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Especial

Celebração no
telejornalismo local:
A festa de N. Sra. Aparecida
na TV em Juiz de Fora

Por Iluska Coutinho*

Reprodução

Resumo:

Análise sobre as características que a informação assume nos telejornais produzidos e veiculados localmente, em Juiz de Fora. Esse trabalho se insere em uma pesquisa macro que tem como objetivo verificar se em termos regionais há a reprodução do modelo hegemônico nos programas jornalísticos exibidos em rede nacional de televisão, a dramaturgia do telejornalismo, ou se haveria uma regionalização também no tratamento da notícia, neste caso com características culturais da Zona da Mata mineira. O produto audiovisual analisado neste artigo é a cobertura televisiva do dia de Nossa Senhora Aparecida em dois telejornais locais:

MGTV 1ª Edição (TV Panorama) e Jornal da Alterosa - Edição Regional (TV Alterosa - JF). A história contada, os recursos mobilizados na cobertura e a posição editorial das duas emissoras são o foco da reflexão realizada, que teve como suporte teórico a produção de autores que investigam o Telejornalismo, além do referencial sobre narrativa.

Palavras-chave:

Telejornalismo local / Narrativa / Dramaturgia / Notícia / Perfil editorial

A estruturação das notícias e reportagens veiculadas na televisão como uma narrativa, dramática, é uma realidade no produto veiculado em nível nacional pelas emissoras de TV brasileiras. A existência do que denominamos como Dramaturgia do telejornalismo brasileiro, em uma tentativa de estabelecer um paralelo entre notícia e drama como forma de analisar a informação na TV poderia, foi evidenciada durante pesquisa de doutorado realizada entre 2001 e 2003.

Ainda que essa aproximação entre jornalismo e drama em geral seja considerada e/ou vista com restrições pelos profissionais do Jornalismo brasileiro, herdeiro da tradição da chamada objetividade, como se representasse uma perigosa aproximação do campo do entretenimento, esse modelo de organização da informação na televisão permanece hegemônico atualmente.

Na pesquisa realizada anteriormente, por meio da análise de edições de dois telejornais exibidos em rede nacional, Jornal Nacional (Rede Globo) e Jornal da Cultura (TV Cultura), foi possível compreender que nos dois programas a notícia é estruturada como um drama cotidiano, formato comum tanto aos noticiários de redes de televisão públicas quando nos daquelas de caráter privado.

A dramaturgia do telejornalismo veiculado em rede foi evidenciada pela existência de conflito narrativo como característica central em todas as matérias analisadas. Seria através desses conflitos, quase sempre ressaltados no texto dos apresentadores de cada programa, na chamada cabeça de locutor, que a(s) narrativa(s) do telejornal se organizaria(m). A estruturação do noticiário televisivo em torno de problemas, ações e disputas guardaria semelhanças com o que classificamos como um drama cotidiano.

A forma de contar uma história em nossos telejornais, especialmente o padrão ou roteiro para construção de uma matéria com texto, som e imagem, seria o segundo aspecto dessa dramaturgia. A identificação da existência de personagens no texto noticioso, de maneira latente ou manifesta, e ainda o papel representado por cada um deles na representação dos fatos foram investigados durante a pesquisa de doutorado, tomando sempre como matriz os modelos e estereótipos comumente presentes em obras dramáticas, ficcionais.

Assim, foi possível concluir que os telespectadores acompanham nos telejornais exibidos em rede uma soma de pequenas tentativas de repetição de alguns fatos, amarrados pelos textos de repórteres e apresentadores, uma "imitação da ação" ou das ações humanas, tal como a definição de Aristóteles para a palavra drama. O sentido de "imitação" tal como proposto pelo filósofo abrange o de representação, no caso, de um conflito que se desenvolveria, sempre com a busca de sua resolução, através das ações dos personagens da estória, da narrativa.

Tomando como matriz/modelo metodológico as definições de narrativa e de drama, é a partir de um conflito e/ou de uma intriga que se desenrolam as ações, na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda os outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais. Nos telejornais esse "marco inicial", de apresentação inicial do conflito, ocorre no texto de abertura das matérias, interpretado pelos locutores-apresentadores como uma espécie de "convite" ao acompanhamento de cada VT ou matéria.

