Introdução
O
ofício de realizar a primeira cartografia
da produção audiovisual brasileira
voltada para a TV e o cinema focando os
gêneros de entretenimento começou
em dezembro de 2005. O trabalho reuniu,
em sua maioria, pesquisadores especializados
em Economia Política da Comunicação
e Estudos Culturais Críticos de cinco
regiões do país e suas equipes
de trabalho. [1]
Usamos
as ferramentas analíticas da Economia
Política da Comunicação,
por sua abordagem macro-estrutural sobre
a mídia e a produção
audiovisual, bem como sobre a concentração
dos meios de comunicação em
um cenário midiático capitalista.
Para além dela, no entanto, são
necessárias outras abordagens, como
as que dizem respeito à cultura aí
implicadas - daí o recurso dos Estudos
Culturais Críticos.
De
acordo com a legislação brasileira,
o termo audiovisual é amplo o suficiente
para abarcar produtos realizados para o
cinema, para a TV ou o rádio. Trata-se
de "produto de fixação
ou transmissão de imagem com ou sem
som, que tenha a finalidade de criar a impressão
de movimento independentemente dos processos
de captação, dos meios utilizados
para a sua veiculação, reprodução,
transmissão ou difusão do
produto" (Brasil, 2004e).
Neste
trabalho, pela necessidade de delimitação
do corpus estudado nos restringimos
à investigação das
TVs abertas e por assinatura e tangencialmente,
do cinema nacional divulgado nos diferentes
canais de TVA pesquisa que resultou no presente
artigo possui um caráter transdisciplinar
[2] e analisa a produção dos
produtos audiovisuais de entretenimento
locais realizados no Brasil e exibidos nas
TVs abertas e por assinatura em 2005, tendo
como fonte primária de pesquisa a
grade de programação divulgada
nos principais jornais do país, seja
na versão impressa ou on line.
No
que diz respeito à TV, centramos
o estudo na produção audiovisual
local das TVs - abertas e por assinatura
- situadas nas capitais brasileiras. Uma
tarefa relativamente fácil no Sul
do país, onde as informações
são acessíveis, mas bastante
complicada em outros casos. A Região
Nordeste, por exemplo, mereceria um estudo
à parte dada a quantidade de estados:
nove (09).
Quanto
à região Sudeste, a quantidade
de canais de TV - muitos deles cabeças-de-rede
- localizados apenas nas capitais, é
surpreendente.
Apenas
na cidade de São Paulo são
42 canais. Se acrescentarmos as emissoras
da cidade do Rio de Janeiro, estes números
saltam para 66 canais de TV, sem contar
as emissoras dos outros dois Estados do
Sudeste: Espírito Santo e Minas Gerais.
Durante
a realização do trabalho,
organizamos em categorias o que nos interessava
conhecer para realizar o mapeamento da produção
audiovisual brasileira. Para responder a
pergunta sobre a quantidade de produção
local e regional em comparação
com a produção cultural das
cabeças-de-rede, [3] sejam elas comerciais
ou educativas, buscamos conhecer os seguintes
percentuais:
- produção
em rede (no caso da TV);
- produção
nacional/ internacional.
Outro
critério de análise adotado
foi separar a produção audiovisual
original dos chamados "horários
alternativos", que "engordam"
a grade de programação das
emissoras em alguns casos, até 25%,
como ocorre com a RBS TV e o seu
Canal Comunitário, no Rio
Grande do Sul. Neste caso específico,
pelo menos 20% programação
é veiculada nas duas emissoras, uma
no sistema aberto (RBS TV) e outra
através do cabo (Canal Comunitário),
mas são computadas como produção
local original, particularmente no que diz
respeito à categoria entretenimento
e seus diferentes formatos.
Ainda
no estudo de TVs abertas, organizamos três
variáveis de análise:
-
o percentual de programas locais dentro
do número de programas levados
ao ar a cada dia do estudo qualitativo
de uma semana;
- o
percentual de programas locais de entretenimento
com relação ao total de
programas locais produzidos;
- o
percentual de programas reprisados em
relação a produtos da categoria
entretenimento.
A
escolha da categoria entretenimento
foi não casual. O Brasil encontra-se
no segundo lugar mundial na produção
de produtos culturais ficcionais, particularmente
a telenovela, perdendo apenas para os EUA.
No horário nobre há uma média
de 85% de produtos brasileiros enquanto
os EUA tem 100% de produção
nacional neste horário (Apud: Reimão,
2000:11). Algo que ocorre também
em outros países, embora não
em tão alto grau, como mostra estudo
realizado pelo Laboratório Europeu
de Ficção (2002): nos cinco
maiores países do velho continente,
o horário nobre é doméstico
e os demais são predominantemente
preenchidos com programas norte-americanos
(Buonanno, 2004).
