A temperatura lá chegava a 50º (graus). Você acordava às cinco horas da manhã e já estava fazendo 45º (graus). O trabalho dessa infantaria era diferente do da outra. O responsável da Infantaria saia de jipe, enquanto que a gente saia a pé para fazer as buscas. Foi quando eles capturaram os filhos do Saddam.

Ruth Vianna: - E vocês viram tudo isso?

Cristiana Mesquita – Sim.

Ruth Vianna: - Mas eles mataram!!!

Cristiana Mesquita - Mataram, sim...

Ruth Vianna: - E vocês viram? Como é isso?

Cristiana Mesquita - Foi um tiroteio. Você não olha muito.

Ruth Vianna: - O que mais dói na guerra?

Cristiana Mesquita – O que quê mais dói na guerra?

Ruth Vianna: - É...

Cristiana Mesquita - Além do pé? (risadas)

“...no fundo eu acho que... é muito difícil você encontrar inocentes numa guerra, a não ser nas mulheres e as crianças, porque os homens, de uma maneira ou de outra, eles se viram, e se aliam a um lado ou o outro, não é? ...as reais... vítimas numa guerra são sempre as mulheres, que têm que, que, que sobreviver...”

Ruth Vianna: - Além do pé... (risadas)

Cristiana Mesquita – Eu não sei o que dói mais na guerra. A gente desenvolve uma série de mecanismos de defesa. Então, por exemplo, o humor negro impera na guerra. A gente tenta não levar as coisas muitas a sério. Para mim, quer dizer, como mulher e como mãe, sempre é a situação das mulheres e das crianças. Na realidade, é a única coisa que me dói. No fundo, eu acho muito difícil encontrar inocentes numa guerra, a não ser nas mulheres e as crianças. Os homens, de uma maneira ou de outra, se viram e se aliam a um lado ou o outro.

As reais vítimas numa guerra são sempre as mulheres, que têm que sobreviver ainda mais num país muçulmano onde é muito difícil uma mulher se mantiver quando o marido é morto numa guerra, e com as crianças, que estão ali com a juventude perdida. Então, para mim essa é uma coisa sempre difícil de fazer. Eu sofro em toda matéria que envolve refugiados. Se você vai para um hospital onde vê crianças esperando por prótese de perna porque perderam. No Afeganistão isso tinha muito, muito, muito. Aí sim o coração aperta. Você chora e acha que não vai conseguir trabalhar no dia seguinte. Agora, de ver soldado atirando de um lado e de insurgentes atirando do outro, e um matando o outro, a minha única preocupação é que nenhuma bala me atinja.

“...procurar proteção, que é sempre uma dificuldade, porque nós trabalhamos em televisão, então a gente mostra... tem que matar a cobra e mostrar o pau, eu não posso me esconder e não ter imagem, não é?”

Ruth Vianna: - Se eles vão se matar, como é possível que uma bala não atinja vocês?

Cristiana Mesquita – Não, éh. (suspiro...). Olha. A gente vai com o mesmo equipamento que um soldado iria. A gente tem colete à prova de balas e um capacete, mas isso não protege totalmente; dependendo do calibre da bala e da proximidade do disparo, ele vai ultrapassar o colete também. Não tem muito o quê fazer. O que a gente tenta é ser esperto, não ficar na linha de fogo, enfim, procurar proteção, que é sempre uma dificuldade porque nós trabalhamos em televisão. Então, tem que matar a cobra e mostrar o pau.

Eu não posso me esconder e não ter imagem. Tanto que a maioria do pessoal que morre em guerra é fotógrafo e cinegrafista. Se eles querem a matéria, eles têm que se expor. O cara que vai escrever dá uma olhadinha de vez em quando e, depois, entrevista meia dúzia de soldados e meia dúzia de civis e tem a matéria. Pra gente, não. Se a gente não mostrar...

“Quem está matando jornalistas no Iraque não são os iraquianos...”

Ruth Vianna: - Não adiantou nada...?

Cristiana Mesquita – Não adiantou nada. No Iraque, tinha uma briga constante com o pessoal da minha empresa porque a minha empresa é completamente paranóica com relação à questão de segurança. Nós, graças a Deus, não perdemos ninguém na guerra do Iraque. Agora, é o que eu sempre digo: não adianta você ter as preocupações do tipo “nós vamos ser emboscados, nós vamos ser seqüestrados” porque quem está matando jornalista no Iraque não são os iraquianos.

Ruth Vianna: - são os americanos...?

Cristiana Mesquita - São os americanos e contra eles você não tem como se proteger.

Ruth Vianna: - Mas vocês estavam junto com eles?

Cristiana Mesquita - Mas mesmo assim, mesmo assim, pois já aconteceu que jornalistas...

Ruth Vianna: - No caso do espanhol, o cinegrafista espanhol foi morto por americanos?

Cristiana Mesquita - Foi. O cinegrafista da “Reuters”, que estava no hotel. Foi um tanque que atirou no cinegrafista da “Reuters”, que morreu em julho e de quem eu estava praticamente do lado.

Ruth Vianna: - Mas atirou sem querer ou como foi isso?

Cristiana Mesquita - Não acredito que tenha nenhuma estratégia para você fazer o jornalista de alvo. O que você tem é um despreparo muito grande e um medo. Eles têm medo de absolutamente tudo. Qualquer coisa que apareça na frente deles, que eles acreditem que seja inesperado disparam primeiro e perguntam depois.

“...e no entanto, convivendo com eles, eu não podia deixar de sentir pena, porque você via que eram meninos, né, e que choravam de noite, com saudade da mãe, com saudade da, da namorada...”

Ruth Vianna: - Como você vê essa guerra? Essa guerra tem um contexto econômico nos Estados Unidos porque tinham milhões de desempregados e, no caso das fotografias (somente agora mostradas pela imprensa. Fotografias com tortura e pornografia), tinha pessoas despreparadas, os soldados norte-americanos eram despreparados?

Cristiana Mesquita – O Exército americano é interessante porque dizem que é o Exército mais bem treinado, mais bem-equipado do mundo, mas eu acho que ficar por tanto tempo estudando novas tecnologias, novos tipos de armamento e levantando peso, fazendo exercício e que eu não acredito que não tenham nenhum tipo de preparação psicológica séria para esses meninos. Quer dizer, eu sou antimilitarista ao extremo e, no entanto, convivendo com eles, eu não podia deixar de sentir pena porque se via que eram meninos e que choravam de noite com saudade da mãe, com saudade da namorada.

Comparados com a gente, com os jornalistas que estavam lá, a gente olhava... e... Nós jornalistas pensávamos: tudo isso que você está passando a gente já viu dez vezes. Agora, para muitos deles, era a primeira vez que estavam saindo dos Estados Unidos. Então, você imagina todo o contexto de um país com uma cultura completamente diferente, um pessoal que está atirando para matar e eles sem nenhum tipo de preparo psicológico.

Ruth Vianna: - Como é que você, como jornalista define o ataque de 11 de setembro, depois o conflito do Afeganistão e o Iraque agora; tanto de um lado quanto do outro, tanto do Bush quanto de Saddam Hussein?

Cristiana Mesquita - Todo mundo sabe onde estava no dia 11 de setembro. Vai ser uma daquelas datas que ninguém esquece o que estava fazendo.

Ruth Vianna: - É, essa é aquela data...

Cristiana Mesquita - É daquelas datas para marcar para sempre. Eu estava no sul do Brasil, eu estava free-lance naquela época, estava fazendo um documentário para a FAO sobre agricultura quando eu soube da história. A primeira coisa que me ocorreu, é terrível dizer isso, “fud ..., desculpa. Sei que não posso dizer uma expressão dessas, mas, “fud...”, entende. Todos os projetos que eu estavam engatilhando para fazer depois desse documentário vão por água abaixo. Tenho certeza que só se vai fazer uma coisa sobre o onze de setembro e na mesma hora, eu sabia e disse: os EUA vão atrás do Afeganistão.

Porque o onze de setembro tinha todas as características de um ataque da “Al Qaeda”, a “Al Qaeda” estava totalmente infiltrado no Afeganistão. Isso a gente sabia, onde que estavam os campos de prisioneiros. Na época eu falei: “tomara que vá para o Afeganistão porque não é possível que alguém não tenha tomado uma atitude com relação ao “Taliban”. Mas ao mesmo tempo se apresenta mais daquelas incongruências da política externa americana, de ter apoiado um grupo que hoje em dia está no poder e cometendo as maiores atrocidades quando lhe foi conveniente e depois ir atrás dessa maneira. Então, a guerra do Afeganistão, para mim, fez algum sentido nesse ponto. Era a hora de acabar com o “Taliban”.

Ruth Vianna: - Você é contra o “Taliban”?

Cristiana Mesquita - Eu era contra o “Taliban”.

Ruth Vianna: - E agora?

Cristiana Mesquita - Continuo contra o “Taliban”. Eu não sou contra o Afeganistão. Eu estava o tempo todo com o pessoal da “Aliança do Norte”, que, para mim, fazia muito mais sentido. Mas os Estados Unidos sempre se recusou a apoiar a “Aliança do Norte”.

Ruth Vianna: - Quem é a “Aliança do Norte”?

Cristiana Mesquita – A “Aliança do Norte” era um dissidente, é um pessoal que assumiu. Eram os antigos “Mujahedins” que assumiram o poder logo depois da expulsão dos soviéticos e que foram enxotados pelos talibans, fundamentalistas, e que ficaram com uma pequena parte do norte do Afeganistão. Inclusive a capital Cabul estava nas mãos dos talibans. A “Aliança do Norte” sempre pediu a ajuda dos Estados Unidos e da comunidade internacional para eliminar o Taliban e todo o resto. Ninguém quer saber.

Está num país perdido, no fim do mundo, ninguém quer saber. Então, acho que a queda do “Taliban” foi uma boa coisa. Não sei quanto tempo vai durar já que eles já estão colocando as manguinhas de fora aí novamente. Mas eu acho que foi uma boa coisa. Não acho que você bombardear um país (risada) seja jamais uma boa coisa, mas eu não sou mais “hippie”, eu não tenho mais dezessete anos, eu não sou mais inocente de achar que você pode resolver algumas coisas sem guerra. Então, se você colocar de uma maneira geral, e eu passei bastante tempo no Afeganistão, entre o que está agora e o que estava antes, está melhor...

“ (...) eu não tenho mais dezessete anos, eu não sou mais inocente de achar que você pode resolver algumas coisas sem guerra...”

