Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V I
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MEMÓRIA
 

Fotos: Reprodução

ENTREVISTA
As câmeras e os olhos de Fernando Barbosa Lima


Por Valquíria Passos Kneipp*

Por sua atuação pioneira e papel fundamental na história da televisão brasileira, o carioca Fernando Barbosa Lima (1933-2008) merece um lugar de destaque entre os grandes nomes do jornalismo nacional. [1]

Em 2008, Fernando Barbosa Lima morreu, deixando um grande legado na trajetória da televisão brasileira. Sua carreira iniciou-se nos anos 50 e durante mais de 50 anos de trabalho foi responsável pela criação de mais de 100 programas televisivos. Sua obra mais marcante foi o inesquecível Jornal de Vanguarda que, depois de passar por todas as emissoras, foi cassado nos anos 60 em decorrência do Ato Institucional Número 5.

Durante minha pesquisa de doutorado, denominada Trajetória de Formação do Telejornalista Brasileiro, tive a oportunidade de entrevistar o jornalista Fernando Barbosa Lima, em 20 de novembro de 2006. Com uma conversa agradável, ele contou toda a sua carreira na televisão brasileira. Segue abaixo um pouco dessa conversa.


Valquíria Passos Kneipp: Qual que é a sua formação? Você chegou a cursar alguma universidade?

Fernando Barbosa Lima: Não. Vou te contar um pouco como é que eu comecei a trabalhar. Primeiro, como desenhista, porque eu tinha feito alguns cursos de arte. Tinha estudado desenho. Comecei a trabalhar como desenhista de uma agência de publicidade chamada Standard Propaganda, que hoje é... Naquela época era a melhor agência do Brasil, mais criativa, era uma agência incrível. Depois de fazer um belo aprendizado em desenho na Standard, eu resolvi partir um pouco para a parte escrita; aí fui trabalhar em um jornal em São Paulo, chamado O Tempo.

Esse jornal era dirigido pelo Emil Saqueta, famoso trotskista, que inclusive escreveu um livro sobre trotskismo. Eu trabalhei nesse jornal durante um ano, mais ou menos.

Mas o jornal não foi bem, não. O Emil Saqueta era, na verdade, um grande nacionalista. Ele não aceitava os anúncios internacionais. Acabou falindo. Voltei pro Rio. Na minha volta ao Rio, eu montei uma pequena empresa de publicidade e de produção.

Eu era muito jovem ainda, tinha uns 21, 22 anos nessa fase. Então, na verdade eu sou uma pessoa mais ou menos feita disso. Quero dizer, eu tinha terminado o clássico, o colégio. Não quis ser advogado, minha mãe queria que eu fosse advogado. E aí, foi que eu fiz um programa de televisão chamado Cruzeiro Musical. Esse programa foi interessante porque eu estava na casa dos meus pais, uma casa grande, em Botafogo, na varanda, assistindo televisão. Estava a televisão ligada e ninguém vendo.

Naquele tempo, televisão era quase que uma coisa decorativa na casa das pessoas. As pessoas conversando e tudo, e eu estava vendo um programa, um programa chamado Cruzeiro Musical, que era na TV Rio, patrocinado pela Cruzeiro do Sul. Era uma grande orquestra tocando boleros. Naquele tempo a televisão tinha orquestras contratadas.

Tom Jobim era maestro, era um dos maestros da TV Rio. Eu aí, quando olhei aquele programa disse: “tá errado”. Uma companhia de aviação, uma companhia aérea não tem sentido fazer um programa de boleros. Fiz um projeto, levei esse projeto para o diretor da Cruzeiro do Sul, diretor de comunicação, que era o Brigadeiro Franklin Rocha. Disse: “olha Brigadeiro, eu só vou querer cinco minutos do seu tempo, em cinco minutos o senhor lê esse meu plano aqui”.

O plano era o seguinte: cada programa mostrava um estado brasileiro. Vamos supor a Bahia, a Bahia, então, com textos de Jorge Amado, que tinha me cedido os textos dele. A música de Dorival Caymmi, não existia Caetano, não existia Gil. As lendas da Bahia, que eu mesmo desenhava e tal. A televisão era em preto e branco, ao vivo, e era apresentada pelo César Ladeira, um dos maiores locutores do Brasil e que era da Rádio Nacional.

