Nº 8 - Julho 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 

 

 


 

 

 

 

 

 


ENSAIOS
 

Cartografia audiovisual brasileira:
Um estudo quali-quantitativo de TV e cinema em 2005

Por Cosette Castro*

Introdução

O ofício de realizar a primeira cartografia da produção audiovisual brasileira voltada para a TV e o cinema focando os gêneros de entretenimento começou em dezembro de 2005. O trabalho reuniu, em sua maioria, pesquisadores especializados em Economia Política da Comunicação e Estudos Culturais Críticos de cinco regiões do país e suas equipes de trabalho. [1]

Usamos as ferramentas analíticas da Economia Política da Comunicação, por sua abordagem macro-estrutural sobre a mídia e a produção audiovisual, bem como sobre a concentração dos meios de comunicação em um cenário midiático capitalista. Para além dela, no entanto, são necessárias outras abordagens, como as que dizem respeito à cultura aí implicadas - daí o recurso dos Estudos Culturais Críticos.

De acordo com a legislação brasileira, o termo audiovisual é amplo o suficiente para abarcar produtos realizados para o cinema, para a TV ou o rádio. Trata-se de "produto de fixação ou transmissão de imagem com ou sem som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento independentemente dos processos de captação, dos meios utilizados para a sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão do produto" (Brasil, 2004e).

Neste trabalho, pela necessidade de delimitação do corpus estudado nos restringimos à investigação das TVs abertas e por assinatura e tangencialmente, do cinema nacional divulgado nos diferentes canais de TVA pesquisa que resultou no presente artigo possui um caráter transdisciplinar [2] e analisa a produção dos produtos audiovisuais de entretenimento locais realizados no Brasil e exibidos nas TVs abertas e por assinatura em 2005, tendo como fonte primária de pesquisa a grade de programação divulgada nos principais jornais do país, seja na versão impressa ou on line.

No que diz respeito à TV, centramos o estudo na produção audiovisual local das TVs - abertas e por assinatura - situadas nas capitais brasileiras. Uma tarefa relativamente fácil no Sul do país, onde as informações são acessíveis, mas bastante complicada em outros casos. A Região Nordeste, por exemplo, mereceria um estudo à parte dada a quantidade de estados: nove (09).

Quanto à região Sudeste, a quantidade de canais de TV - muitos deles cabeças-de-rede - localizados apenas nas capitais, é surpreendente.

Apenas na cidade de São Paulo são 42 canais. Se acrescentarmos as emissoras da cidade do Rio de Janeiro, estes números saltam para 66 canais de TV, sem contar as emissoras dos outros dois Estados do Sudeste: Espírito Santo e Minas Gerais.

Durante a realização do trabalho, organizamos em categorias o que nos interessava conhecer para realizar o mapeamento da produção audiovisual brasileira. Para responder a pergunta sobre a quantidade de produção local e regional em comparação com a produção cultural das cabeças-de-rede, [3] sejam elas comerciais ou educativas, buscamos conhecer os seguintes percentuais:

  • produção local;
  • produção em rede (no caso da TV);
  • produção nacional/ internacional.

Outro critério de análise adotado foi separar a produção audiovisual original dos chamados "horários alternativos", que "engordam" a grade de programação das emissoras em alguns casos, até 25%, como ocorre com a RBS TV e o seu Canal Comunitário, no Rio Grande do Sul. Neste caso específico, pelo menos 20% programação é veiculada nas duas emissoras, uma no sistema aberto (RBS TV) e outra através do cabo (Canal Comunitário), mas são computadas como produção local original, particularmente no que diz respeito à categoria entretenimento e seus diferentes formatos.

Ainda no estudo de TVs abertas, organizamos três variáveis de análise:

  • o percentual de programas locais dentro do número de programas levados ao ar a cada dia do estudo qualitativo de uma semana;
  • o percentual de programas locais de entretenimento com relação ao total de programas locais produzidos;
  • o percentual de programas reprisados em relação a produtos da categoria entretenimento.

A escolha da categoria entretenimento foi não casual. O Brasil encontra-se no segundo lugar mundial na produção de produtos culturais ficcionais, particularmente a telenovela, perdendo apenas para os EUA. No horário nobre há uma média de 85% de produtos brasileiros enquanto os EUA tem 100% de produção nacional neste horário (Apud: Reimão, 2000:11). Algo que ocorre também em outros países, embora não em tão alto grau, como mostra estudo realizado pelo Laboratório Europeu de Ficção (2002): nos cinco maiores países do velho continente, o horário nobre é doméstico e os demais são predominantemente preenchidos com programas norte-americanos (Buonanno, 2004).

