Entrevistas
"O
nepotismo começou com a colonização"
Entrevista
concedida por José Marques de Melo a Odilon Rios/Gazeta
de Alagoas*
O
alagoano José Marques de Melo, um dos ícones do
jornalismo brasileiro, diz que o principal pecado da imprensa
é não cobrir a sociedade como um todo. "A
imprensa só cobre a burguesia".
Nascido
em Palmeira dos Índios, criado em Santana do Ipanema e
devoto de "padim Ciço", o jornalista e professor
José Marques de Melo é considerado um dos ícones
do jornalismo brasileiro e referência na América
Latina na área de Comunicação Social.
Nas
suas contas, publicou mais de 20 livros e "não sei
quantos" artigos em jornais e revistas nacionais e internacionais
sobre a importância do jornalismo na sociedade, analisando
também o senso moral e ético do profissional.
Em seu site (www.marquesdemelo.com.br),
está estampada uma frase, autobiográfica: "Se
o jornalista não for honesto, humilde e persistente,
pode ser tentado a fazer da profissão uma escada para
o sucesso fácil ou decidir pela renúncia precoce".
O
sertanejo, que já trabalhou na Gazeta de Alagoas (1959)
e no Jornal de Alagoas (1960), esteve há duas semanas
no Estado, participando de um fórum com professores de
jornalismo, e concedeu essa entrevista exclusiva, em que critica
a cobertura dos jornais, analisa a eleição do
papa e pede uma formação "humanista"
aos novos profissionais das redações.
Gazeta
de Alagoas - O presidente do Senado, senador Renan Calheiros
(PMDB), foi eleito recentemente ao cargo falando em desburocratizar
o País e mudar a forma de tramitação de
Medidas Provisórias no Congresso Nacional. Onde está
a separação do discurso eleitoral e social?
José
Marques Melo - Tenho a impressão que estas medidas
encontram apoio na opinião pública. Quem não
gostaria de desburocratizar o País, que já nasceu
enraizado na burocracia? Todo cidadão anseia isso. Temos
um sistema híbrido, entre parlamentarismo e presidencialismo,
em que o presidente é manietado pelas necessidades de
tudo passar pelo Congresso, que por sua vez não funciona
com agilidade. Limitar as medidas provisórias não
pode ser apenas retórica política, mas negociada
para garantir a governabilidade.
GA
- Não há a intenção de "aparecer
bem" na mídia com essas medidas, mesmo que não
sejam colocadas em prática?
JMM
- Isso não é parti-cularidade do senador
Re-nan Calheiros, mas de todos os políticos nacionais.
Eles disputam espaço na mídia. Os políticos
que não conse-guem seus 15 minutos de fama, pelo
menos uma vez por semana, ficam desnive-lados em relação
aos seus competidores. Não acho is-so ruim, é
saudável, é de-mocracia: quem aparece é
como se estivesse se mo-lhando na chuva.
Tem
seu lado positivo e negativo.
|
Marcus
Vinicius Costa
|
GA
- O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti
(PP/PE), acabou sendo "crucificado" na mídia
brasileira por defender o nepotismo. A imprensa transformou
isso em uma guerra do bem contra o mal?
JMM
- Sim. O que o Severino diz é o que todo político
pratica. Quem conhece a história brasileira sabe que
o nepotismo começou com a colonização.
É uma tradição, mas o problema não
é o nepotismo, mas uma cultura de privilegiados, oligárquica,
em que poucos participam do banquete. O que o Severino Cavalcanti
diz: tudo bem, desde que seja para acabar no Executivo e no
Judiciário também. Na verdade o nepotismo existe
em todas as áreas.
GA
- Ele então é condenado por falar a verdade?
JMM
- Não digo isso, mas de modo geral é aquilo
que os políticos pensam. Ele não é diferente.
Os políticos pensam e praticam. A imprensa virou maniqueísta
e ultimamente tem se caracterizado por algumas ondas de colocar
no patíbulo algumas figuras e livrar outras, e isso é
ruim no País porque a imprensa acaba perdendo a credibilidade.
GA
- Os jornais que cobrem a área política conseguem
deixar de ser "chapa branca" neste caso?
JMM
- Depende. Há jornais que conseguem fugir a isso,
mas a tendência, especialmente dos jovens jornalistas,
é ficar de um lado ou do outro e há uma tendência
de "Maria-vai-com-as-outras", de seguir a corrente,
quando um certo líder da categoria vai em uma direção,
todo mundo vai atrás.
GA
- Por que isso acontece?
JMM
- Falta de maturidade da nova geração de jornalistas.
E também o efeito de uma excessiva politização
dos jornalistas. Ela é fundamental no sentido da consciência
do sistema político e não de tomar partido.
GA
- Qual o maior pecado da imprensa brasileira?
JMM
- Não cobrir a sociedade como um todo. A imprensa
só cobre a burguesia, o sistema dominante político,
as elites religiosas. As fatias médias da população
ficam completamente desassistidas sob o ponto de vista de cobertura
noticiosa.
GA
- Isso significa que quem aparece mais nos jornais é
a elite brasileira?
JMM
- Sim, só que a meu ver isso não exclui a
aristocracia sindical e militante, os movimentos sociais bem
organizados que usam assessorias de imprensa e se projetam nos
jornais e contam com a adesão de jornalistas que são
militantes daqueles movimentos ou contam com a simpatia deles.
Para que mais cobertura como tem o MST [movimento de sem-terra]?
Tem uma excelente cobertura da imprensa.
