Entrevistas
Desafios
do jornalismo online
Depoimento
de Mindy
McAdams a
Paulo Lima
Ensinar
jornalismo online é um desafio por lidar com um universo
novo dentro da prática jornalista, tradicionalmente associada
à modalidade impressa, radiofônica e televisiva.
É o que afirma a professora Mindy McAdams, da Universidade
da Flórida.
Você
pode sentir animação ou temor ou uma combinação
dos dois se foi encarregado de criar um novo curso de
Jornalismo Online, afirma Mindy McAdams, professora de
Jornalismo na Universidade da Flórida, em seu longo artigo
Teaching
Online Journalism: How to Build the First College-Level Course,
recém-publicado na revista eletrônica Online
Journalism Review. Primeira a desenvolver o conteúdo
para a primeira versão online do Washington Post, Mindy
é co-autora do livro Manual da internet para escritores,
pesquisadores e jornalistas. No momento, ela escreve um
novo livro sobre o uso do Macromedia Flash no jornalismo.
Aparentemente,
todo o conteúdo do curso não poderia ser cumprido
em menos de três semestres, mas tudo pode ser perfeitamente
encaixado em um único semestre, ou até mesmo em
10 semanas, durante um trimestre acredita Mindy McAdams.
Esta seria uma chance única na grade do curso, para que
os estudantes aprendam jornalismo online. Mas por onde começar?
Em
primeiro lugar, deve-se fazer algumas perguntas básicas,
ela ensina: os estudantes produzirão uma publicação
online como parte do curso? O curso incluirá algum tempo
de laboratório, nenhum laboratório, ou será
totalmente ministrado em computador? Serão necessários
pré-requisitos de Jornalismo, como um curso de reportagem?
Serão necessários pré-requisitos de informática,
como, por exemplo, um curso básico de internet?
Softwares
As
respostas ajudarão a avaliar se o curso deveria ser dedicado
a conhecimentos como HTML básico, Dreamweaver e Photoshop.
Se o curso se prender mais à sala de aula, com o uso
de laboratório limitado a uma hora por semana, não
será possível produzir uma revista online. Porém,
se o objetivo principal do curso é produzir um site de
jornalismo online, será preciso utilizar a primeira metade
do semestre para ensinar conhecimentos de informática
e a outra metade para técnicas de reportagem e redação.
A
necessidade de se investir o tempo do curso para o desenvolvimento
de habilidades com softwares é um dos pontos a ser discutido.
As opiniões são divergentes, segundo o artigo.
De um lado, acredita-se que é suficiente ensinar a escrever
e ir direto ao assunto.
O
postulante ao cargo de jornalista de online aprenderia na prática
das empresas a manejar os softwares. De outro lado, defende-se
que o aluno deve aprender tudo aquilo relacionado com o online,
desde produzir informações em Java até
editar vídeos. Os anúncios das ofertas de trabalho
na área têm demonstrado que o domínio dessas
ferramentas é crucial. O que se requer é um profissional
completo, conforme pode ser lido nessa oferta do TheUnion.com,
um jornal diário com circulação de 17.000
exemplares, citado no artigo: O editor de web deverá
manter o site atualizado com o desdobramento das notícias,
ao longo do dia, e deverá trabalhar em equipe para criar
conteúdo exclusivo para a web. Criatividade, inovação
técnica, conhecimentos de edição de som
e talento para escrever serão vitais para este cargo.
Conceito
Outra
etapa do curso é deixar claro o conceito de jornalismo
online. Os alunos não têm uma idéia
muito clara a respeito do que seja e de como se difere das versões
impressas dos jornais ou do jornalismo radiofônico ou
de TV divulgado na web, explica Mindy McAdams. Afinal
de contas, eles têm visto matérias de jornais e
de TV na internet, e há muito pouca diferença
entre as versões originais e as postadas nos sites,
diz. O primeiro desafio é mostrar a eles que existe
algo chamado jornalismo online, e que este se diferencia de
outras formas de jornalismo.
Uma
vez estabelecida a diferença, alguns tópicos podem
ser considerados: a) a ética do link, ou escolher o que
linkar como parte de uma decisão editorial; b) os tipos
de mídia a serem utilizados online, como áudio,
vídeo, infográficos, animação etc.;
c) e a interatividade: fóruns de discussão, newsgroups,
chat, e-mail etc.
De
acordo com o artigo, outros pontos podem ainda ser cobertos
durante o curso, como a questão do copyright (tão
desrespeitado na internet). Algumas perguntas devem ser discutidas:
Onde os sites de notícias conseguem seus gráficos,
fotos, áudios e vídeos? Qualquer um pode usar
uma foto de uma agência de notícias, como a Associated
Press? Pode-se puxar uma música de um CD e utilizá-la
como trilha de uma seqüência de imagens?
