O
grande inquisidor:
Lula
enfrenta Bial no paredão do Fantástico
Por
Célio
Yano, Erike Feitosa, Ivan Sebben Filho e
Patricia Thomaz*
Resumo
O
presente artigo analisa a forma como o jornalista
Pedro Bial construiu a sua discursividade
na entrevista exclusiva com o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, exibida
no programa Fantástico da
Rede Globo em 1º de janeiro
de 2006, assim como a significação
contida no interior das perguntas feitas
pelo apresentador. No intuito de buscar
a verdade, o profissional procura intimidar
Lula com indagações diretas
sobre a crise que o governo petista enfrentava.
Desta forma, tenta-se verificar se a composição
das mensagens fere a conduta ética
do jornalista.
Palavras-chave
[Jornalismo
/ Ética no jornalismo / Análise
do discurso / Lula / Pedro Bial]
Prólogo
de uma polêmica
Noite
de domingo do primeiro dia do ano de 2006.
O Fantástico leva ao ar a
entrevista de 34 minutos que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva concedeu
ao jornalista da Rede Globo Pedro
Bial. De um lado, o popular apresentador
do reality show mais assistido do
país, o Big Brother Brasil,
aparentemente à vontade no gabinete
do chefe do Executivo, tentando intimidá-lo
com perguntas diretas e capciosas. De outro,
inicialmente acuado, o presidente da República
nitidamente comprometido em tentar salvar
sua imagem perante o público.
Nem
poderia ser diferente. O próprio
entrevistador contextualiza, no início
da entrevista, a crise vivida pelo Partido
dos Trabalhadores (PT) no ano de 2005:
O
senhor me permite enumerar alguns dados
que escandalizaram o país? O PT
era meio tido como o partido que monopolizava
a ética na política brasileira.
E isso, em 2005, foi por terra. O deputado
José Genoíno, presidente
do partido, disse que não tomou
empréstimo. Mas, tomou e caiu.
Sílvio Pereira, secretário-geral,
caiu. O ex-ministro-chefe da Casa Civil,
José Dirceu, foi cassado. [1]
O
mar de lama no qual o PT estava imerso ameaçava
abocanhar, inclusive, a figura do presidente.
A cada semana, uma nova suspeita de irregularidade
era levantada pela imprensa.
Aproveitando
o clima de dúvidas e indignação
geral que pairava sobre todo o país,
o apresentador Pedro Bial utiliza uma linguagem
e um tom nas suas perguntas semelhantes
ao utilizado no Big Brother. A impressão
que se tem é a de que, a qualquer
momento, Bial poderia mandar o presidente
para o paredão, como faz no programa.
Mais que uma simples entrevista, o episódio
transformou-se em um valioso objeto de estudo
sobre a ética e o poder da argumentação
no jornalismo.
Entretanto,
de certa forma, as perguntas feitas pelo
repórter ao presidente não
deixam de ser legítimas, pois, de
fato, o interesse público sobre o
caso era evidente. Analisando por esta ótica,
é possível aceitar a chamada
que o Fantástico atribuiu
à produção: "Exclusivo!
Você vai ver agora a entrevista que
o presidente Lula concedeu ao Fantástico.
O repórter Pedro Bial perguntou ao
presidente tudo o que o Brasil quer saber".
Mas
o jornalismo deve reviver a essência
da Santa Inquisição, o antigo
tribunal eclesiástico instituído
com o fim de investigar e punir crimes contra
a fé católica? Pode inquirir
suspeitos de atos ilícitos, antes
do julgamento pela instância competente?
Os juízos de valor e o sensacionalismo
podem ser aceitos como ferramentas jornalísticas
ainda mais quando a figura interrogada é
o presidente da nação? Este
artigo investiga a conduta do apresentador
Pedro Bial durante os 34 minutos da entrevista,
com o objetivo de analisar se houve uma
postura antiética por parte dele.
Assim,
o trabalho pretende problematizar o embate
retórico entre o presidente e o jornalista
dentro das relações conceituais
existentes entre uma ética absoluta,
de convicção, e uma ética
de responsabilidade profissional, conseqüente
e objetiva. A relação entre
jornalismo e ética será amparada
pelo Código Deontológico dos
Jornalistas e pelo Código de Ética
dos Jornalistas Brasileiros. O campo conceitual
da pragmática e da argumentação
auxiliará a revelar alguns sentidos
implicados e artifícios retóricos
utilizados nas perguntas do entrevistador
e nas respostas do entrevistado, em uma
breve análise do discurso.
Bial
e o poder da argumentação
A
retórica, diz o filósofo Aristóteles
(Apud: Serra, 1996), visa descobrir os meios
que, relativamente a qualquer argumento,
podem levar à persuasão de
um determinado auditório acerca do
que é verossímil ou provável.
Neste sentido, teria uma natureza dialética,
distinta da demonstração ou
analítica, esta construída
nos critérios de verdade e necessidade.
Na
entrevista com o presidente Lula, para não
restringir o horizonte das perguntas e manter
o apelo nacional e, de certa forma, sensacional
da crise moral do PT, o jornalista Pedro
Bial realiza atos de fala pródigos
em efeitos de retórica, de acordo
com os rumos da conversa. Para manter a
horizontalidade do tema - a crise ética
do governo e do Partido dos Trabalhadores
- prevalece a verticalidade das perguntas
de Bial, reforçando um tom impositivo,
reticente e insinuante. Haverá resposta
plausível que não corrobore
a tese já formada de Bial?
