Entrevistas
Jornalismo
investigativo:
entrevista com Lobão
Por
Ana Flávia Pinheiro, Camila Scardova, Carolina de Martini,
Roberta Kerpen e Robinson Melgar*
Nota
do Editor
A
utilização da entrevista como exercício
reflexivo, no caso sobre o jornalismo investigativo, é
a proposta da edição de textos como o que
temos abaixo, produzido por um grupo de estudantes de
jornalismo de São Paulo. Esta pauta também
levanta uma questão pertinente aos jornalistas
culturais, por conta da problemática e desleal
questão do "jabá" na música
brasileira: até que ponto os críticos dos
grandes jornais são "cooptados" com refinadas
regalias, desde os próprios objetos culturais até
dispendiosas viagens, a destacar este ou aquele CD, este
ou aquele espetáculo, em detrimento da qualidade,
inovação e vitalidade da cultura produzida
no país? Um tema já levantado por pesquisadores
da área, como Daniel Piza, e ainda por ser tratado
com acuidade pela academia e pelos profissionais.
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Existem
diversas definições que podem ser dadas ao que
se chama Jornalismo Investigativo. Para Ricardo Kotscho, por
exemplo, a sua função é "procurar
descobrir e contar para todo mundo aquilo que se está
querendo esconder da opinião pública", [1]
o que se aplica ao trabalho de conclusão de curso "A
definição da programação musical
nas rádios e tvs do Estado de São Paulo: o 'jabá'
como critério", um documentário que expõe
diversos pontos de vista sobre a "execução
de música mediante pagamento". [2]
A
prática do jabá tornou-se comum nas rádios
e emissoras de TV, prejudicando artistas desconhecidos e sem
o suporte de grandes gravadoras. As rádios cobram valores
altíssimos para executar as músicas, "grandes
redes de rádios chegam a cobrar até R$ 20 mil
para inserir uma música de lançamento em sua programação".[3]
O
jabá é algo que ocorre nos bastidores. Por isso
a melhor maneira de abordar esse assunto é através
do jornalismo investigativo que serve, na maioria dos casos,
para expor algo que prejudica a sociedade de alguma forma, como
em casos de fraudes ou injustiças. [4]
Mas não são apenas notícias negativas que
podem render uma reportagem de Jornalismo Investigativo. Na
opinião da jornalista Mônica Teixeira, o ponto
de partida deve ser algo discrepante, mas não necessariamente
ruim. Para ela, "o discrepante pode estar no fato de se
descobrir que cerca de oito mil pessoas estão se beneficiando,
com aumento de renda, com um jeito diferente de fazer pão
de queijo". [5]
Durante
as entrevistas do trabalho, por exemplo, descobrimos que existe
uma cena pulsante de música independente, rádios
que não aceitam pagamentos para definir a programação
e pequenas gravadoras e selos que não participam do esquema
de propina do jabá.
A
pauta para uma reportagem investigativa não pode ser
fechada. Ela deve ser um ponto de partida que o repórter
irá usar para descobrir as informações,
mas sem atrapalhar a criatividade e a sensibilidade. [6]
Para
encontrar uma história que valha a pena ser investigada
é necessário que o jornalista esteja sempre com
o seu "faro" atento, através da observação
direta. Uma boa pauta de Jornalismo Investigativo também
pode ser conseguida através da "infiltração",
ou seja, o jornalista tenta se infiltrar onde ele intui que
estejam os acontecimentos. A investigação também
pode ter início com uma denúncia anônima,
contato permanente com as fontes ou um fato atual. [7]
Existem
algumas regras fundamentais que devem ser observadas para que
o trabalho de Jornalismo Investigativo tenha qualidade. Em primeiro
lugar, todos os endereços e nomes corretos das pessoas
ou organismos dos quais se fala devem ser confirmados.
