Ensaios
Dos
'tipos móveis' às 'fluidas letras do vídeo'
Por
Enio Moraes Júnior
Introdução
"Na
perspectiva da vida humana como o foi em épocas anteriores,
contudo, o que fazemos hoje ao abrirmos nosso jornal, ligarmos
nosso rádio, irmos a um cinema, ou assistirmos à
televisão, representa uma mudança no comportamento
da comunicação humana de grandeza verdadeiramente
extraordinária".
(DeFLEUR, Melvin L. & LALL-ROKEACH, 1993: 17)
Este
ensaio tem por objetivo compreender o pensamento de alguns estudiosos
formuladores do alicerce do que, a partir do século passado,
passa a ser considerado, com maior clareza, o pensamento jornalístico
brasileiro. Para isto, tomamos como referência o trabalho
dos alemães Tobias Peucer, que desenvolve seus estudos
na primeira metade do século XVII, e Otto Groth (1883
- 1965); dos norte-americanos Robert E. Park (1864-1944) e Walter
Lippmann (1889-1974) e dos latino-americanos Gustavo Adolfo
Otero (1896-1958) e Octavio De La Suarée (1903-1994),
ao lado do brasileiro Carlos de Andrade Rizzini (1898-1972).
Embora
as atividades de comunicação nas sociedades sempre
tenham sido uma referência da história e dos estudos
dos grupos sociais, a atividade jornalística tal como
a conhecemos hoje data de um período posterior à
Revolução Francesa. É, portanto, a partir
daí, que podemos falar numa atividade jornalística
propriamente dita, já que a nova sociedade capitalista
é que vai forjar as condições para o desenvolvimento
e sedimentação das empresas de comunicação.
Ainda
que os clássicos da Antiguidade ocidental já tivessem
estudado e formulado considerações sobre a Oratória
e a Retórica, somente algum tempo depois, com a consolidação
dos Estados nacionais e o estabelecimento do poder burguês,
no cenário do novo modo de produção, os
estudos sobre o jornalismo começam - pela sua própria
natureza política - a despertar maior atenção.
É
a partir das três últimas décadas do século
XIX que começa a ser elaborada, de forma sistematizada,
uma formulação para as questões comunicacionais.
(1) Apesar de, como observa Marques de Melo (1983: 07-8), todo
este tempo de estudo não ser "suficiente para permitir
uma precisão conceitual sobre essa atividade da comunicação
coletiva", muitas contribuições significativas
foram forjadas em diversas regiões do planeta influenciaram
os estudos que hoje se consubstanciam no pensamento jornalístico
brasileiro.
Raízes
Européias
Ao
tentar entender a natureza do jornalismo, o alemão Otto
Groth, discípulo de Max Weber, produziu, nos anos 60,
um relevante trabalho, ainda que se atendo - como seria natural,
aliás, para sua época - a análises e considerações
sobre a mídia impressa. Na Alemanha de sua época,
a partir do âmbito da Publicística, Groth procura
desvincular a Periodística, dando a esta última
uma referência específica. (2) A contribuição
do autor vem no sentido de elaborar um arcabouço teórico
para formular e sistematizar as concepções de
uma "ciência do jornalismo".
Para
o autor, no momento cultural de sua época caracteriza-se
a aparição da nova ciência que, para ser
reconhecida "como nova e independente", deve ter seu
próprio objeto e métodos.
Groth
estabelece, então, que o objeto da "ciência
do Jornalismo" seriam os jornais e as revistas . Com relação
ao método, para Groth, "(...) determinado o objeto,
estabelecida a área de estudo, o método surja
espontaneamente como um imperativo e uma necessidade do próprio
processo de investigação" (BUENO, 1972: 09).
Ao
apontar o Jornalismo como uma ciência, Groth descarta
a possibilidade que ele seja tratado como uma técnica
e aponta quatro elementos como característicos do Periodika:
periodicidade, atualidade, universalidade e difusão.
Para ele, a periodicidade não se refere apenas à
freqüência rigorosa com que uma determinada edição
da publicação é lançada, mas significa,
sobretudo, como o jornalismo interfere no "ritmo de vida"
das pessoas nas comunidades, representando, inclusive, comportamentos
e padrões econômicos, políticos, sociais,
culturais e psicológicos de cada grupo.
A
universalidade diz respeito à abrangência e, conseqüentemente,
à heterogeneidade com que o jornalismo seleciona e apresenta
os fatos. No entanto, "(...) la Universidad tiene sus peligros.