Levando-se
em conta os três tipos de discursos
retóricos, apontados pelo filósofo,
é possível verificar o discurso
deliberativo, aquele voltado para o futuro,
que procura persuadir ou dissuadir em relação
a algo a fazer, quando o jornalista especula
o futuro político de Lula:
Presidente,
o ex-ministro José Dirceu, desculpe-me
insistir nesse nome, afirmou que as direitas
e a oposição querem prolongar
a crise política para inviabilizar
a sua reeleição. O senhor
será candidato à reeleição
para contrariar essa versão? [...]
O meio do ano não é tarde
demais para começar uma campanha?
[...] Colher em ano eleitoral é
ótimo, não é?
Nos
três casos, não se trata apenas
de uma simples pergunta, mas de implicações
de sentido. As opções plausíveis
de resposta, para o primeiro questionamento,
são duas: Lula confirma a candidatura
à reeleição, superando
a crise política vivida no seu primeiro
governo, e contraria a versão de
José Dirceu ou Lula nega uma nova
candidatura, confirma os efeitos diretos
da crise e endossa a versão de Dirceu.
O
efeito semântico não é,
obviamente, apenas especular sobre a reeleição.
É cercar de sentido uma resposta
de Lula, implicar um significado previamente
elaborado. O teor das outras duas perguntas
exibe uma contradição semântica
capciosa: Bial insinua ser demasiadamente
tarde para o início de uma campanha
eleitoral no meio do ano, para, em seguida,
ironizar quaisquer dividendos políticos
colhidos em pleno ano eleitoral.
O
segundo tipo de discurso retórico
na concepção Aristotélica,
o epidítico, volta-se para o presente
e procura louvar ou condenar atos contemporâneos.
Em alguns trechos da fala do jornalista,
tal recurso é flagrante. Após
o presidente repetidamente se esvair de
respostas conclusivas a respeito das acusações
e especulações, Bial constata
irregularidades ao enunciar o que ele chama
de "provas".
Assim, o jornalista objetiva deslegitimar
a principal defesa de Lula, a ignorância,
pois ele afirmava não ter lido os
relatórios parciais da Comissão
Parlamentar de Inquérito:
Acho
que posso apresentar já algumas
provas conclusivas para o senhor fazer
um juízo de valor. Como, por exemplo,
a auditoria feita pelo próprio
Banco do Brasil sobre a questão
da Visanet, em que dados conclusivos
dessa auditoria comprovaram o desvio de
R$ 20 milhões. Além disso,
o uso de 80 mil, 80 mil presidente, em
notas falsas no valerioduto - assim chamado
- foi comprovado pela Polícia Federal.
Isso são provas.
Mais
adiante, Bial aproveita o apontamento de
Lula sobre práticas ilícitas
anteriores ao seu governo, para relembrar
episódio semelhante praticado pelo
PT, numa clara condenação
ao ato. O jornalista pede desculpas por
evocar o fato, o que só reforça
o tom irônico disfarçado de
certa polidez que se sucede no seu discurso.
Bial induz ao momento dramático da
situação com uma pergunta
fatalista sobre a situação
do partido. A resposta de Lula, por mais
convincente que aparentemente possa ser,
constrói uma contradição,
quando dela o jornalista deduz que o presidente
conhece as provas que antes negava.
(Lula):
[...] tenho informações
também do Banco do Brasil de que
o pagamento adiantado era uma norma, que
vinha acontecendo no Brasil há
algum tempo. Não é uma coisa
que foi implantada na atual gestão
do Banco do Brasil, a partir do momento
em que tomei posse. Era uma norma que
já vinha sendo implantada e isso
está no relatório do Banco
do Brasil, me apresentado pelo presidente
do Banco do Brasil [...].
(Bial):
O senhor me desculpe, mas, quando fala
de normas que já vinham anteriormente
sendo executadas, me lembra aquela frase
da entrevista de Paris: que o caixa dois
do PT era apenas uma prática sistemática
da política brasileira e que o
PT também fazia, o que surpreendeu
muito o eleitor do PT, que acreditava
que o PT tinha vindo para acabar com esse
tipo de prática!
(Lula):
O PT cometeu um erro, que é de
uma gravidade incomensurável. Todo
mundo sabe - e sabe o PT hoje e sabe quem
cometeu os erros - que o PT cometeu um
erro e que será de difícil
reparação pelo próprio
PT. O PT vai sangrar muito para poder
se colocar diante da sociedade outra vez
com uma credibilidade, que ele conquistou
ao longo de 20 anos [...].
(Bial):
O senhor acredita que ele vai recuperar
essa credibilidade?
(Lula):
Vai! Vai recuperar.
(Bial):
Tem salvação?
(Lula):
Eu acho que tem salvação
porque o PT é um partido muito
grande. E numa família, quando
alguém comete um erro qualquer,
você não pune a família
inteira. Vai ser punido quem cometeu o
erro. [...] E esse é um processo
de depuração, que vai levar
tempo. Você não tem uma varinha
de condão para falar "apareçam
os corruptos ou os malfeitores da pátria,
que nós vamos punir". Não.
