Nº 9 - Dez. 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 


ENSAIOS
 

Contribuição para a o debate sobre
democratização da comunicação social no Brasil

Por Eduardo Altomare Ariente*

RESUMO

Neste trabalho, pretendemos estabelecer algumas relações entre a hegemonia da estrutura comercial da radiodifusão no Brasil, a natureza dos empecilhos de se desenvolver um modelo de comunicação popular e as conseqüências desses processos para o exercício da democracia contemporânea.



Reprodução

PALAVRAS-CHAVE: Radiodifusão / Democracia / Direito

Atualmente no Brasil, presenciamos uma desigualdade no exercício da comunicação social em razão de fatores econômicos, políticos e jurídicos, que acabam por torná-la privilégio, amputando o acesso à comunicação de diversas forças sociais. Isto porque de um lado, emissoras comerciais detêm oligopólios à margem de limites democráticos aceitáveis, desvirtuam a noção de serviço público da comunicação sob anuência do poder público.

De outro lado, há intensa repressão à atuação de rádios comunitárias sem propósito lucrativo, as televisões comunitárias geridas por associações civis estão confinadas a um único canal de televisão a cabo, cujo acesso é impeditivo à maioria da população em razão de seu custo. Além disso, jornais diários possuem baixa circulação em relação ao total da população e o acesso à Internet também não está satisfatoriamente garantido. Dizendo mais claramente, a informação alternativa ao modelo comercial sofre inúmeras restrições estruturais.

A partir dessa comparação, poderemos aquilatar a relação entre a liberdade formal e a liberdade real de comunicar, quais são esses fatores impeditivos aos potenciais comunicativos, bem como a magnitude e a distribuição desse direito à comunicação: se ele é acessível, democrático e participativo ou se ele é caracterizado preponderantemente por fluxos verticais e unidirecionais de informações, os quais têm como conseqüência a recepção estática dessas informações pela grande maioria da população.

Em segundo plano, será desvendada a natureza dos canais autodenominados públicos, para sabermos se eles possuem características de serviço público ou se configuram simplesmente canais estatais e não existe, de fato, a complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal previsto no caput do artigo 223 da Constituição Federal. [1] Somente com a formação de um sistema complementar ao estatal e ao comercial na radiodifusão é que a informação, em tese, pode adquirir feição plural, democrática e disponível a todos, tanto na sua recepção, como também nos aspectos de produção e divulgação.

Nesse sentido, o sistema público deve contemplar não somente canais de transmissão de informações com atuação de profissionais dotados de razoável independência editorial e financeira, mas também canais comunitários de livre acesso, que permitam a participação da coletividade e a livre manifestação do pensamento. Ocorre que para a construção de canais sem embaraços à livre expressão, não basta a mera liberdade formal ou a autorização do governo para funcionar. Mais do que isso, é preciso propiciar mecanismos através dos quais a manifestação do pensamento seja privilegiada e incentivada, de modo que os cidadãos possam exteriorizar seus sentimentos sem a mediação de veículos com propósitos comerciais, conforme uma nova compreensão de audiência ativa [2].

A democracia nas comunicações, de acordo com a designação empregada nesse texto, significa construção progressiva de participação, convívio com diferentes perspectivas de mundo, alteridade, compartilhamento de saberes e experiências, tolerância aos diversos pontos de vista e parcialidades existentes na sociedade.

Significa ainda dar a cada um a possibilidade de ter voz, ser ativo e poder influenciar a opinião pública perante os meios de difusão de informações, especialmente nos canais administrados pelo poder público. [3] Esses são importantes princípios a serem atingidos na busca de uma comunicação democrática, os quais podem ser alterados e complementados por outras necessidades humanas no decorrer do tempo.

2 – Notas sobre a hegemonia comercial da radiodifusão no Brasil

Nossa história recente está fortemente impregnada por favoritismos dos ocupantes do governo federal aos empresários da comunicação social, políticos, e instituições religiosas. Tais medidas se traduzem, fundamentalmente, tanto pela construção de uma base jurídica para a fruição privada do espaço público eletromagnético, como também por medidas de incentivos tributários, seja diretamente, seja por meio de renúncia fiscal.

As medidas políticas e jurídicas concernentes à radiodifusão sempre tiveram o condão de proporcionar facilidades à conversão do espaço público em moeda corrente no jogo político, mediante instrumentalização das concessões para manter a integridade das alianças políticas que governam o país e também para os atuais empresários do setor ampliarem suas redes de afiliadas. Não menos grave é a violação às regras eleitorais que significa a competição entre parlamentares que possuem, além de grande quantidade de capital, algumas emissoras de radiodifusão e outros destituídos de capital ou meios para concorrer de modo isonômico. Nesse sentido, foi bastante esclarecedora a frase de José Sarney em entrevista a uma revista semanal:

“Temos uma pequena televisão, uma das menores, talvez, da Rede Globo. E por motivos políticos. Se não fôssemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de comunicação” [4].

Vale dizer, historicamente, em se tratando de radiodifusão, em muitas ocasiões, o poder público no Brasil se comportou como agente dos interesses comerciais e políticos hegemônicos, em detrimento de finalidades públicas advindas do uso da radiodifusão como instrumento de transformação social. 

2.1 – Breve retrospectiva histórica

No Brasil, em meados da década de 1920, as rádios foram inauguradas no formato de clube de ouvintes, que financiavam os custos operacionais das emissoras. A finalidade dessa iniciativa era, basicamente, a de divulgação da cultura e da educação. Segundo as palavras de Roquette Pinto, norteado por sinceros ideais iluministas,

“O rádio é a escola dos que não têm escola. É o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o animador de novas esperanças, o consolador dos enfermos e o guia dos sãos – desde que o realizem com espírito altruísta e elevado” [5].

Contudo, alheias às iniciativas educacionais propugnados por Roquette Pinto, as pressões comerciais resultaram na edição do Decreto- Lei 21.111, de 1/3/1932, a partir do qual Getúlio Vargas autorizou a veiculação de publicidade no rádio. Ainda assim, Roquette Pinto resistiu o quanto pôde à propaganda comercial e política em sua emissora, fato que motivou a escassez de recursos para modernizar o equipamento e ampliar a potência da emissora [6].

Mais explicitamente, pode-se inferir que um fator importante na decadência das propostas de Edgard Roquette Pinto foi a intervenção do governo federal ao ceder aos interesses das emissoras de rádio comerciais. Nesse momento houve a sucumbência da primeira iniciativa de construir um modelo verdadeiramente público, restando aos ouvintes a opção comercial e a estatal.