Lo mismo que puede hacer superficial al periodista, puede hacerlo
con al lector", adverte Groth (BUENO, 1972: 17).
A
atualidade, considerada a grande característica do jornalismo,
diz respeito aos fatos, para o conjunto dos leitores, novos.
Neste sentido, o autor deixa claro que ela se diferencia da
novidade, já que esta é um aspecto subjetivo;
individual.
Finalmente,
a difusão corresponde ao acesso do público à
informação. Para Groth, a difusão pode
assumir um caráter preferencialmente vertical (difusão
intensiva) ou horizontal (difusão extensiva). No primeiro
caso, ela é "social" e diz respeito às
camadas sociais que atinge a publicação. No segundo,
é "temporal ou geográfica" e leva em
conta as regiões atendidas pela publicação.
Importante notar que, com respeito a estes dois modelos de difusão,
o autor considera que elas são inversamente proporcionais:
quanto mais circula um jornal numa dada região, mais
ele tende a concentra-se em determinadas classes sociais e vice-versa.
Dos
quatro conceitos desenvolvidos por Groth, talvez a periodicidade
mereça algumas ressalvas já que, o rádio
e a TV e, mais recentemente, a Internet, trabalhem em função
da instantaneidade. É o acontecimento em real time, sem
uma periodicidade definida para ira ao ar, mas ao sabor dos
acontecimentos que interessam ao público.
Somado
a isto, alguns estudiosos que entende o jornalismo no âmbito
da linguagem apontam algumas lacunas nesta linha de pensamento.
Mayra Rodrigues Gomes (2000: 19) observa que "antes de
registrar, informar, antes de ser colocado pelas condições
que o caracterizam, por exemplo, periodicidade, universalidade,
atualidade, difusão, categorias que nos são dadas
por Otto Groth, o jornalismo é ele próprio, um
fato de língua".
De
todo modo, as considerações do autor alemão
continuam exercendo forte influência no pensamento comunicacional.
Para Marques de Melo (3) (1983: 14) "(...) continuam atualíssimas
as diretrizes estabelecidas por Otto Groth para comprovar a
identidade teórica e a autonomia metodológica
da ciência do Jornalismo, não obstante toda sua
argumentação tenha tomado como ponto de referência
o jornalismo impresso, ou melhor, o Periodik".
Se
estabelecermos um diálogo com Groth e outro estudioso
alemão, Tobias Peucer, que viveu no século XVII,
portanto, quase 300 anos antes, podemos pensar numa possibilidade
da atemporalidade da obra deste último.
Na
verdade, Groth, assim como Weber, teve em Peucer um precursor
de seu pensamento. Peucer e outros estudiosos da Periodística
da época colocam a Alemanha como precursora dos estudos
da comunicação e da informação.
O autor, em sua tese de doutorado defendida na Universidade
de Leipzig, em 1690, apresenta um verdadeiro tratado de jornalismo
que pouco - ou nada - fica a dever aos manuais de redação
e estilo que proliferam a partir de meados do século
XX.
O
autor aponta que "a matéria" com a qual devem
se preocupar os periódicos "são as coisas
singulares, fatos realizados por Deus através da natureza,
ou pelos anjos, ou pelos homens na sociedade civil ou pela Igreja"
(2000: 206). Ora, aí o autor começa a apresentar
e caracterizar a notícia jornalística. E aponta
mais adiante: "(...) como estes fatos são quase
infinitos cabe estabelecer uma seleção de modo
que seja dada preferência aos axiomneunóneuta,
ou seja, àqueles que merecem ser recordados ou conhecidos"
(2000; 206). Ora, eis o princípio da edição.
E
mais adiante observa: "(...) tudo isto costuma ser narrado
de forma embaralhada nos periódicos, como uma história
confusa, para que a alma do leitor receba o impacto de uma amena
variedade" (2000; 207). Desta forma, o autor introduz o
conceito de mosaico que vai caracterizar a disposição
do material jornalístico na mídia impressa e mais,
o caráter comercial e "impactante" que deve
ter a informação.
Além
disso, Peucer aborda também questões relativas
à ética, à censura, à redação
e à linha editorial das publicações impressas.
E mais: ao apontar a utilidade e a amenidade como finalidades
do jornalismo, antecipa o conceito que mais tarde viria a ser
retomado por autores como Marques de Melo (1983), Juarez Bahia
(1990) e Mário Erbolato (1991) para caracterizar e discutir
as categorias do jornalismo, mais precisamente o jornalismo
informativo e diversional.