E eu fiz junto com um amigo meu, que era o Carlos Alberto Loffler, que era já era um diretor de TV na TV Rio. Fomos lá na Cruzeiro do Sul com a verba de 20% e fizemos alguns programas, um sucesso. Um sucesso tão grande que a Cruzeiro do Sul resolveu levar para São Paulo.

Aí repetimos esse programa. Como a TV era ao vivo, nós tivemos que fazer o programa todo de novo. Fizemos na TV Record, em São Paulo. A equipe toda ia de avião, a gente produzia o programa na Record. De novo, o programa foi um grande sucesso. Até hoje, se fizesse um programa mostrando cada estado brasileiro, o que representa o povo brasileiro, o significado da nossa gente e tudo isso, eu acredito que seria muito importante para a televisão brasileira.

Não, o que se faz hoje é um programa copiando o outro. Essas coisas. Quero dizer, não há uma preocupação de se fazer uma coisa mais séria no Brasil em televisão, a verdade é essa. Bom, aí eu segui e montei a minha produtora, que se tornou uma produtora independente, e comecei a fazer programas.

VPK: E que tipo de experiência era necessária para trabalhar na TV?

FBL: Eu já comecei criando, já dirigindo programas. Eu não passei por nenhuma escola. Eu fiz o seguinte: porque como eu conhecia bem, eu dominava bem o desenho, eu dominava bem o texto. Você junta bem essas coisas, acaba dando em televisão. Foi o que aconteceu comigo. Eu me lembro quando eu era bastante jovem, estava fazendo o clássico e minha mãe queria que fosse se advogado, aquela coisa toda, no Brasil todos querem que o filho tenha uma profissão, médico, advogado, engenheiro. E eu não queria, aí eu fiz um acordo com ela.

Estava chegando aqui no Brasil o professor Peri Lopes, um psicólogo argentino que montou aqui um instituto de investigação profissional e eu fiz, fui lá e fiz todos os testes. E ele me disse o seguinte: “ô Fernando, você dá pra ser algumas coisas, não advogado. Você daria pra ser arquiteto, você daria pra ser escritor, você daria pra ser jornalista, você daria pra ser é pintor”. Se você juntar tudo disso aí que o Peri Lopes me falou, vai dar na televisão mesmo, acaba na televisão. A minha experiência, o meu começo todo foi esse. Na verdade, sempre fui uma pessoa de criação, fui muito criativo, eu criei mais de cem programas.

Quero dizer, acredito que eu tenha sido a pessoa no Brasil e no mundo que tenha criado o maior número possível de programas. Porque criar cem séries de programas é uma coisa, realmente é uma cobrança. Também, num país de terceiro mundo! No primeiro mundo, você cria duas, três séries de programas, por exemplo, nos Estados Unidos, e vive o resto da sua vida à custas disso. Aqui no Brasil, não!

Tem que batalhar e criar coisas novas!

VPK: Fale um pouco dos programas que você criou.

FBL: Nós criamos o Preto no Branco, que foi um programa muito interessante, que era um programa de entrevistas. O Sargentelli falava as perguntas em voz off. O Sargentelli nunca criou qualquer tipo de pergunta, as perguntas eram escritas. A gente perguntava, por exemplo: “faça uma pergunta pro Stanislaw Ponte Preta”.

Aí, você faria à pergunta, a gente escreveria essa pergunta para o Sargentelli. Então, nós nunca entramos na vida pessoal de ninguém, nós entrávamos sempre na vida, vamos dizer assim, no pensamento das pessoas, na vida profissional das pessoas, jamais na vida pessoal. O programa foi um sucesso fantástico; ele foi também pra São Paulo, só que em São Paulo foi com outro nome, chamava Pingos nos Is. Foi um programa que também fez um grande sucesso em São Paulo e foi campeão de audiência na Record também. Bom, fiz outros programas na TV Rio, vários programas junto com o Carlos Alberto Loffler, todos programas jornalísticos.

