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Entrevistas


Jornalismo investigativo:
entrevista com Lobão

Por Ana Flávia Pinheiro, Camila Scardova, Carolina de Martini, Roberta Kerpen e Robinson Melgar*

Nota do Editor

A utilização da entrevista como exercício reflexivo, no caso sobre o jornalismo investigativo, é a proposta da edição de textos como o que temos abaixo, produzido por um grupo de estudantes de jornalismo de São Paulo. Esta pauta também levanta uma questão pertinente aos jornalistas culturais, por conta da problemática e desleal questão do "jabá" na música brasileira: até que ponto os críticos dos grandes jornais são "cooptados" com refinadas regalias, desde os próprios objetos culturais até dispendiosas viagens, a destacar este ou aquele CD, este ou aquele espetáculo, em detrimento da qualidade, inovação e vitalidade da cultura produzida no país? Um tema já levantado por pesquisadores da área, como Daniel Piza, e ainda por ser tratado com acuidade pela academia e pelos profissionais.

Existem diversas definições que podem ser dadas ao que se chama Jornalismo Investigativo. Para Ricardo Kotscho, por exemplo, a sua função é "procurar descobrir e contar para todo mundo aquilo que se está querendo esconder da opinião pública", [1] o que se aplica ao trabalho de conclusão de curso "A definição da programação musical nas rádios e tvs do Estado de São Paulo: o 'jabá' como critério", um documentário que expõe diversos pontos de vista sobre a "execução de música mediante pagamento". [2]

A prática do jabá tornou-se comum nas rádios e emissoras de TV, prejudicando artistas desconhecidos e sem o suporte de grandes gravadoras. As rádios cobram valores altíssimos para executar as músicas, "grandes redes de rádios chegam a cobrar até R$ 20 mil para inserir uma música de lançamento em sua programação".[3]

O jabá é algo que ocorre nos bastidores. Por isso a melhor maneira de abordar esse assunto é através do jornalismo investigativo que serve, na maioria dos casos, para expor algo que prejudica a sociedade de alguma forma, como em casos de fraudes ou injustiças. [4]

Mas não são apenas notícias negativas que podem render uma reportagem de Jornalismo Investigativo. Na opinião da jornalista Mônica Teixeira, o ponto de partida deve ser algo discrepante, mas não necessariamente ruim. Para ela, "o discrepante pode estar no fato de se descobrir que cerca de oito mil pessoas estão se beneficiando, com aumento de renda, com um jeito diferente de fazer pão de queijo". [5]

Durante as entrevistas do trabalho, por exemplo, descobrimos que existe uma cena pulsante de música independente, rádios que não aceitam pagamentos para definir a programação e pequenas gravadoras e selos que não participam do esquema de propina do jabá.

A pauta para uma reportagem investigativa não pode ser fechada. Ela deve ser um ponto de partida que o repórter irá usar para descobrir as informações, mas sem atrapalhar a criatividade e a sensibilidade. [6]

Para encontrar uma história que valha a pena ser investigada é necessário que o jornalista esteja sempre com o seu "faro" atento, através da observação direta. Uma boa pauta de Jornalismo Investigativo também pode ser conseguida através da "infiltração", ou seja, o jornalista tenta se infiltrar onde ele intui que estejam os acontecimentos. A investigação também pode ter início com uma denúncia anônima, contato permanente com as fontes ou um fato atual. [7]

Existem algumas regras fundamentais que devem ser observadas para que o trabalho de Jornalismo Investigativo tenha qualidade. Em primeiro lugar, todos os endereços e nomes corretos das pessoas ou organismos dos quais se fala devem ser confirmados.

No caso de nosso trabalho, foi preciso também entender o funcionamento da administração pública (para acompanhara a tramitação da lei anti-jabá, por exemplo) e de empresas como gravadoras e rádios, já que funcionários públicos e empresários são os protagonistas mais freqüentes do jornalismo investigativo. [8]

Quando se usa uma fonte não identificada (off-the-record) é necessário explicar o motivo do anonimato e checar a informação com pelo menos mais uma fonte.[9]

Uma reportagem investigativa pode ser muito trabalhosa, por isso é importante que ela seja a mais organizada possível. É necessário fazer um estudo de viabilidade, questionando-se sobre todas as possibilidades do fato antes de se começar.

