Memórias
e canções
Nas
ondas da Rádio Universitária
Por
Inês
Almeida Vieira*
Resumo
Neste
artigo, apresento uma descrição
do processo através do qual se faz
a Programação do
ouvinte [1]. Esta descrição
está baseada, principalmente, na
minha experiência, como pesquisadora,
por dois anos, quotidianamente, elaborando
a ficha técnica, no estúdio
da Rádio Universitária,
no horário em que o Programa vai
ao ar, ou seja, das 18:00 às 19:00
horas, de segunda a sexta-feira. Nesta condição,
recebia dos ouvintes, por telefone, os seus
pedidos musicais, cuja veiculação
é intercalada pela sessão
de informações intitulada
"FM notícias", às
18:30 horas.
Assim,
entre julho de 1999 e dezembro de 2001,
esta minha vivência levou o apresentador,
jornalista Nelson Augusto a dirigir-se ao
seu público, inúmeras vezes,
com a seguinte fala: "(...) é
só ligar e fazer o seu pedido musical.
No 281.57.74, você fala com nossa
colaboradora e pesquisadora, Inês
Vieira".
O
desenrolar da Programação
envolve: a apresentação das
"dicas culturais", assim denominados
os informes acerca de atividades culturais
em cartaz na cidade, a cada dia; mensagens
de aniversário; "correio sentimental";
mensagens musicais, com destaque para músicos
cearenses; uma espécie de educação
musical informal a que o Programa se propõe,
isto é, referências feitas,
eventualmente, pelo locutor, acerca da história
de determinados compositores/cantores, a
contextualização de certas
produções musicais etc; um
curto espaço para notícias,
dentre outros aspectos. No seu conjunto,
também, a Programação
do ouvinte me permite a visualização
de espaços de interações
locutor-ouvinte, ouvinte-ouvintes e grupos
de ouvintes entre si.
O
momento da apresentação da
Programação do ouvinte:
Quando
batem as 6 horas
De joelhos sobre o chão
O sertanejo reza
A sua oração
Ave Maria
Mãe de Deus, Jesus
Nos dê força e coragem
P'ra carregar a nossa cruz
Nesta
hora bendita e santa
Devemos suplicar
À Virgem Imaculada
Os enfermos vir curar...
Assim,
ao se encerrar o som da Ave Maria Sertaneja
(de Júlio Ricardo e O. de Oliveira),
na voz de Luiz Gonzaga, todos os dias, entra
no ar a Programação
do ouvinte, quando o assessor de áudio,
Lima, alerta o apresentador Nelson Augusto:
"Vambora, Nelson!!!" [2].
Nelson
Augusto entra em cena:
"Em
Fortaleza, 18 horas e 4 minutos. Uma boa
noite a você, amigo ouvinte da Rádio
Universitária FM. A partir
de agora a sua Programação
do ouvinte. É só discar
281-57-74, 281-57-52 e fazer o seu pedido
musical. A Programação
do ouvinte tem coordenação
e apresentação de Nelson
Augusto. No áudio, Antônio
Carlos Lima. Vamos começar a Programação
do ouvinte de hoje, 29.06.99, terça-feira,
com a música...".
Ouve-se,
então, uma seqüência de
três músicas, com a veiculação
de nomes de ouvintes e respectivos bairros
de onde vêm os pedidos musicais e,
conforme a solicitação, para
quem a música é endereçada.
[O
apresentador]: "Quero agradecer a
audiência do Cid, da Varjota; do
Ranufo do Parque-Araxá; da turma
boa do bar do Rogério, no Presidente
Kennedy; da Lia, na Aldeota (...). A Programação
do ouvinte atende agora (...)".
Depois, anuncia os títulos das
canções, com respectivos
autores e intérpretes, associadas
ao nome do ouvinte e ao bairro de onde
procede cada solicitação:
"Agradecendo
a audiência do André Roberto,
do Álvaro Weyne; da Lena, do Rodolfo
Teófilo; Paulo Rogério,
da Aerolândia (...). A Programação
faz um pequeno intervalo, voltando logo
em seguida. Aguarde". [Gravação]:
"ZYC 407, Rádio Universitária
FM, 107,9 megahertz, a sintonia
da terra". Universitária
FM Notícias -
A Faculdade de Letras da UFC está
com as inscrições abertas
para o mestrado de Letras até o
dia 26.07...".
Seguem-se
outros anúncios de eventos culturais,
na voz do apresentador ou por meio de alguma
gravação. Assim, pode-se ouvir
algo como:
"A
Abel produções apresenta
saraus no teatro do IBEU Aldeota (...);
Luz do sol produções apresenta:
Paulinho Pedra Azul. Dia 01.07.99, às
21 horas, no teatro José de Alencar,
única apresentação.