No caso de nosso trabalho, foi preciso também entender
o funcionamento da administração pública
(para acompanhara a tramitação da lei anti-jabá,
por exemplo) e de empresas como gravadoras e rádios,
já que funcionários públicos e empresários
são os protagonistas mais freqüentes do jornalismo
investigativo. [8]
Quando
se usa uma fonte não identificada (off-the-record)
é necessário explicar o motivo do anonimato e
checar a informação com pelo menos mais uma fonte.[9]
Uma
reportagem investigativa pode ser muito trabalhosa, por isso
é importante que ela seja a mais organizada possível.
É necessário fazer um estudo de viabilidade, questionando-se
sobre todas as possibilidades do fato antes de se começar.
Fizemos
isso através da leitura de matérias que mostravam
que havia pagamento para a execução de músicas
nas rádios. A seguir, deve ser feita uma pesquisa, usando
todo o material disponível sobre o assunto, como livros
e bancos de dados. É preciso também planejar o
tempo que será gasto, as despesas e a divisão
das tarefas, caso se trabalhe em equipe. Finalmente deve se
partir para a pesquisa propriamente dita, através de
observações diretas, busca de documentação
e entrevistas com pessoas envolvidas com o tema, [10] como a
transcrita a seguir.
Apesar
do receio da maioria dos artistas em abordar o "jabá",
existem alguns que não têm medo de falar do assunto
e outros que até levantam a bandeira da luta contra essa
prática. Um bom exemplo é o de Lobão que,
além de defender a popularização dos preços
e numeração dos CDs, juntou-se ao Deputado Fernando
Ferro do PT para criar um projeto de lei que criminaliza o jabá.
Minutos
antes de subir ao palco para uma apresentação
no SESC Santo André, o artista concedeu a entrevista
a seguir, em que fala do mercado fonográfico, música
independente e, é claro, do jabá.
Em
que pé está a lei de criminalização
do jabá, do Deputado Fernando Ferro?
Lobão:
Aconteceram algumas mudanças importantes na semana
retrasada. Estive em Brasília, fui fazer um show lá.
Passei a semana catando patrocínio, falando com empresas,
instituições e com o Ministério da Cultura
e fui na Câmara (dos Deputados). Recebi uma dica da Comissão
de Ciência e Tecnologia de que a lei ia ser cortada lá,
porque tinha um lobby para cortar a lei.
Fiz
uma petição, tirei ela da Comissão de Ciência
e Tecnologia e deixei aos cuidados do presidente da Comissão,
que é o Deputado Federal Paulo Rubens, e lá ela
está protegida, salvaguardada, esperando uma nova redação,
porque o que eu pleiteei é que a gente precisa aperfeiçoar
a lei, tipo como rastrear o jabá, quais os métodos
a serem empregados, etc, para que ela seja realmente efetiva.
A gente já tem vários palpites de métodos.
Então,
alinhavando, nessa parada em Brasília, a gente foi na
comissão e no Ministério da Cultura e o ministro
interino, Sérgio Sá Leitão, mostrou interesse,
não só sobre a lei do jabá, mas sobre fazer
um plano geral sobre música no Brasil. A gente começou
a entabular vários planos tarifários, culturais,
estratégicos, logísticos, políticos.
Eles
mostraram a maior vontade de participar. Declararam também
que o Ministério não havia até então,
se pronunciado por justamente se sentir atado no sentido de
não ter idéia, um rumo inicial, que seriam essas
que a gente estava passando e que ele, em nome do Ministro da
Cultura, Gilberto Gil, que ele podia garantir que estava empenhado
e com muita coragem.
Foram
as palavras dele para fazer frente a essa empreitada. Inclusive
tocamos, fez parte da nossa primeira negociação,
uma entrevista para a minha revista com o ministro da Cultura
e por sinal, todo o ministério foi muito solícito.
Telefonaram,
marcaram entrevista e ontem o secretário particular do
Gilberto Gil disse que ele estava indefinidamente sem tempo
para poder atender. E nós estamos esperando para que
o ministro digne-se a vir emitir alguma opinião frontalmente
a nós que estamos movimentando essa parada.
A
lei vai pegar? Você acha que ela vai inibir o jabá
de fato?