A minha vida sempre foi dedicada a programas jornalísticos. Fui convidado pelo Edson Leite, que tinha assumido a direção da TV Excelsior no Brasil, a Excelsior era o que a Globo é hoje, quero dizer era uma televisão poderosíssima. Ela estava exatamente se formando, se formatando naquela época, e eu fui convidado pra ser o diretor de jornalismo da rede. Eu fui lá e queria fazer um jornal. Fiz vários jornais na Excelsior, fiz o Jornal da Cidade, que era um jornal que entrava às oito horas da noite, e fiz o Jornal de Vanguarda, que era um jornal que entrava às dez e meia da noite.

Não poderia ser um telejornal como era feito naquela época, que era um locutor, uma câmera na frente, dentro de um pequeno estúdio, o nome do patrocinador na frente, quero dizer, era na verdade um estúdio de rádio com uma câmera lá dentro. Não tinha nada de televisão naquilo.

E eu resolvi levar pra esse programa, pus no estúdio, ao vivo, na Excelsior. Eram mais ou menos oito a nove apresentadores, chegava a dez apresentadores, às vezes. Pessoas fantásticas que eu levei pra lá, como o Villas-Bôas Corrêa, um dos maiores jornalistas políticos do país, que era jornalista d’O Estado de S.Paulo; o Newton Carlos, o maior comentarista de política internacional que tinha na época; o Millôr Fernandes, que era uma pessoa de extrema inteligência, o Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que sempre fazia coisas incríveis dentro do jornal.

E assim montei um monte de coisas e aí, também, a parte gráfica. Eu também queria que o jornal fosse um show. Então, eu levei o Borjalo pra fazer os bonequinhos. Levei o Appe, que, por trás de uma tela translúcida, fazia o desenho da caricatura de político ou do personagem que a gente estava falando. E assim, você imagine que loucura que era isso, fazer um jornal com mais de dez pessoas dentro do estúdio.

VPK: E como era a rotina diária desse jornal, com esse tanto de apresentadores e ainda mais outras pessoas na produção?

FBL: Tinha sim. Tinha locutores, que eu usava locutores, também. Tinha o Luís Jatobá, que era uma voz absolutamente incrível, tinha o Fernando Garcia, também.

Peguei grandes locutores naquela época. O Cid Moreira começou aí a vida em televisão, mas, como locutor, ele apenas fazia o resumo do dia. Mas, na verdade, quando a gente entrava com o Newton Carlos, de olho no mundo, entrava o texto do Newton Carlos apresentado pelo Fernando Garcia, porque o Newton Carlos não era bom de televisão. Então, a gente usava o texto dele e o Fernando Garcia, apresentando, decorava o texto do Newton.

Tinha o Minuto de Mulher, que era com a Gilda Bilha, que apresentava e era uma grande jornalista na área feminina. Entrava um pêndulo. Era um show de notícias muito bem feito, foi premiado. Ele foi premiado, primeiro, na Espanha. Ele concorreu na Eurovisão com os grandes telejornais do mundo inteiro, sendo que ficou finalista com o jornal da BBC e ganhou. Foi o que o pessoal da Eurovisão falava, o Jornal de Vanguarda não tinha os recursos que os jornais europeus tinham, nem os americanos, mas ele tinha uma vantagem, era muito mais criativo do que os outros. E aí nós ganhamos o prêmio.

VPK: E quanto tempo ao todo ele ficou no ar?

FBL: O Jornal de Vanguarda entrou no ar na Excelsior, aí veio a ditadura e nós começamos a ter problemas. Saímos da Excelsior, fomos para a TV Tupi e ficamos um ano lá. Da Tupi fomos para a TV Globo. O Walter Clark pediu pra levar o jornal pra lá. Da TV Globo nós saímos e passamos rapidamente pela TV Continental. Depois, voltamos para TV Excelsior e aí fomos pra TV Rio e acabamos na TV Rio. Acabamos exatamente quando veio o AI5. Quero dizer, ele começou em 63 e foi até o AI5, em 68. Ele ficou cinco anos ano ar. Eu não acredito que nenhum programa no Brasil tenha recebido tantos prêmios quanto o Jornal de Vanguarda.

