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Ensaios


A natureza do jornalismo como importante
associação à pesquisa científica

Por Eni Simões Magro

"Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo.
Por isso, aprendemos sempre"
Paulo Freire

Mais de um século de pesquisa sistemática sobre os fenômenos jornalísticos ainda não foi o suficiente para se alcançar um estudo científico do jornalismo sob uma orientação metodológica regida pelas regras da ciência. Uma das questões a este fato deve-se a condição de que o jornalismo se nutre do efêmero, do provisório, do circunstancial, tornando o método de pesquisa científica mais difícil porque exige do cientista maior destreza na observação dos fenômenos. A ciência do jornalismo sofre dificuldades em estabelecer-se, também, por motivos históricos.

O jornalismo teve a imprensa escrita como o seu maior veículo de comunicação por muitos séculos, e, portanto, os primeiros estudos desenvolvidos foram embasados sob este paradigma desde o século XVII até meados dos anos 60, do século XX, quando já existia o rádio, a televisão e o cinema. Como decorrência desta forma científica de pensar jornalismo, os conceitos jornalismo e jornal se confundiram. As primeiras publicações significativas sobre o tema, aqui no Brasil, destacam tal fundição de conceitos, a exemplo do livro de Danton Jobim, Espírito do jornalismo, 1960, onde ele, entre ricas reflexões sobre a problemática do jornalismo contemporâneo, coloca que a "essência do jornalismo está no fluxo de informações da atualidade que ocorre nas páginas dos jornais." (1)

É importante ter-se a compreensão maior de que o jornalismo necessariamente se articula com todos os veículos que tornem públicas suas mensagens, ainda que tal veículo não seja integralmente fonte de veiculação de informação jornalística. Os exemplos são as revistas, a televisão, o rádio e mesmo a imprensa escrita. Todos estes meios de comunicação dividem seu espaço comunicacional entre informação jornalística, publicidade e entretenimento. Os processos sociais são de natureza diversa e por isso fluem através de espaços comuns. "Desta maneira, o jornalismo é concebido como um processo social que se articula a partir da relação (periódica/oportuna) entre organizações formais (editoras/emissoras) e coletividades (públicos receptores), através de canais de difusão (jornal/revista/rádio/televisão/cinema) que asseguram a transmissão de informações (atuais) em função de interesses e expectativas (universos culturais ou ideológicos)." (2)

Bem, sendo assim, toda forma de informação, (publicitária, jornalística, educacional e entretenimento), atende uma necessidade social, exigindo uma dinâmica veloz quanto a sua atualidade, totalmente interligado ao canal para a sua difusão, e, da capacidade de periodicidade na transmissão dos fatos.

Tal entendimento aponta o caminho para a formação de uma ciência do jornalismo mais coesa e substancial, porque a metodologia pode tomar regras mais acessíveis, uma vez que, pode-se identificar claramente as variáveis da mass media das quais o jornalismo está acometido.

Devemos considerar a importância histórica, política e social do jornalismo. Histórica e política porque suas primeiras informações datavam fatos relativos a transições políticas e econômicas a partir do século XV, na Europa, e, social porque atendia as necessidades do povo em obter informações acerca de tais transições, uma vez que, afetava o dia a dia comercial da comunidade.

Já, na Europa dos séculos XV e XVI, o jornalismo vivia uma censura prévia prejudicando a periodicidade das publicações impressas, sendo que, neste momento, o jornalismo ainda era apenas um veículo de transmissão de informação, quer dizer, ainda não se tratava do jornalismo autêntico que apresenta informação e opinião sobre a conjuntura como vivemos nos moldes atuais. Com o final da censura prévia deste momento citado, é que o jornalismo passou a desenvolver-se como uma atividade comprometida com o exercício do poder político, difusor de idéias e opiniões.

Cabe, neste momento, discutir até que ponto o jornalismo informativo apenas limita-se a informar, e, o jornalismo opinativo concentra-se em opinar. "Narrar os fatos e expressar as idéias segundo os padrões historicamente definidos como jornalismo informativo e jornalismo opinativo não altera fundamentalmente o resultado do processo interativo que se estabelece entre a instituição jornalística e a coletividade que tem acesso ao universo temático e conteudístico manufaturado continuamente." (3) A categorização apenas opera fundamentalismo aos profissionais e estudiosos da área e de nada importa aos receptores da notícia.