Talvez por isso, no jargão profissional, esse elemento de composição do telejornal receba o nome de "chamada" ou "cabeça de apresentação". As ações, os personagens e ainda a oferta de uma mensagem moral são também componentes essenciais de uma narrativa dramática.

A partir dessas conclusões surgem outras questões, inclusive em função do modelo de organização da TV brasileira. Organizadas em redes nacionais, as emissoras de televisão no Brasil se reúnem por meio de contratos de afiliação. Nessa estrutura a significativa maioria dos conteúdos veiculados ao longo da programação é produzida pela chamada "cabeça de rede" e reproduzido pelas emissoras afiliadas, que estendem o sinal da rede por diversos estados e municípios, garantindo o alcance nacional.

De acordo com esse modelo as emissoras de TV que tem contrato com determinada "Rede de TV" reproduzem simultaneamente a programação gerada, ocupando com sua produção (local ou regional), espaços que são determinados de acordo com o contrato de afiliação.

A exigência de produção de material audiovisual local é prevista em lei, embora sua fiscalização em geral também fique apenas no papel. Geralmente a produção realizada pelas emissoras afiliadas tem caráter jornalístico ou integraria a categoria informação, na classificação estabelecida por Souza (2004).

É a partir dessa estrutura de organização, com destaque para a do jornalismo televisivo, que surge a questão central que orienta a pesquisa macro desenvolvida atualmente na Universidade Federal de Juiz de Fora, na qual se inserem as reflexões deste artigo.

Consolidadas nos telejornais nacionais como um drama cotidiano, teriam as notícias em TV a mesma estrutura narrativa também nos noticiários produzidos e apresentados localmente? A proposta é avaliar em que medida as emissoras de televisão consideradas locais reproduzem, ou não o modelo que consideramos hegemônico no noticiário veiculado em rede nacional.

Realizada em uma cidade de porte médio, com aproximadamente 500 mil habitantes a pesquisa tem como objetos empíricos os telejornais produzidos e veiculados nas duas emissoras de TV que têm sede, departamento de jornalismo em funcionamento, em Juiz de Fora: TV Alterosa (afiliada SBT) e TV Panorama (afiliada Globo Minas). A análise da produção de duas emissoras locais, e portanto de duas relações afiliada-rede diferenciadas, se justifica na medida em que cada Rede de TV tem um modelo particular de relacionamento com suas "parceiras".

No caso das afiliadas da Rede Globo esse controle sobre o material produzido em geral é mais rigoroso, com estabelecimento de modelos, inclusive, de cenário para os telejornais locais. [1] Essa rigidez na relação entre Rede e Afiliada é explicitada pelo empresário Omar Peres, presidente das Organizações Panorama que em 2003 comprou da Globo Minas a TV Panorama, afiliada da Rede em Juiz de Fora:

Na verdade eu comprei uma franquia do qual você se comporta com regras muito bem pré-estabelecidas. Você tem que atender essa franquia, isto é, uma grade de programação que é rígida, mas você também tem a possibilidade de fazer programas locais como nós já fizemos aqui na Panorama. (Peres, 2004).

Para descrever a produção local em Juiz de Fora é preciso mais elementos sobre a organização da TV no município, tema que será abordado a seguir.

A TV em Juiz de Fora

Desde 1962 já se planeja a criação de uma emissora de televisão em Juiz de Fora, cidadão pólo da região da Zona da Mata Mineira.

Resultado de iniciativa de empresários locais, dois anos depois entra no ar a TV Industrial, com uma proposta de oferecer aos moradores do município, então conhecido como a Manchester Mineira, uma TV estritamente local/regional.

O empresário Sérgio Vieira Mendes e seus filhos Gudesteu e Geraldo, que já eram proprietários das rádios Industrial e Difusora, foram os idealizadores da primeira emissora de TV do município. A proposta de concessão foi objeto de análise do Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações) e aprovada pelo então presidente João Goulart em 22 de Janeiro de 1963. Assim, em 29 de Julho de 1964, entrava no ar a primeira estação geradora de sinais de TV localizada no interior do Brasil. A sede da emissora ficava no Morro do Imperador, num terreno doado pela prefeitura de Juiz de Fora.