Raízes
Norte-Americanas
Apesar
da relevância e primazia dos estudos alemães, não
são só os pensamentos europeus, mas também
os norte-americanos, vão plasmar a cultura e o pensamento
jornalístico no Brasil.
Com uma grande influência alemã sobre seus padrões
acadêmicos, (4) sobretudo de pós-graduação,
é nos primeiros anos do século XX que surgem as
primeiras escolas de Jornalismo norte-americanas: a Escola de
Jornalismo de Missouri, em 1908, e a Escola de Jornalismo de
Columbia, em 1912.
O
ensino do jornalismo nos EUA tem início, vale ressaltar,
estimulado pela crescente demanda da informação
jornalística como mercadoria, onde ganhava terreno, inclusive,
o sensacionalismo. A preocupação de conter e de
limitar a explosão comercial dos jornais e lhe dar as
centelhas da responsabilidade social estimulam o aparecimento
das escolas. Por outro lado, há quem aponte também,
neste quadro, a intenção de se formar profissionais
que, imbuídos pela ideologia dominante, fossem capazes
de exercer o controle político dos meios.
É,
no entanto, a década de 20 que marca um período
de franca expansão do ensino de jornalismo na América.
Neste momento aparecem também as contribuições
e os estudos dos funcionalistas sobre o fenômeno da comunicação.
Afinal, este é um período de acelerado desenvolvimento
da cultura e da sociedade de massa. Nos Estados Unidos, Hollywood
sedimenta-se, com o cinema, como grande produtora ideológico-cultural
e surgem as grandes corporações comunicacionais.
Na Europa, ao mesmo tempo em que prolifera a indústria
midiática, constroem-se as bases da Escola de Frankfurt,
na Alemanha, que passa a difundir o conceito da indústria
cultural.
Na
primeira metade do século, uma contribuição
importante para os estudos do jornalismo vem do norte-americano
Robert E. Park, que trabalha a notícia como forma de
conhecimento. Tomando como base os estudos do psicólogo
William James e os conceitos de "conhecimento de"
(intuitivo) e "conhecimento acerca de" (científico),
Park conclui que este último, pela sua sistematização,
é articulável e, portanto, comunicação.
O autor, a partir desta análise situa aí a notícia,
definida pelo interesse público, diferente de formas
de comunicação persuasivas, que são assimiladas
de forma intuitiva. Para ele, é a partir da notícia
que surge a opinião pública (STEINBERG, 1966:
176):
"A
primeira reação típica do indivíduo
a uma notícia será, provavelmente, o desejo de
repeti-la a alguém. Isso gera a conversação,
desperta novos comentários e talvez uma discussão.
Mas o que há nesse fato de singular é que, iniciada
a discussão, o acontecimento discutido deixa de ser notícia
e, sendo diferentes as interpretações de um acontecimento,
as discussões se transferem do plano da notícia
para o dos problemas que ela suscita. O choque de opiniões
e pareceres, que a discussão invariavelmente evoca, termina,
via de regra, numa espécie qualquer de consenso ou opinião
coletiva - que nós denominamos opinião pública.
É na interpretação dos acontecimentos presentes,
ou seja, da notícia, que se funda a opinião pública".
Esta
relação, no entanto, entre notícia e opinião
pública, já havia sido estudada alguns anos antes
pelo também norte-americano Walter Lippmann. Jornalista
norte-americano de grande atuação em pesquisas
de opinião nos Estados Unidos da primeira metade do século
passado, Lippmann constituiu uma das mais respeitadas obras
de estudos da cultura de massa e opinião pública
da época, com ressonância até hoje.
A
sua grande contribuição está na "desmistificação"
da crença de que a mídia e, por extensão,
o jornalismo, trabalha com a representação fiel
dos acontecimentos e do mundo. Assim, para o autor, a mídia
termina por determinar uma outra realidade.
A
notícia seria, para o ele, definida pela relevância
do acontecimento no contexto social. Para Lippmann "a notícia
não é um espelho das condições sociais,
mas o relato de um aspecto que se impôs". É
seguindo esta linha de pensamento, que o autor aproxima os conceitos
de notícia e opinião pública (STEINBERG,
1966: 197):
"A
notícia que não oferece ao leitor a oportunidade
de entrar na luta que ela descreve não pode interessar
a um grande público. É preciso que o público
participe da notícia, como participa do drama, pela identificação
pessoal... Assim como toda a gente sustém a respiração
quando a heroína está em perigo (...) assim, de
maneira mais sutil, entra o leitor na notícia".