Esse foi o início das práticas brasileiras voltadas para as rádios comerciais e também para a mentalidade de troca de concessões por apoio político. Não havia, desse modo, o compromisso inicial com uma política de comunicação social voltada à educação e à cultura, mas de forma preponderante, aos apelos do mercado e aos políticos concessionários atuantes no setor.

Era tamanho o poder dos radiodifusores, já na década de 1940, que leis de ocasião foram editadas para resolver assuntos eminentemente particulares. Vale lembrar a conhecida “Lei Teresoca”, na qual Assis Chateaubriand foi contemplado com a guarda definitiva de uma filha não reconhecida, em evidente conflito com o sistema jurídico de direito de família então em vigor. Tal relação de proximidade entre governantes e radiodifusores se repetiu durante a década de 1950, na qual foram muitas as leis de caráter eminentemente individual, que concediam isenção de impostos e tarifas aduaneiras para a importação de equipamentos de televisão [7].

Na década de 1950, a televisão iniciou suas atividades no Brasil por iniciativa do grupo Diários Associados, de Chateaubriand, sem qualquer norma que dispusesse sobre o uso público do espectro magnético para essa finalidade. Mesmo assim, como a televisão representava uma grande novidade tecnológica para o ambiente doméstico, não obteve dificuldade para se consolidar.

2.2 – Regulamentação da radiodifusão a partir da década de 1950

Para aqueles que sustentam que a falta de regulamentação de artigos da nossa Constituição serve de entrave jurídico para a democratização do espectro eletromagnético, o exemplo de Chateaubriand é bastante ilustrativo. Pode-se inferir, a partir desse exemplo, que não foi a falta de leis ou de condicionantes técnicas que impediram o início do funcionamento de um modelo de comunicação comercial, tampouco falta a regulamentação da Constituição de 1946, então em vigor.

O primeiro instrumento legal relativo ao uso, conteúdo e concentração de emissoras do espectro para a televisão foi justamente o Código Brasileiro de Telecomunicações (C.B.T.), editado em 1962. Esse Código poderia, em tese, proporcionar maior independência ao procedimento administrativo de outorgas de concessões de radiodifusão frente a ingerências políticas pouco republicanas, mas efetivamente não atingiu esse objetivo. A disputa política no decorrer da promulgação do seu texto já foi intensa. Tanto que o governo de João Goulart impôs 52 vetos a essa lei e todos eles foram derrubados pelo Congresso Nacional, numa conjugação de interesses udenistas com empresários do setor [8]. Sobre essa questão, a historiadora Suzeley Kalil Mathias observa que

“[...] Além das fronteiras tecnojurídicas, a questão que está embutida na gestão do setor de comunicações envolve a disputa por prestígio a partir do controle de um setor sensível às escolhas políticas, e também descreve as escolhas daqueles que estão no poder, sendo o resultado de uma trama que espelha a política desse mesmo governo” [9].

A criação do Código Brasileiro de Telecomunicações e posteriores alterações reforçaram a preponderância do sistema comercial. Muito embora a normatização estivesse assegurada pela edição do C.B.T., pormenorizada pelo decreto 52.026/63 e alterada em 1967, pelo decreto nº. 236, a edificação do arcabouço institucional para regulamentar e fiscalizar as concessões demorou cerca de 10 anos para ser construído [10].

Tal fluxo comercial foi levemente alterado pela criação da TV Cultura em 1967, inicialmente concebida como emissora pública sem interesses comerciais e gerida por um conselho curador de fundação privada (Fundação Padre Anchieta). Contudo, o maior obstáculo da TV Cultura e das demais emissoras com propósitos públicos sempre foi a dependência financeira de recursos do Estado.

A TV Educativa do Brasil (TVE), administrada por uma fundação privada (Fundação Roquette Pinto) também enfrentou sérias restrições financeiras no início da década de 1990. Em 1999, foi criada a chamada Rede Pública de Televisão sem restringir-se à programação educacional, abrangendo jornalismo e entretenimento. Apesar de ser construída sobre mentalidade de serviço público, a TVE, assim como a TV Cultura de São Paulo, não venceu a questão da dependência financeira do governo, apesar de interessantes compromissos públicos.

Na década de 1980, no panorama normativo, houve algumas alterações com a edição da Constituição Federal de 1988, a qual assegurou num patamar dos direitos fundamentais a liberdade de expressão e dividiu a atribuição das concessões entre os poderes executivo e legislativo. Além disso, destinou um Capítulo especialmente para discorrer sobre a Comunicação Social (art. 220 a 224), porém, talhado ao sabor dos radiodifusores. [11] Desse modo, a Constituição de 1988 pouco alterou na relação poderes vigentes da comunicação social. Conforme registrou Florestan Fernandes durante o processo constituinte,

“Donos de canais de rádio e de televisão decidiram, como constituintes, sobre seus interesses, em conflito ou em cooperação como Ministro das Comunicações, sob a batuta de um dirigente da Abert e de um importante advogado que era seu assessor, todos ignorando o que estipula o regimento interno da A.N.C. e torpedeando o bom andamento das discussões e o trabalho do bravo relator Artur da Távola” [12].

Não diferente daquilo que costumamos presenciar nas práticas de trocas políticas ocorreu na época da constituinte; o Poder Executivo e os empresários do setor investiram fortemente para a aprovação de medidas constitucionais de seus interesses. O capítulo da comunicação social padeceu inúmeros vícios originados, em grande medida, de tais pressões, cujo resultado foi a criação de uma concessão pública sui generis, reveladora da envergadura do poder que estava envolvido. O processo constituinte, que poderia proporcionar maior abertura democrática à radiodifusão em função da grande efervescência política do momento, revelou-se bastante decepcionante.

Em 1995, foi editada a Lei Federal n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995, a qual dispõe sobre o serviço de TV a cabo. No decorrer da promulgação dessa lei, houve debates das empresas interessadas com associações da sociedade civil a respeito da oportunidade de ampliar a abertura do espectro para outros agentes sociais não comprometidos com interesses empresariais. A partir desse entendimento, foi aberto, de modo inédito, o princípio do “must carry”, por meio do qual se garantiu o surgimento dos canais legislativo, universitário e comunitário, de uso gratuito.

Infelizmente, não se chegou ao ponto de garantir os custos da produção dessas emissoras, sobretudo as comunitárias, mediante porcentagem da taxa cobrada das operadoras, que significaria a consolidação de uma estrutura para o exercício do direito à comunicação, mas sem dúvida, significou um importante avanço.