Funcionários do Rio de Janeiro foram contratados para ensinar as técnicas de utilização dos equipamentos. Para focalizar o local, naquela época, 80% da programação era produzida dentro dos estúdios da TV Industrial, enquanto o restante do tempo era reservado para a projeção de filmes. Em sua programação havia programas educativos, jornalísticos e de auditório, em sua maioria com transmissão ao vivo. O resultado da narrativa em transmissão direta era a identificação do público com a TV, especialmente os telespectadores de classes menos favorecidas.

A tentativa de imprimir um caráter eminentemente local à programação porém implica em custos de produção elevados, o que ocasiona crises na emissora. No desdobramento a TV Industrial é vendida para o grupo Roberto Marinho em 1980, quando a geradora passa a retransmitir o sinal da Rede Globo. Nessa época a programação local é reduzida a alguns minutos diários, com inserções nos telejornais que tem como sede a Globo Minas, localizada em Belo Horizonte.

Com busca de valorização do local, até como contraponto ao processo de globalização, e especialmente na tentativa de atrair/ criar novos mercados publicitários, a TV Globo de Juiz de Fora passa a se chamar TV Panorama em 1988. Para convencer o público de que a Globo não estava "abandonando" a cidade a emissora adota o slogan "TV Panorama: o espelho da comunidade". Com a chamada regionalização foi criada uma gerência de Marketing na emissora, além de haver projetos com ações locais, como Esporte XXI, Amigos da Escola, etc. O tempo de transmissão do telejornalismo produzido localmente aumentou de 15 para 50 minutos diários.

Os telejornais MGTV 1ª e 2ª edição passaram a ser apresentados também no estúdio de Juiz de Fora, gerando no caso do primeiro uma interação entre apresentadores da TV Panorama e da Globo Minas, que dividem o papel de mestre de cerimônias do informativo. Além disso, surgem nessa época os programas Panorama Revista (veiculado aos sábados) e Panorama Esporte (que antecede o MGTV 1ª Edição de segunda a sexta-feira). [2]

Em 2003, como estratégia comercial, a Rede Globo opta pela venda de emissoras localizadas fora dos grandes centros. Assim, a TV Panorama é vendida para o empresário Omar Peres, secretário de Indústria e Comércio de Minas Gerais no governo Itamar Franco. A emissora se torna então o ponto central das chamadas Organizações Panorama que, atualmente, incluem a Rádio Panorama FM, o Jornal Panorama, o portal Ipanorama.com e a PanShow, empresa de eventos.

A segunda opção de TV local em Juiz de Fora seria a TV Educativa, que entra no ar em 31 de maio de 1981, com a concessão recebida pela Fundação Educacional Pio XII. Apesar disso, desde essa época a emissora transmite quase integralmente a programação gerada no Rio de Janeiro, pela TVE. Atualmente o único programa local produzido regularmente é uma mesa de debates apresentada por seu proprietário, Josino Aragão. Personagem de destaque nas áreas de Comunicação e Educação em Juiz de Fora, ele também é proprietário de uma emissora de rádio educativa (Rádio Globo AM, 910 Khz) e de um jornal impresso (Diário Regional) além de ter sido o fundador da TV Tiradentes, hoje TV Alterosa-JF.

A terceira emissora de Juiz de Fora entra no ar em 1990, com a previsão inicial de atuar como simples repetidora da extinta TV Manchete. Com a crise vivida por essa rede de televisão a TV Tiradentes assume as mesmas pretensões de regionalização que caracterizaram a TV Industrial no início de seu funcionamento. A emissora passa a ser administrada por Josino Aragão e Domingos Frias, também proprietário de uma emissora de TV em Campos (RJ), e passa a oferecer ao público diversos programas de auditório e dois telejornais.

As divergências e crises internas não demoram a acontecer, o que ocasiona a extinção de muitos programas, e a assinatura de contrato afiliação com a Rede Record. No final de 1999, a emissora passa a integrar o grupo Diários Associadas, sendo comprada pela TV Alterosa, criada por Chatô. Com sede em Belo Horizonte a emissora constitui uma espécie de rede regional [3] e integra o Sistema Estaminas de Comunicação é afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).

Em Juiz de Fora a programação local se restringe a um telejornal produzido e apresentado no município o Jornal da Alterosa-Edição Regional, veiculado de segunda a Sábado, ao meio-dia.