Em
sua teorização, ele destaca o papel o assessor
de imprensa e das relações públicas. Segundo
ele (STEINBERG,1966: 194):
"A
expansão do assessor de imprensa é um claro sinal
de que os fatos da vida moderna não assumem espontaneamente
uma forma em que possam ser conhecidos. Urge que alguém
lhes dê essa forma, e como, na rotina cotidiana, os repórteres
não podem dar forma aos fatos e existem poucas organizações
informativas desapaixonadas, as partes interessadas estão
provendo a necessidade de certa formulação".
Por
conta destes estudos, Lippmann é também considerado
um dos primeiros formuladores (senão, o primeiro formulador)
dos estudos do que hoje conhecemos como a agenda-setting. No
entanto, a formulação clássica do conceito
surge nos Estados Unidos em finais da década de sessenta
com Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw.
O
enunciado abaixo, de autoria de Shaw, apresenta bem a essência
do conceito:
"(...)
em conseqüência da ação dos jornais,
da televisão e dos outros meios de informação,
o público sabe ou ignora, presta atenção
ou descura, realça ou negligencia elementos específicos
dos cenários públicos. As pessoas têm tendências
para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos
aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio
conteúdo. Além disso, o público tende a
atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância
que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass
media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas".
(Wolf, 1994; 130).
O
Pensamento Latino-Americano
O
pensamento e o modelo acadêmico norte-americano, bem como
os estudos produzidos na Europa, influenciaram também
as análises da comunicação e do jornalismo
na América Latina. Neste cenário, vale destacar
o papel da Escola Latino-Americana de Comunicação
(ELACOM) que, especialmente a partir de meados do século
XX, tem aglutinado pensadores e discussões realizadas
no continente.
Merecem
menção especial três precursores do pensamento
latino-americano que desenvolveram seus trabalhos e pesquisas
entre os anos 30 e 50 do século XX. Neste sentido, o
boliviano Gustavo Adolfo Otero, o cubano Octávio De La
Suarée e o brasileiro Carlos Rizzini são aqui
assinalados com o intuito de se construir uma síntese
das origens e influências forâneas nas reflexões
nacionais sobre o jornalismo.
Em
recente estudo realizado e publicado, Paulo da Rocha Dias (2001:
125) parte da obra principal de cada um dos autores e busca
estabelecer os pontos que possam apontá-los como precursores
dos estudos latino-americanos na área de comunicação.
Para
o autor, enquanto o grande mérito da obra de Rizzini
e Otero são seus matizes historiográficos, o trabalho
de La Suarée, a exemplo de Groth e Park, tem o grande
mérito de propor um entendimento científico do
jornalismo. Todos os três autores constituindo, portanto,
importantes fontes para as pesquisas sobre comunicação
e jornalismo que começar a ganhar corpo, especialmente
na América Latina, a partir da segunda metade do século
XX.
A
obra de Otero - La cultura y el periodismo en America -, publicada
inicialmente em 1953, corresponde a um estudo sobre o jornalismo
em 21 países latino-americanos, inclusive o Brasil. No
texto, o autor pretende incluir a evolução do
jornalismo no próprio contexto do desenvolvimento e urbanização
do continente. Eis aí a relevância e abrangência
de sua obra.
De
La Suarée, em Socioperiodismo, publicado em 1948, é
o primeiro do grupo a apresentar um entendimento do jornalismo
como ciência. E está aí a sua grande contribuição
ao pensamento latino-americano. Na ciência socioperiódica,
o autor toma como base a sociologia, apoiadas pela psicologia
e pela ética, para compreender o jornalismo.
A
grande contribuição de Rizzini aparece na obra
O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, 1500-1822: um breve
estudo geral sobre a informação, publicada em
1946. Neste trabalho, é reputado ao autor o grande mérito
de produzir uma obra pioneira na moderna bibliografia de comunicação
que serve, até hoje, como referência histórica
e analítica para discussões do tema. No entanto,
como observa Rocha Dias (2001: 140), "O lugar de precursor
que cabe a Rizzini para os estudos brasileiros de comunicação,
cabe com mais propriedade a Otero e La Suarée para os
estudos latino-americanos".