VPK: Depois, houve um Jornal de Vanguarda na TV Bandeirantes?

FBL: Foi, fui eu que fiz. Eu fui superintendente de jornalismo na Rede Bandeirantes e cometi o erro e confesso isso publicamente. Quero dizer, admito isso publicamente e tanto que estou falando pra televisão e estou admitindo esse erro de usar o nome do Jornal Vanguarda nesse jornal que eu fiz na Bandeirantes.

Era muito bom o jornal, era com o Miguel Paiva e com vários apresentadores, era um jornal muito bom. Mas eu poderia ter posto outro nome, não o Jornal de Vanguarda, mas eu peguei o nome de um ícone da televisão brasileira e botei num outro programa que não era exatamente a mesma coisa. Uma vez, conversando com o Ziraldo sobre isso: “ô Ziraldo, não faça o Pasquim de novo, eu já cometi esse erro no Jornal de Vanguarda, você vai fazer de novo o Pasquim, ele teve o seu momento, teve a sua vida, teve a sua existência vitoriosa.

Agora não faça outro Pasquim, porque não vai ser a mesma coisa, a vida é outra, o momento é outro, o país é outro. Quero dizer, não repita isso”. Mas, bom, eu dirigi o jornalismo de várias emissoras. Fui superintendente da Bandeirantes. Eu fiz vários programas de jornalismo. Fiz o Cara a Cara, quando eu lancei a Marília Gabriela fazendo aquela entrevista vista à vista, que ela faz até hoje.

Foi um programa também que teve grande sucesso. Fiz também um programa de manhã cedo, com o Ney Gonçalves, em São Paulo, que ele lia todos os jornais da manhã e discutia com um grupo de pessoas as notícias que estavam acontecendo. Você tomava café ouvindo um debate sobre o que estava acontecendo, isso às 7 horas da manhã. Fizemos lá uma série de programas, como o Canal Livre com o Roberto D’Ávila.

Quando veio o AI5 resolvemos, eu e a equipe toda do Jornal de Vanguarda, tirar o jornal do ar, porque nós achávamos que a censura seria cada dia mais atrevida, seria mais violenta e um jornal que tinha ganho tantos prêmios, tinha sido tão considerado pelo público, tinha uma credibilidade tão alta, que nós íamos a cada dia destruindo um pouco a credibilidade. O Jornal de Vanguarda ia ser destruído aos poucos com a censura. Mas nós resolvemos tirar o Jornal de Vanguarda do ar até hoje, com uma frase que dizia assim: “o cavalo de raça, a gente mata com um tiro na cabeça”. E eu parei de fazer televisão, voltei pra trabalhar em publicidade.

Tudo foi muito bem, mas o meu sonho era sempre voltar pra televisão, e quando eu via que havia uma pequena luz no fim desse túnel, que já estava se falando em anistia, essas coisas todas, eu resolvi fazer um programa, chamado Abertura. Nesse programa eu fui ao governo, ao ministro Petrônio Portela, que era ministro da Justiça, e propus a ele fazer um programa aberto, livre. Seria na Rede Tupi, na rede nacional, e o ministro aceitou: “vamos fazer isso Fernando, se você não fizer é porque você não acredita na abertura”.

Eu digo, “então vamos em frente” e ai eu convidei uma porção de pessoas, algumas com quem eu já tinha trabalhado, como o Newton Carlos, o Villas-Bôas Corrêa, o Tarcísio Holanda, um grande jornalista político também. Levei o Glauber Rocha pra falar sobre aquelas loucuras dele, foi a primeira e única vez que ele fez televisão e foi um sucesso, foi muito engraçado.

O João Saldanha, pessoas assim, o Sérgio Cabral, pai do nosso atual governador aqui do Rio, uma pessoa também bastante interessante, e criei um elenco de pessoas bastante interessantes. O Abertura acabou quando a Tupi começou a entrar em uma situação financeira muito difícil, o INPS, aquelas coisas que ela não tinha condição de pagar e tudo isso. Quando a Tupi acabou, nós recebemos um convite da Bandeirantes pra fazer um programa lá. Eu e o Roberto D’Ávila, que fazíamos parte do Abertura fizemos o Canal Livre.