Você fica sabendo das coisas quando
lê, quando alguém denuncia,
quando alguém faz uma denúncia
ou pelo menos um indício de prova.
Aí você manda investigar.
E, na investigação, você
prova se é inocente ou não,
se é culpado ou não.
(Bial):
Mas, até agora, o senhor vinha
insistindo na tese de que não havia
provas! Eu entendi bem ou o senhor hoje
está reconhecendo que já
há provas conclusivas do mensalão
ou, enfim, de condutas irregulares e de
corrupção conduzidas pelo
PT?
É
o discurso retórico judicial, típico
dos tribunais, o mais recorrente na fala
de Bial. Segundo a retórica aristotélica,
ele compreende digressões no passado
a fim de acusar ou defender em relação
a atos mostrados como justos ou injustos.
Os termos de interlocução
("me permita ler", "há
de convir", "o senhor está
se referindo...?") e introspecção
("eu entendi bem"), a enumeração,
o raciocínio calculado, a citação
de perguntas do interlocutor ("o senhor
já afirmou, nas seguintes palavras..."),
os questionamentos formulados após
controvérsias, entre outros procedimentos
discursivos típicos de um inquérito
policial, permeiam a entrevista. Assim,
o gabinete do presidente se transforma em
um tribunal ou seria o paredão de
Bial diante das câmeras de televisão?
O
senhor está se referindo às
CPIs? Para apurar, o governo resistiu
muito. Procurou impedir a implantação
das CPIs, num primeiro momento. E, mesmo
agora há pouco, tentou evitar a
prorrogação de seu trabalho.
[...].
O deputado José Genoíno,
presidente do partido, disse que não
tomou empréstimo. Mas, tomou e
caiu. Sílvio Pereira, secretário-geral,
caiu. O ex-ministro-chefe da Casa Civil,
José Dirceu, foi cassado. Esses
não são erros? [...].
Falando em verdade e mentira, o senhor
já afirmou, nas seguintes palavras,
que essa história do mensalão
parece folclore do Congresso. Aí
temos o relatório do deputado Ibrahim
Abi-Ackel, que diz "houve recebimento
de vantagens financeiras...". O senhor
me permita ler, porque está entre
aspas: "Houve recebimento de vantagens
financeiras indevidas por parlamentares
e dirigentes partidários, com periodicidade
variável, porém, constante,
de 2003 e 2004". E ele chegou a dizer
"chame-se semanão, quinzenão
ou mensalão". O senhor ainda
acredita que não passa de folclore?
[...].
Eu entendi bem ou o senhor hoje está
reconhecendo que já há provas
conclusivas do mensalão ou, enfim,
de condutas irregulares e de corrupção
conduzidas pelo PT? [...].
Mas, o senhor concorda que o governo,
assim como as mulheres dos césares,
além de ser honesto, tem que parecer
honesto? O senhor há de convir
que as aparências não estão
ajudando. [...] Como é que o PT
- que não tem renda, é um
partido - conseguiu esse dinheirão
todo apenas com a assinatura de um simples
tesoureiro, do nosso Delúbio, como
o senhor disse? [...].
Assim,
o enunciado de Bial é argumentativo,
não pelo que diz acerca de Lula,
do PT ou da crise política, mas pela
maneira como opera as formas lingüísticas
a favor de uma retórica. Lula, por
sua vez, não parece páreo,
pelo menos até a metade da entrevista,
com uma fala baseada muito mais na demonstração.
Se
a argumentação de Bial aposta
na equivocidade da linguagem natural, para
daí extrair uma controvérsia,
simular contradição em cima
do dito; a demonstração de
Lula, explicativa, assenta na univocidade
da linguagem simbólica, enumera,
e admite a petição de princípio
como contrapeso à retórica
de Bial. Diante das provas colocadas por
Bial, as proposições de Lula
soam em sentenças condicionais:
Primeiro,
porque não é o papel do
presidente da República. Segundo,
porque não tenho conhecimento suficiente
para analisar como tem um delegado de
polícia, como tem um representante
do Ministério Público ou
como tem um ministro do Supremo Tribunal
Federal. [...].
Primeiro, para alertar a gente de que
é preciso tomar mais cuidado. Segundo,
é preciso fiscalizar mais. Terceiro,
é preciso fortalecer as instituições.
Quarto, é preciso exercer mais
democracia e que a sociedade possa ter
mais controle das ações
do Poder Executivo, do Poder Legislativo.
[...].
Se há indícios, tem que
ter uma investigação séria.
[...].
Se eu tivesse condições
de saber, não teria acontecido.
O
jornalista se revela, indiscutivelmente,
um mestre da tópica, a arte da controvérsia,
que Aristóteles define como todo
um conjunto de estratégias conclusivas
que não se integram no raciocínio
lógico, mas sustentam-se nas relações
entre enunciados aceitos como prováveis
pelo bom senso de uma época.
Estas
relações, a partir de certos
atos de fala, nos orientariam em direção
a outros enunciados. A nível sintático,
eles existiriam nos operadores e conectores
argumentativos. Nota-se que, muitas vezes,
Bial introduz sua fala com conjunções
coordenativas adversativas ("mas",
"porém"):
O
senhor me desculpe, mas, quando fala de
normas [...].
Mas, até agora, o senhor vinha
insistindo na tese de que não havia
provas [...].
Mas, o senhor concorda que o governo,
assim como as mulheres dos césares,
além de ser honesto, tem que parecer
honesto? [...].