L:
Olha, por exemplo, a lei da numeração. Todo
mundo falou que não ia acontecer, que era absurdo. E
ela está aí. Ela é efetiva, exeqüível
e está ajudando a gente em todos os sentidos. Não
só com a numeração de lote, como também
o ISRC (código de padronização internacional
que identifica gravações em fonogramas e videofonogramas).
A
lei do jabá é o seguinte: se a gente minimizar
o jabá, conseguir 10% a menos, vai ser uma vitória
tão grande que a gente faz uma revolução
no rádio. Porque vocês, pensem bem, nos anos 80,
a revolução que houve, se é que ouve alguma
coisa, foi uma rádio pequenininha, chamada Rádio
Fluminense, lá em Niterói, que os caras fizeram
a programação de K7 e a geração
dos anos 80 só surgiu por causa daquilo. Aquilo é
um lugar pra tocar, que era o Circo Voador.
Só
isso que a gente tinha e aconteceu o que aconteceu. Existia
o jabá, mas a partir de 1988, com o Sarney, eles deram
várias concessões. Mais de 1700 concessões.
O ACM era ministro das telecomunicações e usou
isso como moeda para prolongar o mandato do Sarney e dali engessou
todo o sistema de rádio.
A
Jovem Pan, por exemplo. Sabe quantas rádios tem a Jovem
Pan? 749 mais 50 repetidoras. Você sabe o alcance de uma
rádio com 800 estações espalhadas pelo
Brasil tocando aquela programação daqui, centralizada?
Então você amputa todo o processo de criação
regional. São vários efeitos colaterais com esse
efeito do jabá.
Por
que tem essa contradição do cenário independente
tão pulsante, com artistas prontos, com público
fiel, e as gravadoras insistem na fórmula de pegar um
artista novo e investir uma grana para tocar em rádio?
L:
Porque eles querem uma pessoa inofensiva, eles precisam ter
esse tipo de coisa. De uma pessoa que seja permissiva. Ou o
cara tem um caráter fraco, ou é um cara muito
pobre, ou ele é tudo isso ao mesmo tempo. Está
tudo muito difícil, as pessoas estão muito pobres.
Tem
muita gente que vai dar a bunda pra fazer aquilo. Então
sempre vai ter um idiota que vai furar o bloqueio. Você
vê a produção musical das gravadoras, é
cada vez mais idiota. Você não vê nenhuma
banda esperta nos últimos cinco ou dez anos que exista
no meio de uma gravadora. Não existe, me dá uma
banda e fala "essa é esperta". Não tem.
Só tem esperta pop que é o Skank, que eu acho
que é legal, e o Jota Quest que eu acho uma banda de
baile legal.
O
resto é uma babaquice. Esses dois têm uma postura
que não é única, são entretenedores.
Agora, pior são essas bandas da atitude tipo Charlie
Brown, O Rappa que ficam numa situação caricatural.
Você não tem moral hoje em dia. A coisa mais política
que tem hoje em dia que censura toda a arte é a gravadora.
As gravadoras são mais eficazes do que a ditadura militar,
que não conseguiu calar a música brasileira.
As
gravadoras estão conseguindo, transformando os artistas
brasileiros em títeres, em ursinhos carinhosos. Você
vê o paradigma daquele programa Fama. É o que eles
querem. Contratar um cara para dar esporro, botar um tapete
e descartar. Fazer o contrato que quiser. O artista não
tem mais voz ativa nenhuma.
E
a revista (Revista OutraCoisa, publicada pelo
Lobão, que tem um CD encartado todos os meses) vai
na contramão dizendo que o artista é criativo,
é soberano, tem voz ativa e tem de ser detentor da sua
própria obra. Ele é o proprietário da sua
obra. Não pode ficar a bolacha o resto da vida para a
gravadora como fica.
Qual
é a solução para tudo isso, fora a lei?