Além
disso, os programas de entretenimento foram
os escolhidos para o estudo porque são
os que apresentam maior índice de
audiência no país.
Basta
observar as audiências das telenovelas,
de reality shows como Big Brother
Brasil (BBB) que recentemente terminou
sua sétima edição (2007),
de programas de auditórios (talk
shows), como o programa do Ratinho,
do Faustão ou um late show
como o Programa do Jô.
Acreditamos que a categoria entretenimento
é a maneira que as indústrias
culturais encontraram para reorganizar as
identidades coletivas e as formas de diferenciação
simbólica. Isso ocorre ao produzirem
e darem visibilidade a formatos cada vez
mais híbridos, que misturam ficção
e realidade, fragilizam as demarcações
entre culto e popular, o tradicional e o
moderno, o próprio e o alheio.
Outro
motivo da escolha da categoria entretenimento
foi porque é o espaço de produção
audiovisual brasileiro que ainda não
possui acompanhamento sistemático
em termos de pesquisa acadêmica ou
governamental, a não ser aquelas
que dizem respeito à produção
ou recepção de telenovelas,
no caso de estudos televisivos.
O
entretenimento está incluído
em toda e qualquer idéia de produção,
sem exceção, lembra o manual
de produção de programas da
British Broadcasting Corporation (BBC),
de Londres. Segundo o manual, entreter não
significa apenas sorrir ou cantar em frente
à tela da TV. Vai muito mais além.
Um programa de entretenimento pode ser interessante,
surpreendente, divertido, chocante, estimulante
ou ainda desafiar a audiência, despertando
sua vontade de assisti-lo.
Os
programas de entretenimento para TV englobam
formatos de ficção ou realidade,
ao vivo ou gravados, que podem contar (ou
não) com a participação
do público, seja ao vivo, pela Internet,
por cartas, fax ou telefone. Sua função,
em programas de ficção, de
realidade ou da mescla entre ficção
e realidade, é situar a audiência
em relação aos diferentes
programas, permitindo sua classificação
em modelos e formatos reconhecíveis
(Castro, 2003). É possível
dizer ainda que, independente da categoria
do programa, ele (o formato) sempre
deve entreter. Por outro lado, poderá
também informar ou educar, embora
poucos pesquisadores reconheçam esse
potencial nos conteúdos de entretenimento.
Hoje
se pode afirmar que não há
um gênero puro tanto na narrativa
de ficção em TV, como na narrativa
cinematográfica. Elas estão
impregnadas de outras narrativas e também
da realidade. Neste sentido, a noção
de gênero é concebida
aqui como o faz o pesquisador espanhol,
Jesús Martín-Barbero (1987),
como uma mediação: como matriz
cultural e estratégia de comunicabilidade
constitutiva do meio e elemento essencial
da expressão do público. Os
formatos são as características
gerais de um programa de televisão.
Dentro de um mesmo gênero podem co-existir
vários formatos.
Na
Cartografia Audiovisual Brasileira a produção
de entretenimento foi dividida em 13 segmentos,
como pode ser observar a seguir. São
eles:
programas
de auditório; |
reality
shows; |
telenovelas; |
filmes
(ficção e documentários)
produzidos para TV; |
filmes
(ficção e documentários)
produzidos para o cinema e mostrados
na televisão; |
seriados; |
séries; |
programas
infantis; |
os
desenhos animados nacionais; |
clips; |
programas
musicais; |
programas
de debates que não tenham caráter
jornalístico (sobre cinema, por
exemplo) e |
humorísticos. |
Nas
categorizações apresentadas
por diferentes autores os programas eróticos
não aparecem nem são indicados
em nenhum gênero. No entanto, ao realizar
a Cartografia Audiovisual Brasileira consideramos
importante incluir este tipo de programação.
Isto porque nas TVs por assinatura, como
é o caso de Canal Adulto (pertencente
a Sat América Programadora),
Sexy TV (RJA Produções
e Comunicações Artísticas),
For Man e Sex Hot (ambos da
Globosat) fazem parte do gênero
erótico e produzem, segundo informações
do Anuário Pay-TV 2006, entre
30 e 40% de produção nacional,
seja ela de produção própria
do canal, ou comprada de outras produtoras
brasileiras. Embora sistematicamente deixado
de lado, se refere a um mercado representativo
da produção audiovisual nacional,
como o foi a pornochanchada em seu
tempo para o cinema brasileiro.