Devoção na telinha: os telejornais veiculados em 12 de outubro de 2004

Feriado nacional no Brasil, o dia 12 de outubro teve uma cobertura com enfoque editorial diferenciado nas duas emissoras de TV localizadas em Juiz de Fora, em que pesem as características distintas dos telejornais Jornal da Alterosa-Edição Regional e MGTV 1ª Edição. Enquanto o primeiro programa tem um caráter eminentemente local, com cerca de 10 minutos de produção exclusiva da emissora localizada em Juiz de Fora, o telejornal exibido pela afiliada da Rede Globo conta com quatro blocos, sendo três deles montados com material produzido pela TV Panorama. [4]

O primeiro bloco do programa tem a maior duração, é apresentado a partir de Belo Horizonte e possui um enfoque estadual, com matérias produzidas por diferentes afiliadas da Rede Globo no Estado e pela própria Globo Minas.

Na emissora afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) o aspecto central da cobertura da data é salientado no texto de abertura do telejornal analisado: "(...) Hoje é terça-feira, doze de outubro, dia da criança e você está assistindo o Jornal da Alterosa, Edição Regional". Nossa Senhora Aparecida surge na escalada de abertura [5] do programa, ainda que sem grande destaque:

"Motoqueiros fazem procissão para homenagear Nossa Senhora Aparecida". Aliás, essa é a única matéria com enfoque "religioso" veiculada pelo jornal. As aspas se justificam porque o aspecto central da pauta realizada, mais que a questão religiosa é dado à celebração dos motoqueiros, uma tradição na cidade, de acordo com o texto de abertura da matéria.

Entre o tempo da manchete, o texto da apresentadora e a matéria realizada, na verdade um stand up [6], o tempo dedicado à festa de Nossa Senhora é de pouco menos de um minuto (59 segundos), o que representa 11,15% do tempo de produção jornalística veiculado nesse dia. Em seu texto, gravado no momento em que a procissão chega à Catedral Metropolitana de Juiz de Fora, a repórter nos informa o trajeto percorrido, e acrescenta que a imagem de Nossa Senhora é sempre trazida por um motoboy. Além disso, a matéria anuncia as etapas seguintes do acontecimento: a entrada dos motoqueiros na igreja para receberem uma benção e a participação deles em uma missa.

"Essa celebração é tradicional em Juiz de Fora, sempre no dia de Nossa Senhora Aparecida, lembrando que a santa é padroeira e protetora dos motoqueiros", esclarece a repórter que tem a seu fundo diversos motoqueiros, localizados em frente à Catedral.

Tendo a questão da igreja mais como um cenário, de chegada, para o evento dos motoqueiros, a matéria não evidencia o caráter religioso da celebração, que passa ao largo da cobertura da TV Alterosa. No final do stand up os telespectadores ainda ficam sabendo que há outras celebrações na cidade, embora não sejam informados de seu horário, local ou natureza.

O dia das crianças, destaque da data de acordo com o telejornal, é objeto de uma matéria mais completa, com direito a utilização de recursos como off, sobe som, povo fala, entrevista e passagem da repórter. Neste caso o tempo total de edição é o dobro da matéria sobre a procissão em homenagem à Nossa Senhora Aparecida, um minuto e 59 segundos. Somadas, as celebrações dos motoqueiros e das crianças correspondem a 23,7% do tempo do telejornal exibido no dia 12 de outubro.

Veiculada em emissora afiliada do SBT, a rede de TV que é parceira e/ou dependente financeiramente do Baú da Felicidade, a devoção maior na data é alheia à Igreja, com destaque para o aspecto comercial da data, estimulado com a compra e troca de presentes.

Na outra emissora o enfoque é radicalmente diferente e a referência ao dia das crianças surge na escalada de abertura mais como forma de destacar uma matéria sobre um museu de brinquedos, apresentada no encerramento do programa. O critério editorial diferenciado pode ser percebido logo no texto de abertura: "Um dia especial para os católicos. As homenagens a Nossa Senhora Aparecida. Terça-feira, doze de outubro, dia da padroeira do Brasil e também dia das crianças. O MGTV está começando".

O enfoque religioso da cobertura representa 24,10% do tempo do telejornal, seis minutos e cinco segundos ocupados por três matérias editadas e uma entrada ao vivo (stand up). O aspecto de devoção à padroeira do Brasil é ressaltado por meio de imagens e depoimentos de moradores de quatro municípios mineiros: Contagem, Divinópolis, Santana do Jacaré e Juiz de Fora.