Ruth Vianna: - Você passou quanto tempo mesmo, lá?

Cristiana Mesquita - No Afeganistão

“...eles estavam estrangulados, pelo “Taliban”, você vai ter que lembrar que era um pessoal que proibia empinar “pipa”, não é. Se você for partir para a área rural do Afeganistão, que é a grande parte, e é uma, uma comunidade..., - é uma viagem no Afeganistão, uma volta ao tempo, você...-, é uma comunidade de pastores, perdidos, no meio do nada...”

Ruth Vianna: - É...

Cristiana Mesquita - Eu fui três vezes.

Ruth Vianna: - E aí você foi e ficou quatro meses?

Cristiana Mesquita - Exatamente. Então é bom que você meio que acompanha. Você vai e volta, você acompanha...

Ruth Vianna: - E quando falava com a população, você percebia qual era a ansiedade da população? O que eles sentiam? Eles queriam aquela guerra ou eles não queriam?

Cristiana Mesquita - Como em toda população de todo país, você tem alguns que sabem o que está acontecendo e alguns que não sabem o que está acontecendo, obviamente. Então, se você está falando com o pessoal da parte da “Aliança do Norte”, que é o pessoal com aspirações políticas, ou mesmo com os militares, obviamente, eles estavam aplaudindo aquilo. Se você falar com a população em geral que vivia em Cabul, eles já não agüentavam mais.

Eles estavam completamente estrangulados pelo “Taliban”. Você vai ter que lembrar que é um pessoal que proibia empinar “pipa”. Se você for partir para a área rural do Afeganistão, que é a grande parte e é uma comunidade...uma viagem no Afeganistão é uma volta ao tempo...é uma comunidade de pastores perdidos no meio do nada, esse pessoal nem sabia porque que estava caindo bomba na cabeça deles. Ao mesmo tempo...quer dizer...era assim... “ôpa, mais uma vez” porque aquele país está em guerra há muitos anos.

Ruth Vianna: - Eles são povos guerreiros, né?

Cristiana Mesquita - Eles são povos guerreiros. “Mas quem é que está bombardeando a gente dessa vez?”

Ruth Vianna: - Esta é a pergunta...

Critiana Mesquita - Porque ainda mais com o “Taliban” eles não tinham acesso à televisão, não tinham acesso à rádio, não tinham jornal, não tinham mais nada, não tinham como saber o que estava acontecendo. A maioria da população rural do Afeganistão não tinha nem ouvido falar do 11 de setembro, do ano de setembro de 2001.

Ruth Vianna: - E o Bin Laden, como que você o definiria. O que você acha que é lenda e o que você acha que é verdade?

Cristiana Mesquita - É muito difícil saber o que é lenda e o que é verdade. Ele, obviamente, é uma pessoa que tem seus objetivos muito claros e que tem alianças muito fortes, que a gente ainda não sabe quem são essas pessoas que apóiam o Bin Laden. A gente tem alguma idéia. Mas que ele tem alianças muito fortes, tem; senão ele já teria sido pego, quer dizer, uma pessoa que pode se movimentar com uma certa facilidade, que ele tem um apoio, e esse apoio é internacional, que provenha do mundo árabe. Então, obviamente não é um maluco qualquer.

“A Arábia Saudita é o país mais duas caras que existe na face da terra, porque, mesmo esses nossos preconceitos todos com relação aos xiitas, com relação a Sadam Husseim, essas coisas todas, têm uma, uma fonte, vem tudo... da Arábia Saudita”.

Ruth Vianna: - Ele não foi, inicialmente, amigo da família do Bush?

Cristiana Mesquita – Pessoalmente, não. A família, sim. Na verdade, a única coisa que é difícil de engolir ou de entender dentro do Golfo é a Arábia Saudita. A Arábia Saudita é o país mais duas caras que existe na face da Terra porque mesmo esses nossos preconceitos todos com relação aos xiitas, com relação a Saddam Hussein, essas coisas todas, tem uma fonte, vem tudo da Arábia Saudita, que é o pior tipo de muçulmano que existe, que é o Al Rabi? Que é de onde vem o Bin Laden, que é de onde vem o “Taliban”, que é de onde vem... Enfim, essa cadeia de terrorismo internacional não é xiita, não é palestina, é o Al Rabi. E esse pessoal é financiado por alguém. E, obviamente, quando o Osama bin Laden foi para o Afeganistão lutar contra a ocupação soviética, ele teve apoio dos Estados Unidos porque eles apoiavam o Diabo que fosse...

Ruth Vianna: E ele esteve então contra a ex União Soviética...?

Cristiana Mesquita - Contra a União Soviética...

Ruth Vianna: - Mas ele rompeu com os EUA?

Cristiana Mesquita - Ele rompeu com os Estados Unidos durante a guerra do Golfo porque ele não aceitou, como Al Rabi que é, que houvesse presença dos infiéis, de tropas estrangeiras, no solo sagrado da Arábia Saudita. E aí ele Estados Unidos...

Ruth Vianna: - E o Bush, como você o definiria nessa guerra? Ele queria o quê?

Cristiana Mesquita - Como eu posso... definir o Bush é complicado. Essa guerra tem um lado... é... difícil dizer isso porque você vai ver que você tem um lado de infantilidade. Eu acho... muita gente diz isso...

“Aí..., vem a crítica à imprensa. A imprensa não conseguiu deixar claro, pra opinião pública americana, que aquilo era uma sandice, que em nenhum momento uma aliança entre Osama bin Laden e Saddam Husseim era possível, porque são dois opostos...”

Ruth Vianna: - ...mas para quem viveu tudo isso não é infantilidade (sorriso)...

Cristiana Mesquita - Pois é, mas muita gente diz isso com muita tranqüilidade, mas eu não consigo dizer isso porque, mal ou bem, é o presidente americano e ele não decide nada sozinho. Então, é muito fácil às pessoas comentarem: “ah, porque ele estava com aquela coisa engasgada com o pai, o pai não conseguiu, então ele ia conseguir”. Ele pegou o que ele achava que era um gancho, que era o onze de setembro, para reaproveitar.

Eu vou me livrar do Saddam Hussein, que se recusa a “play ball”, que se recusa a jogar com a gente; vou ficar com aquele petróleo todo para mim; vou dar trabalho ao pessoal que apoiou desde o início a minha campanha, que é a indústria armamentista americana; vou faturar milhões; o meu esquema de petróleo vai ficar muito bem; e todo mundo vai cair na minha esparrela de que o Saddam Hussein pode ter tido alguma coisa a ver com o onze de setembro.

Aí vem a crítica à imprensa. A imprensa não conseguiu deixar claro, para opinião pública americana que aquilo era uma sandice, que em nenhum momento uma aliança entre Osama bin Laden e Saddam Hussein era possível, porque são dois opostos, entende? O Saddam Hussein é tudo que o Bin Laden odeia. Era um cara ocidentalizado, secular, enfim, que não tinha nenhum elemento político ou ideológico com o Osama bin Laden. Você pode até dizer que o Saddam Hussein apoiava abertamente, isso todo mundo sabia, os movimentos palestinos, que há muitos anos só atuam dentro da área deles.

Você não pode mais chamar aquilo de terrorismo internacional. É uma luta lá. Isso ele fazia abertamente. Ele dava dinheiro para famílias dos... e dos mártires e tudo o mais. Mas ligados ao onze de setembro não tinha o menor cabimento. O que o Bush não fez e achava que fazia, ele devia ter conversado com o pai dele e saber porque que o pai dele não invadiu o Iraque naquela época...

“O Bush acreditava que ele ia chegar no Iraque ... que ia comprar a população iraquiana com ‘McDonalds’...”

Ruth Vianna: - ...porque é um espaço... uma população com uma tradição cultural quase que impenetrável?

Cristiana Mesquita - Exatamente, porque você invade e você faz o quê com um país que tem 65% da população xiita? Ele não foi por causa disso. Pensou assim:“eu faço o quê; vou até lá, vou invadir para o Iraque virar outro Irã?” Eles nunca vão fazer isso. O Bush acreditava que ia chegar, ia fazer todos os incentivos que, enfim, ia comprar a população iraquiana com “McDonalds” e não mais sei o que, mas quando ele começou a encontrar resistência e viu em que estado estava a infra-estrutura do país, depois daquele período todo de embargo econômico, viu que tinha entrado numa grandessíssima roubada. Agora não tem outro jeito, vai ter que meter mais tropa lá, até a coisa acalmar, se é que algum dia ela vai acalmar... né...

Ruth Vianna: - Então... a sua posição sobre o Bush na guerra do Iraque...

Cristiana Mesquita - Errou, fragorosamente, e ele invadiu o Iraque pelos motivos errados. Se o Bush pai tivesse invadido na época em que o Iraque invadiu o Kuait, você até podia entender. Foi um país que invadiu o outro. Não vai ficar assim. Mas ele parou.

Ruth Vianna: - São dois motivos, então, que você está me falando. Ele falava que tinha armamento químico. Era uma desculpa. A questão mesmo era o petróleo e vingar o Bush pai?

Cristiana Mesquita – Armamento químico e ligação com o onze de setembro foram as desculpas que ele deu para o público. Essas foram às desculpas que ele deu para o público, que eles tinham armamentos de destruição em massa e de que o Saddam Hussein estaria de alguma maneira envolvido com os atentados de onze de setembro.

“Você tem que se lembrar que naquela época os jornalistas trabalhavam no Iraque num sistema de censura como poucas vezes se viu...”

Ruth Vianna: - Você acha que a imprensa não deixou isso claro?

“...agora, pelo menos a gente aprendeu com isso, né... fonte oficial da Casa Branca... jamais...”

Cristiana Mesquita - Eu acho que não, não o suficiente, não o suficiente...

Ruth Vianna: - E por que você acha isso?

Cristiana Mesquita - Porque a Casa Branca falava com tamanha convicção e as dificuldades de investigar o Iraque, naquela época, eram muito grandes. Você tem que lembrar que naquela época os jornalistas trabalhavam no Iraque num sistema de censura como poucas vezes se viu. Você não dava um passo para fora do hotel sem uma pessoa do Ministério da Informação do seu lado. Então, as dificuldades de investigar in-loco qual era a real situação do Iraque enganaram a imprensa. Então você achava talvez.