GA
- Significa que o MST age mais por espetáculo, provocado
pela mídia?
JMM
- Não é isso, é uma estratégia
política de constranger os governantes, os que tomam
as decisões. É um movimento político organizado
e que sabe usar a mídia a seu favor.
GA
- Qual o maior pecado do jornalista?
JMM
- A parcialidade. O jornalista é um intermediário
de um público que quer conhecer e fontes que querem se
dar a conhecer. Quando se publica uma notícia, deve ser
o mais verdadeiro possível, perseguindo a verdade, mostrando
os diferentes lados dos acontecimentos, dando voz a diferentes
atores e não tomar partido. Se quer tomar partido, que
escreva um artigo.
GA
- A mídia brasileira consegue ser democrática?
JMM
- Acho que sim. A mídia brasileira, depois da Constituição
de 1988, vive em um período de maior democracia, com
veículos de diferentes pontos de vista, a imprensa diária
apresenta diferentes aspectos da realidade social. Talvez o
único "senão" disso é que a grande
maioria da população está excluída
da imprensa, o povo se informa por meio do rádio e da
televisão. Isso mina um pouco a concepção
da democracia.
GA
- Como o sr. encara o jornalismo alagoano?
JMM
- Comecei a trabalhar em jornalismo na Gazeta de Alagoas
e no extinto Jornal de Alagoas. Acho que a imprensa alagoana
de lá para cá não mudou muito. O mais brilhante
diagnóstico sobre a imprensa alagoana foi feito por Costa
Rêgo [jornalista] no começo do século: havia
jornais demais e com pouca capacidade de anúncio e geralmente
os jornais eram dependentes dos subsídios públicos.
GA
- Mesmo sob a influência da figura do "coronel",
a imprensa nordestina consegue se sair melhor na cobertura jornalística
em relação à imprensa nacional?
JMM
- Dizer que a imprensa nordestina é diferente do
País é pouca auto-estima. Quem detém os
canais de televisão e as emissoras de rádio? Mas,
quando eles usam a mídia sob seus interesses, perdem
a credibilidade.
GA
- Um Conselho de Ética ajudaria a melhorar a qualidade
dos meios de comunicação?
JMM
- Acho que o que ajudaria era uma melhor formação
profissional dos jornalistas. Os cursos de jornalismo melhoraram
nos últimos anos, mas existem muitas deficiências
no sentido de criar uma consciência ética nos jovens
jornalistas. E ética não é política
ou ideológica: é comportamento moral diante da
sociedade.
GA
- Ética é conseguida com o diploma?
JMM
- Acho que não. O diploma não dá nada.
Têm muitos jornalistas com o diploma e que são
tão despreparados quanto aqueles que querem entrar na
profissão sem ter conhecimento sistemático do
campo. A formação universitária é
um processo de aprendizagem.
GA
- O sr. é a favor do diploma como requisito para a profissão
jornalística?
JMM
- Em princípio, sou anticorporativo. O Brasil copiou
uma estrutura que veio do fascismo italiano de [Benito] Mussolini
[ditador italiano], em que todas as corporações
são organizadas e têm o carimbo do Estado, então
não vejo porque seria diferente para o jornalista. Se
o médico precisa do diploma, o advogado etc., não
vejo porque o jornalista não precise ter seu diploma
também.
GA
- O sr. diz que as faculdades de jornalismo melhoraram, mas
possuem deficiências. Como assim?
JMM
- Eu acho que as faculdades melhoraram muito. Fiz meu curso
de jornalismo em Pernambuco, me formei em 1964 e hoje a formação
é muito melhor do que a que eu tive. Mas há muita
coisa a ser perseguida. As faculdades, ao invés de batalharem
o diploma, deveriam buscar a qualidade do ensino. Isso depende
muito da cobrança que os alunos, os professores e a sociedade
fazem. As empresas jornalísticas, ao se preocuparem com
a derrubada do diploma, estão prestando um desserviço
à sociedade e a elas mesmas.
GA
- Na cobertura da morte do papa João Paulo II e na posse
de Bento XVI, a mídia conseguiu quebrar a imagem da Igreja
Católica como instituição imune a críticas?
JMM
- Acho que a televisão fez uma boa cobertura, colocou
diferentes nuances de um mesmo acontecimento. Já os jornais
exageraram um pouco com relação ao papável
brasileiro.
Acho
que os jornais foram um pouco sensacionalistas. Eles não
procuraram entender a natureza da instituição
eclesial e fazer cobertura que não gerasse falsas expectativas.
Toda a cobertura dos jornais foi em cima de quem seria o papa,
como se eles estivessem cobrindo uma eleição de
vereador ou de prefeito. Em verdade, a Igreja tem uma estrutura
diferente. Faltou aos jornalistas conhecimento sobre a história
da Igreja.
GA
- Faltaria também humildade do profissional?
JMM
- Acho que foi uma ousadia desnecessária, de cobrir
um fato sem antes se munir de um conhecimento adequado. É
o que eu disse ao longo desta entrevista: a formação
dos jornalistas é deficiente e precisaria aumentar principalmente
em cultura geral, humanista.
Acho
que as novas gerações não têm o interesse
de continuar lendo, se informando. Um repórter quando
vai ao campo precisa se munir de elementos sobre o assunto.
Um combatente quando vai a campo, arma-se convenientemente.
Geralmente, quando o jornalista cai em campo, é de peito
aberto.
*Odilon
Rios é repórter. Fonte: Gazeta de Alagoas, Maceió,
03.05.2005.
Voltar
|