Observa-se, diante desse cotejo, que não há um modelo verdadeiramente público institucionalizado no seu verdadeiro sentido do termo, vale dizer, que garanta a diversidade de pontos de vista, a oxigenação da programação e a ausência de influência comercial ou estatal, seja na gestão, seja no conteúdo produzido. O modelo estatal, do qual destacamos a TV Cultura e a TVE, possuem indubitavelmente tendências e filosofias de modelo público. Em sua maioria, possuem programação voltada ao direito à informação não presente em emissoras comerciais, mas ainda flagrantemente insuficiente para abrir espaço para o exercício da liberdade de expressão da população ou contraporem o discurso, a linguagem e a estética do modelo comercial.

Em regra geral, portanto, pode-se afirmar também que as concessões de radiodifusão tiveram muito pouca feição de serviço público e, como conseqüência, fluxos verticais e unidirecionais de informações podem não só se manter, como também ampliar suas dimensões. Sendo mais claro, perdeu-se a oportunidade, em diversos momentos históricos recentes do Brasil da criação de um legítimo direito à comunicação de modo duradouro e permanente.

Assim, neste ponto, é possível tecer a primeira conclusão sobre a trama de problemas enfrentados na democratização do espectro eletromagnético: a questão que se coloca, em síntese, se apresenta, ora como se fosse de ordem técnica, de falta de espaço no espectro, ora como se fosse de entraves jurídicos, de falta de regulamentação específica, mas de fato possui feição eminentemente política, de sérios comprometimentos dos governos desde então com empresários do setor da comunicação social.

3 – Redefinindo os papéis da TV Estatal e da TV Pública

Muito se discute sobre as diferenças de um modelo de TV pública e estatal, especialmente na iminência da criação da TV Brasil por medida provisória pelo Presidente da República. Historicamente, a falta de um modelo verdadeiramente público no Brasil torna essa tarefa especialmente dificultosa. Essa diferença reside justamente no objetivo a que a emissora se destina e para uma resposta precisa é necessário investigar os motivos que levaram a sua criação.

Segundo matéria jornalística veiculada recentemente, [13] o motivo determinante para a criação dessa nova emissora não foi ampliar o leque de informações da população e dar voz a segmentos sociais ignorados pela grande mídia, que não possuem condições de veicular plenamente seus pontos de vista, mas o incômodo do próprio Presidente da República em relação à cobertura de certo modo tendenciosa da grande mídia nas vésperas das últimas eleições. Naquela ocasião, no episódio dos dossiês, foram fotografadas pilhas de dinheiro de origem ilícita, supostamente pertencentes a integrantes do partido do Presidente.

Em especial, a falta de isenção da TV Globo, do ponto de vista do atual Presidente, segundo tal relato, deflagrou o início da TV Brasil, autodenominada pública pelos governantes, para contrapor a hegemonia informativa das principais emissoras comerciais. Desse fato, a priori, duas interpretações podem surgir. A primeira é a de que enquanto os editoriais estavam relativamente a favor dos governantes, mediante vultosas verbas publicitárias, estes não se preocupam tanto com a qualidade do que estava sendo transmitido. Uma segunda leitura pode indicar que esse possível excesso foi apenas o estopim de vários outros “deslizes”.

De qualquer modo, a proposta é de uma luta que vai se travar em torno da hegemonia da informação. De um lado, emissoras que sempre viveram de benesses dos governos e de outro, uma cobertura jornalística sobre fatos mais relevantes “isenta” e imparcial”. Nestes termos, a emissora muito mais se assemelha ao modelo de gestão estatal do que uma propriamente pública.

Assim, cabe a seguinte indagação: serviria essa nova emissora para consolidar o direito à informação ou o direito à comunicação da população? Teria alguma serventia aos receptores?

Primeiramente, uma importante diferenciação precisa ser feita. O direito à informação significa primordialmente a preocupação com o conteúdo das informações com vistas ao desenvolvimento de uma cidadania crítica e atuante.

Seus pressupostos históricos se originam na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 e o protagonista mais importante ainda é a BBC de Londres.
Quando se fala em direito à comunicação, trabalhamos com os fundamentos de que a população possui o direito de produzir e divulgar informações de seus interesses, mediante apropriação das técnicas radiofônicas e audiovisuais, especialmente no espaço público da radiodifusão.

Em última análise, significa a liberdade real e efetiva de trabalhadores e camponeses falares livremente em quaisquer meios, mas principalmente no rádio FM e na televisão aberta para grandes contingentes populacionais. Os expoentes desses princípios estão no modelo de rádios públicas e TVs comunitárias dos Estados Unidos, nas TVs Abertas da Alemanha, com destaque para a emissora sediada em Berlim, e do ainda incipiente modelo de rádios comunitárias brasileiro.   

Os modelos estrangeiros citados não foram construídos em pouco tempo. No caso norte-americano, começou a vingar a partir da década de 1950 de rádio e 1970 o de televisão por meio de canais em emissoras de TV a cabo [14]. Na Alemanha, o primeiro canal de testes foi iniciado em 1984, com equipamentos de segunda mão, que geralmente são mais fáceis de manusear e treinamento gratuito para os usuários. Além disso, na Alemanha, os usuários possuíam garantia de veiculação do conteúdo num canal de emissora a cabo.

Importante dizer que o financiamento e a administração desses sistemas não são de atribuição dos governantes. O sistema é gerido pela própria comunidade e associações populares e os custos são pagos, em grande medida, por taxas cobradas dos serviços das operadoras, ou seja, indiretamente dos usuários de TV a cabo.

Em ambos os casos, os fundamentos são os mesmos: 1) os primeiros a chegar, são os primeiros a serem atendidos e; 2) todos aqueles sem voz em outras mídias conseguiram espaço e acolhimento para suas idéias nesses canais. Como conseqüência, grupos marginalizados passam a ter voz perante a opinião pública e seus pontos de vistas passam a ser considerados de modo mais adequado.

Tudo isso para dizer: a TV “pública” que está sendo edificada no Brasil, pelas características de seu modelo de gestão, falta de estabilidade dos dirigentes que podem ser exonerados a qualquer tempo, e pela ausência de participação da sociedade de um modo plural, levam a crer que essa emissora, quando muito, vai tentar alcançar o direito à informação, mas não vai servir suficientemente para a construção de uma estrutura voltada ao direito à comunicação.