O Canal Livre também foi outro programa super premiado, nós fizemos mais de cem programas do Canal Livre. Quando eu fui diretor da TV Educativa, eu também criei aqui no Rio um programa chamado Sem Censura; mas o Canal Livre, esse que eu fiz com a Sílvia Poppovic, era mais significativo, era muito mais importante, porque ele era o seguinte: tinha uma mesa de debate como esse tem, mas só que tinha uma câmera na rua, uma televisão na rua com o público assistindo e um repórter fazendo o público participar, o público participava da discussão.

Eu acabei depois pondo câmera. Começou, primeiro, ali em São Paulo, no Viaduto do Chá. Depois, nós saímos e botamos uma câmera em Belo Horizonte, outra no Rio de Janeiro. Então, nós começávamos a ouvir a opinião do Brasil inteiro sobre os assuntos que estavam sendo discutidos.

Eu achei isso muito importante porque a televisão, até então, não permitia a participação do povo, quero dizer, tinha o Chacrinha jogando bacalhau, o Silvio Santos dizendo “quem quer dinheiro aí?”, essas bobagens. Então, eu queria fazer uma coisa que o público pudesse dar a sua opinião sobre o que estava acontecendo e esse programa da Silvia fez isso. E foi um grande sucesso na época.

Foi nessa época que eu fui superintendente, que eu fiz oito horas por dia de jornalismo na Rede Bandeirantes.

VPK: Você acha que o telejornalismo brasileiro foi copiado do americano?

FBL: Não. Foi depois, quando acabou o Jornal de Vanguarda, quando veio a Globo. A Globo copiou o telejornalismo americano. O Jornal de Vanguarda não tinha nada do telejornalismo americano. Por isso que ele ganhava do telejornalismo americano. O McLuhan, quando esteve aqui no Brasil, uma época, ele viu o Jornal de Vanguarda, ele gravou. Inclusive, não existe nenhuma cópia. Aí o McLuhan gravou a cópia em VHS e levou para os Estados Unidos e usava aquilo nas aulas dele para mostrar a criatividade na televisão em outros países, fugindo das regras dos americanos.

Os americanos sempre fizeram uns jornais muito quadrados. Sempre foram assim jornais bem feitos, com grandes recursos, mas jornais muito quadrados. E o nosso não era um jornalismo muito avançado. O Sérgio Porto, por exemplo, era uma pessoa que você dava a notícia e ele comentava essa notícia de uma forma sempre muito engraçada.

VPK: Você falou que o telejornalismo copiou mesmo o americano. Você acha que essa cópia...

FBL: Na Globo. A televisão está toda pasteurizada, é tudo igual.

 VPK: Você acha que se mantém essa cópia até hoje?

FBL: Mantém a televisão até hoje, não se criou nada. De uns tempos pra cá se cria muito pouco na televisão, quero dizer, esse é meu grande problema, porque minha preocupação sempre foi criar projetos, novas idéias, caminhos novos. Eu fico vendo a televisão assim, com certa tristeza, porque quase tudo que se faz hoje em televisão é a cópia da cópia. Não tem mais nada de novo acontecendo na televisão. É claro que o Brasil tem um lado dele muito interessante que são as novelas. O Brasil hoje é um grande produtor, é muito bom em matéria de novela, mas o resto aí copia.

VPK: Como você distribuía as funções no Jornal de Vanguarda? Elas eram as mesmas de hoje?

 FBL: Não, eu era o diretor geral e geralmente eu fazia o roteiro e escrevia o programa. Escrevia porque eu achava que jornal tinha que ter uma unidade. Agora, eu abria: “e agora vamos ouvir sobre esse assunto que está acontecendo na política brasileira a opinião de Villas-Bôas Corrêa”. Aí eu cortava para Villas-Bôas, que dava a opinião dele. “Agora, no esporte, está acontecendo isso. Vamos ouvir a opinião de João Saldanha”. Eu ia fazendo um script, mas eu mesmo ia passando a bola para as pessoas que estavam dentro do estúdio.

VPK: E cada um fazia o seu texto?