No
Brasil, as pesquisas em Jornalismo têm origem nos institutos
históricos, no final do século XIX. Nos periódicos
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
da época constam "(...) os resultados das investigações
realizadas por Moreira de Azevedo, Max Fleiuss, Vale Cabral,
Alfredo de Carvalho, Barão de Studart, Craveiro Costa,
Afonso de Freitas e tantos outros que resgataram o desabrochar
da nossa imprensa e suas transformações"
(MELO, 1985: 58). De qualquer forma, Rizzini constitui um caso
a parte das pesquisas comunicacionais no país. Na medida
em que, tendo o jornalismo como objeto próprio, o autor
acende as primeiras centelhas para uma midiologia brasileira
que ganha contornos acadêmicos nos anos 60.
Conclusão
"No
alvorecer do século XXI, o campo brasileiro das ciências
da comunicação precisa globalizar-se altaneiramente,
proclamando aquela atitude de autonomia regional - nacional
peculiar aos levantes emblemáticos do início do
nosso século XX: o Movimento Regionalista, inspirado
no Recife por Gilberto Freyre, e a Semana de Arte Moderna, liderada
em São Paulo por Mário e Oswald de Andrade".
José Marques de Melo (2003: 243)
As
raízes forâneas do pensamento comunicacional brasileiro
constituem uma síntese do todo um pensamento forjado
sobre a comunicação no mundo ocidental desde a
Antiguidade. Os pensadores aqui trabalhados - os alemães
Peucer e Groth; os funcionalistas norte-americanos Lippmann
e Park e os latino-americanos Otero, De La Suarée e brasileiro
Rizzini - produziram, sem dúvida, uma obra influente
sobre o pensamento comunicacional brasileiro ao oferecer chaves
para uma sistematização e um caminho para a ciência
do jornalismo.
Ao
lado de outros pensadores - como, por exemplo, os frankfurtianos
Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamim, Hebert Marcuse
e, mais recentemente, Jürgen Habermas - estes os autores
compõem um cenário mais amplo sobre o pensamento
comunicacional ocidental e que, por sua vez, tem forte ressonância
sobre o pensamento comunicacional brasileiro.
Porém,
retomando o início deste texto, observamos que, em todo
o mundo, apesar de quase dois séculos de estudos, este
tempo não se mostrou bastante para imprimir ao jornalismo
uma precisão conceitual. Talvez, observa Marques de Melo
(1983; 08):
"A
justificativa não está apenas na circunstância
de que são fenômenos sociais e, portanto dinâmicos,
mas na essência mesma do jornalismo que se nutre do efêmero,
do provisório, do circunstancial, e por isso exigem do
cientista maior argúcia na observação e
melhor instrumentação metodológica para
que não caia nas malhas do transitório".
A
isto pode ser acrescentado o acelerado ritmo com que se desenvolvem
historicamente as tecnologias de comunicação.
Especialmente o século passado representou, para muitos
teóricos do comportamento e da comunicação,
um período de franco desenvolvimento dos mass media.
"(...) o traço distintivo do século XX é
o fenômeno da comunicação de massa",
afirma Charles Steinberg (1966: 11). O século XXI, ao
que parece, não deve ser diferente.
Por
paradoxal que seja, este quadro de incertezas mundial representa
avanços que se caracterizam, especialmente, na união
de estudiosos e pesquisadores da comunicação e
do jornalismo em torno de seu objeto comum.
Nos
diversos continentes, ao longo do século XX, eclodiram
escolas, pesquisas e estudos sistemáticos destinados
a lançar luzes sobre o fenômeno da comunicação.
Ao mesmo tempo, a própria dinâmica do fenômeno
e o surgimento de novas mídias - como a Internet - têm
estimulado, em todo o mundo, novas e renovadas discussões
não só sobre o conceito do jornalismo e da notícia
a partir da própria cultura que emerge nas sociedades
contemporâneas.
Parafraseando
Pierre Lévy (1999: 247), não podemos considerar
a Internet apenas "uma subcultura dos fanáticos
pela rede". A cibercultura, mais que isto, é uma
"mutação fundamental da própria essência
da cultura". Neste sentido, cabe-nos refletir - ou melhor,
continuar refletindo - sobre a interferência deste novo
quadro no contexto do jornalismo e no conceito da sua matéria
prima: a notícia. Afinal, a agilidade e as novidades
da informática obrigam-nos a rever e reformular conceitos.