O jornalismo atual apresenta quatro funções fundamentais: informar, interpretar, orientar e entreter. O propósito básico primordial é a transmissão da informação, no entanto, a opinião tornou-se uma conseqüência natural do mundo contemporâneo porque o cotidiano ficou mais complexo e cheio de interesses diversos. Influenciar os receptores é conseguir audiência para seus veículos. E, isto é possível quando a transmissão da informação torna-se mais dinâmica, direta e associada a conteúdos de descontração. Isto não significa dizer que, o jornalismo tornou-se tão somente um meio manipulador e irresponsável, não, a associação de diversas formas jornalísticas são apenas resultados naturais da própria evolução da categoria com o mundo moderno.

Otto Groth, importante pesquisador científico e jornalista, em sua época (1945), empenhado ferrenhamente, em conseguir o reconhecimento da "ciência do jornalismo" tal qual uma ciência independente, ressaltou como a importância dos problemas sócio-culturais ao processo de comunicação pela imprensa esta contido no contexto das ciências humanas.

Sua pesquisa parte da análise da realidade cultural investigando a imprensa sob aspectos que dizem respeito à preparação e difusão das notícias e a sua vinculação à própria filosofia. Groth estabelece como objeto à pesquisa científica, o veículo da comunicação da notícia, ou seja, os jornais, revistas e "folhas", e, portanto, por se tratar de criações humanas em nível cultural, estabelece que se trata de uma ciência de obras culturais. A esse conjunto de idéias denominou Periodik ou Periodika. No que se refere ao método, ele acredita que "determinado o objeto, estabelecido a área de estudo, o método surja espontaneamente como um imperativo e uma necessidade do próprio processo de investigação." (4) Ele procura também resolver a polêmica de o jornalismo ser encarado como uma ciência ou como uma técnica. Para tanto, Groth resume no estabelecimento e na análise das características da "nova ciência", os seguintes conceitos:

Periodicidade

"A periodicidade é certamente a característica mais objetiva (...) Ela serve, fundamentalmente para distinguir o periódico das demais publicações. Numa definição primária, é o intervalo que decorre entre o aparecimento de duas edições sucessivas de um jornal ou revista. (...) se identifica com o que ele denomina "ritmo da vida". (...) está em função de fatores econômicos, políticos, sócio-culturais e psicológicos. (...) Groth foi o primeiro a reconhecer a importância da periodicidade como fator determinante do êxito de um periódico e o papel que ela desempenha junto aos leitores.

Universalidade

Groth costuma falar em "mundo presente", conceito que englobava as relações entre "eu e o mundo", "eu e você", "eu e a natureza", "eu e a cultura", "cultura e cultura" etc, para justificar a função de um periódico na sociedade. (...) O fato de o jornal abarcar, pelo menos em hipótese, todo o campo do conhecimento humano tem sido maximizado por muito teóricos do jornalismo que acreditam residir aí toda a importância de que se reveste o periódico no mundo atual.

Atualidade

Evidentemente, há diferença entre atualidade e novidade. (...) A concorrência com o rádio e a televisão tem pressionado o jornal, e mais indiretamente a revista, no sentido de que a atualidade tenda à simultaneidade. (...) Para fugir à concorrência, o jornal se vale, não da maior atualidade e, sim, da interpretação dos fatos. Dessa maneira, "tratando" os fatos do dia-a-dia diversamente do rádio e da televisão, o jornal reafirma sua posição e evita uma luta que somente poderia ser adversa.

Difusão

A quarta e última característica do Periodika (...) Não importa tanto o número de pessoas que, efetivamente lêem o jornal, mas sim, o fato de que o periódico possa, em potencial, atingir ao maior número de leitores. Groth distingue ainda (...) a difusão extensiva, por definição, "temporal ou geográfica"; leva em conta as ruas, bairros, cidades, estados que são atingidos pelo jornal, enquanto a difusão intensiva é "social", isto é, diz respeito às camadas sociais alcançadas pelo jornal." (5)

A partir da análise destas quatro características, Otto Groth define três elementos que definem o Periodika: o periódico, a revista e o jornal, considerando as diferença culturais envolvidas em cada elemento no que confere ao conteúdo e a informação. Cada um desses veículos se limitam à características próprias, o que vem a definir a sua periodicidade, o seu conteúdo, a abordagem de tal conteúdo, simultaneamente, definindo o formato da informação e, o formato do veículo. Todos estes veículos sofrem limitações referentes as quatro características descritas acima, sejam por motivos de concorrência, motivos geográficos, pela atualidade da informação e até mesmo, por motivos da difusão do veículo, que pode sofrer por sanções econômicas e políticas, como exemplo, a censura.