FBL: Cada um fazia o seu texto. Cada um falava de improviso e fazia seu comentário. Então era uma coisa muito livre, muito aberta e o público percebia isso.

VPK: Recentemente você dirigiu a TVE?

FBL: É, até uns dois anos atrás eu estava dirigindo a TV Educativa. A TV Educativa eu dirigi três vezes. A segunda vez foi a melhor fase, pois eu criei 40 programas novos. Foi uma fase muito boa, pois ela foi segundo lugar no Rio de Janeiro em audiência. Tinha um prestígio muito grande. Criamos vários telejornais. Na TV pública, eu não gosto de telejornal, porque na TV pública a tendência é sempre estar servindo ao governo. Como a TV Cultura serve ao governo de São Paulo, a TV Educativa do Rio de Janeiro serve à presidência da República.

Eles não dão a liberdade que eu acho necessária para o jornal. O jornal só é bom se ele é realmente livre. Quando você transmite essa liberdade, o público passa a ter uma confiança em você muito maior do que poderia ser de outra forma. Na TV Educativa, criei programas interessantes como, por exemplo, o Cadernos de Cinema - um programa que você passava um filme de longa metragem, convidava cinco pessoas e depois se discutia o filme.

Antigamente se fazia isso, de assistir um filme, depois ir para um botequim discutir o filme, um filme de Fellini, um filme não sei de quem. Nessa área, um programa importante que nós fizemos, também, foi o Conexão Internacional - um programa em que nós fizemos 65 viagens internacionais, entrevistando as pessoas mais famosas do mundo. Pouca gente tem a condição de entrevistar essas pessoas todas.

VPK: E você tem um arquivo de tudo isso?

FBL: Não, eu tenho um pequeno arquivo porque, por exemplo, o Jornal de Vanguarda não se gravava nada, porque, naquele tempo, você gravava o jornal no ar, que era obrigatório, mas, depois, apagava a fita, pra gravar outra coisa, porque as fitas de videotape naquele tempo eram muito caras. As redes de televisão apagavam. Quando eu fiz o Canal Livre, eu cheguei para o João Saad que era o diretor, e disse: “seu João, eu vou fazer um negócio com o senhor, eu vou sair, eu saio da Bandeirantes, eu vou fazer outras coisas. Agora, eu dou pro senhor o título Canal Livre e todos os programas que eu fiz, com uma condição de não apagar nada, porque isso aí é a história desse país”.

Quero dizer, são pessoas que foram entrevistadas aí, que a maioria já não existe mais. São documentos fantásticos, porque, se o Abertura era uma revista dividida em quadros, o Canal Livre não, ele era um programa em profundidade, que a gente pegava uma pessoa... é o que faz hoje exatamente o Roda Viva.

VPK: Você trabalhou lá no início da TV. E agora, quais são as diferenças, com a evolução tecnológica brutal que houve?

FBL: Sim, a televisão mudou completamente, a televisão hoje em dia é... A ilha de edição, as ilhas estão computadorizadas hoje, as ilhas AVID (ilhas de edição não-linear) são maravilhosas, eu trabalho com todas elas. Eu acompanhei toda essa mudança da televisão. Hoje, eu tenho uma produtora de televisão que está produzindo uma série de documentários sobre grandes personalidades. A primeira eu fiz sobre o meu pai, Barbosa Lima Sobrinho.

Fiz outro depois sobre Tancredo Neves, como é que foi o processo de redemocratização do país, inclusive, com depoimentos do Sarney, do Fernando Henrique. Eu peguei depoimento de todo mundo contando como é que foi o processo de redemocratização do país. Estou fazendo agora o Ziraldo, que é uma figura, vou fazer o Sarney. O do Ziraldo vai ficar belíssimo.

E estou fazendo também o Darcy Ribeiro, que é uma história muito legal. Agora, isso é importante, pois nós estamos fazendo na técnica mais moderna de televisão, usando todos os processos mais modernos da televisão brasileira. Mas não é pra passar em televisão.

VPK: Então, o que mudou no fazer televisão rudimentar nos anos 50, com o improviso, para os dias de hoje? O que mudou no “fazer jornalismo”?