É neste contexto que o professor Pedro Celso Campos (2001)
aponta:
"(...)
nos meios acadêmicos debate-se o papel do produtor de
notícias dentro do contexto empresarial dos meios de
comunicação. Num mundo eletronicamente globalizado,
onde textos e imagens digitalizadas viajam vertiginosamente
em torno do planeta através dos satélites e das
fibras óticas, sendo "decodificadas" na outra
ponta através das mais variáveis interfaces que
tanto podem ser um minúsculo telefone celular, como uma
enorme impressora de jornal comandada à distância,
ou ainda um monitor de TV ou de computador, ou um aparelho de
rádio, pergunta-se qual o espaço que sobra, afinal,
para o jornalista, para o profissional encarregado de produzir,
processar e emitir o discurso. Um discurso que já não
pode ser meramente informativo porque também precisa
ser interpretativo. Um discurso que envolve a necessidade de
opinar - porque este é um dever do comunicador que deseja
prestar serviço ao receptor. Um discurso que não
pode descuidar, ainda, da sua finalidade lúdica, enquanto
texto "recreativo" para amenizar o stress desse náufrago
cercado de informação por todos os lados que é
o homem do século XXI".
O
novo contexto da economia mundial capitalista, que passa a sedimentar-se
a partir de meados dos anos 80, reforça a ambigüidade
da comunicação, cada vez mais identificada como
mercadoria, como observa Miège (2000: 130). É
exatamente neste contexto - em que "os pesados tipos móveis
se converteram em fluidas letrinhas que piscam no vídeo"
(CAMPOS, 2001) - que os estudos da comunicação
do novo século, inclusive no Brasil, terão que
apreender e sistematizar o funcionamento e o destino do jornalismo.
Notas
(1)
Ainda que os estudos de jornalismo só fosse se estruturar
a partir do final do século XIX, eles têm início
em 1806, quando a Universidade de Breslau, na Alemanha, realiza
o primeiro curso na área.
Para Groth, enquanto a Publiística abarcava, de modo
geral, o conjunto da comunicação social (especialmente
a Opinião Pública) a Periodística passa
a tratar apenas do jornalismo.
(2)
Na verdade, além dos jornais e revistas, o autor assinala
também as 'blatter' (espécie de revistas típicas
da Alemanha da época) como objeto dos estudos do Jornalismo.
(3)
Para Marques, os quatro conceitos, na verdade se aproximam.
No entanto, a periodicidade está mais diretamente relacionada
à difusão e a univesalidade, à atualidade.
(4)
Segundo Marques de Melo (1975: 12), "(...) o modelo alemão
foi escolhido para as primeiras iniciativas do gênero
dentro do sistema educacional dos EUA". Isto porque, para
Marques, a Alemanha havia se convertido, "(...) pouco a
pouco, na Meca dos schoolars norte-americanos, calculando-se
que até fins do século passado (século
XIX) cerca de 10.000 ali se matricularam, dos quais metade realizou
estudos de pós-graduação".
Bibliografia
BAHIA,
Juarez. Jornal, história e técnica. Vol 01. São
Paulo: Editora Ática, 1990.
BAHIA,
Juarez. Jornal, história e técnica. Vol 02. São
Paulo: Editora Ática, 1990.
CAMPOS,
Pedro Celso. Jornalismo Digital: novos paradigmas da produção,
recepção e difusão do discurso. Disponível
em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos. Acessado
em 26/05/2003.
DeFLEUR,
Melvin L. & LALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Comunicação
de Massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1993.
ERBOLATO,
Mário. Técnicas de Codificação em
Jornalismo: redação, captação e
edição no jornal diário. 5a. edição.
São Paulo: Editora Ática, 1991.
GOMES,
Mayra Rodrigues.Jornalismo e Ciências da Linguagem. São
Paulo: Hecker Editores / Edusp, 2000.
LÉVY,
Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MATOS,
Olgária C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras
do Iluminismo. São Paulo: Moderna, 1995.
MELO,
José Marque de. Comunicação: teoria e política.
São Paulo: Summus, 1985.
___________________.
História do Pensamento Comunicacional: cenários
e personagens. São Paulo: Paulus, 2003.
___________________.
& VIANNA, Ruth (Orgs.). Raízes Forâneas do
Pensamento Jornalístico Brasileiro. Fotocópia.
São Paulo: 2003.
MIÈGE,
Bernard. O Pensamento Comunicacional. Petrópolis: Vozes,
2000.
STEINBERG,
Charles S. (Org.). Meios de Comunicação de Massa.
São Paulo: Cultrix, 1966.
WOLF,
Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial
Presença, 1994.
Voltar
|