Além disso, os programas de entretenimento foram os escolhidos para o estudo porque são os que apresentam maior índice de audiência no país.

Basta observar as audiências das telenovelas, de reality shows como Big Brother Brasil (BBB) que recentemente terminou sua sétima edição (2007), de programas de auditórios (talk shows), como o programa do Ratinho, do Faustão ou um late show como o Programa do Jô. Acreditamos que a categoria entretenimento é a maneira que as indústrias culturais encontraram para reorganizar as identidades coletivas e as formas de diferenciação simbólica. Isso ocorre ao produzirem e darem visibilidade a formatos cada vez mais híbridos, que misturam ficção e realidade, fragilizam as demarcações entre culto e popular, o tradicional e o moderno, o próprio e o alheio.

Outro motivo da escolha da categoria entretenimento foi porque é o espaço de produção audiovisual brasileiro que ainda não possui acompanhamento sistemático em termos de pesquisa acadêmica ou governamental, a não ser aquelas que dizem respeito à produção ou recepção de telenovelas, no caso de estudos televisivos.

O entretenimento está incluído em toda e qualquer idéia de produção, sem exceção, lembra o manual de produção de programas da British Broadcasting Corporation (BBC), de Londres. Segundo o manual, entreter não significa apenas sorrir ou cantar em frente à tela da TV. Vai muito mais além. Um programa de entretenimento pode ser interessante, surpreendente, divertido, chocante, estimulante ou ainda desafiar a audiência, despertando sua vontade de assisti-lo.

Os programas de entretenimento para TV englobam formatos de ficção ou realidade, ao vivo ou gravados, que podem contar (ou não) com a participação do público, seja ao vivo, pela Internet, por cartas, fax ou telefone. Sua função, em programas de ficção, de realidade ou da mescla entre ficção e realidade, é situar a audiência em relação aos diferentes programas, permitindo sua classificação em modelos e formatos reconhecíveis (Castro, 2003). É possível dizer ainda que, independente da categoria do programa, ele (o formato) sempre deve entreter. Por outro lado, poderá também informar ou educar, embora poucos pesquisadores reconheçam esse potencial nos conteúdos de entretenimento.

Hoje se pode afirmar que não há um gênero puro tanto na narrativa de ficção em TV, como na narrativa cinematográfica. Elas estão impregnadas de outras narrativas e também da realidade. Neste sentido, a noção de gênero é concebida aqui como o faz o pesquisador espanhol, Jesús Martín-Barbero (1987), como uma mediação: como matriz cultural e estratégia de comunicabilidade constitutiva do meio e elemento essencial da expressão do público. Os formatos são as características gerais de um programa de televisão. Dentro de um mesmo gênero podem co-existir vários formatos.

Na Cartografia Audiovisual Brasileira a produção de entretenimento foi dividida em 13 segmentos, como pode ser observar a seguir. São eles:

programas de auditório;
reality shows;
telenovelas;
filmes (ficção e documentários) produzidos para TV;
filmes (ficção e documentários) produzidos para o cinema e mostrados na televisão;
seriados;
séries;
programas infantis;
os desenhos animados nacionais;
clips;
programas musicais;
programas de debates que não tenham caráter jornalístico (sobre cinema, por exemplo) e
humorísticos.

Nas categorizações apresentadas por diferentes autores os programas eróticos não aparecem nem são indicados em nenhum gênero. No entanto, ao realizar a Cartografia Audiovisual Brasileira consideramos importante incluir este tipo de programação. Isto porque nas TVs por assinatura, como é o caso de Canal Adulto (pertencente a Sat América Programadora), Sexy TV (RJA Produções e Comunicações Artísticas), For Man e Sex Hot (ambos da Globosat) fazem parte do gênero erótico e produzem, segundo informações do Anuário Pay-TV 2006, entre 30 e 40% de produção nacional, seja ela de produção própria do canal, ou comprada de outras produtoras brasileiras. Embora sistematicamente deixado de lado, se refere a um mercado representativo da produção audiovisual nacional, como o foi a pornochanchada em seu tempo para o cinema brasileiro.