Todavia, diante um panorama de tamanha concentração de poder e de audiência nas mãos de tão poucas empresas de radiodifusão, em certa medida potencializadas pelo próprio poder público, não podemos simplesmente desprezar qualquer iniciativa que possa proporcionar um relato diferente dos fatos em um país de democracia frágil e tardia. Ainda que, no fundo, a proposta de TV não seja exatamente de democratizar o espaço eletromagnético, ela pode servir de algum modo para expressar pontos de vista que não se sujeitem as propostas mercantis.

Além disso, como se observa, resumidamente, o direito à informação confere primazia ao conteúdo, ao passo que o direito à comunicação elege prioridade ao acesso público e à participação da coletividade na produção e na divulgação de informações. Longe de serem antagônicos, esses princípios podem ser construídos conjuntamente, desde que fique claro que os objetivos libertários do direito à comunicação está distante de ser atingido e depende de uma conjuntura democrática que ainda não alcançamos.

4 – Comunicação popular interditada

Como se viu, não vai ser com a TV Brasil que veremos um modelo que assegure o direito à comunicação. Além disso, torna-se importante dizer que dificilmente sobrevivem iniciativas de comunicação popular de modo duradouro e sustentável frente à lógica exclusiva do mercado. Tampouco são suficientes normas que protejam particulares da ação de um Estado centralizador.

Sob a regência dos ditames do mercado, apenas terão voz nos meios de comunicação de massa, quem possui capital ou influência perante os poderes oficiais. No mesmo sentido, na vigência de normas apenas protetivas frente ao Estado, não há garantia de diversidade de opiniões existentes da maneira mais ampla e completa possível na radiodifusão [15].

Em outras palavras, a comunicação popular não prospera como uma mera liberdade formal. Torna-se fundamental, portanto, a garantia de uma liberdade real, efetiva, apta a proporcionar meios através dos quais o livre exercício do pensamento ocorra de modo pleno, mediante incentivos econômicos e normativos que não se subordinem à lógica empresarial ou meramente de direitos de conteúdo meramente liberal.

Contudo, as iniciativas populares de comunicação não são tratadas pelo poder público com o mesmo esmero destinado às emissoras comerciais. À margem das facilidades desfrutadas por aqueles que possuem capital financeiro e influência perante os poderes oficiais, caminham em vias tortuosas as iniciativas da comunicação popular, em especial aquelas destinadas a ampliar um sistema de radiodifusão comunitário. Quando se trata de comunicação comunitária, os objetivos são diametralmente diferentes de propostas estritamente lucrativas ou propósitos de consolidação de valores hegemônicos.

Em se tratando de televisão comunitária, as proposições teorizadas pela professora norte-americana Laura Linder para um sistema de televisão de acesso público são: a) a criação de meios de expressão de indivíduos e grupos pelo vídeo e a sua divulgação para o público; b) fortalecer os cidadãos para desmistificar o processo de produção da televisão; c) encorajar o discurso público e a consciência sobre a diversidade; d); criação de um centro de discussão para interação e cooperação na produção de programas de vídeo e, por fim; e) uso da tecnologia do filme e do vídeo para promover a transformação social [16].

Não muito diferente em sua síntese, os propósitos mais importantes da comunicação comunitária pelo rádio, segundo postulam os pesquisadores Peter Lewis e Jerry Booth, são os seguintes: a) servir à comunidade geográfica ou comunidade de interesse; b) facilitar o progresso, o bem-estar e desfrute dos ouvintes, atendendo as demandas por informação, comunicação e cultura, fomentar sua participação nesses processos, proporcionando-lhe acesso à formação, facilidade de produção e transmissão, estimular a inovação em programação e tecnologia, além de tratar especialmente dos segmentos sociais menos representadas atualmente nas demais emissoras; c) ações positivas para assegurar políticas de administração, programação e emprego fomentem atitudes e representações que não sejam sexistas ou racistas; d) refletir a pluralidade e diversidade de opiniões da audiência e da comunidade e proporcionar o direito de resposta a qualquer pessoa ou instituição submetidos a falsa representação; e) extrair sua programação de fontes regionais ou locais mais do que nacionais [17].

O modelo de rádios comunitárias e TVs de acesso público, por conseguinte, possuem importante potencial para fornecer às comunidades os meios de interação, proximidade, organização coletiva e ampliação da diversidade de experiências exercidas individual ou coletivamente [18]. Não obstante, teriam muito a oferecer à população como veículos de produção e transmissão de conteúdo comunitário, que não são comercialmente interessantes para as emissoras com finalidades lucrativas.

É possível afirmar, portanto, que conceitualmente, tanto o uso de canais televisão de acesso público, como também de rádios comunitárias, não visam somente criar um espaço público alternativo de comunicação e a conquista desse direito, mas por meio de sua utilização, realizar a transformação social.

4.1 – Normatização dos serviços de radiodifusão comunitária no Brasil

No decorrer da década de 1990, diversas associações civis que atuavam com rádios comunitárias pressionaram o poder público para a edição de uma norma que conferisse maior segurança jurídica frente a fechamentos arbitrários. Tanto o vetusto Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, como também a proteção constitucional sobre liberdade de expressão e o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, [19] não forneceram suporte suficientemente seguro para viabilizar a existência duradoura de rádios de baixa potência sem fins lucrativos.

Diante dessa suporta “lacuna normativa”, foi necessária a edição da Lei n. 9612/98, ainda com dispositivos excessivamente restritivos de potência de irradiação, ausência de proteção contra interferências do sinal e impedimentos para financiamento de entidades externas ao local em que a emissora será instalada. Os pontos que atraem maior atenção, comparando-se com os veículos comerciais, referem-se a imposições de cláusulas extremamente rígidas, fato que implica violação ao princípio constitucional da igualdade.

Numa breve síntese sobre o procedimento de obtenção das outorgas, as entidades interessadas a adquirir concessões de rádios comunitárias necessitam constituir um conselho comunitário responsável pela gestão da rádio, manifestação de apoio formulado por associações da região de abrangência do sinal da emissora e aguardar a publicação de aviso de habilitação pelo Ministério das Comunicações. A concessionária, também a despeito do que ocorre com as emissoras comerciais, está impedida de estabelecer vínculos com instituições comerciais, familiares, partidárias ou religiosas, que possam gerar subordinação (artigo 11º) e formar redes com outras entidades (artigo 15º).

Nesse particular, de impedimento de formação de redes, há veladamente uma proibição para as comunidades serem ouvidas além da fronteira de um quilômetro e constituir verdadeiramente um veículo de comunicação de massa [20].