L:
Não só a lei. É a gente conseguir empreender
coisas que desmintam esse modelo, por exemplo, voltando à
revista novamente. A revista, pô! O disco hoje está
custando de 35 á 40 reais. A gente está lançando
exatamente o mesmo disco por R$12,90. Só que além
do disco ser diferencialmente bom, por todos os motivos, desde
a produção até o artista, você tem
ainda uma revista de 70 páginas com um monte de informação.
Isso é uma humilhação.
Porque
o artista sai ganhando mais em proporção do que
numa gravadora. Então a gente tem modelos que estão
aí superiores. Nossa distribuição é
muito melhor do que a deles. Não precisa de gravadora.
Você vê a Maria Bethânia, está arrebentando,
é claro. Ela tem um público fidelíssimo.
Eu tenho um público fiel.
Por
que eu vou ficar numa gravadora. O artista quando fica mais
velho, eles não trabalham com ele. Você já
tem público, você não tem de mostrar, você
existe. Todo mundo conhece teu nome. Então é muita
"bundamolice" um artista consagrado estar numa gravadora.
Menescal
também citou a questão do valor. Por que o artista
na gravadora ganha bem menos?
L:
Você é roubado. Essa regra não tem exceção.
Qualquer artista é roubado. Qualquer um. Independe de
quem seja. Todos são roubados.
Quem
é a vilã? A rádio ou a gravadora?
L:
Olha, começa o ativo, né? O atuante é
a gravadora. Quem é o corrupto é a gravadora,
que inventou a propina, criou esse monstro que é o jabá,
e criou a pirataria porque, na época que não tinha
numeração, eles pegavam o excedente das consignações
mirabolantes que eles faziam, iam para o cais do porto e, ao
invés de destruírem por causa da estocagem, eles
vendiam para os camelôs a R$0,20.
Os
camelôs foram prosperando e arranjaram outros modos de
produção que não comprar excesso deles,
começaram a comprar matriz, mandaram para a China e acabaram
com eles. Então eles, por um gerenciamento estúpido,
predatório, burro é que estão cavando a
própria sepultura e estão cavando mesmo. E isso
eles estão fazendo bem.
A
rádio molda o artista que participa do esquema?
L:
Não tenha dúvida. A rádio molda porque
começa dizendo: "Olha, eu não quero que tenha
muita guitarra, mixa outra vez", ou pior. Teve uma vez
com o Tutinha da Jovem Pan. Eu fui botar um disco novo. Eu com
o meu nome grande, porque eu sou uma cara que tem um nome grande,
com um disco experimental todo eletrônico. Ele ouviu e
disse "eu quero a voz do Lobão e tem um DJ na minha
rádio que faz uns arranjos legais, só assim eu
toco".
Eu
falei: "Vai tomar no (...), né?". Aí
tem neguinho que se sujeita. Então hoje em dia, a rádio
está moldando desde a formação da música
porque o diretor da rádio, não raro vai até
o diretor artístico da gravadora em sessões privadas
para assistir e ver se aquilo pode tocar na rádio daquela
maneira que está gravado. O cara interfere na gravação,
menos guitarra, mais voz, esse refrão repete outra vez
ou "essa música não, outra música",
enfim.
Eles
é que determinam o que tocam e são pessoas que
odeiam música, têm baixíssimas qualidades
e não tem caráter nenhum. Então, o Brasil
está entregue. Tantas pessoas de gravadora também
que não entendem de música, não gostam
de música e tem baixíssimas qualidades também.
Quando são tecnocratas ou vindo de outras áreas
como fábrica de biscoito, por exemplo. O cara se torna
expert em gôndola de supermercado. Pessoas assim que freqüentam
gravadoras atualmente.
O
Tom Capone era uma cara que realmente sabia do que se tratava,
era um grande conhecedor e morreu. Então agora não
tem mais ninguém.
Só
para vocês entenderem. Um disco custa R$ 40,00. Um cara
de gravadora acaba ganhando de oito, nove centavos a noventa
centavos, por ai. Tem gente que ganha mais, tem gente que ganha
menos. E a gente ta fazendo um disco a R$ 12,90 e ganhando R$
1,00. Então a proporção é mais ou
menos essa. Agora você dentro dos R$ 40,00, a gravadora
teria 10% de taxa de depreciação industrial.