Quanto à produção audiovisual cinematográfica, ela aparece neste estudo de forma transversal, já que o projeto trata da produção audiovisual de programas de entretenimento em TVs abertas e por assinatura, onde incluímos a categoria analítica filmes. O cinema faz parte do leque das produções audiovisuais brasileiras, apresentado na forma de produtos ficcionais ou de documentários, através de longas ou curtas-metragens que deveriam ser mostrados diariamente nas TVs brasileiras, sem restringir seu espaço à programação das TVs públicas ou de canais comunitários, educativos ou legislativos que ocupam canais na TV a cabo. Um serviço que não chega a alcançar 5% da população, segundo dados da Associação Brasileira das TVs por Assinatura (ABTA).

Buscamos neste estudo realizar um rápido levantamento da produção cinematográfica nacional nas TVs abertas e por assinatura no período estudado. Por exemplo, nas TVs abertas comerciais não houve oferta de nenhum filme nacional às audiências no período compreendido 05 a 11 de dezembro de 2005. Isso não é de se estranhar. Embora o presente trabalho seja um estudo qualitativo de uma semana da grade de programação dos principais jornais do país, reforça o que revelaram Andrade e Reimão (2005) em pesquisa sobre a veiculação de filmes brasileiros nas TVs abertas.

O trabalho de Andrade e Reimão (2005) realizado entre 1980 e 2000 percorreu 21 anos das grades de programações brasileiras mostrando que, nesse período, foram exibidas nas TVs abertas apenas 680 produções cinematográficas nacionais. Se levarmos em conta as reprises destes filmes de longa-metragem, houve um total de 1.957 transmissões. Parece muito, mas em 21 anos a inserção de filmes brasileiros na TV não passou da casa das 140 exibições por ano. Ou seja, foram mostrados entre 1980 e 2000, um único filme brasileiro a cada dois dias, enquanto as TV abertas abriram suas grades de programação para horas e horas de filmes estrangeiros, em particular os estado-unidenses.

A pesquisa sobre a Cartografia Audiovisual Brasileira em 2005, além de mostrar em números o baixo aproveitamento da produção nacional, mapeia as empresas de comunicação, detalhando o complexo jogo de propriedade de diferentes espaços midiáticos que existem no país, como veremos mais adiante.

Nas TVs por assinatura, o aproveitamento da produção nacional audiovisual não tem sido diferente. Segundo a ABTA, apenas 5% do que é mostrado nas TVs pagas tem origem nacional. Neste estudo, observamos que a presença de obras cinematográficas brasileiras restringiu-se a veiculação feita pelo Canal Brasil (Net) e no canal Cine Brasil (TVA), [5] espaços que podem ser considerados quase um gueto dentro das TVs pagas e que, como relatamos anteriormente, chegam em seu total a 5% dos brasileiros [6].

No caso do Canal Brasil, é preciso ser assinante do pacote Premium para ter direito a assistir a programação nacional quando ela deveria estar disponível não apenas para quem pode pagar, mas deveria ser disponibilizada diariamente também nas TVs abertas de maior audiência para que os brasileiros tivessem acesso aos produtos audiovisuais produzidos no país.

Se para analisar o aproveitamento da produção nacional nas TVs abertas utilizamos como fonte os jornais impressos e on line, no estudo das TVs por assinatura, realizamos análise qualitativa de quatro meses de 2005 (janeiro/fevereiro - novembro/dezembro) da maior operadora do país, a Net. [7] Este período representa 1/3 da programação anual da empresa.

Estudamos, por exemplo, o número de longas-metragens exibidos em todos os canais da Net e divulgados na Revista Monet, da empresa. Os resultados mostram que foram levados ao ar um total de 6.053 filmes, mas apenas 442 eram películas brasileiras.

Desse baixo número de exibições, 396 eram longas brasileiros destinados ao público adulto, 10 eram longas destinados ao público infanto-juvenil e 36 eram documentários. Durante a pesquisa descobrimos que do total de filmes exibidos:

  • 7,3% foi destinado ao audiovisual cinematográfico brasileiro, seja em filmes voltados para o público adulto, para o público infanto-juvenil ou documentários.

Se compararmos o total de filmes do período estudado - 6.053 - com os filmes brasileiros exibidos nesses quatro meses - 396 - é possível observar que estes números representam apenas 6,5% do total de filmes disponibilizados aos assinantes.