Não bastassem tais restrições, a principal questão geradora de polêmicas tem sido quanto à forma de financiamento das emissoras comunitárias. A estas, a lei só permite a obtenção de recursos mediante apoio cultural, impedindo expressamente patrocínio. Isto porque as emissoras comerciais certamente perderiam anunciantes em razão do custo mais baixo dos anúncios e maior enraizamento e identidade das rádios locais com as próprias comunidades.

Pela letra da lei, a quantidade de possíveis financiadores da rádio é diminuída, fato que é restritivo para a sua auto sustentabilidade. Numa comunidade pobre, por exemplo, o custeio da manutenção da rádio comunitária fica quase que inviabilizado, pois eventuais comerciantes que venham a fornecer apoio cultural podem ser igualmente pobres. Impossibilitada de recolher apoio fora desse limite imposto pela lei, a rádio comunitária têm meios escassos para prosperar [21].

O aspecto de maior celeuma quanto à constitucionalidade são os artigos 22 e 23 da Lei 9612/98, colocados a seguir em destaque:

“Art. 22. As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária operarão sem direito a proteção contra eventuais interferências causadas por emissoras de quaisquer Serviços de Telecomunicações e Radiodifusão regularmente instaladas, condições estas que constarão do seu certificado de licença de funcionamento.
Art. 23. Estando em funcionamento a emissora do Serviço de Radiodifusão Comunitária, em conformidade com as prescrições desta Lei, e constatando-se interferências indesejáveis nos demais Serviços regulares de Telecomunicações e Radiodifusão, o Poder Concedente determinará a correção da operação e, se a interferência não for eliminada, no prazo estipulado, determinará a interrupção do serviço.” (g.n.) [22].

Existem, pois, medidas extremamente restritivas ao funcionamento e gestão das emissoras comunitárias, as quais evidenciam descompasso com a atuação quase sem limites de algumas emissoras comerciais. A interferência no sinal de uma comercial pode ocasionar o fechamento de uma comunitária, ainda que a comunitária seja mais ouvida em determinada região. Porém, a interferência no sinal da comunitária por uma emissora comercial não produz quaisquer conseqüências.

Aparentemente, pelo menos, é lícito afirmar que pelo ponto de vista das emissoras privadas, o serviço de rádio comunitária deve operar, quando muito, no resíduo destinado a elas, no qual haveria muito pouco interesse mercantil. Evidente também a violação dessa lei ao princípio da igualdade e do direito de petição em razão de não poder a comunitária pedir em juízo proteção de seu sinal. (Art 5º inciso XXXIV, aliena “a” e inciso XXXV C. F 1988.) . Tais constatações permitem o entendimento segundo o qual as normas sobre radiodifusão, particularmente a lei relativa às rádios comunitárias, servem apenas a interesses comerciais privados, em detrimento do direito à livre expressão do pensamento da população.

Para confirmar esse entendimento, o jurista Roberto A. R. de Aguiar escreveu que:

“Evidentemente, considerando-se o caráter retórico da lei, o legislador originário concede o periférico para os grupos adversos, isto é, permite, ou por disposição legal ou por omissão da lei, uma série de atos e ´liberdades` para os outros grupos, tudo isso dentro dos parâmetros que delimitam os ´interesses de Estado`, ou seja, interesses do poder. Pode mesmo o legislador ceder estrategicamente em certos pontos, dando alguns anéis, mas nunca os dedos que continuam firmemente a segurar o cetro do poder” [23].

Outro fator impeditivo para a comunicação comunitária via rádio é que a demanda de solicitações de concessões é maior do que a capacidade de atendimento dos requerimentos pelo Ministério das Comunicações. O ritmo em que as solicitações de autorizações vêm sendo analisadas pelo Ministério das Comunicações não é o adequado, mas continua sendo a única maneira de uma rádio comunitária funcionar dentro da lei [24]. A título de exemplo, no Ministério das Comunicações, existem apenas 16 funcionários para analisar cerca de 8 mil pedidos de outorgas pendentes. Em oposição à tal morosidade, o fechamento de emissoras, a eficiência no fechamento de emissoras é notável. Estima-se que, apenas no município de São Paulo, entre 2002 e 2006, aproximadamente 2.500 rádios foram fechadas pela ANATEL, o que vale dizer cerca de 25 fechamentos por mês [25].

Quanto ao alcance do sinal da rádio, o limite permitido pelo decreto 2615/98 é de, no máximo, 1000 metros a partir da antena transmissora. Todavia, nota-se que a suficiência da potência máxima de 25 w transmitida por uma antena de 30 metros de altura está intimamente ligada à topografia do terreno no qual a rádio transmitir.

Numa região montanhosa, por exemplo, a instalação de antena em área de depressão tem, evidentemente, alcance menor do que se fosse instalada no topo de uma montanha [27]. Somente a partir desse tipo de consideração é que o poder concedente poderia saber a quantidade de rádios comunitárias que um município ou uma localidade pode comportar. Assim, a fixação de 25 w como potência máxima de uma emissora comunitária, sem a devida consideração sobre a topografia da região pretendida pela lei, a priori, é despropositada. Ao se fixar limite máximo igual para todos os postulantes, estão sendo ignoradas as vicissitudes das emissoras, igualando, por exemplo, rádios em regiões amazônicas e outras em grandes centros populacionais [29].

O exemplo mais marcante no município de São Paulo sobre o tratamento injusto dado pelo poder público às emissoras de rádio comunitária foi a Rádio Heliópolis.

Essa rádio, uma das mais antigas em funcionamento no município de São Paulo, também foi fechada por agentes da ANATEL e da Polícia Federal no dia 20/07/2006, muito embora tivesse requisitado autorização ao Ministério das Comunicações há mais de sete anos [30]. O serviço que ela prestava à comunidade de Heliópolis, estimada em 125 mil habitantes, segundo matérias veiculadas na imprensa, eram de orientações sobre questões de saúde, educação, cidadania e também auxiliava o encontro de pessoas desaparecidas.

Por esse trabalho social, em 2003, a Rádio Heliópolis recebeu reconhecimento da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).  Tão grave quanto essa forma de violência, foi o fato do poder público não oferecer serviços equivalentes para tal comunidade, residente na segunda maior favela da América Latina e abandonada em questão de proteção social.

O fechamento da Rádio Heliópolis causou sério desconforto em alguns integrantes no próprio governo federal, e serviu de motivo para mobilizar as entidades que atuam na comunicação social. Desse processo resultou que, em menos de seis meses, foi aberto o primeiro aviso de habilitação para o município de São Paulo desde a edição da Lei em 1998, ou seja, quase nove anos depois.