Se
quebrar o CD, por exemplo, isso é de responsabilidade
industrial. Você paga 10% desde já, mesmo que não
venha quebrado, 10 % de taxa de capa. Como? 10% é uma
fortuna. Você ganha 8% sobre 75% . Você já
desconta 10%, 20% disso mais 15% de impostos. Então é
25% que tem descontado do seu trabalho. Aí o seu percentual
é tirado desse 75%.
A
objetividade é uma qualidade inerente ao idiota. É
quase uma redundância. Porque a objetividade é
idiota. É obvio, né? O gênio é subjetivo.
Einstein dizia: "o que seria de mim se eu não tocasse
violino?", o que seria a teoria da relatividade se ele
não estudasse o violino. Uma coisa extremamente subjetiva.
O gênio é subjetivo e o mercado é objetivo.
O mercado é burro, porque a lógica é muito
mais complexa do que a objetividade reduz a fazer crer ou fazer
aparentar ser.
Já
estamos vendendo mais de 55% da produção. Essa
é a receita da revista atualmente. Por exemplo, a B Negão
está chegando a 15 mil. Quer dizer, tá chegando
ao final da vendagem agora. É claro que a do B Negão,
o Cachorro Grande, foram os que venderam mais. Agora, a do Arnaldo
vai para o ar no Fantástico, não sei como é
que vai ser, mas a curva é ascendente. A gente ta pegando
Portugal, vamos pegar Londres. Estamos crescendo.
Hoje,
o que mudou nessa história do jabá?
L:
Primeiro que era um tabu, ninguém sabia o que era jabá
porque se você falava você saia. Porque não
podia dizer que era contra ou a favor, nem que existia jabá
porque senão você não pararia mais em lugar
nenhum. Então, jabá era um tabu de morte. Você
não podia falar isso. Ninguém podia. E, a partir
de 99, eu comecei a falar sobre isso abertamente.
E foi aí que começou realmente a entrar no domínio
público. Então jabá era um tabu e ainda
é. Agora eles querem reverter jabá para insumos
promocionais, querem dar nome que não existe. É
caixa dois. Isso aí é dinheiro fantasma. E dinheiro
que vem não se sabe de onde. Então é um
dinheiro criminoso.
O
espaço é criminoso, então pô, a coisa
é muito séria e o que nós queremos é
mostrar o mínimo de seriedade através desses esclarecimentos.
Agora eu acho que o jabá, ele ta ficando cada vez mais
revelado à opinião pública e agora cada
vez mais sendo republicado. Porque todo mundo ta tendo uma dimensão
real do que é o mau que o jabá provoca e, quanto
mais houver essa conscientização, mais vulnerável
ficará a instituição do jabá.
Assim
nós cremos. Cremos que a gente vai conseguir reduzir
o jabá. A gente vai chegar a colocar algum deles na cadeia,
vai ter esse prazer. E a gente vai intimidar muita gente porque
vai ter que ser na base do tranco. Pô, rapaz, não
pode ser assim e a gente vai conseguir, não tenha dúvida.
Pode
haver falência das gravadoras, o cerco está se
fechando até mesmo com a pirataria?
L:
Sim. Mas a pirataria só existe por causa do jabá.
Uma coisa esta ligada à outra. Uma coisa não existiria
sem a outra. Aí pessoas têm que entender que a
pirataria é um sintoma da doença. A doença
é o jabá. E a péssima administração
que eles tão tendo. Como é que eu, uma pessoa
nanica, fazer um produto evidentemente muito melhor, mais luxuoso,
com agregações de valor e tudo mais, e fazer tudo
isso na cara deles, e me dar bem.