Otto Groth, ainda, formulou leis, que são de fundamental importância para a "ciência do jornalismo". Tais leis foram simbolizadas, como ele mesmo se reporta, sob um prisma matemático, num sistema de relações de estrutura do todo, a medida do tempo da periodicidade e da atualidade, que se determinam mutuamente. (6) Estas leis receberam críticas por serem muitas vezes classificadas como idealistas. De alguma forma parecem assim no instante em que não conseguem explicar todos os fenômenos de um jornal, já que se deve considerar fatores psicológicos, sociais, econômicos e técnicos à atividade jornalística.

Outro importante pensador dos métodos jornalísticos foi Tobias Peucer, um grande investigador científico da "ciência do jornalismo" tendo início as suas atividades de pesquisa no século XVII, na Alemanha. Paulo da Rocha Dias traduziu a tese de Peucer num desafio de se fazer conhecer o trabalho deste importante cientista, que apresenta em sua pesquisa, um trabalho conectado à atualidade por mais de três séculos. A tese de Peucer se completa em vinte e nove parágrafos. (7)

Para o pensador, a história é o grande motivo de satisfação à alma humana, não importando a maneira como foi relatada. Estabelece critérios quanto as diversas formas de história caracterizando-as como universal, que segue a sucessão precisa dos fatos; história das coisas esparsas, que não é linear aos fatos históricos e se apresenta como em resenhas; e, história confusa, que não segue a critérios de ordem nenhuma. Para ele, relatos periodísticos - relationes - levam em conta a sucessão exata dos fatos que estão inter-relacionados e suas causas levando ao reconhecimento dos fatos históricos mais importantes, ou ainda, relatam o cotidiano das pessoas.

É importante conhecer a origem dos relationes para se entender a sua utilidade na vida literária e cívica. Aponta a importância do receptor enquanto aquele que codifica a notícia porque é o seu espectador. Isto confere, automaticamente, a mesma importância ao transmissor que é o seu principal narrador. Compreender o igual valor destes dois elementos é cuidar da qualidade do relato porque este permanece sempre passível do julgamento, e o resultado desta apreciação irá definir a credibilidade do testemunho, contanto, tudo o que isto envolve (jornalista, redação, veículo de comunicação).

A fundamental contribuição deste cientista, além de ser mais um importante batalhador pelo estabelecimento de uma ciência específica do jornalismo, e da contribuição bibliográfica que produziu, é que Peucer proporciona pensar o jornalismo na sua atuação profissional. A importância que o conhecimento histórico da comunicação e do mass media pode trazer ao dia-a-dia profissional é o grande diferencial, porque, o entendimento claro das formas de comunicação e das regras envolvidas nisso, só acrescenta para um jornalismo mais integrado ao mundo contemporâneo e muito mais profissional e responsável.

Bem, fatores sócio-culturais, bem como, a historicidade, são elementos importantes à formação do pensamento jornalístico; tanto quanto, a compreensão destes fatores é importante à atuação jornalística. Mas o que é a pesquisa científica e a atuação profissional sem o comparecimento do próprio jornalista? Por isso, a formação é fundamental. O ensino do jornalismo no Brasil só teve início na década de 60, do século XX, quando foi fundada a primeira faculdade de jornalismo Cásper Líbero. Assim sendo, é natural que o Brasil tenha sofrido influências de métodos de ensino de outros países, até mesmo porque, era o único referencial possível. Tomemos para análise a formação dos cursos de pós-graduação dos EUA, que serve ao Brasil de modelo.