Quanto
à produção audiovisual
cinematográfica, ela aparece neste
estudo de forma transversal, já que
o projeto trata da produção
audiovisual de programas de entretenimento
em TVs abertas e por assinatura, onde incluímos
a categoria analítica filmes. O cinema
faz parte do leque das produções
audiovisuais brasileiras, apresentado na
forma de produtos ficcionais ou de documentários,
através de longas ou curtas-metragens
que deveriam ser mostrados diariamente nas
TVs brasileiras, sem restringir seu espaço
à programação das TVs
públicas ou de canais comunitários,
educativos ou legislativos que ocupam canais
na TV a cabo. Um serviço que não
chega a alcançar 5% da população,
segundo dados da Associação
Brasileira das TVs por Assinatura (ABTA).
Buscamos
neste estudo realizar um rápido levantamento
da produção cinematográfica
nacional nas TVs abertas e por assinatura
no período estudado. Por exemplo,
nas TVs abertas comerciais não houve
oferta de nenhum filme nacional às
audiências no período compreendido
05 a 11 de dezembro de 2005. Isso não
é de se estranhar. Embora o presente
trabalho seja um estudo qualitativo de uma
semana da grade de programação
dos principais jornais do país, reforça
o que revelaram Andrade e Reimão
(2005) em pesquisa sobre a veiculação
de filmes brasileiros nas TVs abertas.
O
trabalho de Andrade e Reimão (2005)
realizado entre 1980 e 2000 percorreu 21
anos das grades de programações
brasileiras mostrando que, nesse período,
foram exibidas nas TVs abertas apenas 680
produções cinematográficas
nacionais. Se levarmos em conta as reprises
destes filmes de longa-metragem, houve um
total de 1.957 transmissões. Parece
muito, mas em 21 anos a inserção
de filmes brasileiros na TV não passou
da casa das 140 exibições
por ano. Ou seja, foram mostrados entre
1980 e 2000, um único filme brasileiro
a cada dois dias, enquanto as TV abertas
abriram suas grades de programação
para horas e horas de filmes estrangeiros,
em particular os estado-unidenses.
A
pesquisa sobre a Cartografia Audiovisual
Brasileira em 2005, além de mostrar
em números o baixo aproveitamento
da produção nacional, mapeia
as empresas de comunicação,
detalhando o complexo jogo de propriedade
de diferentes espaços midiáticos
que existem no país, como veremos
mais adiante.
Nas
TVs por assinatura, o aproveitamento da
produção nacional audiovisual
não tem sido diferente. Segundo a
ABTA, apenas 5% do que é mostrado
nas TVs pagas tem origem nacional. Neste
estudo, observamos que a presença
de obras cinematográficas brasileiras
restringiu-se a veiculação
feita pelo Canal Brasil (Net)
e no canal Cine Brasil (TVA), [5]
espaços que podem ser considerados
quase um gueto dentro das TVs pagas e que,
como relatamos anteriormente, chegam em
seu total a 5% dos brasileiros [6].
No
caso do Canal Brasil, é preciso
ser assinante do pacote Premium para
ter direito a assistir a programação
nacional quando ela deveria estar disponível
não apenas para quem pode pagar,
mas deveria ser disponibilizada diariamente
também nas TVs abertas de maior audiência
para que os brasileiros tivessem acesso
aos produtos audiovisuais produzidos no
país.
Se
para analisar o aproveitamento da produção
nacional nas TVs abertas utilizamos como
fonte os jornais impressos e on line,
no estudo das TVs por assinatura, realizamos
análise qualitativa de quatro meses
de 2005 (janeiro/fevereiro - novembro/dezembro)
da maior operadora do país, a Net.
[7] Este período representa 1/3 da
programação anual da empresa.
Estudamos,
por exemplo, o número de longas-metragens
exibidos em todos os canais da Net
e divulgados na Revista Monet, da
empresa. Os resultados mostram que foram
levados ao ar um total de 6.053 filmes,
mas apenas 442 eram películas brasileiras.
Desse
baixo número de exibições,
396 eram longas brasileiros destinados ao
público adulto, 10 eram longas destinados
ao público infanto-juvenil e 36 eram
documentários. Durante a pesquisa
descobrimos que do total de filmes exibidos:
-
7,3% foi destinado ao audiovisual cinematográfico
brasileiro, seja em filmes voltados para
o público adulto, para o público
infanto-juvenil ou documentários.
Se
compararmos o total de filmes do período
estudado - 6.053 - com os filmes brasileiros
exibidos nesses quatro meses - 396 - é
possível observar que estes números
representam apenas 6,5% do total
de filmes disponibilizados aos assinantes.