Muitos alunos acreditam equivocadamente que material com
copyright pode ser usado desde que se inclua uma linha com os
créditos. Pelo fato de ser tão fácil usar
material da web e colocá-lo em seus próprios sites,
é que os estudantes precisam ouvir a respeito dessas
questões, afirma a professora.
Checar
as informações, contudo, não é menos
importante. Editores de online sempre enriquecem uma matéria
adicionando links importantes a outras fontes de pesquisa. Como
saber se uma fonte é confiável? Pode-se ensinar
aos alunos vários métodos para apurar a exatidão
da informação que se quer usar como link, assim
como maneiras eficientes para pesquisar informações
de base, e checar e rechecar fatos e imagens.
Além
das habilidades computacionais e jornalísticas, outros
tópicos podem ser abordados ao longo do curso, a exemplo
de temas convergentes ligados à propriedade do negócio,
parcerias, compartilhamento de conteúdo, sobreposição
de tarefas, trabalho em equipe; a escrita na web; os weblogs
como prática jornalística e fonte de pesquisa;
e a forma como a web pode interferir na maneira como o jornalismo
tem sido exercido até hoje, em diversos países.
A
professora Mindy McAdams conversou por e-mail com o Balaio
de Notícias sobre alguns assuntos relacionados com o
jornalismo online.
Por
Paulo Lima
BN
- Como podemos diferenciar o verdadeiro jornalismo online das
versões dos jornais impressos que estão disponíveis
na internet?
Mindy
McAdams - O jornalismo online inclui gráficos, animações,
som e elementos interativos que não podemos incluir em
uma versão impressa de um jornal. Se for somente uma
matéria de um jornal impresso na web, então não
é jornalismo online. Da mesma forma, se for apenas uma
reportagem de TV na web, não será jornalismo online.
BN
- Que tipo de cuidados o jornalista que escreve para o online
deve ter para produzir um bom texto?
M.M.
- Escrever para a web requer concisão e objetividade.
É muito factual. Links são usados com muito cuidado
e deliberadamente para levar a mais informações,
mas somente quando for apropriado e necessário. As seções
das matérias são separadas por subtítulos
curtos e informativos. Todas essas práticas tornam a
leitura do texto mais fácil e mais rápida.
BN
- Que características distinguem um bom site de jornalismo
online de um ruim?
M.M.
- Velocidade é a consideração número
um. O site carrega rápido? Está claro do que trata
a home page, e o que pode ser feito naquela página? É
uma página atualizada? Está claro, de uma forma
imediata, quem é o responsável pelo site? Quais
são os seus principais interesses (por exemplo, onde
está localizado? Qual é a sua política?)
As manchetes são claras e sem ambigüidades? Os créditos
e as fontes estão claros e óbvios? Os anúncios
publicitários interferem nas intenções
e objetivos dos usuários? O desenho da página
é claro e de fácil compreensão? A resposta
a estas questões deve ser sim, ou não será
um bom website.
BN
- O jornalismo online pode aprofundar a informação,
ao menos no nível do jornalismo impresso?
M.M.
- Sim. A única diferença é que você
não pode pôr 5.000 palavras de uma matéria
em uma página, a menos que você tenha feito um
convite ao visitante através de um resumo, ou algum outro
tipo de informação rápida. Quando o visitante
deseja, de verdade, ver toda a matéria, ou a sua versão
completa, ele se sentirá feliz em localizá-la.
Porém,
na maioria das vezes, o visitante quer somente uma visão
geral dos fatos mais importantes e a maneira como eles afetarão
sua vida. Você pode oferecer cada vez mais informações
aprofundadas, da mesma forma que pode ser feito no impresso.
Pode, inclusive, incluir todo o conteúdo de arquivo relacionado
com uma matéria. Mas é preciso que você
lembre, em primeiro lugar, que o visitante necessita de uma
versão reduzida, assim ele poderá decidir se quer
mais informação.
BN
- Algumas críticas feitas ao jornalismo online reprovam
a sua linguagem breve e fragmentária. Esse tipo de linguagem
poderia estar criando leitores preguiçosos e desinteressados?
M.M.
- Se ninguém quer ler a introdução mais
lenta e demorada de uma matéria, esse alguém talvez
não vai querer ler nenhuma parte dessa matéria.
Qual é o papel do jornalismo? Informar ao público.
Se não apresentarmos o jornalismo de uma forma que o
público deseja, então não poderemos informar
esse público.
Acredito
que matérias longas, negativas e auto-condescendentes
da maioria dos jornais têm alienado o público.