Mas, não é uma dedução
lógica de que são empréstimos
de fachada? [...].
Mas você sabe que, quando soube
que iria ter o privilégio de conversar
com o senhor, saí conversando muito
com o povão mesmo em feira-livre,
táxi, botequim [...].
Mas, o Delúbio era tão próximo
do senhor [...].
Mas, ainda há a sensação
no senso comum de que a economia brasileira
[...].
Porém, antes mesmo dessas investigações
serem concluídas, o senhor afirmou
que levaria José Dirceu ao seu
palanque.
A
forte presença da conjunção
exprime que o enunciado posterior é
uma premissa que, junto a outro(s) enunciado(s)
anterior(es), vai fixar uma conclusão,
uma interpretação. Em um dos
trechos da discursividade do jornalista,
duas hipóteses (a de Lula sentir-se
traído e a de ser solidário
com os envolvidos na corrupção)
são apresentadas por uma conjunção
coordenativa ("e"), operando uma
ligação recíproca de
dois enunciados idênticos, sugerindo
conclusões acusatórias sem
expressá-las abertamente: "O
senhor já se disse traído
e depois se solidarizou com aqueles que
estavam envolvidos na corrupção,
se reunindo com eles".
Na seqüência, Bial interroga
o presidente utilizando uma conjunção
disjuntiva ("ou"), ligando, assim,
duas orações de sentidos diferentes,
porém, indicando que, ao verificar-se
o que se diz em uma delas, deixa de confirmar
o que se diz na outra: "Afinal, o senhor
foi traído ou é solidário?
Por
exemplo, o José Dirceu o traiu?"
Assim, subentende-se a escolha de uma das
duas opções apresentadas pelo
jornalista-inquisidor.
Além
destes recursos, as modalidades do implícito
no enunciado e na enunciação,
que subentendem sentidos específicos,
são também usuais na fala
do jornalista. Os implícitos de enunciado,
apesar de não expressarem uma afirmação
necessária e de maneira evidente,
deixam significações nas entrelinhas
do não-dito, em lacunas das frases.
Em algumas colocações, Bial
atribui o sentido de mentira (a verdade
consta no relatório parcial da CPI
e a mentira na idéia de folclorização
do "mensalão" - a mesada
oriunda de estatais paga a parlamentares
da base aliada em troca de apoio ao PT -,
atribuída ao presidente), assim como
o de desonestidade (admitido assim o pressuposto
de que o que não parece, não
pode ser honesto) à fala de Lula:
Falando
em verdade e mentira, o senhor já
afirmou, nas seguintes palavras, que essa
história do mensalão parece
folclore do Congresso. Aí temos
o relatório do deputado Ibrahim
Abi-Ackel, que diz "houve recebimento
de vantagens financeiras...". O senhor
me permita ler, porque está entre
aspas: "Houve recebimento de vantagens
financeiras indevidas por parlamentares
e dirigentes partidários, com periodicidade
variável, porém, constante,
de 2003 e 2004". E ele chegou a dizer
"chame-se semanão, quinzenão
ou mensalão". O senhor ainda
acredita que não passa de folclore?
[...].
Mas, o senhor concorda que o governo,
assim como as mulheres dos césares,
além de ser honesto, tem que parecer
honesto? O senhor há de convir
que as aparências não estão
ajudando. [...].
Mas, não é uma dedução
lógica de que são empréstimos
de fachada? [...].
A sensação não é
de acusação ao senhor, mas,
de estar muito intrigado. Como é
que o presidente não sabia? Essa
pergunta continua sendo feita, presidente.
O senhor sabia ou não sabia? [...].
Mas, o Delúbio era tão próximo
do senhor.
É
este conjunto de pressupostos, de sentidos
implícitos, de operadores argumentativos
e de demais artifícios retóricos,
presentes no discurso de Bial durante a
entrevista, que irá compor o interior
da fala, movido por uma determinada intenção,
a busca da verdade, do qual se elabora um
contexto de inquisição. Todos
estes exemplos de retórica nos conduzem
à própria natureza da argumentação
do jornalista durante a entrevista: o poder
de, discursivamente, defender uma tese ou
contrariá-la.
Na
posição de orador, Bial renuncia
consciente e estrategicamente ao que Perelman,
(Apud: Serra, 1996), chama de "petição
de princípio", ou seja, admitir
uma tese que se desejaria fazer admitir
pelo auditório. Na entrevista com
Lula, o jornalista objetiva a adesão
intelectual do público ao seu poder
argumentativo. Configura, pura e simplesmente,
uma interpelação de um sentido
ao telespectador e exerce, assim, uma ação
de persuasão e convicção
mediante o discurso, cria ainda um cenário
de desfiguração, em que a
figuração alheia, da fala
presidencial, termine rejeitada, empobrecida
de sentido.
O
enfoque na culpa X a conduta ética
do jornalista
"O
repórter Pedro Bial perguntou ao
presidente Lula tudo o que o Brasil quer
saber". A convidativa chamada do Fantástico
para a entrevista soa, a princípio,
perfeitamente legítima para atrair
a atenção do público.
Os brasileiros, especialmente naquele momento,
tinham inúmeras perguntas a fazer
ao presidente a respeito da onda de denúncias
que o seu governo se viu envolvido. Por
outro lado, reside nela também a
primeira pista para identificar o enfoque
retórico de Bial.