Se
compararmos o total de filmes do período
estudado - 6.053 - com a quantidade de filmes
brasileiros dedicados ao público
infanto-juvenil exibidos em quatro meses
- 10 - veremos que a proporção
é quase inexistente: 0,16%.
Se
a comparação for feita em
relação ao número de
documentários brasileiros exibidos
em quatro meses - 36 - e o total de filmes
exibidos nesse período - 396, é
possível perceber que o percentual
também é irrisório:
0,6%.
Tais
estudos revelam a premência de uma
lei geral de comunicação eletrônica
que garanta espaço não apenas
para a produção de produtos
audiovisuais brasileiros, mas também
garanta sua distribuição e
visibilidade nas TVs abertas e por assinatura.
Em
termos de produção cinematográfica
brasileira, tivemos a preocupação
de mapear o que foi produzido ou estava
em fase de produção em 2005
e encontramos uma profícua proliferação
de curtas e longas-metragens, muitos deles
sem financiamento ou distribuição
garantida. Isto é, sem nenhuma garantia
futura, que não seja o circuito dos
festivais, caso o realizador tenha condições
financeiras de mostrar sua obra.
O
Rio Grande do Sul, por exemplo, tinha, em
2005, 53 documentários e 126 filmes
de ficção em fase de produção
ou sendo finalizados, a espera de distribuição.
Ou o caso do Rio de Janeiro, onde a falta
de políticas públicas (estaduais
e federais) ocasionou um fenômeno
de criação em circuitos alternativos
pela sociedade que passa ao largo do governo,
em suas esferas municipal, estadual ou federal.
[8]
Consideramos
que a presente cartografia das obras audiovisuais
cinematográficas brasileiras poderá
ter vários desdobramentos, além
de oferecer um mapa das oportunidades e
níveis de produção
entre as diferentes regiões, ajudando
no desdobramento de futuros projetos e trabalhos
tanto para a academia como para o mercado.
Mas, para além dos dados apresentados,
esta cartografia poderá servir de
base para a definição de políticas
públicas para o setor que incluam
o aproveitamento da produção
audiovisual cinematográfica nas TVs
abertas e por assinatura.
Outros
Olhares
A
TV nos mostra hoje uma nova cartografia
da sociedade, o que exige uma análise
diferenciada não apenas da dimensão
política ou econômica, mas
também sócio-cultural do universo
midiático, como lembra Jesús
Martín-Barbero. E um novo olhar significa
perceber a complexidade do que chamamos
de real, sem reduzir os acontecimentos midiáticos
a alguns chavões ou esquecer o papel
do receptor nesse processo. Significa também
dar o devido espaço para o contexto
histórico e os processos sócio-econômicos
e culturais que influenciam os modos de
ver, pensar, produzir e transformar em mercadoria
os produtos audiovisuais brasileiros.
Em
termos de contexto, a presente pesquisa
ressaltou o cruzamento entre política
e propriedade dos meios de comunicação
no país, seja através de emissoras
diretamente atreladas a políticos
(ou ex-políticos) ou às emissoras
públicas que estão diretamente
atreladas aos governos estaduais ficando
a mercê de seus interesses.
A situação do Nordeste, por
exemplo, é bastante esclarecedora
nesse sentido. Na região Nordeste,
há 68 políticos locais que
são proprietários de veículos
de rádio e TV. [9]. A maior parte
das concessões foram distribuídas
antes do governo Lula a políticos
do PFL, PMDB e PSDB. Os casos mais gritantes
são do senador Garibaldi Alves Filho
(PFL/RN) que possui 10 concessões
distribuídas entre rádios
AM, FM e TV, seguido do senador José
Sarney (PMDB/MA), com nove concessões
de rádio AM, FM e TV.
Outros
políticos nordestinos já são
famosos por suas ligações
com a mídia. Este é o caso
do senador Antonio Carlos Magalhães,
do PFL/BA, que é proprietário
da afiliada da Rede Globo em Salvador
(TV Bahia). No Paraná, o proprietário
do grupo do mesmo nome, Paulo Pimentel,
é ex-deputado federal, ex-governador
e ex-senador pelo Paraná.
Ele
possui uma das maiores redes de comunicação
regional do Sul do país. E em Brasília,
há o caso de Paulo Octavio que, além
empresário do ramo imobiliário,
é senador da república pelo
PFL/DF. A questão das concessões,
como já vem sendo denunciado há
algum tempo por instituições
públicas e pesquisadores, [10] tem
sido alvo de análise, sugestões
e projetos de lei, mas até o momento
não tiveram força para sair
do papel.
A
concentração da mídia
não se situa apenas entre os políticos.
Para além deles estão os grupos
de comunicação privados que
chegam a 98% dos lares brasileiros durante
24 horas, todos os dias, levando sua mensagem,
sua versão da realidade e do mundo.