Se compararmos o total de filmes do período estudado - 6.053 - com a quantidade de filmes brasileiros dedicados ao público infanto-juvenil exibidos em quatro meses - 10 - veremos que a proporção é quase inexistente: 0,16%.

Se a comparação for feita em relação ao número de documentários brasileiros exibidos em quatro meses - 36 - e o total de filmes exibidos nesse período - 396, é possível perceber que o percentual também é irrisório: 0,6%.

Tais estudos revelam a premência de uma lei geral de comunicação eletrônica que garanta espaço não apenas para a produção de produtos audiovisuais brasileiros, mas também garanta sua distribuição e visibilidade nas TVs abertas e por assinatura.

Em termos de produção cinematográfica brasileira, tivemos a preocupação de mapear o que foi produzido ou estava em fase de produção em 2005 e encontramos uma profícua proliferação de curtas e longas-metragens, muitos deles sem financiamento ou distribuição garantida. Isto é, sem nenhuma garantia futura, que não seja o circuito dos festivais, caso o realizador tenha condições financeiras de mostrar sua obra.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, tinha, em 2005, 53 documentários e 126 filmes de ficção em fase de produção ou sendo finalizados, a espera de distribuição. Ou o caso do Rio de Janeiro, onde a falta de políticas públicas (estaduais e federais) ocasionou um fenômeno de criação em circuitos alternativos pela sociedade que passa ao largo do governo, em suas esferas municipal, estadual ou federal. [8]

Consideramos que a presente cartografia das obras audiovisuais cinematográficas brasileiras poderá ter vários desdobramentos, além de oferecer um mapa das oportunidades e níveis de produção entre as diferentes regiões, ajudando no desdobramento de futuros projetos e trabalhos tanto para a academia como para o mercado. Mas, para além dos dados apresentados, esta cartografia poderá servir de base para a definição de políticas públicas para o setor que incluam o aproveitamento da produção audiovisual cinematográfica nas TVs abertas e por assinatura.

Outros Olhares

A TV nos mostra hoje uma nova cartografia da sociedade, o que exige uma análise diferenciada não apenas da dimensão política ou econômica, mas também sócio-cultural do universo midiático, como lembra Jesús Martín-Barbero. E um novo olhar significa perceber a complexidade do que chamamos de real, sem reduzir os acontecimentos midiáticos a alguns chavões ou esquecer o papel do receptor nesse processo. Significa também dar o devido espaço para o contexto histórico e os processos sócio-econômicos e culturais que influenciam os modos de ver, pensar, produzir e transformar em mercadoria os produtos audiovisuais brasileiros.

Em termos de contexto, a presente pesquisa ressaltou o cruzamento entre política e propriedade dos meios de comunicação no país, seja através de emissoras diretamente atreladas a políticos (ou ex-políticos) ou às emissoras públicas que estão diretamente atreladas aos governos estaduais ficando a mercê de seus interesses.

A situação do Nordeste, por exemplo, é bastante esclarecedora nesse sentido. Na região Nordeste, há 68 políticos locais que são proprietários de veículos de rádio e TV. [9]. A maior parte das concessões foram distribuídas antes do governo Lula a políticos do PFL, PMDB e PSDB. Os casos mais gritantes são do senador Garibaldi Alves Filho (PFL/RN) que possui 10 concessões distribuídas entre rádios AM, FM e TV, seguido do senador José Sarney (PMDB/MA), com nove concessões de rádio AM, FM e TV.

Outros políticos nordestinos já são famosos por suas ligações com a mídia. Este é o caso do senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL/BA, que é proprietário da afiliada da Rede Globo em Salvador (TV Bahia). No Paraná, o proprietário do grupo do mesmo nome, Paulo Pimentel, é ex-deputado federal, ex-governador e ex-senador pelo Paraná.

Ele possui uma das maiores redes de comunicação regional do Sul do país. E em Brasília, há o caso de Paulo Octavio que, além empresário do ramo imobiliário, é senador da república pelo PFL/DF. A questão das concessões, como já vem sendo denunciado há algum tempo por instituições públicas e pesquisadores, [10] tem sido alvo de análise, sugestões e projetos de lei, mas até o momento não tiveram força para sair do papel.

