Nº 9 - Dez. 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 


ENSAIOS
  Desastres aéreos e as notícias de risco: o caso TAM

Por Flavia Santos

RESUMO

Neste texto é analisado um estudo de caso – a companhia aérea brasileira TAM, assentando os desastres aéreos enquanto modelo de risco empresarial e significativos acontecimentos na produção das chamadas notícias de risco.

Reprodução
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PALAVRAS-CHAVE: Riscos / Narrativas/ Valores-Notícia

O primeiro grande acidente da história da TAM em 1996 e mais recentemente a queda do Airbus no aeroporto de Congonhas em São Paulo em 2007, demonstram que a empresa produz uma constância de riscos com efeitos unidirecionais que afetam, sobretudo, a sua reputação, por estar em desvantagem com a produção noticiosa dos jornalistas, interessados em propagar o frame negativo do acontecimento.

Os riscos e os acidentes aéreos

Afinal o que são riscos? O que seria viver em uma sociedade de risco? Embora não existam definições universais para a problemática dos riscos muitos pesquisadores concordam que a sociedade atual, em seu grau de complexidade sistêmico, juntamente com o aparecimento de novos aparatos tecnológicos constituem laboratórios para a produção de risco. O risco pode se algo que venha a existir no futuro. É, portanto aquilo que pode ser considerado uma ameaça. Nesse sentido, o risco é capaz de produzir um quadro de insegurança, ou seja, o medo do imprevisível. O sociólogo Ulrich Beck (1992) afirma que o estágio atual da sociedade é aquela obcecada com acidentes, falhas tecnológicas, erros de cálculo, desastres ecológicos ou descobertas científicas fora de controle.

Pode-se resumir que os riscos são ameaças onipresentes no sistema social e empresarial e por isso devem ser detectados e controlados a fim de evitar conseqüências desastrosas. De acordo com Beck a industrialização é indissociável do processo de produção de riscos, uma vez que uma das principais conseqüências do desenvolvimento industrial é a exposição da humanidade aos riscos.

Para as empresas os riscos se definem enquanto fatores que conduzem a um quadro de instabilidade e incertezas. Os riscos nascem dentro da própria organização e se manifestam de diferentes formas, em quadros diversos. Os riscos organizacionais podem ser resultantes, por exemplo, de estratégias operacionais, tomadas de decisões que futuramente poderá comprometer a reputação e a imagem da empresa, e, sobretudo pode ter impacto externo, afetando um grande número de pessoas que não participa diretamente do quadro da organização. Estes riscos de maior amplitude interrogam a opinião pública sobre o assunto e mobiliza os meios de comunicação social.

Poluição do ar, desastres ecológicos constituem-se enquanto risco de grande amplitude. Outros riscos de maior amplitude são os desastres aéreos. Estes não dependem exatamente de uma decisão tomada no interior da empresa. É por vezes imprevisível e instantâneo. A queda de um avião traz conseqüências irreparáveis à vida humana e pode comprometer em longo prazo a imagem e a reputação da empresa controladora dos aviões. As empresas envolvidas neste tipo de risco produzem constrangimentos de alto grau que afeta significativamente a vida dos stakeholders ligados à organização.

No quadro exterior, os riscos afetam, sobretudo, as vítimas sobreviventes e familiares. No campo mediático e da narrativa jornalística, as histórias dos sobreviventes e as declarações de familiares são fontes importantes para os jornalistas que se pautam pelo valor negativo da notícia.

A mídia noticiosa, em especial o meio impresso, exerce uma função essencial na divulgação dos riscos. É neste espaço que escorrem diversas narrativas e produção da notícia sobre os riscos. Os meios de comunicação social não só propagam esta problemática, mas, dão sentido às histórias que as envolvem. Jenny Kitzinger e Jacquie Reilly (1997) observam que os jornalistas narram histórias de acordo com a sua percepção de risco e seus interesses profissionais em questão. Assim, para este tipo de acontecimento, os jornalistas tendem produzir “notícias de risco”. Por outro lado, grupos de pressão procuram promover campanhas mediáticas com o intuito de propagar medidas de segurança contra os riscos, ou ainda cientistas queixam-se dos exageros das notícias e por fim empresas e governo recorrem aos “comunicadores de riscos” (Cf. KITZINGER; REILY, 1997: p.320).