Este são os casos da Rede Globo,
do SBT, do Grupo Bandeirantes
ou da Record, empresas nacionais
que possuem concentração vertical,
[11] ou seja, há uma ausência
da separação entre a atividade
produtiva e atividade exibidora. Nessas
emissoras, mais de 90% dos conteúdos
são produzidos internamente, não
dando espaço para o mercado audiovisual
independente.
A
concentração vertical aparece
também em grupos regionais de mídia,
como a Rede Brasil Sul de Comunicações
(RBS), considerada a maior rede de
comunicação regional da América
Latina. O grupo possui seis jornais, 24
emissoras de rádio (AM e FM), 21
canais de TV (aberta e por assinatura),
portal de Internet, agência de notícias,
empresa de marketing e, ampliando
ainda mais a concentração,
é sócia da operadora Net
serviços.
Segundo
o Fórum Nacional pela Democratização
(FNDC), seis das principais redes privadas
nacionais (leia-se Rede Globo, SBT,
Record, Bandeirantes, CNT, Rede TV!)
estão vinculadas, entre canais próprios
e afiliadas, a 263 das 332 emissoras brasileiras
de TV, representando 79,2% de todas as emissoras
brasileiras de TV aberta. Pelos dados do
Ministério das Comunicações,
duas destas redes exorbitam o número
de emissoras próprias permitidas
pela lei. O artigo 12 do Decreto-lei 236
diz que uma mesma entidade só pode
deter um máximo de 10 concessões
de radiodifusão de sons e imagens
(TV aberta) em todo o território
nacional. [12] É o caso da Globo
e do SBT [13] que possuem, respectivamente,
20 e 11 emissoras próprias sem que
tal excesso até o momento tenha sido
coibido.
Estrutura
de Distribuição
A
estrutura de distribuição
da televisão aberta no país
merece um rápido comentário
neste artigo. Como foi levantado pela coordenadora
regional do Centro-Oeste, Suzy Santos, os
interessados em descobrir essa estrutura
têm de lidar com um enigma similar
aos enfrentados pelas personagens de literatura
policial. A cidade de Cuiabá (MS)
é um bom exemplo. Ao consultar o
sistema Siscom [14] sobre as retransmissoras
disponíveis na cidade, é possível
encontrar 12 retransmissoras sem identificação
de endereço.
Para
traçar políticas públicas
de comunicação claras, é
preciso ter arquivos em condições
de oferecer dados para todos os interessados,
seja a população, os pesquisadores
ou empresários. Nesse sentido, é
necessário manter sistemas informativos
atualizados, assim como controlar as outorgas
e estabelecer espaços para os diferentes
gêneros da produção
audiovisual brasileira.
Uma
estrutura clara e informatizada corretamente
ajudaria a mapear, por exemplo, o fenômeno
do tele-evangelismo que se espalhou, em
menos de duas décadas, por todo o
país. Aliás, a classificação
dos programas religiosos, um gênero
cada vez mais híbrido que mistura
música, entrevistas, reportagens
e outros formatos com conteúdo ou
intenções religiosas pode
ser identificada como uma nova categoria
de programas.
Segundo
José Carlos Aronchi, coordenador
da pesquisa em São Paulo, o termo
adequado deveria ser entretenigreja,
ou seja, a mistura de programas de entretenimento
com os apelos religiosos de diferentes igrejas
que utilizam a radiodifusão como
principal veículo para ampliar o
número de fiéis.
Assim
como o conceito de infortenimento
reúne informação com
entretenimento, o entretenigreja
reúne elementos das quatro categorias
de programas de televisão: entretenimento,
informação e educação
religiosa, quase beirando a publicidade.
Na programação das TVs abertas
de São Paulo, com muitos programas
transmitidos em rede para o Brasil, esta
nova categoria televisiva toma conta da
programação.
Mas
o fenômeno não se restringe
a São Paulo. No Sul, em especial
no Paraná, os programas religiosos
proliferam nas TVs abertas e por assinatura.
Também o Norte possui diferentes
emissoras religiosas. Aliás, vale
ressaltar que existe um domínio de
grupos religiosos travestidos de empresas
que conquistam concessões em várias
partes do país. Redes de alcance
nacional como, por exemplo, Rede Record,
Rede Mulher, Rede Vida e Canção
Nova têm tudo em comum e nenhuma
integração oficial, mas, como
pode ser verificado a seguir, os sinais
se cruzam:
- As
quatro redes pertencem a grupos religiosos
ou com forte investimento de alguma igreja
(a Record e a Mulher pertencem
à neopentecostal Igreja Universal
e as outras duas são católicas);
- As
quatro têm cabeças-de-rede
em São Paulo;
- Elas
transmitem para todo o país em
canal aberto VHF, UHF ou por satélite
e inserem, no meio da programação,
programas religiosos;
- Inserem,
nos programas de entretenimento, atrações
religiosas;
- Vendem
produtos, como livros, discos e filmes
produzidos pelas empresas coligadas.