E
eles têm que ficar colado, assim, olhando. E afirmando
duas coisas que a revista contesta: que a pirataria é
uma doença e que estamos numa crise de criatividade na
música brasileira. A nova geração não
produz nova. Então a gente já na 6º edição
com 6 discos nomeados para prêmios ou já premiados,
desde o B Negão, Bombojó, Cachorro Grande, Arnaldo
Batista. Só disco bom.
E
bom pra caralho, diga-se de passagem. E CDs com estilos diferentes,
em lugares, cidades diferentes, desde o letrista de 17 anos
do Bombojó até o Arnaldo Batista com 56 anos.
Todo mundo produzindo coisas novas. Eles não podem agora,
mais uma vez dizer que eu sou doidão, que estou sob efeito
de droga, que eu não faço nada. Dizem até
"o Lobão tem mais é que ficar contando em
vez de fazer..." Eles não podem mais.
Paulatinamente,
a gente vai tapando a boca de todos eles, apenas com empreendimento,
e não é retórica não. E assim será,
porque a gente já pegou o caminho do gol e agora a gente
ta aumentando, até certo ponto eu fiz tudo isso absolutamente
sozinho.
A
revista ta agregando as pessoas. As instituições
independentes estão ficando juntas. Então hoje
em dia a gente tem poder de classe, que a classe artística
não tem. São um monte de títeres, né?
Eles não têm condição de falar nada,
eles estão amarrados. Você consegue a opinião
de algum cara contratado para falar sobre isso? Não consegue.
Mas
é mais revoltante o artista né? Porque os artistas
deveriam falar, principalmente os artistas consagrados, os artistas
históricos que estão aí a serviço
da gravadora. Por isso que eu acho que por exemplo, artistas
como Sandy e Júnior, que são de entretenimento,
são mais honestos do que um "Tome uma atitude, tome
Dan'up", ta entendendo?. Porque é mais cínico
ter uma banda cabeça numa situação ridícula
dessa. A verdade é essa.
Você
tem uma história de jabá que já tenha ouvido
ou presenciado?
L:
Uma história de jabá clássica foi a do
Tchan que venderam um milhão de cópias. Uma rádio
aí, se não me engano, a Jovem Pan, pediu um dólar
para cópia vendida. Um milhão de dólares
pra tocar. Coisas desse gênero. Envolve sexo, drogas e
Rock and Roll, tráficos, prostituição,
carros, casas.
Quer
ver a coisa mais revoltante que tem para se fazer, que eu acho:
show de aniversário de rádio. Isso é jabá
puro. Eles pegam as melhores épocas do ano, o melhor
lugar e obrigam as pessoas a tocarem de graça para tocarem
o ano inteiro de graça. Quando chega o sucesso, para
o cara vender, ele tem que tocar de graça para continuar
tocando o ano todo.
Eles
é que fazem o show e você tem que tocar de graça,
senão você não toca e não existe
mais na área dos caras. É muito difícil,
né?
O
valor pode chegar então a um milhão?
L:
Olha só, você pode parametrizar o jabá em
torno de média, segmento pop/rock, samba. Cem mil reais
é o preço pra você chegar e tocar numa emissora
cinco vezes por dia no horário nobre de dez ao meio dia
e das cinco da tarde as sete da noite. Esses são os horários
que você negocia na rádio. Cinco ou dez execuções
estão envolvidas nesses horários de picos de audiência.
Então você já entra "em primeiro lugar".
Pô,
primeiro lugar como? Cem mil? Então é claro que
se você lança o suplemento, aquele artista, você
tem que tocar. Vamos botar dez rádios, quer dizer, é
muito mais. Você vai ter um milhão, até
um milhão em jabá. Aí o disco custa 100
mil reais e você bota 5 milhões para poder tocar
o disco. Loucura.
Aí
quem é que vai pagar por isso? E o cara está lá
na ponta que aí eles dizem: "Não comprem
pirata", mas o pirata pô, eles não merecem?
Se pelo menos esse dinheiro fosse para o bolso do artista. O
artista também é roubado e é cúmplice.
Isso é que não dá pra entender.
Você
acha que a interferência dos EUA na produção
cultural ajuda?