Os leitores percebem que os jornalistas estão escrevendo
para si próprios, e são arrogantes e mesquinhos.
O
público não acredita que o jornalismo seja interessante,
ou até mesmo necessário. Esse é um problema
que os jornalistas terão de resolver, e temos de resolvê-lo,
ou não teremos jornalismo adiante.
BN
- Que habilidades são necessárias para um jornalista
que trabalha com online?
M.M.
Em primeiro lugar, ter o desejo de informar o público.
Isso inclui o desejo de dizer sempre a verdade. Assim, a primeira
habilidade é a mesma que vemos em qualquer bom jornalista
de impresso, TV ou rádio. Em segundo lugar, o jornalista
de online deve ser especialmente cuidadoso e especialmente cético.
Online é um meio muito rápido. As matérias
são atualizadas com muita rapidez, e há muitas
chances de se cometer enganos.
Em
terceiro lugar, o jornalista de online deve, de uma maneira
geral, se sentir à vontade com computadores. Se um editor
dá um gravador em MP3 a um jornalista e diz envie-me
a entrevista por e-mail tão logo você termine,
o jornalista não poderá responder isso eu
não sei. Ele deverá aprender o mais rápido
possível.
BN
- Acredita-se que, no futuro, o jornalismo online servirá
de convergência para todas as mídias? Concorda
com essa previsão?
M.M.
- O jornalismo online será o primeiro local para todo
o jornalismo num futuro próximo. O melhor local para
noticiar em primeira mão é numa home page. Depois
que a notícia estiver num site, você poderá
ir para a frente de uma câmera, ou escrever a versão
mais longa para um jornal impresso. As empresas jornalísticas
(que possuem interesse em TV, online e impresso) se tornarão
mais eficientes, uma vez que reconheçam esse fato.
Você
pode usar a informação em gráfico para
o jornal impresso, para a web e para a TV. Você pode contar
a história de três ou quarto maneiras. No 11 de
setembro, porém, todos foram para a internet. E também
no 11 de março, em Madri. Isso não quer dizer
que todo jornalista deve aprender a fazer tudo. Mas deve aprender
a fazer mais de uma coisa.
BN
- Onde podemos encontrar hoje bons exemplos de jornalismo online?
M.M.
- Um bom local é Interactivenarratives.org.
Você poderá ver exemplos de muitos novos sites
por lá. Alguns dos melhores textos estão em news.bbc.co.uk.
A cobertura é a mais direta e objetiva. Bons textos podem
ser também encontrados em english.aljazeera.net/HomePage.
Bons
trabalhos interativos são realizados nos sites: MSNBC.com,
NYTimes.com,
USAToday.com,
WashingtonPost.com.
Há excelentes infográficos com animação
no site do El País (http://www.elpais.es),
de Madri.
BN
- Segundo a sua experiência, o jornalismo online é
um desafio para os seus alunos, ou eles já o assimilaram
com facilidade?
M.M.
Trata-se de um grande desafio para eles, porque eles
ainda não sabem o que é. Eles pensam com freqüência
que o site do Yahoo News é jornalismo online, ou a América
Online (AOL), porque essas são suas home pages. Algumas
vezes eles acreditam que uma versão online de um jornal
impresso é jornalismo online, porque eles nunca viram
um exemplo de jornalismo online de fato.
Eles
também precisam de treinamento em informática.
Apesar de estarem usando a internet desde muito jovens, a maioria
não sabe como fazer coisa alguma. São consumidores,
não produtores. Eles comem, mas não sabem cozinhar.
BN
- Até que ponto o jornalismo online poderá ser
lucrativo no futuro?
M.M.
Não sei quanto será lucrativo,
mas no futuro o jornalismo online deve encontrar uma maneira
de pagar as próprias contas. A tendência rumo ao
registro [para ter acesso ao conteúdo do site] é
um passo nessa direção.
BN
- Quais serão as grandes tendências do jornalismo
online para os próximos anos?
M.M.
- (1) Veremos os efeitos da solicitação de registro.
Os sites de jornalismo online fornecerão mais do que
as pessoas são capazes de procurar com mais freqüência.
Os sites vasculharão os tipos de usuários associados
aos tipos de conteúdos, e venderão anúncios
voltados para esses conteúdos. (2) Veremos mais fotojornalismo
online, combinado com mais freqüência ao áudio
do rádio-jornalismo. (3) Veremos mais vídeo-documentário
online, com qualidade distinta que o diferenciará das
imagens das notícias para a TV. (4) Veremos mais notícias
dadas em primeira mão na web, antes da TV e dos jornais
impressos.
Fonte:
Balaio de Notícias, Webjornal - Quinzenal - Edição
55 - Aracaju, 09 a 23 de maio de 2004.
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