De
antemão, prometem-se presumidas as
possibilidades de esclarecimento, diálogo
e interesse de todos. O trabalho do profissional
deve servir ao interesse público
e, ainda, ao compromisso com a verdade dos
fatos e com a precisão da apuração
dos acontecimentos como sugere o Código
de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
Porém,
o jornalista realiza uma censura específica
e muito própria dos tribunais. Ao
invés de promover uma abertura de
sentido, suas colocações fecham
a possibilidade de entender um quadro contextual
da crise político-partidária
e ética do governo. O que o Brasil
inteiro quer saber, de repente, reduz-se
à inquisição e a busca
do culpado.
De
acordo com o Código Deontológico
dos Jornalistas, o profissional "deve
salvaguardar a presunção de
inocência dos argüidos até
a sentença transitar em julgado".
Não é o que se percebe quando
Bial insinua:
Presidente,
antes e depois da sua eleição,
o senhor repetiu várias vezes,
com pertinência, que muitos poderiam
errar no seu lugar, mas, que com a sua
biografia e com os preconceitos que enfrentava,
o senhor não poderia errar. Agora,
diante de tantos escândalos que
o seu governo vem enfrentando, poderia
me responder onde é que o senhor
errou?
A
pergunta de Bial, a primeira da entrevista,
também poderia ser a última.
O tom de inquisição do começo
a, pelo menos, metade da entrevista oscila
apenas em sua forma retórica, em
sua proposição verbal, em
sua estética acusatória, ainda
que todo o episódio se passe dentro
das regras de polidez - Lula e Bial trocam
um recíproco "obrigado"
ao fim dos trinta e quatro minutos. O discurso,
a linguagem, os procedimentos retóricos
são frutos de escolhas que envolvem
condicionantes éticas na conduta
profissional.
Segundo
o filósofo Aristóteles, a
ética não tem um propósito
teórico, mas sim prático.
Não é algo essencial e imutável
ao homem, mas nasce por ações
repetidas, disposições adquiridas
ou de hábitos que constituem virtudes
ou vícios. Segundo ele, enquanto
a virtude dianoética (a sabedoria,
a inteligência e a ciência)
se gera e acresce por via do ensinamento
e tem por si a necessidade de experiência
e de tempo; a virtude ética (a liberalidade
e a temperança) provém do
hábito (ethos).
A
concepção de uma ética
concretizada em ações comunicativas
é, afinal, consoante à idéia
pragmática de linguagem, para a qual
os sentidos são intencionais e o
discurso é performativo, além
de ser coerente com o próprio sentido
original de retórica, enquanto arte
de persuasão da palavra.
Para
Max Weber, a ética de responsabilidade
ou profissional é bem diferente da
ética absoluta. Enquanto a ética
absoluta obriga a dizer toda a verdade,
a ética da responsabilidade preocupa-se
com as conseqüências.
Finalmente,
a obrigação de dizer a verdade,
que a ética absoluta nos impõe
sem condições. Daqui se
tirou a conclusão de que devem
ser publicados todos os documentos, sobretudo
aqueles que culpam o próprio país,
e, com base nesta publicação
unilateral, incondicional, das próprias
culpas, sem pensar nas conseqüências.
O público dar-se-á conta
de que, agindo assim, não se ajuda
a verdade, mas que, pelo contrário,
ela será obscurecida pelo abuso
e desencadeamento das paixões:
Verá que apenas uma investigação
total e bem planejada, levada a cabo por
pessoas imparciais, pode render frutos,
e que qualquer outro procedimento pode
ter, para a nação que o
siga, conseqüências que não
poderão ser eliminadas em dezenas
de anos. A ética absoluta, no entanto,
nem sequer se interroga acerca das conseqüências
(Weber, Apud: Fidalgo, 1997:7).
O
sociólogo problematizou, a partir
da ética política, os critérios
e escolhas que conduzem à verdade,
e chegou à ponderação
como uma qualidade do homem político
virtuoso. Essa mesma noção
de virtude, em Aristóteles, é
atribuída ao equilíbrio entre
os extremos.
A retórica inflamada do jornalista
Pedro Bial na entrevista concretiza uma
ética mais afeita ao vício
e ao desequilíbrio do que à
virtude. Demonstra ser ainda apropriada
para uma mediação jornalística
que reforce o apelo ao senso comum, às
paixões e cores ideológicas,
ao exagero dramático, à culpa.
Na medida em que o discurso de Bial é
fundamentado na cobrança de satisfações
extrajudiciais, interrogações
e insinuações, baseia-se em
definições prévias
e rigorosas de valores, de sentidos e de
verdades. A busca por uma verdade poderá
resultar, assim, em uma verdade incompleta,
parcial.
É
a sutil espetacularização,
constituída numa hierarquia discursiva
fechada, fixa, cristalizada ao longo da
conversa, com pouca ou quase nenhuma possibilidade
de evolução, nas perguntas
de Bial, para um contexto mais sóbrio
e racional da crise política. O tom
de denúncia e de apuração
intransigente das verdades que o povo quer
saber ganha as cores de um atrativo interrogatório.
O sensacionalismo aparece como punição
de qualquer ambivalência ou evasão
de Lula e como transgressão do princípio
da presunção da inocência.