A concentração da mídia não se situa apenas entre os políticos. Para além deles estão os grupos de comunicação privados que chegam a 98% dos lares brasileiros durante 24 horas, todos os dias, levando sua mensagem, sua versão da realidade e do mundo. Este são os casos da Rede Globo, do SBT, do Grupo Bandeirantes ou da Record, empresas nacionais que possuem concentração vertical, [11] ou seja, há uma ausência da separação entre a atividade produtiva e atividade exibidora. Nessas emissoras, mais de 90% dos conteúdos são produzidos internamente, não dando espaço para o mercado audiovisual independente.

A concentração vertical aparece também em grupos regionais de mídia, como a Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), considerada a maior rede de comunicação regional da América Latina. O grupo possui seis jornais, 24 emissoras de rádio (AM e FM), 21 canais de TV (aberta e por assinatura), portal de Internet, agência de notícias, empresa de marketing e, ampliando ainda mais a concentração, é sócia da operadora Net serviços.

Segundo o Fórum Nacional pela Democratização (FNDC), seis das principais redes privadas nacionais (leia-se Rede Globo, SBT, Record, Bandeirantes, CNT, Rede TV!) estão vinculadas, entre canais próprios e afiliadas, a 263 das 332 emissoras brasileiras de TV, representando 79,2% de todas as emissoras brasileiras de TV aberta. Pelos dados do Ministério das Comunicações, duas destas redes exorbitam o número de emissoras próprias permitidas pela lei. O artigo 12 do Decreto-lei 236 diz que uma mesma entidade só pode deter um máximo de 10 concessões de radiodifusão de sons e imagens (TV aberta) em todo o território nacional. [12] É o caso da Globo e do SBT [13] que possuem, respectivamente, 20 e 11 emissoras próprias sem que tal excesso até o momento tenha sido coibido.

Estrutura de Distribuição

A estrutura de distribuição da televisão aberta no país merece um rápido comentário neste artigo. Como foi levantado pela coordenadora regional do Centro-Oeste, Suzy Santos, os interessados em descobrir essa estrutura têm de lidar com um enigma similar aos enfrentados pelas personagens de literatura policial. A cidade de Cuiabá (MS) é um bom exemplo. Ao consultar o sistema Siscom [14] sobre as retransmissoras disponíveis na cidade, é possível encontrar 12 retransmissoras sem identificação de endereço.

Para traçar políticas públicas de comunicação claras, é preciso ter arquivos em condições de oferecer dados para todos os interessados, seja a população, os pesquisadores ou empresários. Nesse sentido, é necessário manter sistemas informativos atualizados, assim como controlar as outorgas e estabelecer espaços para os diferentes gêneros da produção audiovisual brasileira.

Uma estrutura clara e informatizada corretamente ajudaria a mapear, por exemplo, o fenômeno do tele-evangelismo que se espalhou, em menos de duas décadas, por todo o país. Aliás, a classificação dos programas religiosos, um gênero cada vez mais híbrido que mistura música, entrevistas, reportagens e outros formatos com conteúdo ou intenções religiosas pode ser identificada como uma nova categoria de programas.

Segundo José Carlos Aronchi, coordenador da pesquisa em São Paulo, o termo adequado deveria ser entretenigreja, ou seja, a mistura de programas de entretenimento com os apelos religiosos de diferentes igrejas que utilizam a radiodifusão como principal veículo para ampliar o número de fiéis.

Assim como o conceito de infortenimento reúne informação com entretenimento, o entretenigreja reúne elementos das quatro categorias de programas de televisão: entretenimento, informação e educação religiosa, quase beirando a publicidade. Na programação das TVs abertas de São Paulo, com muitos programas transmitidos em rede para o Brasil, esta nova categoria televisiva toma conta da programação.

Mas o fenômeno não se restringe a São Paulo. No Sul, em especial no Paraná, os programas religiosos proliferam nas TVs abertas e por assinatura. Também o Norte possui diferentes emissoras religiosas. Aliás, vale ressaltar que existe um domínio de grupos religiosos travestidos de empresas que conquistam concessões em várias partes do país. Redes de alcance nacional como, por exemplo, Rede Record, Rede Mulher, Rede Vida e Canção Nova têm tudo em comum e nenhuma integração oficial, mas, como pode ser verificado a seguir, os sinais se cruzam:

  • As quatro redes pertencem a grupos religiosos ou com forte investimento de alguma igreja (a Record e a Mulher pertencem à neopentecostal Igreja Universal e as outras duas são católicas);
  • As quatro têm cabeças-de-rede em São Paulo;
  • Elas transmitem para todo o país em canal aberto VHF, UHF ou por satélite e inserem, no meio da programação, programas religiosos;
  • Inserem, nos programas de entretenimento, atrações religiosas;
  • Vendem produtos, como livros, discos e filmes produzidos pelas empresas coligadas.