O ano de 1996 mudou substancialmente a rotina da TAM. O primeiro acidente com o modelo Fokker-100 tornou-se desde então verdadeiro símbolo de risco. Após este primeiro acidente, a companhia inicia então um confronto de narrativas noticiosas: de um lado, jornalistas buscam produzir efeitos de dramatização nas notícias, priorizando este tipo de frame. Do outro lado a TAM constrói narrativa “paternalista” (Cf. O’LEARY; MAJELLA, 2003: p.687), através da publicação de cerimoniais, prêmios entre outros eventos organizacionais positivos veiculados principalmente nos canais de divulgação da empresa.

A TAM e a trajetória dos desastres aéreos

O histórico empresarial da TAM é de uma organização de grande tradição no mercado de aviação brasileiro. A empresa foi fundada na década de 50 e administrada por diversos acionistas, sendo o atual presidente Marco Antônio Bologna. Desde que a empresa entrou em operação sucederam-se vários acidentes e incidentes com a frota de aviões modelo Fokker-100. Já na década de 70 começaram a aparecer alguns pequenos acidentes com outros modelos de aviões da TAM, mas, sem grandes repercussões.

O modelo Fokker-100 é uma aeronave de fabricação holandesa e começou a ser importada pela empresa a partir de 1988. A aeronave tem capacidade para transportar até 108 passageiros e fazer vôos entre regiões centrais de grandes cidades. O fabricante do avião, até então o maior da Holanda faliu meses antes do primeiro acidente da TAM em 1996. Na época da falência, representantes da TAM informaram aos jornais que a quebra da empresa alemã não afetaria a manutenção das aeronaves, já que a própria TAM se responsabilizaria em manter as aeronaves [1].

Em outubro de 1996 viria a acontecer o primeiro grande desastre aéreo na história da empresa com a queda de uma das aeronaves Fokker-100. O acidente ocorreu na cidade de São Paulo em Jabaquara e deixou um saldo de 90 passageiros mortos. As investigações posteriores apontaram falha técnica e exigiram novas medidas de segurança para o Fokker-100. Mesmo após o acidente, novas aeronaves foram compradas e outros acidentes e incidentes com a frota de aviões da TAM continuavam a aparecer [2].

Pouco mais de uma década após o primeiro acidente a TAM vê-se constantemente num cenário de produção de riscos. A reputação da organização é posta constantemente em causa quando o assunto aparece na agenda midiática. Inúmeras reportagens vêm sendo publicadas nos principais jornais e revistas do Brasil tornando público um arsenal de narrativas das vítimas, familiares e da empresa que parecem intermináveis. Após produzir inúmeros riscos, a TAM vive emersa num quadro de vulnerabilidade permanente que exige da empresa muito além do cumprimento das normas de segurança. A TAM atua constantemente na produção de narrativas e cerimoniais no intuito de equilibrar sua reputação no mercado de aviação brasileiro. Para isso mantém na internet um website [3] atualizado que enfoca os aspectos mais relevantes e positivos na histórica da empresa. Trata-se de um conjunto de narrativas para manter em ordem a reputação organizacional.

1. Narrativas e notícias: a comunicação estratégica no pós-risco

 A criação de narrativas como forma de comunicação estratégica vem sendo utilizada pela TAM desde que a empresa assumiu a responsabilidades pelos inúmeros acidentes e incidentes aéreos envolvendo o nome da organização. A construção de narrativas representa um esforço não somente para tentar preservar as estruturas de sentidos desta empresa, fragilizada pelos acidentes aéreos, mas significa também a produção indireta de riscos do tipo discursivo, que expõe a empresa diante do auditório, ou audiências que consomem a informação noticiosa sobre os riscos, neste caso, os acidentes aéreos.

Por outro lado, a produção noticiosa publicada nos mídias possui maior impacto nas audiências do que a produção narrativa contada pela TAM em seus meios de divulgação. Pelo fato dos desastres aéreos se tratarem de episódios negativos, este tema é por si só produz um valor-notícia utilizado pelos jornalistas na seleção deste tipo de acontecimento. Na literatura jornalística, os estudos sobre as notícias e valores-notícia são abordados a partir da perspectiva das teorias construtivistas - interacionistas que são aquelas que analisam a forma como os mass media constroem a imagem e a realidade social. No caso das notícias, os estudos baseiam-se como os jornalistas as conduzem e transformam os acontecimentos em fatos noticiosos.