Talvez a Casa Branca esteja com a razão. Talvez eles tenham mesmo isso. Então, quando você não pode chegar lá e verificar com seus próprios olhos, você especula e aceita a especulação de quem você acha que sabe mais. Nesse caso, a Inteligência, enfim, a CIA, e todos esses monstros sagrados que a gente achava que eram competentíssimos e que hoje a gente vê que eram um bando de amadores quase. Porque o trabalho que eles fizeram no Iraque foi o de amador. Agora, pelo menos, a gente aprendeu com isso. Fonte oficial da Casa Branca, jamais.

Ruth Vianna: - E com relação às fontes, essas que não são as oficiais...que tipo de outra fonte que você utiliza?

Cristiana Mesquita - Todas que eu puder, todas que eu puder angariar...

Ruth Vianna: - Você falava com quem?

Cristiana Mesquita - No Iraque, minhas fontes? Eu tenho gente que era ex-membro do partido Baath, eu tenho altos oficiais do Exército iraquiano, eu tenho pessoal que já era dissidente na época do Saddam Hussein, eu tenho meus contatos em Fallujah com os insurgentes e tenho contato com os militares americanos. Então, cada notícia eu tenho que passar por toda essa gente e tentar tirar alguma coisa que se assemelhe pelo menos à verdade porque há muito que eu descobri que a verdade é uma coisa muito fluída.

É muito difícil em uma guerra, principalmente onde tantos interesses estão em jogo, você chegar e dizer: esta é a verdade absoluta. Essa arrogância eu já deixei para trás há muito tempo. E isso é o que a gente acredita que está acontecendo nesse momento. É o melhor que eu posso fazer.

“Não tem cobertura de guerra no Brasil...”

Ruth Vianna: - Como que você analisaria a cobertura das guerras feita pelo Brasil? Poucas emissoras de televisão, jornal estiveram no local dos acontecimentos.

Cristiana Mesquita - Não tem cobertura de guerra no Brasil...

Ruth Vianna: - Colocaram poucos jornalistas. A Folha de S.Paulo foi o único?

Cristiana Mesquita – O jornalismo internacional como toda a imprensa brasileira estão tão falidos que a única empresa que mandou alguém foi a Folha de S. Paulo, por iniciativa do próprio repórter que batalhou. Ele foi para o Iraque. Um dia antes de começar o bombardeio ele saiu do Iraque. O que o Sérgio Ávila disse é que acabou o dinheiro. Tudo no Iraque é feito em cash. A gente viaja com uma mala de dinheiro porque a única maneira de você cobrir uma coisa é com dinheiro. Então, por questões de segurança, por questões financeiras, ele teve que sair. Voltou depois. Ficou mais duas semanas e foi embora.

A outra empresa foi a Globo, que mandou o Uchôa. O Uchôa ficou no “Kuait” o tempo todo. Depois que as tropas tomaram, ele fez uma viagem. Ele foi do “Kuait” até a Jordânia, passando por Bagdá, fez umas poucas matérias e foi embora. A outra ida para Bagdá foi Willian Waack, que foi. É um grande jornalista. Como ele foi parar em Bagdá? Ele recebeu um convite do Governo do Líbano, que estava querendo estimular o turismo no Líbano. Então, mandou a passagem e a estadia para o Willian ir para o Líbano. Ele aproveitou, já que estava pertinho, deu uma escapada para Bagdá, fez três matérias e voltou. Então, não tem jornalismo internacional nem cobertura de guerra no Brasil...

Ruth Vianna: - E isso nos outros países não acontece, eles mandam mesmo correspondentes. Eles fazem uma cobertura mais séria?

Cristiana Mesquita - Claro que mandam. Tem escritório. Claro, você não cobre um evento como o Iraque eventualmente. Todo mundo montou um esquema, todo mundo já tem casa, todo mundo já está funcionando lá.

Ruth Vianna: - ...antes até mesmo de tudo acontecer?

Cristiana Mesquita - ...pois é, antes, durante e vai continuar, vai continuar...

Ruth Vianna: - E o que é necessário para que isso mude? Porque o Brasil não faz isso?

Cristiana Mesquita - ...Investimento...

Ruth Vianna: - ...ou, politicamente, para eles isto não é viável?

Cristiana Mesquita - Eu não sei politicamente o quê. Essa é uma filosofia da televisão brasileira, quer dizer, quando a gente fala de televisão brasileira é muito engraçado porque a gente acaba falando de Globo mesmo. Uma vez conversando com uma pessoa na Rede Globo, que era um chefe grande e naquela época eu estava passando a maior parte do tempo na Bósnia, eu disse: gente, vocês não vão mandar ninguém para a Bósnia? Ele respondeu:ah, não Cristiana; “Tite”, como me chamam, o negócio é o seguinte: a gente tem um aparelhinho aqui que cada vez que entra a matéria da Bósnia, no medidor, a audiência cai”.

Eu falei: sabe o que isso está parecendo, está parecendo aquela propaganda que tinha antiga do Tostines: “é mais fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é mais fresquinho?”. Não é a guerra da Bósnia que não interessa para o brasileiro; é o fato de que não tem nenhum brasileiro cobrindo a guerra da Bósnia; o que você está colocando no ar é um material frio de agência que vocês colocam assim meio que ‘enlatado’, assim uma coisa meio sem pé nem cabeça, e as pessoas não têm o menor interesse naquilo; agora, coloca um bom repórter lá, coloca pessoas fazendo boas imagens, com um bom texto, e as pessoas vão ver. Então ele falou: ah, mas isso não tem interesse dentro do que está acontecendo no Brasil; as notícias do Brasil são mais importantes”.

“o negócio é o seguinte, a gente tem um aparelhinho aqui, que cada vez que entra a matéria da Bósnia, no medidor, a audiência cai”...

Ruth Vianna: - Seria... mas há que se olhar lá fora também, até por uma questão de saúde democrática?

Cristiana Mesquita - Claro que as notícias do Brasil são mais importantes, mas, por, pelo amor de Deus, vocês são uma concessão pública, e é muito perigoso um país viver olhando para o próprio umbigo. Esse conhecimento internacional é fundamental para o nosso crescimento, para o nosso entendimento de que mundo a gente está. Não é mais uma coisa isolada. Aí depois eu vi que eu tava dando murro em ponta de faca. Aí disseram que é muito caro. É caro e o tipo de pessoa que você vai colocar lá é muito rara. É um profissional muito dedicado, que tem uma história de vida, um tipo de personalidade, enfim, não pode ser qualquer profissional.

Ruth Vianna: - Qual que era seu relacionamento com a equipe estrangeira, os colegas estrangeiros, e como que eles se portavam? São profissionais muito mais preparados intelectualmente?

Cristiana Mesquita - Todo o nosso pessoal é uma “torre de Babel”. Todo mundo é estrangeiro. Você ouve todos os sotaques.

Ruth Vianna: - Sotaques possíveis... e inimagináveis, com culturas diferentes...

Cristiana Mesquita - Possíveis e inimagináveis, muito bem.

Ruth Vianna: - E eles ajudavam uns aos outros?

Cristiana Mesquita - Agência é a coisa mais competitiva que existe no mundo. Nada se compara com a competição entre agências. Entre a AP e a Reuters, por exemplo, a gente quando se encontra para jantar ou para tomar um drink, a gente tem que fazer escondido do nosso escritório porque a gente não pode nem se falar. Não é bem visto que a gente se fale. E dentro existe uma competição muito forte. Agora, a gente tem plena noção de que numa guerra a gente só pode contar um com o outro.

Então, na hora que um jornalista é ferido ou que está numa situação difícil, a única pessoa que ele pode contar é com o outro jornalista. Não vai ser soldado, não vai ser civil, não vai ser a Cruz Vermelha, não vai ter ninguém que vai até lá te tirar daquela situação. Vai ser um colega. Então, nesse sentido se criam laços muito fortes. Dentro da própria empresa, então, é impressionante.

Você é colocada para trabalhar em situações limites, em condições de vida muito difíceis, que se uma coisa grave acontecer, como a morte de um jornalista na primeira semana, você se torna irmão de sangue de outros jornalistas para o resto da vida porque é o tipo de relacionamento que você acaba tendo até pela própria situação, pelas condições do lugar...

Ruth Vianna: - Então, Cristiana, me fala um pouquinho também dessa linguagem. Você me falou que teve de estudar história e geografia para ser correspondente de guerra de televisão. Como é esse aspecto da linguagem também utilizada para a comunicação na TV ... os jargões da guerra?

Cristiana Mesquita - A nossa língua, quer dizer, a língua entre todos os correspondentes acaba sendo o inglês, obviamente. Eu trabalhava muito próximo a eles. Às vezes, nós saíamos e todos fazíamos a mesma matéria. Muitas vezes, eu me sentava para vê-los transmitindo. Via como o japonês e como o italiano, por exemplo, mandavam a mesma matéria que eu fiz durante o dia. Era muito engraçado porque aí eu via as características culturais de cada público.

As ênfases em determinados aspectos da matéria mudavam de acordo com o “approach” de cada correspondente, dependendo da sua região. Quer dizer, às vezes uma espanhola cobria a matéria de uma certa maneira e os japoneses já cobriam de outra completamente diferente. Entre os americanos e os ingleses há uma diferença vastíssima. O Inglês prefere pegar uma matéria e destrinchá-la.

Eu sempre digo que do menor denominador comum, os ingleses fazem uma coisa um pouco mais compacta e muito mais sólida em termos de informação. O americano já gosta de uma pirotecnia maior. Ele entrevista cinco pessoas e põem uma matéria de dois minutos, cada um com sound muito pequeno, só com palavras-chaves. Quer dizer, você vê aí todas as mudanças de linguagem de acordo com o que cada um tem de sua cultura de televisão.

Ruth Vianna: - Então, a tecnologia que vocês utilizavam eram iguais em termos de potência, mas em termos de conteúdo, de formato muda bastante?

Cristiana Mesquita - Praticamente, são mais ou menos iguais os equipamentos tecnológicos.

Ruth Vianna: - Mas à parte de conteúdo...

Cristiana Mesquita - muda radicalmente...

Ruth Vianna: - Por causa da cultura?

Cristiana Mesquita - Por causa da cultura e do meio também, obviamente. Alguns faziam uns programas maiores, alguns tinham mais espaço nos seus telejornais e outros tinham menos.

Ruth Vianna: - O brasileiro segue a escola norte-americana?

“Os europeus buscam dar mais conteúdo... você tem a obsessão pela objetividade...”

Cristiana Mesquita - Totalmente...

Ruth Vianna: - Totalmente. Então, isso se assemelhava. Os europeus procuram valorizar mais o conteúdo?