Pedroso
(1983) define o sensacional como o modo
de produção discursivo da
informação de atualidade,
processado por critérios de intensificação
e exagero gráfico, temático,
lingüístico e semântico,
contendo em si valores e elementos desproporcionais,
destacados, acrescentados ou subtraídos
no contexto de representação
ou reprodução de real social.
O
ponto central do sensacional na entrevista
está na apologia à culpabilidade
e punição como fundamentos
para se chegar à verdade - algo insinuado
na fala de Bial tantas vezes que ressoa
na fala de Lula tantas outras. A apresentação
parcial da verdade por provas que culpabilizam
e jamais tendem a inocentar impede o telespectador
de apreender uma realidade mais contextual.
Outra
forma de perceber o sensacionalismo na entrevista
é identificar como os fatos e argumentos
destacados por Bial para compor as perguntas
têm um forte apelo emocional, insinuam,
comunicam uma estrutura de valores prévia,
ideológica, com um peso que pode
ludibriar e fazer cair em controvérsia.
O
senhor disse também "agora,
é a gente não permitir que
o processo eleitoral do ano que vem venha
exigir que governantes tomem medidas irresponsáveis
e populistas". Presidente, essa declaração,
na voz de um governante, soa como uma
ameaça.
Lula,
em várias colocações,
apenas realiza atos de fala para subverter
a máxima da justiça e verdade
a todo custo, sôfrega e insistente
na fala de Bial. No conjunto da fala de
Lula durante o princípio e meio da
entrevista, há uma idéia mais
elementar e com amparo na própria
constituição: o princípio
da presunção de inocência.
Tudo
que eu desejo na vida é que a CPI
apure corretamente o que tem que apurar,
faça todas as acareações
que tiver que fazer, apresente o seu relatório
final. [...].
Eu não posso fazer julgamento de
relatório da CPI. Não posso.
[...].
Estou esperando o relatório conclusivo
da CPI, pois o que conta, na verdade,
é quando tiver um relatório
consagrado. [...] Quando estiver pronto,
tenho um documento final para poder fazer
juízo de valores desse documento.
[...] Os culpados serão punidos
da forma mais severa possível.
[...].
Vai ser punido quem cometeu o erro. [...]
Você não tem uma varinha
de condão para falar "apareçam
os corruptos ou os malfeitores da pátria,
que nós vamos punir". Não.
[...] Na hora em que tiver a investigação
feita corretamente e o veredicto, aí
você fala: "bom, esse cidadão
cometeu uma heresia, por isso, tem que
ser punido". [...].
Depois desse processo todo é que
todos nós - você, eu e quem
está nos assistindo - vamos poder
dizer "é verdade ou não
era verdade". E acho que é
errado fazer qualquer julgamento precipitado
da pessoa. [...].
Todas as pessoas, enquanto não
forem julgadas, são inocentes.
Vamos aguardar o processo. Da parte do
presidente da República, nesse
momento, seja com os meus companheiros
ou com os meus adversários, tem
que ter sempre a postura de um estadista,
que não faz julgamento a priori,
que não faz julgamento precipitado,
que não condena e nem absolve ninguém
antes do tempo.
O
duelo discursivo entre a máxima da
justiça a todo custo e a da presunção
de inocência traz poucos fatos novos
à tona. Em contrapartida, rende um
belo espetáculo. É,
pois, na imediaticidade da percepção
de culpa, da forma ao conteúdo, do
fenômeno à essência (Bial
chega a sugerir que não basta ser,
é preciso parecer honesto), do singular
ao geral (episódios específicos
aventados dentro de quadros gerais); na
singularidade extrema, que reforça
as categorias do senso comum e de uma ideologia
criminalista apriorística, na violência
simbólica pela reprodução
do arquétipo de culpa em torno da
figura presidencial, pela repetição
de um significado sem uma interpretação
que atenue o papel do discurso na produção
da verdade; é por esses caminhos
que chegamos a um patamar de sensacionalismo.
O
Código Deontológico dos Jornalistas
é enfático: "o jornalista
deve combater a censura e o sensacionalismo
e considerar a acusação sem
provas e o plágio como graves faltas
profissionais". Bial alegou ter provas
suficientes para interrogar o presidente,
mas pecou no excesso de tom sensacional.
Lula, embora estivesse no seu gabinete no
Palácio do Planalto, estava, na verdade,
dentro de um reality show, onde a
intenção do discurso do jornalista
ditou o contexto de diálogo.
O
distanciamento e a objetividade como virtudes
da ética jornalística
Ao
exercer o seu papel de sujeito-comunicador,
o jornalista deve manter o distanciamento
crítico do assunto e dos personagens
da notícia. Para Fidalgo, o espírito
da inquirição e de investigação
que caracteriza a profissão de jornalista
nasce de uma atitude de distância,
relativamente ao homem e às coisas.
Também
na informação, manter a
distância relativamente ao presente
é uma qualidade do jornalista na
medida em que o significado de um fato
noticiado é ditado pelo contexto
em que se insere. O homem comum pode apelar
à proximidade da vivência
como garantia da objetividade do que relata,
dizer que o que diz é o que viu,
com os olhos que a terra há de
comer. Mas o jornalista deve temperar
o que vê e ouve com o que, não
vendo e não ouvindo, sabe que condiciona
o que vê e ouve. A percepção
do presente situa-se entre a memória
do passado e a previsão do futuro
(Cf. Fidalgo, 1997:04).