Outra
forma de conquistar novos fiéis é
a compra de espaços televisivos para
divulgação de mensagens religiosas.
Isso é uma prática em empresas
comerciais laicas, como a Rede Bandeirantes,
Rede TV!, a CNT e a TV Gazeta.
Os programas religiosos também
aparecem nas TVs por assinatura, como a
Amazonsat, que chega por satélite
a todo país.
A
empresa oferece em sua grade dois programas
religiosos: Oração da Sagrada
Família e Igreja pelo Mundo,
sendo que este último oferece mensagens
e informações sobre a igreja
católica. Mas os programas religiosos
não se restringem as TVs comerciais.
Eles se expandiram pelas grades de programação,
a tal ponto que nem as TVs públicas
são imunes ao programas religiosos,
fato este que por si mesmo mereceria um
estudo à parte tanto pela academia
quanto pelo governo federal.
Segundo
a Coordenadora de Produção
da Associação Brasileira das
Emissoras Públicas, Educativas e
Culturais (ABEPEC), Cristiana Freitas, [15]
praticamente todas as 20 emissoras associadas
exibem uma missa católica semanal,
com exceção da TVE/RS.
No Paraná também é
exibido o programa Missa Gospel e,
em Santa Catarina, a TVE local exibe
ainda programa Santa Missa. Os dois
programas religiosos fazem parte da programação
de sábado à noite. Já
a TV Cultura exibe há quase duas
décadas a Missa de Aparecida, todos
os domingos às 8 horas, em rede com
os Estados do Maranhão, Mato Grosso,
Paraíba e Roraima. A TVE/RJ transmite
no mesmo horário o programa Missa
Dominical no mesmo horário também
para Minas Gerais.
Além
dos católicos, outros programas religiosos
ocupam o espaço de domingo na programação
local das TVs públicas. No Ceará,
é levado ao ar os programas Refrigério
e Paz e Semeando; a TVE
do Tocantins produz o programa Fazendo
Esperança e na Bahia é
emitido o programa Chão e Paz.
Já
Sergipe leva ao ar dois programas religiosos:
Missa da Igreja São Judas Tadeu
e Caravana da Solidariedade.
Trata-se
de uma realidade que se estende por todo
o país e que mereceria uma reflexão
sobre o papel (e a situação)
[16] das TVs públicas, agora portadoras
de palavras (e imagens) religiosas. Mas
os horários religiosos vêm
ocupando também a grade das programações
das TVs comunitárias, que, em sua
maioria, apresentam problemas de infra-estrutura,
orçamento e horários, assim
como programação insuficiente.
Nesse
sentido, muitas vezes a compra dos espaços
religiosos significa a sobrevivência
dessas emissoras, que não podem buscar
patrocínios, mas possuem os mesmos
custos de uma TV comercial, com a desvantagem
de não estarem disponíveis
nos canais abertos, de maior audiência.
Sobre
a produção audiovisual de
entretenimento
Esta
é a primeira pesquisa realizada no
país com ênfase na produção
audiovisual para TV na categoria entretenimento
que inclui diferentes gêneros, como
programas de variedades, leia-se sobre moda,
gastronomia, humor, turismo e lazer, cinema
ou literatura; reality shows, novelas,
séries, programas de música,
clips, programas infantis, programas
de auditório, entre outros.
Até
então, a prioridade nos estudos acadêmicos
eram os programas da categoria informativa,
que inclui os telejornais ou programas de
entrevistas e debates. Ou quando direcionados
ao entretenimento, voltavam o olhar para
a produção e/ou recepção
das telenovelas brasileiras, um dos nossos
principais produtos culturais de exportação.
Mais
do que apontar números, pretendemos
a seguir, mostrar algumas percepções
levantadas na presente pesquisa de caráter
quali-quantitativo realizada em dezembro
de 2005:
- O
SBT é a cabeça-de-rede
que mais exibe programas de entretenimento,
seguido de perto da Rede Globo.