Fizemos isso através da leitura de matérias que mostravam que havia pagamento para a execução de músicas nas rádios. A seguir, deve ser feita uma pesquisa, usando todo o material disponível sobre o assunto, como livros e bancos de dados. É preciso também planejar o tempo que será gasto, as despesas e a divisão das tarefas, caso se trabalhe em equipe. Finalmente deve se partir para a pesquisa propriamente dita, através de observações diretas, busca de documentação e entrevistas com pessoas envolvidas com o tema, [10] como a transcrita a seguir.

Apesar do receio da maioria dos artistas em abordar o "jabá", existem alguns que não têm medo de falar do assunto e outros que até levantam a bandeira da luta contra essa prática. Um bom exemplo é o de Lobão que, além de defender a popularização dos preços e numeração dos CDs, juntou-se ao Deputado Fernando Ferro do PT para criar um projeto de lei que criminaliza o jabá.

Minutos antes de subir ao palco para uma apresentação no SESC Santo André, o artista concedeu a entrevista a seguir, em que fala do mercado fonográfico, música independente e, é claro, do jabá.


Em que pé está a lei de criminalização do jabá, do Deputado Fernando Ferro?

Lobão: Aconteceram algumas mudanças importantes na semana retrasada. Estive em Brasília, fui fazer um show lá. Passei a semana catando patrocínio, falando com empresas, instituições e com o Ministério da Cultura e fui na Câmara (dos Deputados). Recebi uma dica da Comissão de Ciência e Tecnologia de que a lei ia ser cortada lá, porque tinha um lobby para cortar a lei.

Fiz uma petição, tirei ela da Comissão de Ciência e Tecnologia e deixei aos cuidados do presidente da Comissão, que é o Deputado Federal Paulo Rubens, e lá ela está protegida, salvaguardada, esperando uma nova redação, porque o que eu pleiteei é que a gente precisa aperfeiçoar a lei, tipo como rastrear o jabá, quais os métodos a serem empregados, etc, para que ela seja realmente efetiva. A gente já tem vários palpites de métodos.

Então, alinhavando, nessa parada em Brasília, a gente foi na comissão e no Ministério da Cultura e o ministro interino, Sérgio Sá Leitão, mostrou interesse, não só sobre a lei do jabá, mas sobre fazer um plano geral sobre música no Brasil. A gente começou a entabular vários planos tarifários, culturais, estratégicos, logísticos, políticos.

Eles mostraram a maior vontade de participar. Declararam também que o Ministério não havia até então, se pronunciado por justamente se sentir atado no sentido de não ter idéia, um rumo inicial, que seriam essas que a gente estava passando e que ele, em nome do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que ele podia garantir que estava empenhado e com muita coragem.

Foram as palavras dele para fazer frente a essa empreitada. Inclusive tocamos, fez parte da nossa primeira negociação, uma entrevista para a minha revista com o ministro da Cultura e por sinal, todo o ministério foi muito solícito.

Telefonaram, marcaram entrevista e ontem o secretário particular do Gilberto Gil disse que ele estava indefinidamente sem tempo para poder atender. E nós estamos esperando para que o ministro digne-se a vir emitir alguma opinião frontalmente a nós que estamos movimentando essa parada.

A lei vai pegar? Você acha que ela vai inibir o jabá de fato?

L: Olha, por exemplo, a lei da numeração. Todo mundo falou que não ia acontecer, que era absurdo. E ela está aí. Ela é efetiva, exeqüível e está ajudando a gente em todos os sentidos. Não só com a numeração de lote, como também o ISRC (código de padronização internacional que identifica gravações em fonogramas e videofonogramas).

A lei do jabá é o seguinte: se a gente minimizar o jabá, conseguir 10% a menos, vai ser uma vitória tão grande que a gente faz uma revolução no rádio. Porque vocês, pensem bem, nos anos 80, a revolução que houve, se é que ouve alguma coisa, foi uma rádio pequenininha, chamada Rádio Fluminense, lá em Niterói, que os caras fizeram a programação de K7 e a geração dos anos 80 só surgiu por causa daquilo. Aquilo é um lugar pra tocar, que era o Circo Voador.

Só isso que a gente tinha e aconteceu o que aconteceu. Existia o jabá, mas a partir de 1988, com o Sarney, eles deram várias concessões. Mais de 1700 concessões. O ACM era ministro das telecomunicações e usou isso como moeda para prolongar o mandato do Sarney e dali engessou todo o sistema de rádio.

