Entrevistas
'Há
mais pesquisa por que há
mais dinheiro ou há mais dinheiro
porque há mais pesquisa?'
Aparte
do professor Marques Melo, texto de Jocélio Leal
Após
suscitar a discussão sobre o mapa das verbas para pesquisa
no país, na última sexta-feira, a Coluna ouviu
a opinião do professor José Marques de Melo, o
primeiro doutor em comunicação do país
e uma das principais referências da academia brasileira.
Antes,
um resumo do que dizia o comentário: 'Pergunte a um pesquisador
da USP ou da Unicamp sobre o que ele pensa a respeito da chamada
descentralização dos recursos do MCT para Universidades
das regiões mais pobres e, decerto, o máximo de
ponderação será a seguinte: essas mudanças
não podem ser assim, abruptas'.
Advertia,
porém, que a insatisfação é bem
mais contundente nos corredores acadêmicos. A queixa acentuou-se
pelo aumento das verbas do Fundo de Infra-Estrutura (CT-Infra)
para instituições do Nordeste em contraponto ao
recuo para o Centro-Sul. Um critério adotado no governo
Lula incomoda muito.
A
renda per capita do estado da Universidade tornou-se fator de
desempate para projetos. Perguntava: 'Há mais pesquisa
por que há mais dinheiro ou há mais dinheiro porque
há mais pesquisa?'.
E
comentava: 'Os campi universitários são terrenos
férteis para pesquisas inócuas e sem nenhuma aplicabilidade
na vida do contribuinte que as financia. Pesquisa-se muito sobre
o que já foi provado. Em suma, a academia nem sempre
ensina a deixar de ser perdulário.'
Por
que só o judiciário?
Marques
de Melo concorda com o final. 'Acho que você tem completa
razão ao atacar o comportamento perdulário de
segmentos da Universidade brasileira, bem como a tendência
de algumas áreas do saber ou de núcleos científicos
ao pesquisar sem estratégias definidas e sem enquadrar-se
em prioridades definidas pela sociedade. Tudo isso reflete o
sistema corporativo que marca a estrutura das Universidades
públicas, onde as decisões sobre objetos e temas
quase sempre atendem aos desejos dos grupos de pesquisadores,
relegando a plano secundário as demandas sociais. Por
isso mesmo torna-se urgente estabelecer controles públicos
para as Universidades, da mesma forma que se reivindica o controle
externo do judiciário'.
Prossegue
o professor: 'A propósito das Universidades estaduais
paulistas - USP, Unicamp e Unesp - vale a pena recordar que
elas são mantidas com recursos provenientes dos impostos
pagos pelos contribuintes residentes no estado de SP. Suas pesquisas
são financiadas, em grande parte, com verbas alocadas
pela Fapesp, uma modelar agência de fomento científico,
cujo estatuto impõe limites aos gastos administrativos,
reservando a quase totalidade dos recursos disponíveis
para gastos com pesquisa'.
Em
discurso provocador, ele defende que a participação
do Governo Federal no financiamento à C&T em SP corresponde,
em certo sentido, a uma compensação pelos serviços
prestados pela sociedade paulista ao restante do país.
'Enviam para as três Universidades acima mencionadas o
principal contingente dos candidatos a mestres e doutores, aqui
formados, reciclados e aperfeiçoados'.
Com
conhecimento de causa
O
professor alagoano e radicado em SP desde os anos 70, afirma
concordar com a tese de que é fundamental reequilibrar
regionalmente o gasto público federal com C&T. Ele,
entretanto, pondera que o processo deveria ser feito a partir
de um planejamento racionalmente estabelecido e em função
de contrapartidas das sociedades estaduais e locais.
'Do
contrário, teríamos simplesmente a drenagem de
recursos hoje alocados em instituições que prestam
serviços à C&T nacional para instituições
que não adquiriram maturidade gerencial, onde as perspectivas
de desperdício orçamentário são
evidente. Digo isso a partir da minha própria experiência
na gestão pública - ocupei funções
consultivas tanto no MEC quanto no MCT - e testemunhei demandas
inconsistentes de Universidades geograficamente periféricas,
cujos projetos de financiamento denotam fragilidades acadêmicas
e operacionais'.
Reequilíbrio,
mas com planejamento
'Creio
que o reequilíbrio nacional em matéria de produção
científica e tecnológica deve ser obtido através
de um planejamento a médio e longo prazos, buscando-se
parcerias entre regiões fortes e regiões fracas,
como de resto ocorreu quando o Brasil projetou-se tardiamente
no cenário acadêmico, valendo-se da massa crítica
disponível em países mais avançados. Para
tanto, seria indispensável criar mecanismos capazes de
impedir que intelectuais promissores das regiões fracas
migrem para as regiões fortes, em busca de formação,
e nelas permaneçam depois da conquista dos títulos,
por falta de estruturas que lhes assegurem produtividade pós-doutoral'.
Da
mesma forma, diz, 'torna-se desejável evitar que jovens
doutores de regiões fortes sejam acolhidos por Universidades
de regiões fracas e não cumpram ali períodos
de trabalho que permitam transferência suficiente de conhecimentos,
beneficiados por decisões corporativas das Universidades,
complacentes com as transferências precoces e expedientes
similares que as tornam meros trampolins para que pesquisadores
potencialmente produtivos iniciem suas carreiras e rapidamente
regressem aos locais de origem'.
Fonte:
Jornal da Ciência.
Publicado originalmente em O Povo, do Ceará, 01.03.2004.
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