O surgimento do ensino do jornalismo nos EUA se deu quando houve os fenômenos penny press e yellow jornalism em decorrência do interesse público pelo sensacionalismo em meados do século XIX. Este fenômeno criava um clima de interesse generalizado pelos temas contundentes. Tal fato movimentou os intelectuais a buscarem maior responsabilidade social por parte do sistema comunicacional no caminho de infiltrar-se novos conteúdos. Emergia a indústria cultural, e com ela, a necessidade de profissionais mais preparados, com um embasamento cultural e técnico mais adequado, de modos que, os efeitos e influências sociais do trabalho cotidiano, fossem sensatamente avaliados e criticados, para com isso, naturalmente, se alcançar uma atitude mais responsável quanto à publicação das notícias.

O curso de doutorado tinha a importância de se estar formando um técnico especialista competente porque possuía um adestramento científico que o tornava apto a preencher as exigências do mercado numa sociedade cuja realidade se encontrava em fase de industrialização. Inicialmente, o próprio EUA não possuía estrutura física e humana adequada para tal formação, e os estudantes americanos buscavam na Europa esta condição, especialmente na Alemanha. Aos poucos, os EUA foram se estruturando neste sentido, estabelecendo campus diferenciados para a adequação dos cursos de pós-graduação. Estes campus eram unidades independentes das unidades de graduação da universidade, e ofereciam títulos específicos de doutores formando pesquisadores científicos, docentes e técnicos especializados. O curso de mestrado vinculou-se, inicialmente, a formação de um pessoal mais qualificado para o ensino de graduação, equiparando-se ao bacharelado e a licenciatura, hoje títulos almejados quando do término do curso de graduação. Ainda hoje, em muitos campus, o curso de mestrado é visto como uma etapa à formação do doutorado. Mesmo para o mercado profissional docente, a exigência do mestrado é marcante.

A industrialização exigia técnicos que estivessem em perfeita harmonia com os avanços tecnológicos, e, portanto, o mercado de trabalho apresentava exigências desumanas. Tal dificuldade lançou o contingente humano para os cursos de pós-graduação resultando numa massificação deste ensino. Os cursos tornavam-se cursos para grande audiência, incluindo platéias de graduação e pós-graduação num mesmo plenário. O método de avaliação, muitas vezes, nivelava os dois grupos convertendo a um sistema duramente competitivo e individualista.

No passo em que o jornalismo evoluía acompanhando a marcha tecnológica, os docentes dentro das universidades, vislumbraram a necessidade de caminharem num sentido mais organizado. O desenvolvimento do jornalismo exigia novos instrumentos de captação e descrição da realidade, e para tanto, dentro das universidades, os docentes viram a importância da elevação dos níveis de especulação científica, a fim de contribuir para o progresso social, e, concomitante a isso, ajudar a solucionar problemas daquele momento histórico. Houve, neste momento, com o incentivo as pesquisas, toda a atenção voltando-se à metodologia e às ciências sociais, objetivando-se a aplicação da investigação dos fenômenos da comunicação de massa e dos mass media. O ensino tornava-se mais concentrado e coeso. Ralph Casey, importante pesquisador da época, em 1928, propõe "uma reformulação dos programas de ensino de jornalismo, ressaltando que, até então, os professores da área não tinham sido hábeis para desenvolver atividades outras que aquelas vinculadas às técnicas da comunicação noticiosa." (8)

Sua principal crítica era de que os programas não eram perfeitamente vinculados e integrados as áreas das ciências-sociais e não havia aproximação entre os professores destas áreas. Casey sugeria "a organização de seminários conjuntos, com a participação de professores de jornalismo e das ciências-sociais, onde haveria oportunidade para discussões e reflexões bilaterais, com o que aproveitariam substancialmente os estudantes envolvidos no programa. (...) Casey aventa a possibilidade de se criar a obrigatoriedade de uma área de concentração em jornalismo e uma área complementar em qualquer dos setores das ciências-sociais (...) de modo a levar o estudante a aplicar a metodologia já desenvolvida por uma daquelas ciências à análise sistemática dos fenômenos jornalísticos." (9)

Casey tinha a convicção de que o jornalismo não era apenas uma atividade de comunicação restrita aos jornais, mas, que deveria envolver outras formas de transmissão de informação para o público. Ele coloca que a concepção tradicional de escola de jornalismo deveria acabar para se institucionalizar em escolas de comunicação. O pensador ainda defendia o fato de os métodos tradicionais de ensino não serem suficientes para a formação de profissionais qualificados, e para tanto, algumas soluções pedagógicas precisava ser desenvolvidas para atender as quatro áreas básicas à estrutura curricular por ele apresentadas: técnica, social, econômica e histórica.