A Jovem Pan, por exemplo. Sabe quantas rádios tem a Jovem Pan? 749 mais 50 repetidoras. Você sabe o alcance de uma rádio com 800 estações espalhadas pelo Brasil tocando aquela programação daqui, centralizada? Então você amputa todo o processo de criação regional. São vários efeitos colaterais com esse efeito do jabá.

Por que tem essa contradição do cenário independente tão pulsante, com artistas prontos, com público fiel, e as gravadoras insistem na fórmula de pegar um artista novo e investir uma grana para tocar em rádio?

L: Porque eles querem uma pessoa inofensiva, eles precisam ter esse tipo de coisa. De uma pessoa que seja permissiva. Ou o cara tem um caráter fraco, ou é um cara muito pobre, ou ele é tudo isso ao mesmo tempo. Está tudo muito difícil, as pessoas estão muito pobres.

Tem muita gente que vai dar a bunda pra fazer aquilo. Então sempre vai ter um idiota que vai furar o bloqueio. Você vê a produção musical das gravadoras, é cada vez mais idiota. Você não vê nenhuma banda esperta nos últimos cinco ou dez anos que exista no meio de uma gravadora. Não existe, me dá uma banda e fala "essa é esperta". Não tem. Só tem esperta pop que é o Skank, que eu acho que é legal, e o Jota Quest que eu acho uma banda de baile legal.

O resto é uma babaquice. Esses dois têm uma postura que não é única, são entretenedores. Agora, pior são essas bandas da atitude tipo Charlie Brown, O Rappa que ficam numa situação caricatural. Você não tem moral hoje em dia. A coisa mais política que tem hoje em dia que censura toda a arte é a gravadora. As gravadoras são mais eficazes do que a ditadura militar, que não conseguiu calar a música brasileira.

As gravadoras estão conseguindo, transformando os artistas brasileiros em títeres, em ursinhos carinhosos. Você vê o paradigma daquele programa Fama. É o que eles querem. Contratar um cara para dar esporro, botar um tapete e descartar. Fazer o contrato que quiser. O artista não tem mais voz ativa nenhuma.

E a revista (Revista OutraCoisa, publicada pelo Lobão, que tem um CD encartado todos os meses) vai na contramão dizendo que o artista é criativo, é soberano, tem voz ativa e tem de ser detentor da sua própria obra. Ele é o proprietário da sua obra. Não pode ficar a bolacha o resto da vida para a gravadora como fica.

Qual é a solução para tudo isso, fora a lei?

L: Não só a lei. É a gente conseguir empreender coisas que desmintam esse modelo, por exemplo, voltando à revista novamente. A revista, pô! O disco hoje está custando de 35 á 40 reais. A gente está lançando exatamente o mesmo disco por R$12,90. Só que além do disco ser diferencialmente bom, por todos os motivos, desde a produção até o artista, você tem ainda uma revista de 70 páginas com um monte de informação. Isso é uma humilhação.

Porque o artista sai ganhando mais em proporção do que numa gravadora. Então a gente tem modelos que estão aí superiores. Nossa distribuição é muito melhor do que a deles. Não precisa de gravadora. Você vê a Maria Bethânia, está arrebentando, é claro. Ela tem um público fidelíssimo. Eu tenho um público fiel.

Por que eu vou ficar numa gravadora. O artista quando fica mais velho, eles não trabalham com ele. Você já tem público, você não tem de mostrar, você existe. Todo mundo conhece teu nome. Então é muita "bundamolice" um artista consagrado estar numa gravadora.

Menescal também citou a questão do valor. Por que o artista na gravadora ganha bem menos?

L: Você é roubado. Essa regra não tem exceção. Qualquer artista é roubado. Qualquer um. Independe de quem seja. Todos são roubados.

Quem é a vilã? A rádio ou a gravadora?

L: Olha, começa o ativo, né? O atuante é a gravadora. Quem é o corrupto é a gravadora, que inventou a propina, criou esse monstro que é o jabá, e criou a pirataria porque, na época que não tinha numeração, eles pegavam o excedente das consignações mirabolantes que eles faziam, iam para o cais do porto e, ao invés de destruírem por causa da estocagem, eles vendiam para os camelôs a R$0,20.

Os camelôs foram prosperando e arranjaram outros modos de produção que não comprar excesso deles, começaram a comprar matriz, mandaram para a China e acabaram com eles. Então eles, por um gerenciamento estúpido, predatório, burro é que estão cavando a própria sepultura e estão cavando mesmo. E isso eles estão fazendo bem.