Os primeiros estudiosos a tratarem sobre os valores-notícia foram os noruegueses Johan Galtung e Marie Holmboe. Estes autores selecionaram uma lista de 12 valores-notícia resultantes da observação da pesquisa sobre os eventos estrangeiros nos jornais da Noruega publicada em 1965 e os classificaram enquanto critérios que influenciaram a escolha dos jornalistas. A seguir a lista dos 12 valores-notícia:

  1. Fator freqüência (F1): É quando um evento aparece freqüentemente nos mídias e se desenvolve num período curto de tempo. Quanto mais a freqüência do acontecimento se assemelhar a freqüência do meio noticioso, maior a hipótese de ser registrado como notícia.
  1. Amplitude (F2): Define-se pela extensão que um evento consegue alcançar.
  1. Clareza (F3): Quanto menos ambigüidade, maior a probabilidade de um evento se tornar noticia. Quanto maior a clareza de um evento no sentido de interpretação, sem múltiplos significados, maior a chance de ser selecionado.
  1. Significativas (F4): Um evento é significativo quando estabelece relação de proximidade cultural, ou seja, os jornalistas tendem a noticiar um acontecimento que seja mais próximo da cultura em estão inseridos.
  1. Consonância (F5): Quando os jornalistas pressupõem o prevê determinadas notícias. Este valor estabelece ligações diretas com a capacidade de responder algo que sucederá num determinado acontecimento. Portanto esse aspecto pré-determinado torna-se um valor notícia. O acontecimento é consonante com que se espera.
  1. Inesperada (F6): Parte do princípio de que os acontecimentos devem ser raros e inesperados para se tornarem notícias. Mas a imprevisibilidade de um evento precisa estar dentro da consonância e da significância que criam suporte para aceitar esse tipo de acontecimento enquanto notícia.
  1. Continuidade (F7): É quando um acontecimento que se definiu enquanto notícia passar a ser tratado como tal mesmo que se perca a amplitude dessa notícia. O acontecimento sem novidades.
  1. Composição (F8): Um acontecimento ganha espaço nos jornais enquanto notícias não pelo valor intrínseco, mas, para contrabalancear um acontecimento de maior amplitude. Esse é um tipo de critério que compete aos editores em sua decisão de equilibrar a importância das noticias publicadas.
  1. Elites nacionais (F9): Quando um acontecimento diz respeito às nações de elite. As nações de elite são os países que mantém uma relação de proximidade cultural, econômica e política. As ações desses países serão notícias.
  1. Referências às elites famosas (F10): As ações e comportamentos de determinadas pessoas que fazer parte de uma elite econômica, artística ou outros do gênero são de interesses dos jornalistas e por isso receberam um tratamento noticioso e espaço nas publicações.
  1. Personalização (F11): É praticamente a personificação dos acontecimentos. São escolhidos alguns nomes que fazem ligação direta com o assunto noticiado. Ou então é um acontecimento que tem a ver com as ações dessas pessoas.
  1. Negatividade (F12): Os acontecimentos negativos são fortes valores notícia por que carregam consigo muito dos outros valores anteriores. As notícias negativas ou “bad news” tem valor notícia por que ser um evento inesperado pode ganhar amplitude e ser noticiado com maior freqüência.

De acordo com pesquisadores, os jornalistas se baseiam em um grupo de critérios chamados de valores-notícia. São esses critérios que permitem determinar se um acontecimento merece relato e/ou investigação jornalísticos e também se é justificável sua entrada na pauta do veículo de comunicação. Sobre esse assunto, Mauro Wolf discute:

Valores notícia derivam de regras práticas que incluem um corpus constituído de conhecimentos profissionais que implicitamente e, freqüentemente também explicitamente, orientam e dirigem os processos de trabalho na redação de um media (Cf. WOLF, 1999: p.223).

5. O frame jornalístico do risco

Para a realização deste trabalho reunimos um grupo de reportagens [4] publicadas no jornal Folha de S.Paulo na revista Isto É entre os anos de 1996 e maio de 2007 dedicadas aos acidentes envolvendo a TAM ou esta temática. No total encontramos um número de 50 reportagens.

A produção noticiosa analisada e o enquadramento dos jornalistas nos mostram um repertório de narrativas que põe em causa a reputação da empresa e revela que a TAM foi uma das responsáveis pela demarcação das notícias de riscos na agenda midiática brasileira.