Outra forma de conquistar novos fiéis é a compra de espaços televisivos para divulgação de mensagens religiosas. Isso é uma prática em empresas comerciais laicas, como a Rede Bandeirantes, Rede TV!, a CNT e a TV Gazeta. Os programas religiosos também aparecem nas TVs por assinatura, como a Amazonsat, que chega por satélite a todo país.

A empresa oferece em sua grade dois programas religiosos: Oração da Sagrada Família e Igreja pelo Mundo, sendo que este último oferece mensagens e informações sobre a igreja católica. Mas os programas religiosos não se restringem as TVs comerciais. Eles se expandiram pelas grades de programação, a tal ponto que nem as TVs públicas são imunes ao programas religiosos, fato este que por si mesmo mereceria um estudo à parte tanto pela academia quanto pelo governo federal.

Segundo a Coordenadora de Produção da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC), Cristiana Freitas, [15] praticamente todas as 20 emissoras associadas exibem uma missa católica semanal, com exceção da TVE/RS. No Paraná também é exibido o programa Missa Gospel e, em Santa Catarina, a TVE local exibe ainda programa Santa Missa. Os dois programas religiosos fazem parte da programação de sábado à noite. Já a TV Cultura exibe há quase duas décadas a Missa de Aparecida, todos os domingos às 8 horas, em rede com os Estados do Maranhão, Mato Grosso, Paraíba e Roraima. A TVE/RJ transmite no mesmo horário o programa Missa Dominical no mesmo horário também para Minas Gerais.

Além dos católicos, outros programas religiosos ocupam o espaço de domingo na programação local das TVs públicas. No Ceará, é levado ao ar os programas Refrigério e Paz e Semeando; a TVE do Tocantins produz o programa Fazendo Esperança e na Bahia é emitido o programa Chão e Paz.

Já Sergipe leva ao ar dois programas religiosos: Missa da Igreja São Judas Tadeu e Caravana da Solidariedade.

Trata-se de uma realidade que se estende por todo o país e que mereceria uma reflexão sobre o papel (e a situação) [16] das TVs públicas, agora portadoras de palavras (e imagens) religiosas. Mas os horários religiosos vêm ocupando também a grade das programações das TVs comunitárias, que, em sua maioria, apresentam problemas de infra-estrutura, orçamento e horários, assim como programação insuficiente.

Nesse sentido, muitas vezes a compra dos espaços religiosos significa a sobrevivência dessas emissoras, que não podem buscar patrocínios, mas possuem os mesmos custos de uma TV comercial, com a desvantagem de não estarem disponíveis nos canais abertos, de maior audiência.

Sobre a produção audiovisual de entretenimento

Esta é a primeira pesquisa realizada no país com ênfase na produção audiovisual para TV na categoria entretenimento que inclui diferentes gêneros, como programas de variedades, leia-se sobre moda, gastronomia, humor, turismo e lazer, cinema ou literatura; reality shows, novelas, séries, programas de música, clips, programas infantis, programas de auditório, entre outros.

Até então, a prioridade nos estudos acadêmicos eram os programas da categoria informativa, que inclui os telejornais ou programas de entrevistas e debates. Ou quando direcionados ao entretenimento, voltavam o olhar para a produção e/ou recepção das telenovelas brasileiras, um dos nossos principais produtos culturais de exportação.