O
tom de denúncia e de apuração
no discurso de Bial, diante de uma grave
crise política e ética do
governo Lula e no momento em que toda a
nação exigia explicações
e justificativas do presidente, de certa
forma permite ao profissional duvidar, examinar
eventuais contradições nas
versões e questionar o seu próprio
envolvimento e preconceitos em relação
ao assunto. O jornalista apresenta provas
auxiliares e fatos suplementares que fundamentem
o essencial da notícia e utiliza
citações de outros entre aspas,
como sugere Tuchman (Apud: Correia, 1997)
na busca pela objetividade jornalística.
Falando
em verdade e mentira, o senhor já
afirmou, nas seguintes palavras, que "essa
história do mensalão parece
folclore do Congresso". Aí
temos o relatório do deputado Ibrahim
Abi-Ackel, que diz "houve recebimento
de vantagens financeiras...". O senhor
me permita ler, porque está entre
aspas.
Mas, por outro lado, Bial peca ao informar
e interrogar com emoções e
de modo apaixonado e a nem sempre selecionar
palavras neutras para descrever o contexto,
como recomenda Bentele (Apud: Kunczik, 2001).
O jornalista também expressa a sua
opinião mesmo que de forma indireta.
No
episódio da compra do apartamento
e do empréstimo para a mulher do
José Dirceu, houve claros indícios
de tráfico de influência.[...]
Mas, o senhor concorda que o governo,
assim como as mulheres dos césares,
além de ser honesto, tem que parecer
honesto? O senhor há de convir
que as aparências não estão
ajudando. [...] O meio do ano não
é tarde demais para começar
uma campanha? [...] Colher em ano eleitoral
é ótimo, não é?
[...] Mas, ainda há a sensação
no senso comum de que a economia brasileira
é um cavalo doido para galopar
e com as rédeas de uma legislação
trabalhista ultrapassada, de um sistema
tributário punitivo. Quero dizer,
a crise em 2005 emperrou as reformas.
Porém,
Abramo (1988) critica a postura de exigir
uma neutralidade, ao dizer que "o jornalista
não pode ser despido de opinião
política. A posição
que considera o jornalista um ser separado
da humanidade é uma bobagem".
Karam (1997) complementa que o relato jornalístico
é encadeado segundo valores. "Na
reconstrução diária
simbólica da realidade, o profissional
escolhe, mesmo que inconscientemente, valores.
Estes podem ser reflexos da educação,
do conhecimento ou da experiência
histórica da humanidade".
Assim, a objetividade não pode ser
entendida apenas como o contrário
de subjetividade, mas como a busca e aproximação
da realidade. Pesquisar, investigar, levantar
informações, procurar derrubar
as teses tidas até o momento como
certas por meio de novos enfoques, buscar
fontes que ainda não foram ouvidas
e perspectivas que ainda não foram
consideradas são condutas essenciais
do profissional.
Porém,
o direito à informação
jamais deve violar a presunção
de inocência e, ainda, não
pode pressupor preponderância sobre
outros direitos do cidadão. Dessa
forma, torna-se plausível pensar
em uma ética jornalística
que determine não apenas o quê,
quando e por quê algo é veiculado,
mas também como isso acontece.
Comunicar
quer dizer gerir diferenças, pôr
em comum pontos de vista, construindo
um tempo e um espaço lógicos
de troca, suportados, é certo,
pelos tempos e espaços empíricos
de cada interlocutor, mas de nível
operatório mais complexo. Comunicar,
nesse espaço e tempo lógicos,
passa por um trabalho de bi-codificação
e bi-contextualização que
permita justamente pôr em comum
alguma coisa: referenciar e investir de
sentido, co-referenciar e co-significar
(Cf. Marcos, 1998:02).
A
imprensa não pode se ver desvinculada
da sociedade em que se insere, do ponto
de vista ideológico e até
judicial. Não pode se colocar como
a verdade, acima das leis. Ela deve zelar
pelo direito à voz de todos os cidadãos
e fundar suas decisões na imparcialidade
e no pluralismo, ambos podem contribuir
para se alcançar a realidade.
O
Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros diz no artigo 14: "O jornalista
deve ouvir sempre, antes da divulgação
dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações
não comprovadas, feitas por terceiros
e não suficientemente demonstradas
ou verificadas".
A
exigência de distanciamento, objetividade,
imparcialidade e pluralismo responde à
necessidade de que o jornalismo seja o espaço
em que diferentes segmentos sociais com
posturas variadas e até mesmo contraditórias
se encontrem para discutir os problemas
que afetam a sociedade.
Considerações
finais
Desde
que assumiu o poder, em 2002, o governo
petista de Luiz Inácio Lula da Silva
não havia se sentido tão acuado
e pressionado pela imprensa e por toda a
nação quanto em 2005, um ano
marcado por inúmeras denúncias
de irregularidades e corrupção
na política. Foram poucas as vezes
que Lula deu espaço para a imprensa
o questionar sobre os escândalos que
afligiam a população brasileira.