Wilbur Schramm pensava de maneira muito semelhante. "Ele partia do princípio de que as escolas de jornalismo foram construídas, no início do século, dentro de uma realidade em que o jornal era praticamente o único meio de comunicação de massa. (...) porém, uma nova realidade surgia, com mudanças no conjunto da sociedade e com o aparecimento de novos veículos, que ampliavam consideravelmente o papel do jornalismo. (...) defendia a idéia de que as escolas de jornalismo deveriam se transformar em escolas de comunicação, envolvendo um universo mais amplo que as simples atividades da redação e edição das notícias (...)."(10)

Quanto à experiência na América latina, a crítica que se faz é que para o desenvolvimento de uma metodologia de estudos e pesquisas mais adequada às propostas de ensino do jornalismo, não basta limitar-se apenas a incorporar em nossa cultura técnicas e métodos peculiares a outras culturas. É básico e primordial o exame das suas adequações à nossa realidade sócio-cultural e aos interesses nacionais. O que se deve tomar de exemplo é a disciplina aplicada ao rigor da pesquisa científica que resulta num avanço tecnológico e científico responsável e inteligente, totalmente integrado ao contemporâneo.

É prudente analisarmos o conhecimento para a investigação científica para melhor entendermos o sentido da notícia como também forma de conhecimento, um dos objetos primordiais para a pesquisa científica da "ciência do jornalismo" porque é o fenômeno motivador de todas as formas comunicacionais a serviço da informação jornalística. O que constitui o caráter singular do conhecimento científico é o ser comunicável porque ele, não somente apresenta sua tese baseada em sua experiência prática e clínica, com soluções apresentadas em termos lógicos e inteligíveis, mas também, sua tese é postulada frente à sua experiência em referência à realidade empírica a que todos somos acometidos.

Dessa maneira, a investigação deve tender a somar a busca dos fatos com a pesquisa, que irá fornecer o conhecimento científico específico para a interpretação do relato. Como forma de conhecimento, a notícia não trata apenas do passado nem do futuro, mas sim, do presente. A notícia não é história porque seus fatos não são relatos históricos já que seu formato não obedece a regras definidas pelos historiadores. A função da história é descrever os acontecimentos situando-os numa sucessão histórica enquadrada. O repórter busca o registro dos fatos isolados, e somente busca uma investigação maior sobre o passado e o futuro quando lhe é oportuno de acordo às exigências do presente, quer dizer, quando a informação se tornará rica para o receptor engrandecendo o meio comunicacional. Isto não é uma crítica, apenas uma pontuação.

O motivo pelo qual a notícia chega como em circunstâncias ordinárias, e não como relato histórico, se deve ao interesse do público, ou, o que se denomina, espírito do público. "O conhecimento não chega ao público, como chega ao indivíduo, em forma de percepção, mas em foram de comunicação, isto é, de notícia. Entretanto, em condições normais, a atenção pública oscila, não tem firmeza e desvia-se facilmente. (...) Na verdade, a notícia realiza, de certo modo, para o público, as mesmas funções que realiza a percepção para o indivíduo; isto é, não somente o informa como principalmente o orienta, inteirando cada um e todos do que está acontecendo. (...) sem qualquer esforço do repórter por interpretar os acontecimentos relatados, exceto o esforço do repórter para os tornar compreensíveis e interessantes." (11)

Todo público é imbuído de seus preconceitos e limitações próprias. Assim o público que aceita sem protesto o relato jornalístico não atribui autoridade a sua interpretação dos relatos. Já, para a história e a sociologia, a repercussão social e cultural que tal interpretação pública resulta, são dados relevantes para o arquivo histórico.

O que há para concluir é que o que faz a notícia é o seu interesse, e isto é uma quantidade variável. O valor da notícia é relativo porque a sua dinâmica a faz ter essa valia. Um novo acontecimento diminui o valor do acontecimento anterior porque notícia é novidade instantânea e corrente, funciona perfeitamente com a dinâmica das percepções do indivíduo citado acima.