Mais do que apontar números, pretendemos a seguir, mostrar algumas percepções levantadas na presente pesquisa de caráter quali-quantitativo realizada em dezembro de 2005:

  • O SBT é a cabeça-de-rede que mais exibe programas de entretenimento, seguido de perto da Rede Globo. Mas enquanto o SBT leva ao ar programas e formatos populares, como variedades, programas de auditório e filmes (internacionais), a Globo aposta nas telenovelas e séries;
  • As afiliadas da Rede Globo e do SBT pouco produzem em termos locais, além de formatos jornalísticos, pois a cabeça-de-rede concentra praticamente toda programação de entretenimento. Além disso, cabe ressaltar que a produção de formatos de entretenimento em geral envolve mais custos do que o telejornalismo;
  • As televisões públicas de caráter educativo e cultural abrem um espaço significativo para as produções locais, em diferentes formatos de entretenimento, mostrando também filmes e documentários brasileiros. No entanto, os índices de audiência dessas emissoras no panorama brasileiro, ainda são pouco significativos;
  • As emissoras comunitárias, legislativas e universitárias que vão ao ar pela TV a cabo também dedicam um espaço importante para as produções locais, mas sofrem de um problema mais grave do que as TVs públicas: menos de 5% da população tem acesso a TV paga no país;
  • Em emissoras como a TV Gazeta e CNT, por exemplo, há mais espaço para programas religiosos e de tele-vendas do que programas de entretenimento;
  • Existe uma dificuldade entre as emissoras, sejam públicas, ou educativas, comunitárias, universitárias, comerciais; religiosas ou não, em padronizar o que entendem por programação de entretenimento. Com a hibridização dos gêneros, onde a ficção e a realidade (e vice-versa) se aproximam cada vez mais, as próprias emissoras têm dificuldade em enquadrar os formatos, chamando de entretenimento, por exemplo, um programa de entrevistas ou um programa sobre o mundo rural.

Como colaboração do grupo de pesquisadores às políticas públicas a serem desenvolvidas pelo governo brasileiro, sugerimos que os projetos que contemplem o incentivo da produção cultural audiovisual sejam pensados no sentido de desenvolver uma indústria criativa para o país.

Ou seja, uma indústria de produção de conteúdos para diferentes áreas midiáticas. Para tanto, será necessária a criação de mecanismos de controle para garantir que a produção de conteúdos não fique centralizada nas cabeças-de-rede ou nas produtoras das maiores empresas de comunicação, mas que possa contemplar a diversidade e a riqueza cultural do Brasil.

Além disso, uma legislação atualizada deverá levar em conta as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC's), assim como as transformações que elas vêm trazendo ao seio social. Isso significa pensar projetos que contemplem a convergência digital (TV, rádio, computadores, celulares) algo que os grandes grupos de comunicação, como Rede Globo e Bandeirantes, já se deram conta da importância. Afinal, não é por acaso que a Rede Globo já possui um departamento especializado em conteúdos para novas tecnologias e, desde final de 2005, estão disponibilizando produtos televisivos para os assinantes de celular Vivo.

A partir da pesquisa realizada, acreditamos que o fomento da produção audiovisual passa:

  • pela formação de profissionais multimídias (e pela atualização das universidades para as tecnologias da informação da comunicação) que possam trabalhar conjuntamente as diferentes tecnologias e ambientes de comunicação;
  • pela preocupação em formar os diferentes grupos sociais para os processos de comunicação, possibilitando para que possam sair da atual condição de receptores para - também de - produtores, num processo contínuo de inclusão audiovisual. Um bom exemplo é o projeto Redescobrindo os Brasis, do Ministério da Cultura, onde qualquer cidadão que more em cidades de até 20 mil habitantes - que correspondem a 75% dos municípios brasileiros - pode mostrar seu olhar sobre o mundo e aprender a realizar uma obra digitalizada. Se o projeto for selecionado, o trabalho é mostrado em diferentes locais do país.

Embora este estudo não tenha contemplado produtos audiovisuais televisivos pensados para internet, em pouco tempo eles deverão ser levados em consideração. O país vai necessitar de estudos específicos nesta área, principalmente porque as duas tecnologias mantêm uma relação estreita com a juventude, assim como representam um importante espaço de mercado a ser desenvolvido. Mas esta é apenas uma das possibilidades a serem observadas a partir das TIC's.

No que diz respeito à televisão digital, o aproveitamento do parque analógico brasileiro acompanhado de uma caixa conversora (set top box) de baixo custo poderá representar a inclusão digital a partir dos aparelhos de TV que todos temos em casa, até que a TV digital ganhe preço de escala.

A decisão sobre o padrão brasileiro a ser adotado ainda não havia sido definida ao término da pesquisa sobre a "Cartografia Audiovisual Brasileira em 2005", mas ao escrever este artigo sabemos que a escolha recaiu sobre o modelo de TV digital híbrido em parceria com a tecnologia japonesa e que tem data prevista para começar a funcionar: 2 de dezembro de 2007.