Nesse ponto, vai a segunda conclusão deste trabalho: não se pode esperar a boa vontade dos governantes ou de radiodifusores comerciais  para se alcançar a existência do direito à comunicação. É imprescindível haver intensa e constante demanda coletiva pela oportunidade de divulgar informações, sobretudo nos meios de comunicação administrados pelo poder público em nome da população.

4.2 – Canais comunitários de TV a cabo

Como dito anteriormente, a lei do Cabo foi fruto de uma inédita negociação entre entidades que militavam na seara da comunicação popular e as operadoras. Desse entendimento, as entidades conseguiram espaço para um canal comunitário, um outro universitário e um terceiro para uso do poder Legislativo.

Muito embora não tenha sido possível obter financiamento para a produção do canal comunitário, seu importante espaço foi conquistado. Na grande maioria dos casos, as próprias entidades não estavam preparadas para garantir estabilidade financeira e gerir o canal de modo sustentável.

Contudo, como pensava o jornalista Daniel Herz, protagonista dessas negociações em nome das entidades populares, o mercado de TV a Cabo deveria crescer e, por conseqüência, esse espaço conquistado seria mais importante na medida em que pudesse ser acessível a uma quantidade maior de pessoas. Sucede que o mercado de TV a cabo se estagnou por um bom tempo, e não se popularizou como previsto inicialmente, sem contar o declínio do poder de compra das classes médias desde 1995.

No Município de São Paulo, foi construído um condomínio das entidades para a distribuição dos custos e do espaço. Alguns dos espaços do canal comunitário foram ocupados por parlamentares, alguns outros por empresários que se ocultavam por trás de entidades beneficentes, outros por colunistas sociais cujas propostas eram absolutamente incompatíveis com a proposta de um canal comunitário.

Além disso, outra crítica corrente sobre o formato da grade da programação é a ausência participação de pessoas físicas individualmente consideradas sem participaram de associações, e o imperativo de a entidade interessada se comprometer com programação inédita ao menos uma vez por semana.
Diante desse quadro, a TV a Cabo continua ser um mercado bastante restrito, sem contar que o uso que vem sendo dado a esse espaço da televisão comunitária ainda está distante dos fundamentos do direito à comunicação de democracia de acesso e de produção de conteúdo.

5 – Algumas Conclusões

A partir dessas breves anotações, tentou-se evidenciar como é fundamental reconhecer e compreender a comunicação como bem público indispensável para a construção de valores democráticos e de um possível caminho para a emancipação humana.

O direito à comunicação significa, dentre outros aspectos, o reconhecimento da importância do direito de todo cidadão pode se dirigir à coletividade e se expressar da maneira mais livre possível e não somente de receber informações de poucas fontes. Na medida em que o direito à comunicação deixa de existir, a oportunidade de comunicar para a coletividade passa a significar privilégio e, conseqüentemente, torna-se valioso instrumento de poder usurpado da população. Caso o acesso aos meios de comunicações fosse igualitário para todos, esse poder certamente seria reduzido.

O cerne da questão é no Brasil, o conceito de liberdade de expressão vem sendo severamente amesquinhado, na medida em que a difusão de informações constitui privilégio gozado por reduzido número de agentes políticos, religiosos e empresariais. Essa estrutura voltada para o lucro particular, para o merchandising, reduz as concessões de radiodifusão a uma das moedas de troca para consolidar o poder de alianças políticas pouco republicanas, não serve para a democracia.

Como são poucos aqueles que podem se dirigir à população pelo rádio, jornais, revistas ou pela televisão, tais privilegiados acabam por escolher o que pode ser visto e abordado, como, quando e sob qual enfoque. Isto significa um poder muito importante numa sociedade que obtém informações e divertimento preponderantemente por meio dos concessionários comerciais de radiodifusão. Daí o enorme objeto de cobiça que representam essas concessões.

Ainda sobre os empresários do setor, por ser o modelo comercial o prevalecente e quase não haver impedimentos democráticos para o cometimento de abusos contra minorias tampouco fiscalização pública relativa à concentração comercial, eles estão praticamente livres para apelar para o grotesco, homofobia, preconceitos e reforço de estereótipos.

Vale assinalar ainda que, além de adquirirem importante poder político, eles obtêm uma fonte de lucratividade, pois as concessões de radiodifusão constituem também maneira privilegiada de se dirigir à população e tentar vender mercadorias. Quando as raras proteções da sociedade restringem determinados abusos pela sua repetição, são correntes os apelos à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão objetivando, à vista desse quadro, perpetuar privilégios e não reconhecer a comunicação de todos como direito.

Quanto aos políticos detentores de concessões, a conjugação do poder político e da imprensa tende a reforçar uma imagem positiva deles, omitindo eventuais críticas de adversários com vistas a perpetuar a gangsterização da política, bem como os chamados “currais eleitorais”, especialmente quando gerenciam com exclusividade diversas mídias, como canais de televisão, rádios e jornais numa mesma localidade. Não havendo oposição ou crítica, são grandes as chances de políticos nessas condições permanecerem por longos anos na vida pública.

Do ponto de vista normativo, em que pese ser defeso àqueles sujeitos à imunidade parlamentar a concessão de qualquer serviço público e haver restrições à formação de oligopólios nas comunicações, alguns desses privilegiados das comunicações parecem agir sem receio de qualquer óbice legal. Sob um enfoque político, sucessivos governos não possuem interesse em democratizar a palavra. Na prática, por conseguinte, pode-se notar a apropriação do espaço público, particularmente da comunicação social e a existência de impedimentos técnicos, políticos, econômicos e jurídicos, que se interpenetram para evitar o acesso coletivo da sociedade a um bem que pertence a ela.

Ao Estado, caso a comunicação fosse compreendida como direito, caberia a tarefa de reconhecer e proteger a pluralidade de opiniões, garantir que esses impedimentos não existissem, ou ao menos que fossem suavizados, e fortalecer a radiodifusão pública. Como tal reconhecimento não existe na prática, a grande maioria da população é privada do acesso a informações sem o crivo comercial, de ter voz e manifestar seus pontos de vista à coletividade.

Resta a ela, portanto, ser destinatária das poucas vozes que desfrutam desse privilégio, como receptores passivos de informações e publicidade. Vale ressaltar que os cidadãos interessados nos serviços de comunicação de acesso público poderiam transmitir diretamente seus pontos de vista, sem a intermediação de seu discurso por veículos comerciais [30].