L:
Olha, nos EUA é tão grande quanto aqui. Mas é
claro que nós temos uma subsistência muito maior,
principalmente na produção de sua música
porque a interferência não é só na
execução é em como você vai tocar.
"Dogão é mau", agora. Aquilo é
um produto biônico. A música é do produtor
musical, puseram uma máscara num cara que não
existe...
Eles
querem isso, a virtualização do artista porque
eles podem manipular todo o massacre desde a mensagem. Eles
querem uma música inofensiva. Vocês já perceberam
que no final dos anos oitenta, eles cortaram o Rock and Roll
que eles patrocinaram achando que era inofensivo, a jovem guarda,
no início.
Quando
começou "Que país é esse?", "Polícia
para quem precisa", "Vida bandida", pronto! Puseram
música sertaneja. Eles não querem. Eles querem
um ursinho carinhoso. "Oi gente". É tudo assim,
porque eles querem um público treinado para não
poder reivindicar seus próprios direitos. Isso eu não
tenho a menor dúvida.
Para
finalizar, como você imagina o cenário musical
daqui uns cinco, dez anos?
L:
Eu acho que a gente vai formar uma classe média musical
grande. Vão ficar menos os mega-stars, vai aumentar
o cinturão dos artistas que tem uma boa renda, que tem
uma casa própria, um carro. Eu acho que essa fase do
artista que tem um público, isso aí vai aumentar.
Acho que em todo o mundo vai aumentar. No Brasil proporcionalmente.
Vai
aumentar a prosperidade, mas não para o estrelato. Mas
que exista uma coisa que eu acho sensacional, o artista ter
sua casa, seu dinheiro, sua dignidade para esse artista fazer
o que ele quer e ter autonomia de ser uma cara de médio
porte. Aquela coisa que é o contrário do que estávamos
falando.
Essa
parada é a tendência. Eu luto para existir como
uma cara de médio porte. É ruim ser grande. Quando
você fica grande, você perde mobilidade, é
um paquiderme, você vive com um cavalo de tróia
contra você mesmo. Então é ficar médio,
cortar intermediários e ser médio, não
querer ficar grande e não admitir ser pequeno. E precariedade
jamais porque temos tecnologia e know-how para fazer
a coisa certa.
Acho
que as grandes corporações vão existir,
mas cada vez mais alheias ao que nós entendemos por arte,
por diversão e por aquilo que a gente realmente quer.
Nesse exato ponto, a gente vai tomar esse poder, não
tenha a menor dúvida que dentro dessa produção,
esse espaço é nosso, mesmo porque não há
interesse nenhum em ser de outras pessoas.
Notas
[1]
KOTSCHO, Ricardo Kotscho In: LOPES, Dirceu Fernandes (org);
MOURA, Roberto (org). Jornalismo Investigativo. São
Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 11.
[2]
Cf.: SANCHES, Pedro Alexandre.MATTOS, Laura. Gil apóia
projeto de criminalização do jabá; rádios
se opõem. In: Folha de São Paulo. São
Paulo, 15 de abril de 2003. Caderno Ilustrada.
[3]
KOTSCHO, Ricardo Kotscho In: LOPES, Dirceu Fernandes (org);
MOURA, Roberto (org). Jornalismo Investigativo. São
Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 11.
[4]
Idem, p. 10.
[5]
TEIXEIRA, Mônica apud LOPES, Dirceu Fernandes (org); MOURA,
Roberto (org). Jornalismo Investigativo. São Paulo:
Publisher Brasil, 2003. p. 175.
[6]
TEIXEIRA, Mônica, Op.Cit., p.173.
[7]
KOTSCHO, Ricardo, Op. Cit., p.17.
[8]
Ibidem.
[9]
Idem, p.21.
[10]
Idem, p.19.
*Ana
Flávia Pinheiro, Camila Scardova, Carolina de Martini,
Roberta Kerpen e Robinson Melgar são alunos de graduação
do curso de jornalismo da UniFIAM FAAM FISP.
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