Cristiana Mesquita – É. Dentro dos europeus há uma diferença. Tem aquela coisa da obsessão da objetividade da BBC. Os franceses já tinham um outro ritmo. Era ritmo de edição mais lenta. Era um texto mais rebuscado e uma busca de análise. Então, é aquilo que a gente chamava no meio de “matérias chatas dos franceses”.

Ruth Vianna: - Era mais interessante ou dava até vontade de dormir?

Cristiana Mesquita - Os italianos também tem variações, dependendo se era a televisão do Berlusconi ou se era a RAI. Além disso, há diferenças ideológicas dos próprios jornalistas. O jornalista não é um robô. Ele coloca, mesmo que subliminarmente, suas próprias visões, seu próprio modo de ver e sentir os acontecimentos.

Ruth Vianna: - E você coloca também a sua própria visão de mundo?

Cristiana Mesquita – Eu coloco o tempo todo a minha própria visão de mundo. Não tem jeito. Eu posso tentar ser o mais objetiva possível, mas quando coloco que sou mulher, sou latino-americana, sou mãe a minha matéria sempre sai diferente porque às vezes sou substituída. Vem outra pessoa e eu fico lendo e digo: “nossa”, é óbvio que mudou o correspondente. O texto muda completamente. E a minha própria visão sobre o país é diferente, é a minha. Foi o que eu procurei saber, o que eu estudei. Então, você tem variações nesse ritmo. Primeiro, qual o país. Depois, qual o veículo e qual a linha desse veículo. E, por fim, o próprio correspondente.

“A internet é interessante pela variedade de informações, mas não é o meio de maior credibilidade...”

Ruth Vianna: - Em termos de veículos, quem fez o melhor trabalho jornalístico em termos de cobertura: a internet ou a televisão? A internet teve algum papel significativo na cobertura dos acontecimentos?

“A televisão espanhola fez um excelente trabalho... já a CNN enfiou os pés pelas mãos...”

Cristiana Mesquita- Eu não sei. Eu acho a internet maravilhosa, mas não sou nem louca de só olhar a Internet porque você senta na internet e escreve o que quiser. Você não é responsável pelo que está escrevendo.

Numa televisão ou num jornal você tem que saber seu dever de casa porque senão o bicho pega. Então, a internet é interessante por essa variedade de informações, mas não é o meio de maior credibilidade. Eu acho que alguns tiveram bastante credibilidade. Eu acho que a televisão espanhola fez um bom trabalho.

A imprensa espanhola, os jornais espanhóis são muito bons. Os jornais ingleses fizeram um bom trabalho. A BBC, de uma maneira geral, fez um bom trabalho. A CNN enfiou os pés pelas mãos várias vezes. Os networks americanos também. Mas num cômputo geral eu acho que você acusar a imprensa, como se tentou fazer aqui várias vezes, não é o mais acertado.

Acusar a imprensa de incompetência e de ser tendenciosa, parece-me agora uma maneira muito fácil de julgar.

Ruth Vianna: - Julgar, simplesmente?

Cristiana Mesquita - De julgar todos esses contextos. Eu estou acompanhando agora a história do The New York Times, na matéria sobre o Lula, que incluiu as medidas do presidente Lula, e agora o New York Times é imprensa marrom e aquelas coisas todas. A própria crítica do governo Lula com relação à imprensa virou joga pedra na Geni! Se o negócio está ruim, a culpa é da imprensa. Pedra na Geni. Não estou dizendo que nós somos infalíveis, não. Longe disso! Mas, enfim, tem que começar a olhar em volta e ver também qual é a nossa própria responsabilidade.

Ruth Vianna: - Vocês não têm a fórmula, você já falou isso: o correspondente que vai cobrir guerra é uma pessoa especial. Você não tem uma escola que forme esta pessoa, não tem faculdade que forme o correspondente. É uma rotina totalmente diferente da rotina de um jornalista que trabalhe na sala de redação na editoria internacional. Então, como ser um bom correspondente internacional e que cubra guerra?

Cristiana Mesquita - Os correspondentes de guerra têm um background os mais variados que se possa imaginar. Tem gente que vem de outras áreas, que começou a fazer jornalismo em guerra porque sentia uma enorme atração. Alguns eram ex-militares e que convivendo com a imprensa apaixonaram-se e viram que era uma maneira de continuar tendo a vida emocionante que tinham.

Na verdade, eu acho que a nossa vida é muito mais emocionante que a deles. Alguns se tornaram jornalistas porque na maior parte do mundo não têm as mesmas exigências que tem no Brasil, de diploma de comunicação. É mais um tipo de pessoa. Mas eu acho que faz muita falta.

“Você tem que aprender a ser jornalista... porque jornalista todo mundo é. Jornalista não é profissão, jornalismo é atividade, não é? Jornalista todo mundo pode ser...”

Ruth Vianna: - Isso vai exigir que repense o estudo de jornalismo no próprio Brasil, da própria cultura do Brasil. O que você acha que seria necessário para modificar isso, que as escolas de comunicação, o governo e os meios de comunicação precisariam fazer?

Cristiana Mesquita – É inocente, mas eu sempre achei que se a minha vida tivesse sido diferente e eu tivesse optado por aprender a fazer jornalismo de uma maneira acadêmica, eu jamais teria feito isso no Brasil. Eu acho que o ideal seria você fazer um curso de qualquer tipo de formação, de psicologia, de economia, de história, de filosofia ou o que quer que seja e depois fazer um curso de pós-graduação ou de especialização em jornalismo porque jornalista todo mundo é. Jornalista não é profissão. Jornalismo é atividade. Jornalista todo mundo pode ser.

Eu estou com um filho fazendo faculdade de jornalismo e está pensando em mudar para desenho, mas ao mesmo tempo ele adora escrever. Eu falei para ele fazer o que quiser. Se fosse jornalista mesmo, se ele quisesse falar, se quisesse contar a notícia ninguém iria pará-lo porque é um negócio que ele precisa fazer. Quando eu era garota, na escola o pessoal dizia que tinha um segredo e pedia para eu jurar que não contaria a ninguém. Eu falava para que não me contassem porque se batesse aqui, sairia ali na mesma hora. Aliás, pedia para não me contar nada porque não existe “off the record” para mim. Ou é “on the Record” ou não fala, no call.

Ruth Vianna: - Então é melhor não falar?

Cristiana Mesquita - Não fala. Então, apesar de conhecer pouco, eu acho a formação da parte acadêmica totalmente inútil para esse tipo de trabalho. Ninguém numa faculdade de comunicação aprende como se faz para ser correspondente de guerra. Dentro dos meios de comunicação, sim, você pode treinar uma pessoa. Não seria um treinamento específico, algo que você faria numa sala de aula ou mesmo dentro de uma redação, mas, dependendo do tipo de matéria, essa pessoa faria. Em vez de comprar material do National Geographic para o Globo Repórter, seria maravilhoso pegar um jovem repórter e um cinegrafista e mandá-los ficar um mês no Nordeste.

Falar para ele ver o que consegue levantar no Nordeste de informação, ver o que tem de interessante para fazer. Esse é o treinamento. A gente chega num lugar que a gente nunca esteve antes na vida, onde a gente não fala a língua e no mesmo dia já está mandando matéria. Esse não é um treinamento que se pode ter em lugar nenhum. Só se aprende fazendo. Não precisa, necessariamente, pegar o pobre infeliz que acabou de sair do seu curso de comunicação. Eu até sou contra. Se você for ver hoje em dia, vai ver que a média de idade do correspondente de guerra é de pelo menos 40 anos. Eu tenho 46 anos e, comparada com meus colegas, ainda sou uma menina. E você vai criando um calo.

Ruth Vianna: - Uma experiência...

Cristiana Mesquita – É uma experiência que te leva a poder fazer certos tipos de matérias. Agora, você pode pegar por repórter, não vou nem dizer o que está começando, e dizer que acabou a mordomia. E dizer que ele não sairá com um carro com ar condicionado, não terá uma equipe de produção levantando a pauta, irá para lá de Quixeramobim, ficará lá um mês e terá de mandar cinco matérias. Porque do jeito que a coisa está, hoje eles mandam o pessoal para correspondente internacional meio como um prêmio.

Ruth Vianna: - Você se comportou?

Cristiana Mesquita - Pois é. Você foi tão legal, você está aqui com a gente há tanto tempo e vai ser um prêmio.Você vai trabalhar no nosso escritório em Londres. Nem todo grande jornalista no Brasil é um bom correspondente internacional.

Ruth Vianna: - É preciso ter outro idioma, conhecimentos culturais de diversos países...

“Até essa palavra repórter... eles não gostam mais, é correspondente... é editor... é não sei o quê... que quê tem de errado com o repórter?!?!, né?”

Cristiana Mesquita - Muitos não têm outro idioma...

Ruth Vianna: - A família impede...

Cristiana Mesquita - Exatamente. E o cara tem outro padrão de vida, outra maneira de ver a coisa. Então, espera aí. Na época que eu comecei, em Londres, quando a Sandra Passarinho era correspondente, o caixa da TV Globo para viagem era de US$ 2.000,00. Quando a Sandra queria fazer a matéria, ela dormia no carro porque não tinha dinheiro para pagar o hotel. Mas ninguém a impedia de fazer a matéria.

Mas a Sandra tinha 22 anos quando foi para lá. Você manda um cara como o Caco Barcelos, uma pessoa maravilhosa, um tremendo repórter, e acha que ele vai dormir em carro? É claro que não. Ele vai para Paris e volta. A Globo também não está disposta a gastar dinheiro, quer dizer, é o tipo de repórter que não... Até da palavra repórter eles não gostam mais. É correspondente, é editor ou não sei o que. O que tem de errado com o repórter?!?!

“...eu nunca vou ficar rica, eu nunca vou ficar famosa, porque... eu sou... repórter.”

Ruth Vianna: - Então, como correspondente de guerra, você se considera uma repórter?

Cristiana Mesquita - Eu sou repórter. Eu sou repórter. Meu trabalho é na rua. Eu nunca vou ficar rica, nunca vou ficar famosa porque eu sou repórter. Eu não tenho a menor ambição de apresentar um telejornal na minha vida. Não tenho a maior ambição.

Ruth Vianna: - Então, qual é o papel desse repórter correspondente de guerra com essas características que você está falando para a sociedade? Como é que ele deve falar para sociedade, para o receptor?

Cristiana Mesquita – É um profissional da maior importância. Ele será uma pessoa com toda a carga de cultura brasileira que será colocada em outro contexto. E ele terá a condição de informar e explicar o mundo para os brasileiros. Então, essa pessoa é da maior importância.

