Entrevistas
Experiências
de um
ombudsman na Folha de S.Paulo
Depoimento
de Bernardo Ajzenberg ao Observatório da Imprensa
O
jornalista Bernardo Ajzenberg encerrou seu período no
cargo de ombudsman da Folha de S.Paulo na quinta-feira, 11/3.
Depois de três anos como representante dos leitores do
jornal, passou o bastão a Marcelo Beraba, diretor da
sucursal da Folha no Rio de Janeiro, que assumirá o posto
em 5 de abril.
Ombudsman
é uma palavra sueca que significa "representante
dos cidadãos". Nos jornais, o cargo foi instituído
nos Estados Unidos, na década de 1960. No Brasil, estreou
em 1989, nas páginas da Folha de S. Paulo. O primeiro
profissional a assumir a posição foi Caio Túlio
Costa.
O ombudsman é o canal direto entre o leitor e o jornal.
Na Folha, ele representa os leitores, recebendo suas queixas
e sugestões e as encaminhando à Redação.
Faz também a crítica interna e, aos domingos,
publica uma coluna com análises e comentários
críticos sobre da cobertura jornalística realizada
pelos principais veículos de comunicação
do país, com destaque especial para o conteúdo
da própria Folha.
O
profissional que cumpre o cargo de ombudsman vive uma situação
no mínimo paradoxal: é empregado do jornal mas,
ao mesmo tempo, sua função é criticá-lo.
Para que esta tarefa seja realizada com êxito, e o ombudsman
consiga exercê-la com independência, as regras são
claras. O mandato é de apenas um ano, renovável
por mais dois. Enquanto está no cargo, ele não
pode ser demitido e tem estabilidade no jornal por seis meses
depois que entrega o posto.
Bernardo
Ajzenberg utilizou todo o tempo permitido pelas normas da Folha.
Há duas semanas, ele publicou sua última coluna
dominical no jornal. Despediu-se desejando êxito, fibra
e paciência a seu sucessor. E definiu os três anos
no posto como "um período rico, tenso, desafiador".
Ele
conversou com o Observatório sobre este período,
revelando quais foram seus maiores desafios e momentos marcantes.
Aos
45 anos, Ajzenberg trabalhou no Correio Popular, Última
Hora e Veja, entre outros veículos. Está na Folha
desde 1987. Passou por diversos cargos, entre eles secretário
de redação, diretor da Agência Folha, diretor
do Banco de Dados e diretor de conteúdo da Folha Online.
Como escritor, publicou os romances Carreiras cortadas, Efeito
suspensório, Goldstein & Camargo, Variações
Goldman e A Gaiola de Faraday, que em 2002 recebeu o prêmio
de melhor romance do ano pela Academia Brasileira de Letras.
Agora,
Ajzenberg deve partir para um período sabático
de alguns meses, durante o qual pretende desenvolver projetos
pessoais ligados ao jornalismo e à literatura. A seguir,
sua entrevista.
***
O.I.
- Qual o balanço do seu período como ombudsman
da Folha?
Bernardo
Ajzenberg - Foi um triênio bastante carregado, em termos
jornalísticos: o 11 de Setembro e seus prolongados desdobramentos;
a tensa e problemática campanha eleitoral para o Planalto;
a guerra do Iraque, a crise econômica, a crise da própria
mídia. Tudo isso envolvendo posicionamentos e cobranças
de caráter jornalístico, político e ideológico.
Aprofundou-se,
para mim, a convicção de que os leitores - a sociedade
- mantêm com a imprensa uma relação muito
mais próxima - muito mais, digamos, íntima - do
que eu imaginava antes de exercer essa função.
Evidentemente, isso atribui à mídia uma responsabilidade
muito maior.
Creio
ter compreendido também, nesse período, que, embora
mudanças tenham ocorrido há vários anos,
continua a ser muito difícil obter dos jornalistas, de
maneira geral, a admissão de culpabilidade em relação
a erros, mais ou menos relevantes, por eles - ou seja, nós
- cometidos.
O.I.
- Quais são os pré-requisitos para uma pessoa
ser qualificada ao cargo de ombudsman? Você se considerava
preparado para o cargo quando foi convidado a exercê-lo?
B.A
- Esse é um tipo de função que ganha dimensão
concreta de modo diferente dependendo de quem a exerce. Nesse
sentido, o estofo, a maneira de pensar e de agir do indivíduo
são determinantes. Há o básico: conhecimento
do fazer jornalístico, disposição para
criticar e ser criticado, capacidade de articulação,
de exposição e de argumentação,
certa ousadia, paciência, saber ouvir, ter um conhecimento
mínimo de diferentes áreas para poder atuar criticamente,
estar antenado.
Quando
fui convidado, tinha muitas dúvidas a respeito de minha
capacidade para cumprir o minimamente esperado. Confesso que,
apesar de muito aprendizado, ainda continuo com muitas daquelas
dúvidas, com a diferença de que, felizmente, consegui
atravessar o rio.
O.I.
- O ombudsman representa os leitores dentro do jornal. Ao mesmo
tempo, ele é funcionário deste jornal. Na prática,
como se equilibra o compromisso do ombudsman com o jornal e
com o leitor?
B.A
- Na verdade, não deve haver esse equilíbrio.
O ombudsman tem de defender o interesse do leitor, não
do jornal. A não ser que se pense no interesse do jornal
no que se refere a ter o seu leitor sempre satisfeito. O ombudsman
tem de se distanciar do jornal.
O.I.
- Quantas cartas, e-mail e telefonemas você recebia
dos leitores por semana?
B.A
- Temos uma contabilização disso: são,
em média 33 manifestações por dia útil
de trabalho. No total desses três anos, o departamento
[do ombudsman] recebeu cerca de 23 mil manifestações.
O.I.
- Quais as perguntas e/ou reclamações mais freqüentes?
B.A
- Isso varia conforme os acontecimentos. De modo geral, é
possível afirmar que as manifestações aconteceram
na seguinte ordem: questões de vida prática; falta
de imparcialidade (em diferentes áreas); omissão
de informações, comentários sobre articulistas
e colunistas.
Quais as maiores dificuldades que enfrentou durante seu período
no cargo?
B.A
- Encontrar o tom mais adequado possível nas críticas
diárias produzidas para a Redação e nas
colunas dominicais; lidar com reações por vezes
intempestivas e até agressivas oriundas de alguns - poucos
- jornalistas a partir de alguma crítica; unir o particular
ao geral na abordagem crítica de certas reportagens.
O.I.
- E o momento mais marcante?
B.A
- Foram dois momentos: a cobertura do 11 de Setembro, que, pela
magnitude histórica do evento, obrigou-me a um esforço
extraordinário de interpretação e julgamento;
e a campanha presidencial que se encerrou com a vitória
de Lula, momento em que a Folha ocupou lugar de destaque e foi,
assim como o ombudsman, fortemente pressionada por eleitores
e agentes políticos. Leticia Nunes - Observatório
da Imprensa
Fonte: Site Comunique-se, 17.03.2004.
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