A intenção desta tese é justamente acrescentar contribuições à pesquisa dos fenômenos jornalísticos para se alcançar "o estudo científico do jornalismo sob uma orientação metodológica regida pelas regras da ciência" (vide primeiro parágrafo da primeira página deste ensaio). Para pensarmos a investigação científica do jornalismo, compreendo ser necessário o estudo da natureza do jornalismo, sua condição histórica e a avaliação constante das condições docentes para tornar-se possível manter o jornalismo situado com o presente, e desse modo, favorecer condições futuras.

A notícia é dinâmica, e os meios comunicacionais se agilizam neste mesmo ritmo. Somente o profissional capacitado de crítica e lógica, poderá exercer a profissão com consenso e responsabilidade. A investigação científica possibilita criar condições para a formação deste profissional porque vai discuti-lo da mesma maneira que estará sempre discutindo o jornalismo e todas as implicações que lhe cabe.

Três precursores dos estudos latino-americanos: Rizzini, Otero e De La Suarée

Carlos de Andrade Rizzini

Nasceu em Taubaté em 1898. Formou-se advogado na então capital federal, Rio de Janeiro. Foi essencialmente jornalista e empresário de jornalismo.Ensinou história da imprensa na faculdade Casper Líbero, onde acabou assumindo o cargo de diretor. Dentre toda sua obra literária, destacam-se: O livro, o jornal e a tipografia no Brasil; O jornalismo antes da tipografia; e, Hipólito José da Costa e o Correio Braziliense.

O livro, o jornal e a tipografia o Brasil, publicação de 1946, é a obra fundamental de Rizzini e está estruturado em dois volumes. No primeiro livro, o autor apresenta estudos que equivalem dizer tratar-se do relato da pré-história do jornalismo. Concluí defendendo a liberdade de imprensa apoiando a informação como meio de libertação do homem, e, da possibilidade de aproximação das classes sociais a partir da informação. O segundo livro apresenta a "história do Brasil Colonial sob a perspectiva da informação e da circulação de notícias, retomando temas clássicos da historiografia brasileira como o jesuitismo, (...). Estes temas são analisados a partir da perspectiva da informação e da repressão da informação." (12)

Rizzini atribui aos jesuítas e ao jesuitivismo a responsabilidade da propagação da ignorância no Brasil da época porque não permitiam a população seguidora dos seus princípios, terem acesso ao desenvolvimento de outras culturas, inclusive européia. Os jesuítas, segundo o autor, desprovidos de ética, se utilizavam da publicidade em benefício próprio.

Octavio de La Suarée

Suarée nasceu em Cardénas, em Cuba em 1903. Aos dezesseis anos já atuava como jornalista na própria cidade de Cardénas. Fez estudos na França que muito influenciaram sua obra. Suas obras de destaque: El francês periodístico; um programa de lengua francesa para estudiantes de periodismo; Socioperiodismo. O principal livro, Socioperiodismo, trata-se de uma obra baseada em fontes primárias muito bem analisadas e reproduzida em fac-símile ao longo de sua obra.

Esta obra totaliza-se em quinze livros somando-se 33 capítulos. É o primeiro a "fazer alusão ao jornalismo como uma "ciência com cujo estudo se chega ao conhecimento de uma coisa pelas causas e razões". A esta "ciência do jornalismo" De La Suarée dá o nome de Socioperiodismo e tal ciência tem como objetivo o estudo das sociedades humanas através do jornalismo e o estudo de como se manifesta socialmente a imprensa." (13) Se utiliza da psicologia e da ética como ciências auxiliares, pois, a psicologia explica como é a imprensa, e a ética, como deveria ser a imprensa.

O socioperiodismo explica como a imprensa se manifesta na sociedade. Observa que o sentimento público não pode desmerecer a missão jornalística, sub julgando o jornalista a condição de mero comerciante de notícias. Sua obra concentra como principal tema a liberdade de imprensa.

Gustavo Adolfo Otero

Otero é boliviano. Atuou na comunicação como publicista e, também, na política como diplomata. Suas principais publicações datam de 1925 à 1953. Sua principal obra: La cultura y el periodismo em América, é constituído de duas partes: estudo panor6amico do jornalismo latino-americano e estudos monográficos sobre a imprensa em 21 países da América Latina.

Sua obra abrange a história do jornalismo em toda a América latina assumindo uma significativa importância para o estudo da gênese do pensamento comunicacional latino-americano. "O objetivo da obra de Otero é "ultrapassar as histórias do jornalismo que se resumem em um catálogo de nomes de diários e biografias de seus redatores (...) e interpretar esta história como expressão do continente.