Acreditamos que este é o momento de investir no desenvolvimento de uma indústria criativa brasileira, cujos produtos culturais audiovisuais, no médio prazo, poderão ser exportados e servir de referência internacional, sem que por isso deixem de ser mostrados nas TVs abertas ou por assinaturas, analógicas ou digitais.

Notas

[1] Este trabalho reuniu 35 pessoas, entre estudantes universitários, bolsistas de iniciação científica, especialistas, mestres e doutores, num contínuo aprendizado sobre a produção audiovisual brasileira e a riqueza de nossa produção cultural. Durante dois meses foram levantados dados, realizadas entrevistas (pessoais, por telefone e por e-mail), feitas buscas em Internet, em livros e revistas especializadas estudando o que já havia sido escrito sobre a produção audiovisual brasileira. A preocupação central foi analisar a produção local na programação das TVs localizadas nas capitais brasileiras. Também foram feitas tabulação, análise de pesquisa quali-quantitativa e estabelecidas comparações com outros trabalhos, como o levantamento realizado pela revista Meio & Mensagem de 1999 sobre produção local/regionais nas TVs comerciais. Outros documentos estudados foram a revista Tela Viva on line, o boletim do FNDC on line, assim como a revista científica Sinopse, especializada em cinema, além da bibliografia citada. Disponível em: <http://www.SBTvd.cpqd.com.br>, s/d.

[2] É concebida aqui como a integração dos saberes. A transdiciplinaridade é vista como multidimensional, multireferencial, oferecendo diferentes percepções da realidade, ou seja, permite uma percepção mais ampliada, mais unificadora do mundo. Isto porque a transdiciplinaridade diz respeito à dinâmica dos diferentes níveis de realidade e de pontos de vista sobre um objeto ou fato social. Como bem diz a Carta da Transdisciplinaridade (1994) exige o conhecimento de si de do outro, respeitando as diferenças e os diferentes olhares, pois não é apenas um método, mas um modo de ser, uma postura perante o mundo.

[3] "Cabeça-de-rede" é a sede geradora de programação para todas as retransmissoras em outras cidades e Estados e que são ligadas ao mesmo grupo gerador.

[4] Embora o relatório final, com detalhamento da situação de cada região brasileira, chegue a 590 páginas. Disponível em: <http://www.SBTvd.cpqd.com.br>, s/d.

[5] O Cine Brasil não foi alvo de estudo. Restringimos a análise às emissoras da Net, que possui 60% dos assinantes da TV paga.

[6] Dados de Jjaneiro de 2006.

[7] De acordo com a ABTA, a Net tem 1,5 milhão de assinantes, 8,5% a mais que em 2004.

[8] Mais detalhes sobre o circuito alternativo carioca podem ser encontrados nos anexos do relatório final.

[9] Conforme tabela exibida na pesquisa da Região Nordeste realizada a partir dos dados do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM) e do Sistema de Controle de Acompanhamento de Cotas do Ministério das Comunicações. Dados de abr2004.

[10] Sobre o tema há trabalhos que são referência no país, como os de Venício Lima, Sérgio Caparelli, César Bolaño e Murilo Ramos, para citar alguns. Além das discussões da Comissão de Comunicação Social (CCS) do Senado sobre a concentração da mídia no Brasil.

[11] Aqui compreendida como a integração das diferentes fases da cadeia de produção e distribuição. Ou seja, a mesma empresa produz a programação até sua veiculação, comercializa e distribui.

[12] Disponível em: <http://www.radiolivre.org/node/1115>. Acesso em: fev2006.

[13] Dados do Sistema de Controle de Radiodifusão (SRD).

[14] Sistema de comunicação de Massa da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

[15] Em entrevista realizada em janeiro de 2006, Brasília/DF.

[16] Em vários Estados do país, principalmente onde a TV pública não aceita patrocínios, já que é proibido por lei, a situação orçamentária das empresas é insuficiente, assim como as condições dos equipamentos, as condições de trabalho e os salários, que são baixos.

*Cosette Castro é doutora em Comunicação pela Universidad Autónoma de Barcelona/Espanha e consultora da CEPAL/UNESCO. E-mail: cosettecastro@hotmail.com.

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®Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]