Mas enquanto o SBT leva ao ar programas
e formatos populares, como variedades,
programas de auditório e filmes
(internacionais), a Globo aposta nas telenovelas
e séries;
- As
afiliadas da Rede Globo
e do SBT pouco produzem
em termos locais, além de formatos
jornalísticos, pois a cabeça-de-rede
concentra praticamente toda programação
de entretenimento. Além disso,
cabe ressaltar que a produção
de formatos de entretenimento em geral
envolve mais custos do que o telejornalismo;
- As
televisões públicas de caráter
educativo e cultural abrem um espaço
significativo para as produções
locais, em diferentes formatos de entretenimento,
mostrando também filmes e documentários
brasileiros. No entanto, os índices
de audiência dessas emissoras no
panorama brasileiro, ainda são
pouco significativos;
- As
emissoras comunitárias, legislativas
e universitárias que vão
ao ar pela TV a cabo também dedicam
um espaço importante para as produções
locais, mas sofrem de um problema mais
grave do que as TVs públicas: menos
de 5% da população tem acesso
a TV paga no país;
- Em
emissoras como a TV Gazeta e CNT,
por exemplo, há mais espaço
para programas religiosos e de tele-vendas
do que programas de entretenimento;
- Existe
uma dificuldade entre as emissoras, sejam
públicas, ou educativas, comunitárias,
universitárias, comerciais; religiosas
ou não, em padronizar o que entendem
por programação de entretenimento.
Com a hibridização dos gêneros,
onde a ficção e a realidade
(e vice-versa) se aproximam cada vez mais,
as próprias emissoras têm
dificuldade em enquadrar os formatos,
chamando de entretenimento, por exemplo,
um programa de entrevistas ou um programa
sobre o mundo rural.
Como
colaboração do grupo de pesquisadores
às políticas públicas
a serem desenvolvidas pelo governo brasileiro,
sugerimos que os projetos que contemplem
o incentivo da produção cultural
audiovisual sejam pensados no sentido de
desenvolver uma indústria criativa
para o país.
Ou
seja, uma indústria de produção
de conteúdos para diferentes áreas
midiáticas. Para tanto, será
necessária a criação
de mecanismos de controle para garantir
que a produção de conteúdos
não fique centralizada nas cabeças-de-rede
ou nas produtoras das maiores empresas de
comunicação, mas que possa
contemplar a diversidade e a riqueza cultural
do Brasil.
Além
disso, uma legislação atualizada
deverá levar em conta as novas tecnologias
de informação e comunicação
(TIC's), assim como as transformações
que elas vêm trazendo ao seio social.
Isso significa pensar projetos que contemplem
a convergência digital (TV, rádio,
computadores, celulares) algo que os grandes
grupos de comunicação, como
Rede Globo e Bandeirantes,
já se deram conta da importância.
Afinal, não é por acaso que
a Rede Globo já possui
um departamento especializado em conteúdos
para novas tecnologias e, desde final de
2005, estão disponibilizando produtos
televisivos para os assinantes de celular
Vivo.
A
partir da pesquisa realizada, acreditamos
que o fomento da produção
audiovisual passa:
- pela
formação de profissionais
multimídias (e pela atualização
das universidades para as tecnologias
da informação da comunicação)
que possam trabalhar conjuntamente as
diferentes tecnologias e ambientes de
comunicação;
- pela
preocupação em formar os
diferentes grupos sociais para os processos
de comunicação, possibilitando
para que possam sair da atual condição
de receptores para - também de
- produtores, num processo contínuo
de inclusão audiovisual. Um bom
exemplo é o projeto Redescobrindo
os Brasis, do Ministério da
Cultura, onde qualquer cidadão
que more em cidades de até 20 mil
habitantes - que correspondem a 75% dos
municípios brasileiros - pode mostrar
seu olhar sobre o mundo e aprender a realizar
uma obra digitalizada. Se o projeto for
selecionado, o trabalho é mostrado
em diferentes locais do país.
Embora
este estudo não tenha contemplado
produtos audiovisuais televisivos pensados
para internet, em pouco tempo eles deverão
ser levados em consideração.
O país vai necessitar de estudos
específicos nesta área, principalmente
porque as duas tecnologias mantêm
uma relação estreita com a
juventude, assim como representam um importante
espaço de mercado a ser desenvolvido.
Mas esta é apenas uma das possibilidades
a serem observadas a partir das TIC's.
No
que diz respeito à televisão
digital, o aproveitamento do parque analógico
brasileiro acompanhado de uma caixa conversora
(set top box) de baixo custo poderá
representar a inclusão digital a
partir dos aparelhos de TV que todos temos
em casa, até que a TV digital ganhe
preço de escala.
A
decisão sobre o padrão brasileiro
a ser adotado ainda não havia sido
definida ao término da pesquisa sobre
a "Cartografia Audiovisual Brasileira
em 2005", mas ao escrever este artigo
sabemos que a escolha recaiu sobre o modelo
de TV digital híbrido em parceria
com a tecnologia japonesa e que tem data
prevista para começar a funcionar:
2 de dezembro de 2007.