Para Otero, o jornalismo latino-americano é um documento da morfologia moderna e contemporânea da história da cultura do continente." (14) Otto não mostrou-se contra o jesuitivismo pois acreditava que os jesuítas deram uma importante contribuição ao desenvolvimento da informação quando da divulgação da tipografia, recurso utilizado por eles em suas atividades de catequese e registros documentais e/ou históricos.

Além da clara importância destes precursores estudiosos do pensamento jornalístico na América latina como objeto de pesquisa científica, e o seu massivo interesse pela instituição da "ciência do jornalismo" para o estabelecimento da qualidade da formação profissional e a edificação da profissão mediante o incentivo da investigação científica, sua outra importante contribuição foi à metodologia científica, sem a qual nada disso é possível. Estes cientistas do pensamento jornalístico buscaram estabelecer metodologias com características próprias, adequando conhecimentos forâneos para a realidade latina.

Daí, serem estas obras importantes referências bibliográficas à pesquisa de qualquer formando de pós-graduação em jornalismo. Isto é facilmente observado quando é avaliado como característica comum aos três autores terem eles elaborado trabalhos de natureza nitidamente científica baseados em vastas e sólidas fontes latino-americanas e extra-continentais. A prática metodológica é vista quando é observado que os trabalhos utilizaram fontes hemerográficas e a produção científica está diretamente relacionada com o objeto de estudo da comunicação. Outra importante referência à formação da investigação científica foi terem colocado em prática a associação da pesquisa científica do jornalismo às ciências sociais. Tal união como fonte de pesquisa, permite analisar e interpretar a subjetividade dos fenômenos comunicacionais, assim como, situar a informação dentro de um contexto histórico e sócio-cultural. (15)

Estes autores vêm provar a existência de um substancial pensamento comunicacional na América latina, mesmo sendo ele muito jovem, (surgiu em meados do século XX). A missão dos novos pesquisadores científicos do pensamento jornalístico é sedimentar ainda mais este pensamento, utilizando métodos sérios e competentes para a produção de um pensamento sempre atuante e ligado aos movimentos contemporâneos aos quais a informação e a notícia se encontram intimamente ligados. Visualizar com clareza as novas mídias, é tornar-se capaz no exercício da função jornalística e, também, ser capaz de produzir um pensamento coerente e moderno que muito irá contribuir tanto para o exercício da crítica e da análise da comunicação, como irá servir de referência bibliográfica futura.

O sonho obriga o homem a pensar"
Milton Santos

(1) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 1 - Conceitos e categorias do jornalismo, pág. 10 e 11.

(2) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 1 - Conceitos e categorias do jornalismo, página 14 e 15.

(3) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth

(4) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 2 - O jornalismo como disciplina científica: a contribuição de Otto Groth, página 9.

(5) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 2 - O jornalismo como disciplina científica: a contribuição de Otto Groth, pág. 18 a 21.

(6) Para informações detalhadas acerca das leis vide: Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 2 - O jornalismo como disciplina científica: a contribuição de Otto Groth, página 30 e 31.

(7) Para informações detalhadas acerca da tese vide: Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 3 - Os relatos jornalísticos - Tobias Peucer, páginas 34 a 41.

(8) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 4 - Pensamento jornalístico Norte-americano: raízes acadêmicas, página 47.

(9) Idem.

(10) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 4 - Pensamento jornalístico Norte-americano: raízes acadêmicas, página 48.

(11) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 5 - A notícia como forma de conhecimento - Robert Park, página 59 e 60.

(12) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 7 - Três precursores dos estudos latino-americanos: Rizzini, Otero e De La Suarée, página 76.

(13) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 7 - Três precursores dos estudos latino-americanos: Rizzini, Otero e De La Suarée, página 77.

(14) Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 7 - Três precursores dos estudos latino-americanos: Rizzini, Otero e De La Suarée, página 76.

(15) Para maior detalhamento a cerca da metodologia de cada pensador em sua obra vide: Raízes Forâneas do Pensamento Jornalístico Brasileiro, organizadores José Marques de Melo e Ruth Viana, Capítulo 7 - Três precursores dos estudos latino-americanos: Rizzini, Otero e De La Suarée, páginas 78 a 79.

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