Ruth Vianna: - Isso já ocorreu alguma vez no Brasil, pegando o caso do José Hamilton Ribeiro, ou não?

Cristiana Mesquita - José Hamilton? José Hamilton chegou ao Vietnã, foi alvejado no dia seguinte e voltou para a Europa...

Ruth Vianna: - Voltou e não cobriu nada?

Cristiana Mesquita – Não. Quem cobriu foi o Luiz Edgar. O Luiz Edgar ficou um tempo. Eu tenho certeza que o que ele escreveu para a Realidade, para o Cruzeiro ou para não sei qual revista foi de maior impacto.

Ruth Vianna: - E as pessoas liam com maior interesse...

Cristiana Mesquita - Liam com maior interesse... Eu não trabalhava para um órgão brasileiro há muitos anos quando fui ao Afeganistão. Eu me lembro que falei assim: Afeganistão é um lugar que a maioria dos brasileiros não sabe nem onde fica no mapa e como eu vou fazer? Eu me lembro que quando falava com o Bom Dia Brasil, contava da dificuldade que tinha para conseguir água para tomar banho, por exemplo, e foi isso que marcou as pessoas.

Não dava para fazer isso no Jornal Nacional porque, obviamente, o Jornal Nacional tem outro tipo de formato, mais seco e mais informativo. Quando eu voltei ao Brasil, um dia uma mulher me encontrou e falou: “eu rezei tanto por você!” Eu trouxe as dificuldades enfrentadas no Afeganistão para a casa de uma pessoa no Rio de Janeiro ou na Bahia, ou onde quer que seja. Aquela situação que fica um pouco mais próxima e faz um pouco mais de sentido para o telespectador.

Ruth Vianna: - Você poderia fazer uma analogia entre todas as guerras que você cobriu até hoje? O que há de diferente entre a guerra na Bósnia, no Afeganistão e no Iraque?

Cristiana Mesquita - Cada uma é completamente diferente.

Ruth Vianna: - De que forma é diferente?

Cristiana Mesquita - Eu sempre digo que, pior que tenha sido o Iraque e por mais grave que tenha sido o Afeganistão, nada se compara a Sarajevo.

“Então, a mulher saía para catar lenha, você ia atrás prá pegar lenha, prá tentar se aquecer um pouco de noite, ali esquentando a mão, ela não tinha comida você não tinha comida...”

Ruth Vianna: - Sarajevo... claro...!

“Eu tinha um negócio em Sarajevo que eu não... eu não usava o meu colete, eu ficava envergonhadíssima de usar o meu colete...”

Cristiana Mesquita - Sarajevo, muito especificamente porque você está falando de uma guerra civil, que é de uma violência impressionante porque não existem regras. Por mais loucas que sejam, as regras de uma guerra estão lá. Você acaba, mais ou menos, entendendo como a coisa funciona ali. Em uma guerra civil, não. Não tem cálculo. Você colocava o pé para fora do hotel e tudo poderia acontecer. Você passava muito tempo em uma cidade sitiada e você passava a ser cidadão daquela cidade. Você também estava passando por tudo que a pessoa que estava do seu lado estava vivendo e passando.

Então, a mulher saía para catar lenha, você ia atrás para pegar lenha, para tentar se aquecer um pouco de noite. Ela não tinha comida e você também não. Nós até tínhamos uma situação um pouco melhor que a deles. A empresa mandava, regularmente, comida. Mas aí você já é parte da população de Sarajevo. Então, quando chegava comida a gente saía distribuindo. Repartíamos porque não iríamos comer sozinhos. Eu não usava meu colete em Sarajevo. Eu ficava envergonhadíssima de usar meu colete.

Ruth Vianna: – O outro vai ficar levando bala e você...

Cristiana Mesquita - Pois é. Por que ele vai morrer e eu não? Isso é muito complicado para a cabeça. Pelo tempo e pelas dificuldades que passa lá, você começa a se sentir parte daquilo. Mais uma vez, no meu caso, eu tive sorte porque eu me recusei a ficar o tempo todo em Sarajevo. Então, eu ficava alguns períodos em Sarajevo. Depois, ia para o sul da Bósnia. Depois, viajava para Belgrado. Eu fiquei cobrindo todos os aspectos da guerra. Então, eu acho que consegui, de uma maneira geral, ser bastante objetiva com relação à situação, principalmente, à situação de Sarajevo. Mas ficou famoso o fato de alguns jornalistas passarem tanto tempo lá. Era aquela coisa do Ary Barroso que quando havia jogo do Flamengo dizia: “nós estamos perdendo de 2 a 0”.

Ruth Vianna: - Você conseguiu estabelecer laços de afetividade com a população, tem isso ainda hoje presente na sua vida, por exemplo, alguém?

Cristiana Mesquita - Eu? Meus melhores amigos no mundo estão todos em alguma parte da ex-Iugoslávia. São laços muito fortes.

Ruth Vianna: - Mas da população, não jornalistas?

Cristiana Mesquita - Da população. Você acaba se envolvendo. Você vai para alguns lugares que não têm hotel. Você acaba ficando em casas de família e tudo mais...

Ruth Vianna: - Você tem quantos filhos?

Cristiana Mesquita - Eu tenho dois filhos: um menino e uma menina.

Ruth Vianna: - E você ainda está casada com o Antonio Brasil?

Cristiana Mesquita – Estou, exatamente.

Ruth Vianna: - Mas me diz uma coisa, como é você, mulher, saindo para a guerra, não a jornalista, mas a mãe de dois filhos? E os seus filhos, como eles aceitam esta situação?

Cristiana Mesquita - É muito maluco, né? Não sei como é que eles aceitam. Até que eles são bem normais levando-se em consideração as coisas que já passaram na vida. Desde o início, eu deixei bem claro para eles que não fazia isso pelo dinheiro. É muito difícil explicar para uma criança porque você está se ausentando.

Ruth Vianna: - E ainda mais para ir cobrir uma guerra?

Cristiana Mesquita - Quer dizer, a coisa da guerra foi um entendimento que veio para eles depois. A primeira importância é: porque a mãe está se ausentando? Então, os conceitos de que estou fazendo isso pela minha carreira e por dinheiro eram completamente alienígenas para os meus filhos. Então, eu sempre dizia que estava saindo porque gostava. Eu vou fazer uma coisa que gosto. Esse era um conceito que eles entendiam imediatamente.

Ruth Vianna: - Bem... mas... não é tarefa fácil...

Cristiana Mesquita - Eles imaginavam: “ah, mamãe está fora porque ela está brincando”. Era mais ou menos isso. Com o tempo, obviamente, eles começaram a ter um entendimento maior do que era exatamente o meu trabalho. Eu não sei como eles viram isso. Eu não sei. Isso você vai ter que perguntar para eles.

Ruth Vianna: - Para eles?

Cristiana Mesquita - Para eles. A experiência de ser mãe é de tal maneira enriquecedora que eu ainda acho que foi a melhor coisa que fiz na vida. São poucas, muito pouco as mulheres que cobrem a guerra. Das mulheres que cobrem guerra, são menos as que têm filhos. Eu pessoalmente não conheço ninguém. A Cristiane Amapur teve filho há pouco tempo. Das outras, quase nenhumas delas têm filhos.

E imediatamente ela coloca assim: “olha, eu já estou num nível acima de vocês porque sei como é; eu entendo o que aquela mãe está passando, eu sinto em cada pedacinho do meu corpo o que ela está passando; o que não faz sentido para vocês, faz todo sentido para mim”. Então, eu acho que é difícil. A gente sofre, morre de saudade e fica preocupada, mas é de tal forma enriquecedora a experiência da maternidade que eu acho que só foi positivo. Eu acho que eu sou a melhor repórter por ser mãe e sou a melhor correspondente de guerra também por ser mãe.

Ruth Vianna: - Bom, aí também tem de perguntar o que seus filhos acham...Mas fala um pouquinho sobre as agências. Você já falou que elas são muito competitivas, mas a questão das agências de notícias no caso de passar informação para o Brasil e para a América Latina. Como isso acontece?

“...em toda parte do mundo, em tudo, em tudo, eles dizem que o trabalho de agência é o trabalho sujo do jornalismo, é o operariado, nada pode ser mais baixo, em jornalismo, que o trabalho do repórter de agência, ele é o primeiro a chegar no lugar ele é o último a sair...”

Cristiana Mesquita – Eu acho que as agências de notícias são um mal necessário. Se não fossem as agências de notícias, você abriria as páginas internacionais dos jornais brasileiros e ia ter várias páginas em branco. O trabalho de uma agência de notícias dentro da imprensa brasileira cai de proporção terrivelmente. Como eles não têm seus próprios correspondentes e eles dependem muito do trabalho das agências, o trabalho da agência fica ridículo, fica sem nenhum tipo de análise e sem nada porque não é essa a função dela. A função dela é complementar o trabalho de um correspondente.

É de você colocar a notinha e a informação. O trabalho de análise deve ser feito pela editoria internacional, baseada nas informações e em tudo. Eles dizem que o trabalho de agência é o trabalho sujo do jornalismo. É o operariado. Nada pode ser mais baixo em jornalismo que o trabalho do repórter de agência. Ele é o primeiro a chegar no lugar e o último a sair. E

le trabalha feito um louco porque ele tem que mandar a informação. É um ambiente de total paranóia. Na nossa redação, no Iraque, você vai ver que é uma coisa de louco.

As pessoas não tiram o olho do computador e o telefone do ouvido. O pessoal que está fazendo a cobertura de rua passa a informação pelo rádio o tempo todo. E aquilo saindo, sendo quase que regurgitado, o tempo todo porque essa é a função das agências. Ele é o primeiro a chegar no lugar e o primeiro a dar a informação. Todos os outros se baseiam nas agências. Fulano disse que isso está acontecendo em tal lugar; então eu vou lá ver o que é.

Ruth Vianna: - Agora, a sua base... o seu local de trabalho? Como é o seu dia-a-dia, você fica aqui no Brasil?

Cristiana Mesquita - Bom, até segunda-feira que vem, depois eu vou te contar o que muda na segunda-feira que vem, eu tenho um contrato com a AP pelo qual eu trabalho 125 dias por ano. Apenas quatro pessoas em toda a AP têm esse contrato. Alguns têm menos que 125 e outros têm mais que 125. Nós somos o que eles chamam de staff ou grupo especial.