A rádio molda o artista que participa do esquema?

L: Não tenha dúvida. A rádio molda porque começa dizendo: "Olha, eu não quero que tenha muita guitarra, mixa outra vez", ou pior. Teve uma vez com o Tutinha da Jovem Pan. Eu fui botar um disco novo. Eu com o meu nome grande, porque eu sou uma cara que tem um nome grande, com um disco experimental todo eletrônico. Ele ouviu e disse "eu quero a voz do Lobão e tem um DJ na minha rádio que faz uns arranjos legais, só assim eu toco".

Eu falei: "Vai tomar no (...), né?". Aí tem neguinho que se sujeita. Então hoje em dia, a rádio está moldando desde a formação da música porque o diretor da rádio, não raro vai até o diretor artístico da gravadora em sessões privadas para assistir e ver se aquilo pode tocar na rádio daquela maneira que está gravado. O cara interfere na gravação, menos guitarra, mais voz, esse refrão repete outra vez ou "essa música não, outra música", enfim.

Eles é que determinam o que tocam e são pessoas que odeiam música, têm baixíssimas qualidades e não tem caráter nenhum. Então, o Brasil está entregue. Tantas pessoas de gravadora também que não entendem de música, não gostam de música e tem baixíssimas qualidades também. Quando são tecnocratas ou vindo de outras áreas como fábrica de biscoito, por exemplo. O cara se torna expert em gôndola de supermercado. Pessoas assim que freqüentam gravadoras atualmente.

O Tom Capone era uma cara que realmente sabia do que se tratava, era um grande conhecedor e morreu. Então agora não tem mais ninguém.

Só para vocês entenderem. Um disco custa R$ 40,00. Um cara de gravadora acaba ganhando de oito, nove centavos a noventa centavos, por ai. Tem gente que ganha mais, tem gente que ganha menos. E a gente ta fazendo um disco a R$ 12,90 e ganhando R$ 1,00. Então a proporção é mais ou menos essa. Agora você dentro dos R$ 40,00, a gravadora teria 10% de taxa de depreciação industrial.

Se quebrar o CD, por exemplo, isso é de responsabilidade industrial. Você paga 10% desde já, mesmo que não venha quebrado, 10 % de taxa de capa. Como? 10% é uma fortuna. Você ganha 8% sobre 75% . Você já desconta 10%, 20% disso mais 15% de impostos. Então é 25% que tem descontado do seu trabalho. Aí o seu percentual é tirado desse 75%.

A objetividade é uma qualidade inerente ao idiota. É quase uma redundância. Porque a objetividade é idiota. É obvio, né? O gênio é subjetivo. Einstein dizia: "o que seria de mim se eu não tocasse violino?", o que seria a teoria da relatividade se ele não estudasse o violino. Uma coisa extremamente subjetiva. O gênio é subjetivo e o mercado é objetivo. O mercado é burro, porque a lógica é muito mais complexa do que a objetividade reduz a fazer crer ou fazer aparentar ser.

Já estamos vendendo mais de 55% da produção. Essa é a receita da revista atualmente. Por exemplo, a B Negão está chegando a 15 mil. Quer dizer, tá chegando ao final da vendagem agora. É claro que a do B Negão, o Cachorro Grande, foram os que venderam mais. Agora, a do Arnaldo vai para o ar no Fantástico, não sei como é que vai ser, mas a curva é ascendente. A gente ta pegando Portugal, vamos pegar Londres. Estamos crescendo.

Hoje, o que mudou nessa história do jabá?

L: Primeiro que era um tabu, ninguém sabia o que era jabá porque se você falava você saia. Porque não podia dizer que era contra ou a favor, nem que existia jabá porque senão você não pararia mais em lugar nenhum. Então, jabá era um tabu de morte. Você não podia falar isso. Ninguém podia. E, a partir de 99, eu comecei a falar sobre isso abertamente.

E foi aí que começou realmente a entrar no domínio público. Então jabá era um tabu e ainda é. Agora eles querem reverter jabá para insumos promocionais, querem dar nome que não existe. É caixa dois. Isso aí é dinheiro fantasma. E dinheiro que vem não se sabe de onde. Então é um dinheiro criminoso.

O espaço é criminoso, então pô, a coisa é muito séria e o que nós queremos é mostrar o mínimo de seriedade através desses esclarecimentos. Agora eu acho que o jabá, ele ta ficando cada vez mais revelado à opinião pública e agora cada vez mais sendo republicado. Porque todo mundo ta tendo uma dimensão real do que é o mau que o jabá provoca e, quanto mais houver essa conscientização, mais vulnerável ficará a instituição do jabá.