A narrativa apresentada no MGTV 1ª Edição ainda tem como personagens, além da santa e dos populares (seus devotos), duas autoridades da igreja católica, Dom Valmor Azevedo (Arcebispo Metrolitano BH) e Dom Eurico dos Santos Veloso (Arcebispo de Juiz de Fora).

O tom da narrativa em todas as matérias é bastante emocional, com a inserção de depoimentos de fiéis, textos que salientam a devoção à santa e parecem buscar uma identificação com os telespectadores. A primeira matéria veiculada salienta a participação dos fiéis, e sua emoção, em uma missa campal realizada em Contagem:

- Com o carinho de uma filha, Maria Aparecida prepara a imagem de Nossa Senhora para a missa. (Off do repórter).

- Eu já perdi minha mãe aqui na Terra, então Nossa Senhora.

Aparecida ficou no lugar dela cuidando de mim e aumentando cada vez mais a minha fé. (entrevista de Maria Aparecida Teixeira/ Dona de casa, segundo identificação do gerador de caracteres).

O texto da reportagem ainda registra a participação de 35 padres na celebração, realizada há 23 anos, e a admiração dos fiéis, "descalços em sinal de humildade". Junto aos populares, a repórter conta em sua passagem a história da devoção, já com 300 anos, por Nossa Senhora Aparecida, tornada padroeira do Brasil em 1929. A matéria relembra a localização de uma imagem da Santa por pescadores do Rio Paraíba, [7] o que seria o marco inicial de sua celebração, e ainda abre espaços para os agradecimentos dos fiéis.

A primeira reportagem é encerrada com a entrevista do arcebispo metropolitano, Dom Valmor Azevedo. Em seguida o apresentador chama ao vivo um repórter que está em Divinópolis, "maior santuário em homenagem à Nossa Senhora Aparecida na região centro-oeste do Estado".

O repórter explica a apresentador e telespectadores a dinâmica de celebração das missas, realizadas a cada duas horas, informa que cinqüenta mil pessoas já passaram pelo local e que outras 80 mil são esperadas até o final do dia, quando ocorre uma procissão com a imagem da Santa. Ao final de seu stand up ele chama a matéria seguinte, uma reportagem sobre uma encenação realizada no sul de Minas Gerais.

A emoção é presença constante, nas imagens, depoimentos e ainda explicitada no próprio texto da repórter: "Três moradores da cidade recriam o episódio em que pescadores retiram a imagem de Nossa Senhora do Rio Paraíba, em 1717. É o momento mais emocionante".

Na narrativa os fiéis são os personagens centrais, em imagens que salientam o caráter de celebração religiosa e em cânticos e depoimentos, como o do aposentado Sílvio Ramos que conta, "Sou muito devoto; a minha vida inteira". A matéria é encerrada com um sobe som que registra a saudação da padroeira do Brasil.

Em seguida o bloco estadual é encerrado com a previsão do tempo.
A reportagem produzida em Juiz de Fora é apresentada no terceiro bloco, e anunciada ao final do segundo, com direito a inserção de imagens (teaser). Ao todo um minuto e cinco segundos de edição, iniciados por depoimentos de fiéis, que destacam as bênçãos recebidas.

Além das falas de populares, marcadas sempre por um tom emocional, há uma entrevista com o arcebispo de Juiz de Fora. Para além da igreja, a matéria acrescenta que há celebração e devoção também em outros espaços do município: "A protetora dos motoqueiros recebe homenagens nas ruas. Eles saem em procissão para pedir proteção no trânsito".

Na TV Panorama, a cobertura local da celebração do dia de Nossa Senhora Aparecida é encerrada pelo apresentador no estúdio que, com o auxílio da Arte/ gerador de caracteres, informa os locais e horários das missas e celebrações nas igrejas da cidade. Desta forma, sempre na perspectiva de reforçar a identificação com a comunidade, a emissora afiliada da Rede Globo ressalta o aspecto religioso da data, sendo as histórias de devoção a marca de sua cobertura, estruturada como narrativa dramática, e de fé.

Dirigidas a uma população de maioria católica, as reportagens veiculadas pela afiliada da Rede Globo na região da Zona da Mata mineira parecem buscar a adesão do telespectador que, tocado pelos tons emocionais da narrativa audiovisual, tomaria parte do drama representado. Afinal, como salientou Francisco Rui Cádima, "O paradoxo da escrita em televisão, está no fato de as imagens, além dessa relação unívoca, serem também cúmplices de quem as olha.