São quatro correspondentes, produtores ou repórteres (como você quiser chamar) muito experientes, e que dão esse contrato para a gente não trabalhar para mais nenhum outro veículo e que eles usam para deslocar. Então, por exemplo, eu não faço nada no Rio de Janeiro e raramente faço no Brasil porque eles têm o próprio escritório aqui. Eu só sou deslocada para matérias importantes.

“Isso muda na segunda-feira, porque eu acabei de ser eh..., eh..., contratada, definitivamente, por eles (Agência de Notícias), como chefe do Bureau de Buenos Aires...”

Ruth Vianna: - Você mora aqui?

Cristiana Mesquita - Eu moro aqui...

Ruth Vianna: - Mas poderia estar morando em qualquer outro lugar...

Cristiana Mesquita - Poderia estar morando em qualquer outro lugar. Eu, por opção, estou morando aqui. Isso muda na segunda-feira porque eu acabei de ser contratada definitivamente por eles como chefe do Bureau de Buenos Aires.

Ruth Vianna: - Quando que você vai para Buenos Aires?

Cristiana Mesquita - Eu estou indo para Buenos Aires. Eu estou indo para Buenos Aires porque a minha paixão, na verdade, sempre foi América Latina.

Ruth Vianna: - Você vai ser a coordenadora?

Cristiana Mesquita - Vou ser a chefe do Bureau de Buenos Aires, que é o Bureau regional. A gente lá está dividindo a América Latina. A gente tem um outro cara no México que fará a parte do Caribe, da Venezuela e não sei mais onde, e eu vou pegar da Colômbia para baixo. Esse será meu território.

Ruth Vianna: - Com quantas pessoas você vai trabalhar em Buenos Aires?

Cristiana Mesquita – Não tem muitas, não. Nós somos seis pessoas em Buenos Aires. Mas a gente tem os nossos escritórios no Chile e na Colômbia, nós temos um free-lance na Bolívia. A gente tem um jornalista em cada país da América do Sul. Isso não significa que eu vou deixar de cobrir o Iraque, não.

Ruth Vianna: - Ah, era minha próxima pergunta...

Cristiana Mesquita – Não!

Ruth Vianna: - Porque a guerra não acabou. Não é mesmo?

Cristiana Mesquita - Não, não acabou.

“A gente cobre rigorosamente tudo, o que cada veículo vai utilizar... A forma que eles utilizam este material aí já é outra história, né...?”

Ruth Vianna: - Não acabou. E aí?

Cristiana Mesquita - Eu só vou fazer de uma maneira um pouco mais parcimoniosa do que eu tenho feito até agora porque eles continuam tendo falta de gente experiente para determinados momentos e para determinadas matérias. Então, faz parte do meu contrato. Sempre que for necessário, eu vou ter que me deslocar para o Iraque ou para qualquer outro lugar fora da América Latina, mas eu vou priorizar a cobertura da América Latina. Se você for falar da cobertura da imprensa brasileira na América Latina, eu diria que é péssima. É quase inexistente.

Ruth Vianna: - Quando estive estagiando, em 1997, na TV – 3 Catalunya, em Barcelona e nas demais emissoras de TV espanholas, como Antena – 3; Telecinco e Radiotelevisíon Espanñola acompanhei durante um certo período as editorias de Internacional e verifiquei que as informações sobre o Brasil eram raras ou quando não. eram as piores possíveis sobre o Brasil: favela, menino de rua, prostituição ou, caso contrário, matérias sob temas considerados exóticos: samba, carnaval, praias, futebol e modelos brasileiros.

Claramente percebia-se que havia um filtro sobre as matérias recebidas e emitidas sobre o Brasil e os demais países latino-americanos e, já em relação às matérias que iam das agências de notícias sobre os demais países europeus para a América Latina, estas informações eram mais volumosos, mas também eram filtradas, sendo enviadas somente as matérias de interesse político e econômico a ser difundida no Brasil e América latina. Quem escolhe a matéria para ser enviada para os países da América Latina?

Cristiana Mesquita - Na AP eu nunca senti nenhum tipo de filtro. Tem a dificuldade, mais uma vez da agência, de quem é seu público alvo. A gente não tem público alvo. A gente tem os clientes alvo.

Ruth Vianan: - Quem são os clientes-alvo das agências de noticias?

Cristiana Mesquita - Os nossos grandes clientes da parte de televisão são a Televisa, do México, a Globo, no Brasil, são os canais de língua espanhola nos Estados Unidos, como Telemundo e aqueles outros que têm lá. Esses seriam nosso cliente alvo. E, obviamente, cada um desses clientes tem um interesse num determinado tipo de matéria. Agora, a gente cobre rigorosamente tudo. O que cada veículo vai utilizar já é outra história.

“...no Jornal Nacional é um negócio que não tem nem pé nem cabeça...”

Ruth Vianna: - Por exemplo, a matéria que vocês enviaram para a Globo, a Globo modifica?

Crisstiana Mesquita – Claro. Ela embrulha muito e faz como se fosse dela. Por exemplo, você tem uma matéria de morte ou o pau está comendo no Afeganistão. Então, o cara sai do escritório dele em Londres depois de ver todas as imagens que as agências mandaram e de ler o texto das agências. Ele faz uma cabeça, faz um stand up e edita a matéria. Uma matéria de dois minutos e meio ou de três minutos passa a ter um minuto e meio, sem contar ou contando com a cabeça do repórter. E essa matéria entra no Jornal Nacional. É um negócio que não tem pé nem cabeça.

Ruth Vianna - Fica um texto gravado em cima...

Cristiana Mesquita – Exatamente. Não tem pé nem cabeça. Além disso, eu tenho certas dúvidas. Se você trabalhasse para um jornal, seria o mesmo que você pegar uma matéria de agência e em vez de colocar que a matéria é da AP ou da Reuters assinasse como sendo sua a matéria porque você fez a tradução para o português. Mas você fez apenas uma cabeça de uma matéria.

Ruth Vianna: - Agora, a questão da ética e a questão também de segurança do trabalho que você faz. O seu trabalho é manipulado e não tem nenhuma segurança...

Cristiana Mesquita - Nós temos associações e nós discutimos muitíssimo a ética e os procedimentos de trabalho e de apuração. A gente não discute pauta. Vamos falar sobre isso e sobre aquilo a gente não vai falar. A Associated Press, por exemplo. Quem são os donos da Associated Press? São todos os jornais dos Estados Unidos. Então, não tem uma figura chave que diga para gente: “olha, isso aqui vocês podem fazer e isso vocês não podem”. Se cada um dos nossos donos fosse dar opinião do tipo de matéria que a gente faz, a gente, ficaria louco. ..

“Já houve uma época em que eu achava isso muito frustrante, que eu..., eu, eu tinha vontade de sair junto pelo satélite... ir lá, na, na... na emissora, e dizer assim... “não isso aqui não é para você editar dessa maneira, você tem que colocar no jornal com essa ênfase...”

Ruth Vianna: - aí eles chegam aqui e utilizam o trabalho de vocês da forma que eles acham melhor?

Cristiana Mesquita - Pois é. A gente faz e manda. Às vezes, com o material que chega em Nova York, que é a nossa sede da parte de texto, o editor diz que a informação está mal-apurada, que não faz sentido e que o material só será distribuído se forem levantados mais dados. Então é óbvio que a gente tem uma editoria. Não é uma coisa que a gente atira para tudo quanto é lado. Tem uma linha, tem uma pessoa que fica em cima e diz que tal material não será colocado enquanto o correspondente não disser porque deu tal informação ou onde se baseou para ter a informação. Isso porque vem a questão da credibilidade da agência. Às vezes a gente erra, às vezes Nova York erra e às vezes todo mundo erra.

Mas, de uma maneira geral, eles são bastante críticos. Agora, o nosso controle da matéria vai até Nova York, no caso do texto, ou até Londres, no caso da imagem. Depois disso o que a gente pode fazer? Cada um vai usar aquela imagem da maneira que bem lhe convier.

Ruth Vianna: - E vocês não se sentem prejudicados, por conta disso?

Cristiana Mesquita - Já houve uma época em que eu achava isso muito frustrante, que eu tinha vontade de sair junto pelo satélite, ir à emissora e dizer: “não, isso aqui não é para você editar dessa maneira; você tem que colocar no jornal com essa ênfase”. Hoje em dia a questão ética do jornalismo se tornou uma coisa tão complexa que eu já fico feliz de poder despachar uma matéria com a consciência tranqüila.

Eu apurei e editei da melhor forma que pude. Como as pessoas vão usar desta forma equivocada... Hoje em dia a gente discute muito sobre o que a gente pode botar ou o que a gente não pode botar entre as imagens mais violentas ou mais sangrentas.

Ruth Vianna: - Como se dá isto? Qual a sua avaliação a respeito?

Cristiana Mesquita - Então, isso tem uma discussão interna muito grande. Tinha gente dizendo que era uma barbaridade a gente transmitir certas coisas e tinha gente dizendo que transmitiria sim porque aconteceu.

Ruth Vianna - Eu li, eu vi, eu já ouvi, eu estava ali...

“...dependendo da sua linha... de programação, que tipo de jornal você faz, para que tipo de gente você está falando, porque é aquela tal história..., aqui você fica chocada, talvez, com um miolo estourando..., no Japão... não...”

Cristiana Mesquita - Eu vi, entende. Se eu pudesse ter cheiro na televisão para eles sentirem também o cheiro que eu senti, eu botava. Agora, obviamente, se você vai botar essa matéria no ar como uma coisa bonitinha, pasteurizada, como no Jornal Nacional, ela não vai entrar, entende. Os Japoneses vão usar e você não.

Ruth Vianna: - E aí a bomba estourando, caindo no meio da parede, os miolos... tudo isto as emissoras de televisão espanhola fazem questão de mostrar em horário nobre. Na hora em que os espanhóis estão cenando (comendo) e sem o menor constrangimento...

Cristiana Mesquita - Exatamente... é...

Ruth Vianna: - Quer dizer, você acha que isso é assim. Deve-se enviar todo tipo de imagem?

Cristiana Mesquita - Eu mando!

Ruth Vianna: - Você manda?

Cristiana Mesquita - Eu mando porque é o meu trabalho como repórter lá mandar tudo que eu coloquei. Agora, eu entendo que não posso ter o controle total da minha matéria. Isso depende do horário que vai entrar, depende da linha, depende da programação, depende do tipo de jornal e depende do tipo de gente que assiste ao jornal. É aquela tal história: aqui você fica chocada, talvez, com um miolo estourando, mas esse choque não acontece no Japão.