FBL: O que mudou basicamente na televisão foi a parte criativa. Naquele tempo, você tinha certeza que você ia pra televisão para fazer uma coisa nova, uma coisa diferente. Hoje não, hoje as pessoas querem fazer sempre a mesma coisa, repetir as mesmas coisas e não têm mais essa preocupação com a criatividade, não têm mais essa preocupação de buscar novos caminhos.

VPK: Será que é porque vocês tinham que driblar a ditadura e hoje não?

FBL: Não, mas eu digo isso mesmo antes da ditadura. Antes da ditadura você ia pra TV Rio e encontrava uma escola fantástica de televisão, uma escola onde todo mundo aprendeu a fazer televisão. A TV Rio foi a maior escola de televisão do Brasil, onde você tinha pessoas maravilhosas. O Chico Anísio começou a fazer edição pela primeira vez no Chico Anísio Show. Então, na realidade, você criava muito, você sempre tinha idéias novas, idéias diferentes.

Hoje, também, você pode fazer isso, eu tenho um monte de projetos novos, mas quero dizer, esses projetos novos todos eu vou inclusive guardando. Eu sinto que a televisão está com os freios puxados, com os flepes baixados, entende. Ela não está caminhando para frente, ela não está preocupada em buscar um caminho novo.

VPK: Atualmente, estamos em um período de transição, a caminho da TV digital. Como pensa que vai ser?

FBL: Eu concordo inteiramente com o Boni, quando ele diz que a TV digital no Brasil, para funcionar do jeito que estão dizendo, vai funcionar daqui a dez anos, só daqui a trinta, não tem a menor condição de funcionar. As pessoas acham que com a TV digital vão ficar vendo uma novela; gostou da gravata do artista, ali mesmo de casa, ele se comunica com a televisão e compra a gravata. Não tem isso, não vai existir nunca, isso aí tudo é conversa.

Essa interatividade se pode fazer pelo computador e não pela televisão. Realmente eu acho que a TV digital no Brasil cometeu um erro fantástico, eu sou muito preocupado com abertura de mercado de trabalho que esse pessoal vai ter. Onde é que eles vão achar trabalho? As televisões vão abrir as portas? Acho que não, essas pessoas que estão fazendo televisão são todas pessoas velhas, são todas da minha idade, quero dizer, você não vê gente jovem mesmo entrando na televisão. Se fosse a TV européia, as teles, por exemplo, que tem muito dinheiro, essas teles todas, elas iam entrar na televisão.

Com isso elas iam abrir novos mercados, porque, com a televisão digital européia você pode ter um monte de canais de televisão e com a japonesa não, nós vamos ter os mesmo canais, não vai aumentar o número de canais.

VPK: Mas não vai aumentar a banda? Cada um vai virar quatro?

FBL: Não. Essas quatro vão ser televisões públicas, educativas, televisões que já existem e que você sabe que elas não funcionam. Mas, para que abrir? Não vai ter mercado de trabalho, não vai ter dinheiro pra sustentar isso. Quem foi prejudicado nisso foi o povo e principalmente os jovens que estão se formando.

Eu estou falando isso com absoluta sinceridade, porque eu acho que tem que ser isso. Qual era a força do Jornal de Vanguarda? Era falar sempre a verdade. Qual era força do Abertura? Era falar a verdade. A força dos programas todos que eu fiz na TV Educativa.

Reprodução

A segunda vez que eu fui ser diretor da TV Educativa, que eu criei estes quarenta programas, o slogan era: “a nova imagem da liberdade”. Quero dizer, eu acho que a pessoa tem de ter liberdade de falar aquilo que pensa e de falar isso de uma forma extremamente aberta, com sinceridade.

NOTA

[1] O título é uma alusão ao livro autobiográfico lançado em 2007 (BARBOSA LIMA, Fernando. Nossas câmeras são seus olhos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007), onde o autor conta de forma leve e direta a sua passagem pela televisão brasileira.

*Valquíria Passos Kneipp é jornalista formada pela Unesp de Bauru/SP, doutora pela ECA/USP, professora da Faculdade da Grande Fortaleza (FGF) e Editora-Assistente da Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]