No
primeiro dia do ano de 2006, o Fantástico
da Rede Globo anunciou o triunfo:
o presidente finalmente resolveu falar de
forma mais aberta e responder tudo o que
o Brasil queria saber. Durante os 34 minutos
de gravação, não se
sabe se o presidente afinal esteve diante
de uma entrevista ou de um tribunal. Pedro
Bial surgiu na televisão como o jornalista-inquisidor
ao construir a sua discursividade amparada
na apologia à culpabilidade e punição
como fundamentos para se chegar à
verdade. A estratégia de Bial foi
a de pressionar e provocar Lula com sua
tese pré-elaborada por meio do seu
poder argumentativo.
Quanto
à conduta do presidente, se o objetivo
era promover uma abertura de diálogo
com a imprensa e com a nação,
porque conceder uma entrevista exclusiva
ao programa Fantástico da
Rede Globo? Na verdade, Lula já
havia falado da crise política, no
programa Roda Viva, da TV Cultura,
em 07 de novembro de 2005, na ocasião,
disse que o "mensalão"
não existia, que a prática
de caixa dois era inaceitável e que
o PT conseguiria reconstruir sua reputação.
Apesar da entrevista, gravada no Palácio
do Planalto, ter durado 1h45min, a repercussão
foi amena e teve pouco impacto.
A
Globo, então, investe em uma
entrevista exclusiva, longa, detalhada sobre
os escândalos na política nacional
para um dos programas de maior audiência
da televisão brasileira. E quanto
à performance de Lula? Apesar de
pressionado, o presidente mostrou-se preparado
para a inquisição. A sua estratégia
foi a de criar uma postura de inocente,
de traído e de não compactuar
com os escândalos: "Se eu tivesse
condições de saber, não
teria acontecido", enfatizou. De culpado,
no início da entrevista, Lula consegue
construir a imagem de vítima no desenrolar
do diálogo:
Acho
que o conjunto dos acontecimentos, para
mim, soou como se fosse uma facada nas
costas de alguém, que junto com
outros milhões de brasileiros,
dedicou parte da sua vida para construir
um instrumento político, que pudesse
ser diferente de tudo o que estava aí.
No
ano de 2006, Lula conseguiu recuperar a
credibilidade da sua imagem e ganhar novamente
as eleições para presidente.
Os fatos levantam inúmeras perguntas:
se o jornalista não tivesse tido
a audácia e o espírito inquisidor,
teria ele conseguido, por alguns momentos,
pressionar o presidente, na tentativa de
buscar uma verdade? Se por um lado, houve
exagero ou agressividade na construção
da mensagem, por outro, o telespectador
que vivia um momento de indignação
estaria satisfeito com um tom de entrevista
mais brando ou amistoso? Se precisão,
interesse, verificação, veracidade
e neutralidade são qualidades obrigatórias
do sujeito-comunicador, qual seria então
a melhor conduta?
Mesmo
provocando uma série de questionamentos,
o jornalista não conseguiu trazer
fatos novos à entrevista que prometia
esclarecimento e diálogo. Ao invés
de promover uma abertura de sentido, as
colocações e os enfoques de
Bial fecharam a possibilidade de entender
um quadro contextual da crise.
O
jornalista insinuou, acusou (respaldado
em relatórios da CPI) e denunciou,
mas, não conseguiu progredir na investigação.
Teria valido mais a pena se o profissional
tivesse salvaguardado a presunção
de inocência dos argüidos até
a sentença transitar em julgado,
como sugere o Código Deontológico?
Ou ouvido todas as pessoas objeto de acusações
ainda não totalmente comprovadas
como indica o Código de Ética
dos Jornalistas?
O
compromisso jornalístico de dizer
e buscar a verdade não determina
a publicação unilateral, sobretudo,
aquela que culpa o próprio governo
da nação, sem pensar nas conseqüências
para o país. Dessa forma, ao invés
da verdade, a apuração jornalística
será obscurecida pelo abuso e desencadeamento
das paixões. O profissional deve
buscar uma investigação total
e bem planejada, com pluralidade de fontes.
Este
é um conflito constante da profissão.
A cada momento em que se investiga um fato
e se divulga uma declaração,
está presente a decisão humana
com base em critérios jornalísticos,
que devem levar em conta a responsabilidade
social, a exatidão, a pluralidade
de fontes e versões, a reflexão
e não o julgamento precipitado.
A
imprensa deve sempre fundar suas decisões
na imparcialidade e no pluralismo, ambos
podem contribuir para se alcançar
a realidade. Ao exercer o seu papel de sujeito-comunicador,
o jornalista deve manter o distanciamento
crítico do assunto e dos personagens
da notícia e possibilitar que os
cidadãos possam, por meio dos mais
diversos olhares do campo jornalístico,
perceber, entender e intervir sobre o mundo
que os cerca.
Nota
[1]
Entrevista com o Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Disponível em: <http://fantastico.Globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1099392-4005,00.html>.
S/d.
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Acesso em: 26abr2007.
*Célio Mamoru
Nozaki Yano, Erike Luiz Vieira Feitosa e
Ivan Luiz Sebben Filho são graduandos
de Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo
da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). E-mails: celiomny@gmail.com,
erikfeitosa@gmail.com,
ivanzorde@yahoo.com.br.
Patricia Thomaz é docente do departamento
de Comunicação Social da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), mestre
em Comunicação pela Universidade
de Marília (UNIMAR), especialista
em Administração de Marketing
e Propaganda e jornalista pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL). E-mail: patriciathomaz@hotmail.com.
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