Assim nós cremos. Cremos que a gente vai conseguir reduzir o jabá. A gente vai chegar a colocar algum deles na cadeia, vai ter esse prazer. E a gente vai intimidar muita gente porque vai ter que ser na base do tranco. Pô, rapaz, não pode ser assim e a gente vai conseguir, não tenha dúvida.

Pode haver falência das gravadoras, o cerco está se fechando até mesmo com a pirataria?

L: Sim. Mas a pirataria só existe por causa do jabá. Uma coisa esta ligada à outra. Uma coisa não existiria sem a outra. Aí pessoas têm que entender que a pirataria é um sintoma da doença. A doença é o jabá. E a péssima administração que eles tão tendo. Como é que eu, uma pessoa nanica, fazer um produto evidentemente muito melhor, mais luxuoso, com agregações de valor e tudo mais, e fazer tudo isso na cara deles, e me dar bem.

E eles têm que ficar colado, assim, olhando. E afirmando duas coisas que a revista contesta: que a pirataria é uma doença e que estamos numa crise de criatividade na música brasileira. A nova geração não produz nova. Então a gente já na 6º edição com 6 discos nomeados para prêmios ou já premiados, desde o B Negão, Bombojó, Cachorro Grande, Arnaldo Batista. Só disco bom.

E bom pra caralho, diga-se de passagem. E CDs com estilos diferentes, em lugares, cidades diferentes, desde o letrista de 17 anos do Bombojó até o Arnaldo Batista com 56 anos. Todo mundo produzindo coisas novas. Eles não podem agora, mais uma vez dizer que eu sou doidão, que estou sob efeito de droga, que eu não faço nada. Dizem até "o Lobão tem mais é que ficar contando em vez de fazer..." Eles não podem mais.

Paulatinamente, a gente vai tapando a boca de todos eles, apenas com empreendimento, e não é retórica não. E assim será, porque a gente já pegou o caminho do gol e agora a gente ta aumentando, até certo ponto eu fiz tudo isso absolutamente sozinho.

A revista ta agregando as pessoas. As instituições independentes estão ficando juntas. Então hoje em dia a gente tem poder de classe, que a classe artística não tem. São um monte de títeres, né? Eles não têm condição de falar nada, eles estão amarrados. Você consegue a opinião de algum cara contratado para falar sobre isso? Não consegue.

Mas é mais revoltante o artista né? Porque os artistas deveriam falar, principalmente os artistas consagrados, os artistas históricos que estão aí a serviço da gravadora. Por isso que eu acho que por exemplo, artistas como Sandy e Júnior, que são de entretenimento, são mais honestos do que um "Tome uma atitude, tome Dan'up", ta entendendo?. Porque é mais cínico ter uma banda cabeça numa situação ridícula dessa. A verdade é essa.

Você tem uma história de jabá que já tenha ouvido ou presenciado?

L: Uma história de jabá clássica foi a do Tchan que venderam um milhão de cópias. Uma rádio aí, se não me engano, a Jovem Pan, pediu um dólar para cópia vendida. Um milhão de dólares pra tocar. Coisas desse gênero. Envolve sexo, drogas e Rock and Roll, tráficos, prostituição, carros, casas.

Quer ver a coisa mais revoltante que tem para se fazer, que eu acho: show de aniversário de rádio. Isso é jabá puro. Eles pegam as melhores épocas do ano, o melhor lugar e obrigam as pessoas a tocarem de graça para tocarem o ano inteiro de graça. Quando chega o sucesso, para o cara vender, ele tem que tocar de graça para continuar tocando o ano todo.

Eles é que fazem o show e você tem que tocar de graça, senão você não toca e não existe mais na área dos caras. É muito difícil, né?

O valor pode chegar então a um milhão?

L: Olha só, você pode parametrizar o jabá em torno de média, segmento pop/rock, samba. Cem mil reais é o preço pra você chegar e tocar numa emissora cinco vezes por dia no horário nobre de dez ao meio dia e das cinco da tarde as sete da noite. Esses são os horários que você negocia na rádio. Cinco ou dez execuções estão envolvidas nesses horários de picos de audiência. Então você já entra "em primeiro lugar".