Acreditamos
que este é o momento de investir
no desenvolvimento de uma indústria
criativa brasileira, cujos produtos culturais
audiovisuais, no médio prazo, poderão
ser exportados e servir de referência
internacional, sem que por isso deixem de
ser mostrados nas TVs abertas ou por assinaturas,
analógicas ou digitais.
Notas
[1]
Este trabalho reuniu 35 pessoas, entre estudantes
universitários, bolsistas de iniciação
científica, especialistas, mestres
e doutores, num contínuo aprendizado
sobre a produção audiovisual
brasileira e a riqueza de nossa produção
cultural. Durante dois meses foram levantados
dados, realizadas entrevistas (pessoais,
por telefone e por e-mail), feitas
buscas em Internet, em livros e revistas
especializadas estudando o que já
havia sido escrito sobre a produção
audiovisual brasileira. A preocupação
central foi analisar a produção
local na programação das TVs
localizadas nas capitais brasileiras. Também
foram feitas tabulação, análise
de pesquisa quali-quantitativa e estabelecidas
comparações com outros trabalhos,
como o levantamento realizado pela revista
Meio & Mensagem de 1999 sobre
produção local/regionais nas
TVs comerciais. Outros documentos estudados
foram a revista Tela Viva on line,
o boletim do FNDC on line, assim
como a revista científica Sinopse,
especializada em cinema, além da
bibliografia citada. Disponível em:
<http://www.SBTvd.cpqd.com.br>,
s/d.
[2]
É concebida aqui como a integração
dos saberes. A transdiciplinaridade é
vista como multidimensional, multireferencial,
oferecendo diferentes percepções
da realidade, ou seja, permite uma percepção
mais ampliada, mais unificadora do mundo.
Isto porque a transdiciplinaridade diz respeito
à dinâmica dos diferentes níveis
de realidade e de pontos de vista sobre
um objeto ou fato social. Como bem diz a
Carta da Transdisciplinaridade (1994) exige
o conhecimento de si de do outro, respeitando
as diferenças e os diferentes olhares,
pois não é apenas um método,
mas um modo de ser, uma postura perante
o mundo.
[3]
"Cabeça-de-rede" é
a sede geradora de programação
para todas as retransmissoras em outras
cidades e Estados e que são ligadas
ao mesmo grupo gerador.
[4]
Embora o relatório final, com detalhamento
da situação de cada região
brasileira, chegue a 590 páginas.
Disponível em: <http://www.SBTvd.cpqd.com.br>,
s/d.
[5]
O Cine Brasil não foi alvo
de estudo. Restringimos a análise
às emissoras da Net, que possui
60% dos assinantes da TV paga.
[6]
Dados de Jjaneiro de 2006.
[7]
De acordo com a ABTA, a Net tem 1,5 milhão
de assinantes, 8,5% a mais que em 2004.
[8]
Mais detalhes sobre o circuito alternativo
carioca podem ser encontrados nos anexos
do relatório final.
[9]
Conforme tabela exibida na pesquisa da Região
Nordeste realizada a partir dos dados do
Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação
(EPCOM) e do Sistema de Controle de Acompanhamento
de Cotas do Ministério das Comunicações.
Dados de abr2004.
[10]
Sobre o tema há trabalhos que são
referência no país, como os
de Venício Lima, Sérgio Caparelli,
César Bolaño e Murilo Ramos,
para citar alguns. Além das discussões
da Comissão de Comunicação
Social (CCS) do Senado sobre a concentração
da mídia no Brasil.
[11]
Aqui compreendida como a integração
das diferentes fases da cadeia de produção
e distribuição. Ou seja, a
mesma empresa produz a programação
até sua veiculação,
comercializa e distribui.
[12]
Disponível em: <http://www.radiolivre.org/node/1115>.
Acesso em: fev2006.
[13]
Dados do Sistema de Controle de Radiodifusão
(SRD).
[14]
Sistema de comunicação de
Massa da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel).
[15]
Em entrevista realizada em janeiro de 2006,
Brasília/DF.
[16]
Em vários Estados do país,
principalmente onde a TV pública
não aceita patrocínios, já
que é proibido por lei, a situação
orçamentária das empresas
é insuficiente, assim como as condições
dos equipamentos, as condições
de trabalho e os salários, que são
baixos.
*Cosette
Castro é doutora em Comunicação
pela Universidad Autónoma de Barcelona/Espanha
e consultora da CEPAL/UNESCO. E-mail: cosettecastro@hotmail.com.
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