O telespectador, nesse caso, outorga-se o <<direito de observação>> (...)" (Cádima, 1995, p. 123). Mais do que isso, de acordo com a estrutura da narrativa analisada, é possível ao receptor também fruir das emoções narradas, celebrar a devoção à Nossa Senhora por meio mensagem consumida via telinha.

O escritor português ainda chama a atenção para um aspecto que pode ajudar a compreender as diferenças editoriais na cobertura dos dois telejornais analisados:

"O discurso dos media é assim claramente monumental, o que quer dizer que reflete em si mesmo as estratégias de comunicação, políticas, os dispositivos de dominação e tecno-discursivos, produto da sociedade do seu tempo (...) O discurso não é por isso um conjunto de signos, mas antes um conjunto de práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam". (1999, p. 128).

A partir das nuances ou enfoques percebidos na cobertura seria possível pressupor a busca por estabelecimentos de diferentes contratos de leitura, conceito tomado de Eliseo Verón, entre as emissoras e seus telespectadores. Enquanto no telejornal da TV Alterosa a relação estabelecida tem um caráter mais pragmático, com destaque para as narrativas sobre serviços e acontecimentos que modificariam a rotina da cidade/ região, o programa da TV Panorama parece buscar em sua cobertura salientar a celebração como acontecimento midiático.

Resguardadas as diferenças, já que ao contrário do tipo de evento estudado por Daniel Dayan e Elihu Katz não há nesse caso um caráter monopolista na transmissão e nem a permanência do "ao vivo", a cobertura do dia de Nossa Senhora Aparecida pela emissora afiliada à Rede Globo, como os grandes acontecimentos, celebra a ordem e a restauração.

Para além do conservadorismo dessa rede de TV, já destacado em diversos estudos, vale ressaltar a celebração da fé católica, talvez como contraponto ao avanço da Rede Record, ligada à pentecostal Igreja Universal do Reino de Deus.

Referências

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_________________. A Dramaturgia do telejornalismo regional: um estudo da notícia na TV Panorama. Anais do II Encontro de Pesquisadores em Jornalismo-SBPJor. Salvador: UFBA, 2004.

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TEMER, Ana Carolina Pessôa. Notícias e serviços nos telejornais da Rede Globo.
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Notas

[1] Com pequenas variações as emissoras locais e regionais reproduzem o cenário das emissoras que pertencem à Rede Globo, localizadas nas capitais de Rio, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Distrito Federal.

[2] A existência de um programa de esportes local se justifica na medida em que a edição do Globo Esporte exibida, editada pela Globo Minas, valoriza os times mineiros, enquanto os juizforanos em sua grande maioria torcem para times do Rio de Janeiro.

[3] Atualmente, há em Minas Gerais cinco estações que pertencem à TV Alterosa: Belo Horizonte, Juiz de Fora, Divinópolis, Interior e Sul.

[4] Apesar desse bloco ser em tese de produção local, da TV Panorama, nos últimos meses tem sido freqüente a veiculação de matérias produzidas por outras emissoras afiliadas da Globo no Estado em função da redução da produção de notícias em Juiz de Fora.

[5] Escalada é o conjunto de manchetes iniciais, "frases de impacto sobre os assuntos do telejornal que abrem o programa" (PATERNOSTRO, 1999, p. 142).

[6] Formato de apresentação da notícia em que o repórter aparece em primeiro plano, tendo como fundo uma imagem significativa do tema, fato abordado na matéria. O texto se assemelha ao de um boletim ou flash ao vivo, sendo o deslocamento da equipe até o local utilizado como forma de valorizar a importância do tema para a emissora e seus telespectadores.

[7] A localização da imagem é feita no Rio Paraíba, na altura do hoje município de Aparecida do Norte. O rio tem como um de seus afluentes o Paraibuna, que corta a cidade de Juiz de Fora.


*Iluska Coutinho é jornalista, mestre em comunicação e cultura (UnB) e doutora em comunicação social (Umesp), com estágio doutoral na Columbia University (NY). E-mail: iluskac@uol.com.br.

**Trabalho apresentado durante o IX Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação (CELACOM 2005), realizado de 9 a 11 de Maio de 2005 no Campus Rudge Ramos da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).


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