Ruth Vianna: - Não. Em outros países como lá na Espanha (conforme mencionei anteriormente) também não há o mínimo de constrangimento. As imagens são divulgadas nuas e cruas, por mais terríveis que sejam...

Cristiana Mesquita - No Japão não tem o menor problema. Quer dizer, eu tenho respeito por morto. Eu acho que uma pessoa, só porque ela morreu, não deve ser mostrada toda aberta. Na hora de gravar, eu brigo muito com os cinegrafistas. Eu não quero “close”. Eu quero uma coisa que você consiga entender que ali tem uma pessoa morta, mas eu não preciso saber os detalhes de que tripas saíram e de que cérebro saiu. Isso eu não uso, mas eu não deixo de mostrar a pessoa morta.

Ruth Vianna: - Agora, as imagens que vocês colocam são sempre as que você registrou, do seu cinegrafista, ou vocês usam de outras fontes?

Cristiana Mesquita – Não, são usadas somente as nossas.

Ruth Vianna: - De vocês?

Cristiana Mesquita - Na maioria das vezes, eu estou presente do lado do cinegrafista. Às vezes, não. Às vezes, eles têm pessoas que saem por aí e a fita já vem pronta, gravada, para mim. Eu aí tenho o trabalho de levantar as informações pertinentes, editar e transmitir.

“...as pessoas criticaram muito esse sistema de... jornalista embutido, e realmente, se você só tem um jornalista no Iraque, e ele está embutido, a cobertura que você vai fazer é uma cobertura de merda, agora..., no caso da agência, que tinha uma jornalista embutida, o outro com os iraquianos, outro em Bagdá, outro circulando livremente, quando você juntasse isso tudo você tinha uma cobertura...”

Ruth Vianna: - Há ética na guerra? A guerra tem uma ética para o jornalista? O jornalista que cobre a guerra tem uma ética a seguir ou não?

Cristiana Mesquita – Não. Quer dizer, depende da guerra. A ética em uma guerra civil é uma e a ética no Iraque é outra. Eu acho que ética, não. A guerra tem regras.

Ruth Vianna: - Você tinha que seguir algumas quando você estava embutida na Infantaria norte-americana e não da sua agência de notícias para quem você trabalha, mas da tropa que você estava embutida?

Cristiana Mesquita - Claro, claro. Se você estava embutida na tropa, você fazia parte da tropa. É inevitável. As pessoas criticaram muito esse sistema de jornalista embutido. E, realmente, se você só tem um jornalista no Iraque e ele está embutido, a cobertura que você vai fazer é uma cobertura de merda. Agora, no caso da agência, que tinha um jornalista embutido, o outro com os iraquianos, outro em Bagdá, outro circulando livremente, quando você juntasse isso tudo, você tinha uma cobertura mesmo.

Ruth Vianna: - E vocês tinham tudo isso...?

Cristiana Mesquita - Nós tínhamos isso o tempo todo. Quando eu estava embutida, eu sabia que estava cobrindo um determinado ângulo daquilo que eu estava fazendo. Não tinha como escapar. Não tinha como dizer: “eu estou aqui embutida e estou saindo com vocês em patrulha, mas estou aqui, na verdade, para saber como se sente o iraquiano que é acordado de madrugada com as tropas entrando em sua casa”. Não tinha condição. Não podia sair de um lado e ir para o outro lado. Eu tinha outras pessoas que eu esperava que estivessem cobrindo o outro lado. E elas estavam cobrindo o outro lado. Oitenta por cento da nossa equipe no Iraque é iraquiana.

“Porque eles não vazaram antes, eles só vazaram essas fotos agora..., que a gente sabia..., sabia... que elas existiam... você imagina um, um..., quem é que era louco de fazer uma alegação dessa, publicamente na imprensa e...”

Ruth Vianna: - Por que essas fotos e esses vídeos da tortura que estão saindo só agora não foram mostradas antes?

Cristiana Mesquita - Porque eles não vazaram antes. Eles só vazaram essas fotos agora, mas a gente sabia que elas existiam.

Ruth Vianna: - Então, o que muda nessa guerra?

Cristiana Mesquita - Agora, quem era louco de fazer uma alegação dessas publicamente na imprensa sem ter como provar? Eu fui a 500 mil coletivas e não tinha uma coletiva em que não se perguntasse sobre a situação dos presos em Abu Gharib.

“...a Cruz Vermelha ficou quieta, na realidade, a Cruz Vermelha ficou quieta, ela teve coragem de abrir a boca agooora...”

Ruth Vianna: - ...dos horrores que a gente tem visto e ouvido, por quê só agora?

Cristiana Mesquita - A Cruz Vermelha ficou quieta. Na realidade, a Cruz Vermelha ficou quieta. Ela teve coragem de abrir a boca agora. Mas a Cruz Vermelha também deve ter visto a coisa por um filtro. Eu imagino que tenha sido por algum tipo de filtro. É muito fácil você enganar. Você mostra três ou quatro presos de um lado por outro e não todos os presos. Entende? Realmente é ruim, mas poderia ser pior.

Ruth Vianna: - Você não está pensando em publicar suas histórias em livro? Têm alguns escritos dando a sua versão?

Cristiana Mesquita - Eu tenho. Eu escrevi alguns artigos, mas por amizade do que qualquer outra coisa, com o Luis Edgar e com o Alberto Dines para o Observatório da Imprensa. Eu costumo manter um diário e até já ensaiei alguns capítulos de um livro, mas eu sempre acho muito chato. Eu não leio nada que os jornalistas escrevem. O Antonio coleciona livros de outros jornalistas. Ele me diz: “Olha aqui esse jornalista, você tem que ler esse livro. Aí, respondo: “eu não”. Eu acho que como eu não leio o trabalho dos meus colegas, quem vai se interessar pelo meu.

Ruth Vianna: - Eu estou te entrevistando, estou gravando e vou colocar no meu texto...

Cristiana Mesquita - Claro...

Ruth Vianna: - ...mas você se importaria de fazer um texto curtinho para mim?

Cristiana Mesquita – Não.

Ruth Vianna: - Você faria um texto de cada guerra?

Cristiana Mesquita – De cada guerra? Claro. Não tem problema.

Ruth Vianna: - Porque isso é bastante importante e vai fazer parte de uma publicação.

Cristiana Mesquita – Claro. Não tem problema nenhum, não.

Ruth Vianna: - E você tem fotos, tem imagem?

Cristiana Mesquita - Tenho.

Ruth Vianna: - De cada uma dessas guerras?

Cristiana Mesquita - De boa parte delas.

Ruth Vianna: - Você cederia só para eu analisar ou não?

Cristiana Mesquita - Não, não vou lhe dar a imagem. Olha, eu tenho... Quando eu era mais moça, na guerra da Bósnia, eu ficava tão frustrada de mandar o material de agência, assim, tão sequinho que eu pegava e editava tudo como videoclipe. O pessoal ria e dizia que na verdade eu queria trabalhar na MTV. Na Bósnia, o pessoal colocava o nome da empresa no meu capacete eu trocava por MTV. Era ótimo porque em todo lugar que eu chegava, as pessoas começavam a rir na mesma hora.

E perguntavam o que eu estava fazendo ali. Aí eu brincava com os soldados e perguntava qual era banda de rock favorita deles. Era ótimo para quebrar o gelo. Então, o material da Bósnia eu meio que compilei algumas coisas que achei mais contundentes. Agora, no Iraque, se você também quiser, eu tenho um material vastíssimo.

Ruth Vianna: - Porque eu tenho as fitas dos telejornais e seria interessante para mim...

Cristiana Mesquita - ...mas só vai vir imagem porque meu texto é mandado por...

Ruth Vianna: - Você não tem cópia desses textos?

Cristiana Mesquita – Tenho de alguns...

Ruth Vianna: - Seria até como documento para poder comprovar. O que me interessa é mostrar que aquilo que o repórter fez e aquilo que foi veiculado...

Cristiana Mesquita - Claro. Eu vejo, eu reúno isso para você.

Ruth Vianna: - ...mas aí você vai embora para Buenos Aires...

Cristiana Mesquita - Não tem problema. Buenos Aires é pertinho. Eu vou primeiro por 15 dias porque vou começar a procurar apartamento e vou meio que tomar pé das coisas. Eu estou contratando pessoas para lá também. Então, tenho que fazer um monte de entrevistas. Depois, eu volto para fazer minha mudança definitiva. Agora, eu tenho que ir ao escritório da AP aqui do Rio antes de ir a Buenos Aires porque tenho de tratar de uma série de coisas com eles. E eles têm ilha de edição. Eu vou levar meu material e posso fazer uma compilação para você. Aí, eu vejo, inclusive, dentro dessa compilação de imagens, aquilo que trata dos textos dos arquivos deles que eu ainda consigo recuperar. Eu mesma não mantenho arquivo.

Ruth Vianna: - Porque dá para documentar e eu coloco artigos e a entrevista...

Cristiana Mesquita – Tudo bem, legal.

“...é, mais uma vez frisar, que..., eh..., o trabalho de correspondente de guerra não tem... o glamour que as pessoas imaginam, não tem a importância que as pessoas..., ele é um repórter, cobrindo uma história que é importante, né?...”

Ruth Vianna: - Você poderia finalizar, dar uma síntese ou finalizar com alguma coisa que eu não perguntei, que passou despercebido. Até alguma pergunta de algo que eu não tenha feito porque não tenho conhecimento do que ocorre no dia-a-dia de um correspondente, que é significante e que você queira que entre nessa entrevista.

Cristiana Mesquita - Eu acho que o importante é, mais uma vez, frisar que o trabalho de correspondente de guerra não tem o glamour que as pessoas imaginam, não tem a importância que as pessoas atribuem. Ele é um repórter cobrindo uma história importante, mas poderia ser um repórter da sua rua. Não faz muita diferença, quero dizer, o importante é ele estar lá e você ter o repórter por lá. Meu Deus, mais o quê? É uma pena que no Brasil não tenha essa cultura da cobertura internacional. Mas nós já tivemos grandes correspondentes internacionais.

Ruth Vianna: - Quem?

Cristiana Mesquita - Nós já tivemos Joel Silveira, nós já tivemos Luis Edgar de Andrade, nós já tivemos Sandra Passarinho, que para mim é uma repórter extremamente qualificada. Ela também é uma repórter sem curso de comunicação, mas tem vastíssima cultura, com línguas, que não tinha medo de enfrentar nada, que não tinha nada a ver com o padrão Globo, de carinhas e de não sei o quê. Era a verdadeira repórter e que hoje em dia, enfim, está fazendo trabalho de editoria porque não tem mais espaço dentro da televisão brasileira para esse tipo de gente. Eu acho que se perdeu muito.