Se nos referendarmos pela estrutura dos valores-notícia proposto por Galtung e Ruge, podemos constatar no corpus analisado a presença de três elementos citado pelos autores: freqüência, continuidade e negatividade, de acordo com a tabela abaixo:

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Dado o impacto trágico do acontecimento, o fator negatividade (f) apareceu em maior grau em todo o período da análise entre 1996 e 2007. Em segundo lugar ficou constatado que o fator freqüência (F) foi mais acentuado em períodos que ocorrem os acidentes, nomeadamente em 1996, 1997 e 2002, ano do segundo acidente da TAM [5]. A continuidade (C) foi um fator que esteve presente em menor quantidade. Foi explorado pelos jornalistas, entre os anos de 1997 e 2006 para recordar um ano e dez anos do primeiro acidente envolvendo a TAM.

Quanto à estrutura das notícias, os jornalistas organizaram as fontes em três personagens: TAM, vítimas e familiares e governo ou autarquias, neste caso a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero). Cada um desses atores carrega criam o seu próprio sistema discursivo, o que gera um confronto de versões dos acontecimentos.

Esses atores (incluindo as mídias noticiosas) são storytellers a narrar suas próprias versões. Os acidentes aéreos são acontecimentos de interesse dos meios de comunicação social e constituem-se importantes notícias. Os jornalistas são responsáveis por escolher, estruturar e ordenar essas narrativas antes de torná-las públicas de acordo com os chamados valores-notícia. As consequências desastrosas, o saldo de mortos são os detalhes que interessam em primeiro lugar aos jornalistas para construirem suas narrativas e o enquadramento dramático das notícias de riscos.

Portanto, os familiares das vítimas ou os sobreviventes são as fontes colocadas em primeiro plano pelos jornalísticas. Os dirigentes e porta-vozes da TAM aparecem em segundo lugar na organização das fontes jornalístas. Por último sobressai a voz da autarquia e do governo ou o pronunciamento de autoridades sobre o assunto. De acordo com o enquadramento utilizado pelos jornalista para narrar suas histórias e criar sentido seguem a ordem das fontes:

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Considerações finais

Os desastres aéreos para além de representarem riscos à reputação organizacional, são considerados sobretudos catástrofes e uma ameaça à vida humana. Trata-se de riscos previsíveis, porém incontroláveis, o que exige maior preocupação por parte dessas organizações. A queda de um avião significa produzir risco de grande dimensão com impactos na sociedade e nos mídia.

O primeiro acidente com o avião Fokker-100 em 1996 mobilizou os meios de comunicação social brasileiro, despertando os jornalistas para as notícias de riscos e a criação de um frame particular influênciado pelo valor negativo da notícia e os sucessivos acidentes e incidentes envolvendo os aviões da TAM. Com esta breve exposição.

Nas matérias analisadas constatou-se que os jornalistas priorizaram o enquandramento dramático apoiado na ordem de estruturação das fontes. A dramatização do acontecimento ajuda a disseminar o medo e o risco de acontecer acidentes aéreos. O último acidente com o avião Airbus da TAM em julho de 2007 reacendeu a problemática agenda jornalística para as notícias de riscos. A cada novo desastre aéreo os jornalistas as notícias tendem a relacionar-se uma com as outras, reativando a memória do público e fragilizando a reputação da empresa.

A TAM é um exemplo de organização bastante vulnerável a essa tipologia de risco, não só pelo histórico de acidentes, mas pelas inúmeras narrativas envolvendo o nome da empresa nos mídias noticiosos. Familiares e vítimas sobreviventes insatisfeitos com a posição da empresa criam e divulgam suas próprias narrativas em parceria com os jornalistas, estes interessados em divulgar notícias.

NOTAS

[1] Matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, 19 out. 1996.

[2] O mais recente acidente envolvendo a companhia aérea aconteceu no dia 17 de julho de 2007, no aeroporto de Congonhas na cidade de São Paulo, desta vez com a aeronave modelo Airbus. Dada às más condições da pista de pouso do aeroporto o piloto perdeu o controle colidindo com um edifício nas proximidades do aeroporto.

[3] Disponível em: http://www.tamexpress.com.br.

[4] O site mantido pelo jornalista Jorge Tadeu, uma das vítimas do primeiro acidente da TAM foi bastante explorado por reunir um grande um conjunto de reportagens publicadas nos media sobre os acidentes envolvendo a empresa. Disponível em: http://jorgetadeu7.sites.uol.com.br.

[5] O terceiro grande acidente da TAM ocorreu em 17 jul. 2007. As reportagens publicadas nos respectivos meios analisados não foram levados em consideração pelo fato da pesquisa ter sido finalizada em maio do mesmo ano.

*Flávia Santos é pós-graduada em estudos dos media e jornalismo na Universidade Nova de Lisboa e mestranda em Ciências da Comunicação pela mesma Instituição.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]