Em razão de serem poucas as divergências substanciais entre os pontos de vista habitualmente transmitidos perante os veículos de informação comerciais, eles acabam reforçando um ao outro, sem dar espaço para outras visões de mundo e acabam por aparentar como sendo os únicos racionalmente possíveis.

Por serem poucos os pontos de vista, as discussões sobre os destinos da sociedade acabam sendo pobres, consensos podem ser fabricados artificialmente e não há espaço para discussão de assuntos comunitários, tampouco incentivo à organização coletiva. A temática dos debates, muitas vezes com falsas divergências de fundo, acaba se centrando nos binômios simpatia/antipatia, herói/vilão e na superficialidade no tratamento de idéias e assuntos por vezes complexos.

A população, demais disso, continua sem um dos principais espaços públicos para se manifestar e os discursos daqueles que têm voz acabam repercutindo como os únicos prevalecentes. Para haver uma democracia salutar, os cidadãos precisam ter acesso a uma vasta quantidade e diversidade de informações, bem como participar da fabricação delas. Com a crescente concentração da mídia, os cidadãos têm acesso cada vez mais restrito a diferentes pontos de vista.

Não obstante, nossa democracia permanece fragilizada e a possibilidade de uma sociedade civil atuante, organizada e consciente de seus direitos e deveres fica mais distante. Assim, pode-se afirmar que a conservação de um sistema desigual na distribuição de bens materiais, justiça e educação têm como um dos suportes essa perpetuação do privilégio de comunicar.

Os efeitos da movimentação social de algumas entidades, decerto, não produzem resultados imediatos. Porém, servem para um lento e contínuo processo, cujo propósito serve à conscientização sobre a relevância da matéria. Além disso, é de grande valia a promoção de debates públicos sobre as mazelas da exclusividade do sistema comercial, a formulação de produção teórica, articulação de pressão no seio da sociedade civil, com vistas a proporcionar concretude ao direito à comunicação, que em última instância, fortalece e amplia o horizonte democrático vigente na sociedade brasileira [31].

Talvez com essa movimentação social, juntamente com importantes medidas judiciais promovidas pelo Ministério Público Federal, possa ser desvelada a situação da comunicação no Brasil para substancial número de pessoas e, assim, contínua e progressivamente, o poder público será pressionado para que sejam adotadas medidas para construir os alicerces do direito à comunicação.

NOTAS

[1] Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

[2] Cf. DOWNING, John D. H. Mídia Radical – Rebeldia nas comunicações e nos movimentos sociais. São Paulo: Ed. Senac, 2002.

[3] CF. FISCHER, Desmond. O Direito de Comunicar – expressão, informação e liberdade. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984; FERRARI, Vicenzo. Mídia e informação no final do século XX. In: GUIMARÃES, César e JUNIOR, Chico (orgs.) Informação e Democracia. Rio de Janeiro, Editora UERJ, 2000; AUFDERHEIDE, Patricia. The daily planet – A critic on the capitalist culture beat. University of Minnessota Press, 2000; LINDER, Laura. Public Acess Television. America's Electronic Soapbox. Westport: Praeger Publishers, 1999; SÉNÉCAL, Michel. Democratization of the Media: Liberty, Right or Privilege. In Communications and Democracy: Ensuring Plurality. Southbound: Brij Tankha, 2004 e LEAL FILHO, Laurindo Lalo: A Melhor TV do mundo – o modelo britânico de televisão. São Paulo: Summus Editorial, 1997.

[4] Entrevista de José Sarney à revista Carta Capital, n.º 369, 25 nov. 2005. 

[5] CASTRO, Ruy. Roquette Pinto: O Homem Multidão. Disponível em:
http://www.radiomec.com.br/. Observa-se, nesse particular, que essa proposta formulada por Roquette Pinto não era muito distante daquele ocorrido no início da BBC.

[6] Idem, ibidem.

[7] A primeira referência legal sobre televisão no Brasil foi o decreto 31.835/52 data de 21 nov. 1952, o qual aprova as normas e o plano de atribuição e distribuição de canais, de feição eminentemente técnica.

[8] MATHIAS, Suzeley Kalil. Op. Cit.

[9] Idem, ibidem.

[10] Idem, ibidem.

[11] Para o eminente Celso Antonio Bandeira de Mello, professor titular de direito administrativo da PUC/SP, “Quando se trata de concessão ou permissão de rádio ou televisão, tal regra (art. 175 da C. F.) é inteiramente ignorada, seguindo-se muito disfarçadamente, a velha tradição de mero favoritismo. Como se sabe, é grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Nesse setor reina – e não por acaso – autêntico descalabro. [...] acresce que, para completar o quadro confrangedor, uma única estação de televisão detém índices de audiência nacional esmagadores, ensejado pelo sistema de cadeias ou repetidoras de imagem – sistema que, aliás, constitui-se em manifesta burla ao espírito da legislação de telecomunicações. [...] o tratamento escandaloso que a Constituição dispensou ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar forças tão poderosas – as maiores existentes no País. Veja-se: a disciplina da matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei Magna. Ali se estabelece que a outorga e renovação da concessão, permissão ou autorização para radiodifusão sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional apreciará tais atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei de iniciativa do Presidente, para os quais este haja demandado urgência. Agora, pasme-se: para não ser renovada concessão ou permissão é necessária deliberação de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional e por votação nominal! Contudo, há mais, ainda: o cancelamento de concessões ou permissões antes de vencido o prazo (que é de 10 anos para emissoras de rádio e de 15 para as de televisão) só poderá ocorrer por decisão judicial, contrariando, assim, a regra geral que faculta ao concedente extinguir concessões ou permissões de serviço público !”. Cf. MELLO. Celso Antonio Bandeira de. Op. Cit., p. 602-603. (grifos do autor).

[12] FERNANDES, Florestan. A constituição inacabada – vias históricas e significado político. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. p. 105.

[13] Cobertura de dossiê fez Lula criar TV pública. Folha de S.Paulo, edição de 07/10/2007, assinada por Kennedy Alencar.

[14] Diferentemente do que ocorre no Brasil, nos Estados Unidos as concessões de TV a cabo são municipais. Assim, os conselhos municipais negociam diretamente com as operadoras e estabelecem, além do preço da concessão, quantos canais para uso comunitário vão ser concedidos para uso gratuito.

[15] Conforme trecho de decisão contida em “Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão”. In: SCHWABE, Jurgen. (Org.). Konrad Adenauer Stiftung, Montevideo, 2005. p. 475-483.

[16] LINDER, Laura R. Public Access Television - America's Electronic Soapbox. Westport: Praeger Publishers, 1999.