Ruth Vianna: - O jornalismo brasileiro certamente.

“Eu quero que ela venda sabão, eu quero que o pessoal pare o que está fazendo, ali na hora do jantar, sente e veja a matéria... de guerra... do Iraque, e depois sai e compra sabão..., ta?, mas..., você dizer assim...“não, simplesmente não vou fazer porque isso daí não vende sabão”... é porque você está fazendo mal feito...”

Cristiana Mesquita - É...

Ruth Vianna: - Então, realmente, essa é uma questão importante, o jornalismo hoje em dia, tanto de TV, quanto impresso... deixou de ter maior expressividade?

Cristiana Mesquita - Exatamente...

Ruth Vianna: - talvez o rádio, não sei... mas pelas pesquisas já realizadas ele continua o favorito de uma porcentagem enorme de brasileiros, principalmente os de menor renda econômica e escolaridade...

Cristiana Mesquita - Eu não tenho nenhuma ilusão, quero dizer, a principal tarefa do jornal ainda é vender jornal e a principal tarefa da televisão ainda é vender comercial para televisão. Então, eu acho que é impossível você querer desvincular o lado comercial do lado de informação, que é fundamental para qualquer país civilizado, mas eu acho que você pode fazer os dois.

E eu acho que é isso que a imprensa brasileira está esquecendo. Você pode fazer uma matéria internacional que venda sabão porque é uma matéria bem feita, bem trabalhada e bem colocada. Eu não tenho nada contra o fato de que a matéria que eu estou fazendo no Iraque vá vender sabão. Eu quero que venda sabão.

Ruth Vianna: - Claro, com certeza... mas que seja um trabalho de qualidade...

Cristiana Mesquita - Eu quero que ela venda sabão. Eu quero que o pessoal pare o que está fazendo ali, na hora do jantar, sente, veja a matéria e depois saia para comprar sabão. Mas dizer simplesmente que não vai fazer porque isso daí não vende sabão é porque está fazendo mal feito.

“...os conflitos na Bolívia, aquilo ali foi um negócio enorme..., enorme, quer dizer, La Paz estava completamente isolada, do resto do mundo, né?. Já estava faltando comida, entende? É um levante campesino, de cocaleiro, entende, em plena La Paz, de 2003...”

Ruth Vianna: - Você tem sido convidada para ir para as faculdades, para os congressos e essas coisas todas?

Cristiana Mesquita - Às vezes, coitados, convidam-me, mas eu já furei tanto porque eu não tenho hora. Se me chamam para cobrir tal acontecimento hoje, eu viajo no dia seguinte. Mas eu fiz uma palestra agora em Nova York e o pessoal adorou, teve muita repercussão. Eu tive que escrever sobre isso. Mandaram entrevistas por e-mail, que eu tive de responder para vários países da África. Tem alguma repercussão até pelo fato de ser uma mulher e uma mulher do terceiro mundo, que é um aspecto muito procurado.

Ruth Vianna: - Eu sou da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, embora eu seja de São Paulo, e ali a gente está pertinho da Bolívia, Paraguai... então poderíamos levá-la para uma palestra...

Cristiana Mesquita - Eu passei um mês na Bolívia, no ano passado, durante os conflitos na Bolívia. Aquilo foi um negócio enorme. La Paz estava completamente isolada do resto do mundo. Já estava faltando comida. Havia um levante campesino, de cocaleiro, em plena La Paz de 2003. Se não fosse pelas nossas raízes históricas, econômicas...Ali é coisa recente, da disputa de gás da Bolívia. Mas ninguém se interessa em saber mais nada sobre as pessoas do lugar.

Ruth Vianna: - Nada... esta é uma carência da região...

Cristiana Mesquita – Nada. Ficaram interessados. Eu até mandei uma matéria para a Globo, que eu nem fiz. Eu falei que não iria fazer a matéria porque eu achava uma coisa tão ‘chinfrim’, que eu não iria fazer. Mas eu fiz a entrevista e mandei o material para eles. A matéria era sobre alguns turistas brasileiros que ficaram ali meio perdidos. Eu até acho interessante saber o que os brasileiros em La Paz estão passando. Agora, pelo amor de Deus, tem muito mais acontecendo.

Ruth Vianna: - Mas não se interessam...

Cristiana Mesquita - Nada.

Ruth Vianna: - Vem cá, cadê sua filha e seu filho?

Cristiana Mesquita – Quando você quiser.

Ruth Vianna: - O que você faz, Júlia, você está estudando, fazendo o quê?

Júlia – Eu estou no primeiro ano do segundo grau...

Ruth Vianna: - Ah, que legal, e vai ser jornalista também, não?

Júlia – Não.

Ruth Vianna: - O que você vai fazer?

Júlia – Não tenho a mínima idéia...

Ruth Vianna: – Como é para você quando a Cristiana Mesquita, sua mãe, sai para ir cobrir guerras?

Júlia – Eu já estou acostumada. Eu nunca achei nada de mais. Ela já esta nessa vida há tempo que a gente já se acostumou.

Ruth Vianna: – E como você vê essas guerras?

Júlia – Eu não sei o que está acontecendo nesses lugares e não tenho uma opinião formada. Eu aproveito para saber mais e, provavelmente, eu sei mais desses conflitos do que qualquer outra pessoa da minha idade ou, pelo menos, da minha turma.

Ruth Vianna – Na sua escola, com os seus amigos... eles te perguntam muito sobre a sua mãe lá na guerra?

Cristiana Mesquita – Tem uma história engraçada. Meu filho estava no jardim de infância e eles inventavam de fazer rodinha. A professora perguntava: e aí, como foi seu fim de semana? E meu filho contava as histórias na rodinha. Ao contrário de Júlia, ele era muito falador. Um dia eu fui chamada à escola. Eu estranhei porque eu achava meu filho tão alegrinho, tão feliz. Ele tem uma imaginação fertilíssima. Vive inventando histórias da senhora. Eu me lembro de que quando eu era garota o que mais me apavorava era imaginar se minha mãe morresse.

Eles convivem com isso toda a vida deles. Então, eles se tornaram pessoas muito mais independentes e muito mais fortes. Mas eu não recomendo isso para todo mundo. Eu acho que, de uma certa maneira, foi muito positivo na vida deles. E eu trago essas coisas todas para casa. Eu conto. Eu fico até meio chata porque fico impaciente e meio intolerante com os problemas existenciais deles. O que? Tem dó do que? Do que você está reclamando? Eu tento me policiar porque quando uma unha está encravada, ela é a unha encravada mais importante do mundo.


Notas e referências bibliográficas

1– Vianna, Ruth. Entrevista de Cristiana Mesquita – FITA Cassete nº 01, maio de 2004, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Ver também: BRASIL, Antonio. No coração da guerra. In:
www.no.com.br/revista/noticia/42793/1006048/780000.

2 – Idem.

3 – Idem.

4 – Idem.

5 – Idem.

6 – Idem.

7 – Idem.

8 – Idem.

9 – Idem.

10 – Idem.

11 – Idem.

12 – Vianna, Ruth. Entrevista de Cristiana Mesquita – FITA Cassete nº 01, maio de 2004, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Ver também: Leão, Renata. Vida dupla TPM (Trip para mulher) In:
www.revistatpm.com.br/19/vermelhas.home.htm.

13 – Idem.

14 – Idem.

15 – Idem.

16 – Idem.

17 – Idem.

18 – Idem.

19 – Idem.

20 – Idem.

21 – Idem.

22 – Idem.

23 – Idem.

24 – Idem.

25 – Idem.

26 – Idem.

27 – Idem.

28 – Idem.

29 – Idem.

30 – Idem.

31 – Idem.

32 – Idem.

33 – Idem.

34 – Idem.

35 – Idem.

36 – Vianna, Ruth. Entrevista de Cristiana Mesquita – FITA Cassete nº 01, maio de 2004, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Ver também: Ribeiro, Victor. Fazendo Media.
htpp://www.fazendomedia.com/fmoutros/entrevista0015.htm.

37 – Idem.

38 – Idem.

39 – Idem.

40 – Idem.

41 – Idem.

42 – Idem.

43 – Idem.

44 – Idem.

45 – Idem.

46 – Idem.

47 – Idem.

48 – Idem.

II - Outras Fontes e referências pesquisadas

1 – Franco, Bernardo Mello. A guerra vista de dentro. In www.reator.org/imprensa/04titi.htm.

2 – Mesquita, Cristiana. Situação de risco. In http.//www.redeglobo.globo.com./cgi-bin/jornalhoje.

3 – Observatório da Imprensa . In www.observatoriodaimprensa.com.br.

4 – www.Educacional.com.br. Iraque.htm. Enciclopédia Educacional.

5 – Jornalista Luis Edegar de Andrade - Comentarista de Telejornal da TVE – Rio de Janeiro.

6 – Marcelo, Rede. O patrimônio histórico iraquiano: uma vítima esquecida. In Folha Online, 19/03/2003.

7 - ____________. Bagdá: um símbolo da história corre risco. In Folha Online, 27/03/2003.

8 – www.ace.jor.br - Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo.

9 – www.smattos.comunicação.com.br/ www.sergiomattos.com.br.

10 – Iraque – Mapa dos recursos energéticos do Iraque - Mapas.created with.: www.curious .software.com/ www.profduilio.hpg.com.br. Fonte: CNN-TV.

11 – BBC Mapas do Iraque – In www.educacional.com.br. A crise no Iraque em mapas.

12 - _________________ Bases iraquianas.

13 - _________________ Alcance dos mísseis.

14 - _________________ Base dos EUA.

15 - _________________ Regiões dissidentes.

16 - _________________ campos petróleo do Iraque.

17 - _________________ Bagdá.

17 - _________________ Supostos locais de fabricação de armas.

18 – Goyzueta, Verônica & Orgier, Thierry. A guerra e imprensa. Um olhar crítico da cobertura da guerra do Iraque. Summus Editorial, São `Paulo, 2003.

19 – Vidal, Gore. Sonhando a Guerra. Sangue por petróleo e a Junta Vheney-Bush.


*Entrevista com Cristiana Mesquita, Correspondente de Guerra da ex Worldwide Television News (WTN) e da AP/APTN, realizada por Ruth Viana, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, em maio de 2004.

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