Pô, primeiro lugar como? Cem mil? Então é claro que se você lança o suplemento, aquele artista, você tem que tocar. Vamos botar dez rádios, quer dizer, é muito mais. Você vai ter um milhão, até um milhão em jabá. Aí o disco custa 100 mil reais e você bota 5 milhões para poder tocar o disco. Loucura.

Aí quem é que vai pagar por isso? E o cara está lá na ponta que aí eles dizem: "Não comprem pirata", mas o pirata pô, eles não merecem? Se pelo menos esse dinheiro fosse para o bolso do artista. O artista também é roubado e é cúmplice. Isso é que não dá pra entender.

Você acha que a interferência dos EUA na produção cultural ajuda?

L: Olha, nos EUA é tão grande quanto aqui. Mas é claro que nós temos uma subsistência muito maior, principalmente na produção de sua música porque a interferência não é só na execução é em como você vai tocar. "Dogão é mau", agora. Aquilo é um produto biônico. A música é do produtor musical, puseram uma máscara num cara que não existe...

Eles querem isso, a virtualização do artista porque eles podem manipular todo o massacre desde a mensagem. Eles querem uma música inofensiva. Vocês já perceberam que no final dos anos oitenta, eles cortaram o Rock and Roll que eles patrocinaram achando que era inofensivo, a jovem guarda, no início.

Quando começou "Que país é esse?", "Polícia para quem precisa", "Vida bandida", pronto! Puseram música sertaneja. Eles não querem. Eles querem um ursinho carinhoso. "Oi gente". É tudo assim, porque eles querem um público treinado para não poder reivindicar seus próprios direitos. Isso eu não tenho a menor dúvida.

Para finalizar, como você imagina o cenário musical daqui uns cinco, dez anos?

L: Eu acho que a gente vai formar uma classe média musical grande. Vão ficar menos os mega-stars, vai aumentar o cinturão dos artistas que tem uma boa renda, que tem uma casa própria, um carro. Eu acho que essa fase do artista que tem um público, isso aí vai aumentar. Acho que em todo o mundo vai aumentar. No Brasil proporcionalmente.

Vai aumentar a prosperidade, mas não para o estrelato. Mas que exista uma coisa que eu acho sensacional, o artista ter sua casa, seu dinheiro, sua dignidade para esse artista fazer o que ele quer e ter autonomia de ser uma cara de médio porte. Aquela coisa que é o contrário do que estávamos falando.

Essa parada é a tendência. Eu luto para existir como uma cara de médio porte. É ruim ser grande. Quando você fica grande, você perde mobilidade, é um paquiderme, você vive com um cavalo de tróia contra você mesmo. Então é ficar médio, cortar intermediários e ser médio, não querer ficar grande e não admitir ser pequeno. E precariedade jamais porque temos tecnologia e know-how para fazer a coisa certa.

Acho que as grandes corporações vão existir, mas cada vez mais alheias ao que nós entendemos por arte, por diversão e por aquilo que a gente realmente quer. Nesse exato ponto, a gente vai tomar esse poder, não tenha a menor dúvida que dentro dessa produção, esse espaço é nosso, mesmo porque não há interesse nenhum em ser de outras pessoas.

Notas

[1] KOTSCHO, Ricardo Kotscho In: LOPES, Dirceu Fernandes (org); MOURA, Roberto (org). Jornalismo Investigativo. São Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 11.

[2] Cf.: SANCHES, Pedro Alexandre.MATTOS, Laura. Gil apóia projeto de criminalização do jabá; rádios se opõem. In: Folha de São Paulo. São Paulo, 15 de abril de 2003. Caderno Ilustrada.

[3] KOTSCHO, Ricardo Kotscho In: LOPES, Dirceu Fernandes (org); MOURA, Roberto (org). Jornalismo Investigativo. São Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 11.

[4] Idem, p. 10.

[5] TEIXEIRA, Mônica apud LOPES, Dirceu Fernandes (org); MOURA, Roberto (org). Jornalismo Investigativo. São Paulo: Publisher Brasil, 2003. p. 175.

[6] TEIXEIRA, Mônica, Op.Cit., p.173.

[7] KOTSCHO, Ricardo, Op. Cit., p.17.

[8] Ibidem.

[9] Idem, p.21.

[10] Idem, p.19.


*Ana Flávia Pinheiro, Camila Scardova, Carolina de Martini, Roberta Kerpen e Robinson Melgar são alunos de graduação do curso de jornalismo da UniFIAM FAAM FISP.

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