[17] LEWIS, Peter M. e BOOTH, Jerry. El Medio Invisible – Radio Pública, privada, comercial y comunitária. Barcelona: Paidós, 1991. p. 283-284.

[18] Trecho da entrevista realizada por este autor na rádio comunitária de Santana de Parnaíba, jul. 2005.  “P: O que difere, para a comunidade, o fato de uma rádio ser comunitária e não comercial? R: Essa proximidade com a comunidade. A gente tem um leque maior de estilos e toca também artistas da cidade. As músicas que eles tocam, a gente toca também. Se você quiser ouvir uma música nacional que está estourada, você liga, vai pedindo e não tem como não tocar, até mesmo para manter o ouvinte. Só que tem a proximidade. Vou falar que o Zezinho lá do parque Fernão Dias está ouvindo a rádio “ô Zezinho, obrigado pela sintonia, dá um abraço para a mãe dele, para o pai dele, para o tio”, então está todo mundo ouvindo. Se você ligar para uma rádio comercial, tem que dar graças a Deus que você vai ser atendido, pelo menos se o cara falar alô. Você pede uma música e não toca o que você quer, não fala nada da cidade. P: Qual a importância para a comunidade de haver uma rádio local? R: A importância é muito grande. Você vai ter um veículo de comunicação que está próximo de você. Hoje, se vem um senhor de uma loja e diz, “Sérgio, eu queria que anunciasse aí, que eu estou precisando de um funcionário a mais na loja. Dá para você anunciar para passarem amanha lá na loja para fazer ficha?”. Eu anuncio. E essa população está ouvindo a rádio. Ela sabe que determinados horários, tem oferta de emprego. Hoje mesmo aconteceu: a menina perdeu a cachorrinha, está doente e a mão pergunta se dá para anunciar. É lógico que dá para anunciar. Depois o pessoal liga e fala: “Obrigado, achou”. Então o pessoal vai levando em consideração essas coisas. Os próprios eventos da cidade, o pessoal que quer saber o que está acontecendo na cidade, sintoniza a rádio. Para você ter uma informação, hoje, você pega o jornal. A população lê jornal? Não lê jornal. Não lê revista. Quer ver a novela, o Jornal Nacional, isso se alguém assiste. Com o rádio não. O cara está trabalhando lá na padaria, mas está como radinho ligado nas notícias da cidade.”

[19] Pacto de São José da Costa Rica. “Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão. 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.  [...] 5. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.”

[20] LINDER, Laura. Op. Cit.

[21] Isso sem falarmos do enorme problema das emissoras comunitárias diante da transição para o sistema de rádio digital.

[22] BRASIL: Lei sobre rádios comunitárias (Lei n.º 9612/98), artigo 26.

[23] AGUIAR, Roberto A. R. Direito, poder e opressão. São Paulo, Alfa-Omega, 1990. 3ª Ed. p. 39-40.

[24] Levantamento do Fórum Nacional Pela Democratização das Comunicações (FNDC) publicado em 29 ago. 2005, 15.449 rádios comunitárias ainda aguardam licença definitiva para operar. Destas, 13.100 solicitações aguardam manifestação (85%), 540 operam com concessão provisória, (3,5%) e 1378 funcionam com licença definitiva, (9%).

[25] Informações prestadas pela ANATEL ao Ministério Público Federal no início de 2007.

[26] Segundo Laura Stein, a rádio KPFA, de caráter não comercial, localizada na Califórnia, opera atualmente com cerca de 59.000 w. A autora relata ainda que o órgão regulador norte-americano, o FCC, estipula que a freqüência mínima para transmissão é de 100 w e não há qualquer impedimento para a formação de redes. Cf. STEIN, Laura. Televisão comunitária e comunicação política popular nos Estados Unidos. In: DOWNING, John D. H. Mídia Radical. São Paulo, Editora Senac, 2002.

[27] Em suma, os pontos que merecem destaque sobre a lei que normatiza o funcionamento das rádios comunitárias e posteriores regulamentações são as restrições 1) a 1000 metros do sinal da antena da rádio a partir do emissor; 2) quanto ao financiamento, que somente pode ser feito por meio de apoio cultural local, sem qualquer tipo de comercial, fato que pode inviabilizar o funcionamento das emissoras, especialmente atualização de equipamentos frente à obsolescência, pagamento de funcionários e pagamento de despesas básicas de energia elétrica, por exemplo; 3) A proibição da formação de redes com outras rádios é impeditiva para a formação de um verdadeiro veículo de comunicação de massas; 4) O tratamento dado às comunitárias é desigual quando comparada às emissoras comerciais, sobretudo quanto à potência, veiculação de comerciais, formação de redes, abrangência do sinal e interferência no sinal – se uma comunitária interferir numa comercial, a primeira pode ser fechada, ao passo que se uma comercial interferir numa comunitária, nenhuma proteção a lei fornece a ela. Caso houvesse motivos de interesse público, tais restrições atingiriam a ambas; 5) Ainda existe favoritismo na outorga das concessões em razão dos inúmeros meandros burocráticos.

[28] Para mais detalhes técnicos sobre a influência da topografia na emissão de uma antena de rádio, ver SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios Comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 121 et. seq.

[29] MEIRELES, C. “Anatel fecha Rádio Heliópolis; comunidade lamenta ação da polícia”. Agência de Notícias do Planalto. 24 jul. 2006 Disponível em: www.noticiasdoplanalto.net.

[30] HALLECK, Dee Dee. Hand-Held Visions – the impossible possibilities of community media. New York: Fordham University Press, 2002. p. 104.

[31] A esse respeito, é fundamental a existência de militância que consiga aglutinar discurso organizado. Efetivamente, várias entidades não governamentais têm contribuído de maneira incisiva para o debate da democratização dos meios de difusão de massa, tais como a TVER, o Communication Rights in the Information Society – Direito de Comunicação na Sociedade da Informação (CRIS), a Oboré, o Fórum Nacional para a Democratização da Comunicação (FNDC), a Agência Carta Maior de Notícias, o Jornal Brasil de Fato, o Centro de Mídia Independente (CMI), a Midiativa - Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes, o Observatório Brasileiro de Mídia, a Agência de Notícias Frei Tito para a América Latina (ADITAL), o Observatório de Imprensa e o Coletivo Intervozes, o Movimento dos Sem Mídia entre outros.

*Eduardo Altomare Ariente é mestre em Teoria Geral e Filosofia do Direito pela USP e professor de Deontologia e Legislação do Jornalismo da ECA-USP.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]