Informações pelo telefone
252-23-24 (...). E já estamos de
volta com a sua Programação
do ouvinte.
É
só discar: 281-57-74 e 281-57-52
e fazer o seu pedido musical (...). Agora
temos a música Meu mundo e nada
mais, de Guilherme Arantes, com ele,
que atende ao Edvaldo Saraiva, o botafoguense
da Pe Mororó, no Centro da cidade.
Depois, A Distância, música
de Roberto Carlos, com Simone, que atende
ao Clemilson Holanda, no Pici (...)".
Mais
uma canção, atende a um ouvinte,
de outro bairro: "Agora, a canção
Padre Cícero, de Tim Maia,
atendendo ao Cleuton (...)". Outra
canção "vai para a Simone".
Ambos fazem parte de um grupo de músicos
locais que estão na audiência
do Programa.
Outros
trechos da fala do apresentador:
"Depois,
a música Sobre o tempo,
com o grupo 'Nenhum de Nós',
atendendo ao ouvinte (...) do Montese.
Agora a música Nayara, do
Paulinho Pedra Azul, com ele, que atende
ao Roberto Holofote, do Pantanal, que
oferece para a turma do Jóquei
Clube (...). Depois tem a música
Travessia, de Milton Nascimento,
com Elis Regina, que atende ao Cid, na
Varjota (...). E a Programação
do ouvinte vai ficando por aqui. No
finalzinho do programa, quero agradecer
a audiência do Bentivi, pobre bichinho,
de algum lugar da cidade... A Programação
do ouvinte tem coordenação
e apresentação de Nelson
Augusto. Seleção musical
sua. No áudio, Antônio Carlos
Lima. Gratos pela atenção.
Boa noite a todos. Programação
do ouvinte volta amanhã ás
18 horas".
A
seguir apresento uma tabela, especificando
o repertório da Programação
do ouvinte.
Dinâmica
da Programação
do ouvinte, destacando músicos
pedidos no Programa - Semana de 03-10
de junho de 1999
|
(02.06)
Quarta-feira |
Roupa
Nova
|
Sá
e Guarabira |
Elizeth
Cardoso |
Zé
Ramalho |
Tim
Maia
|
Fagner |
Emilinha
Borba |
Zizi
Possi |
Caetano
|
|
Clara
Nunes |
Renato
Russo |
(04.06)
Sexta-feira |
Bethânia
|
Marisa
Monte |
Gonzaguinha |
Ney
Matogrosso |
Zeca
Baleiro |
Raul
Seixas |
Amelinha |
Roberto
Carlos |
Téti
|
|
E.
Santiago |
Zeca
Baleiro |
(07.06)
Segunda-feira |
Tunai
Milton Nascimento
|
Raul
Seixas |
Chico
Buarque |
Gilberto
Gil |
Bethânia |
Elba
Ramalho |
Elba
Ramalho |
Eliana
Printz |
Caetano
Veloso |
Paulo
Diniz |
Caetano
Veloso |
Zeca
Baleiro |
|
|
|
M.
Nascimento |
(08.06)
Terça-feira |
Bethânia
|
Clara
Nunes
Tetê Espíndola |
Marisa
Monte |
Xangai |
Ney
Matogrosso
|
Marisa
Monte |
Ivan
Lins |
Zé
Ramalho |
Vânia
Abreu
|
|
Teresa
Valesca |
Fagner |
|
|
|
B.
Azimute |
|
|
|
Martinho
da Vila |
(09.06)
Quarta-feira |
Zeca
Baleiro |
Elis
Regina |
Fausto Nilo |
Raul
Seixas |
Bethânia |
Djavan |
Marisa
Monte |
Belchior |
Ivan
Lins |
|
Tunai |
Zé
Ramalho |
(10.06)
Quinta-feira |
Zeca Baleiro |
Djavan |
Márcio
Greick |
Roupa Nova |
Ednardo |
Luiz
Gonzaga |
Teresa
Valesca |
Zé
Ramalho |
Marisa
Monte |
Cartola |
Osvaldo
Montenegro |
Elis
Regina |
Tabela
1.
Elaborada pela autora, a partir da sua pesquisa.
Observando
intérpretes e canções
registradas nesta tabela, reporto-me à
chamada Era de ouro do Rádio,
o que me possibilita uma viagem no tempo.
Mais
uma vez, me dou conta da importância
que este meio de comunicação
exerce na história de produção
musical brasileira, reproduzindo memórias
que transcendem espaços de tempo
e lugar. Tomando a Programação
do ouvinte como espaço reconstrutor
de uma memória musical, é
interessante lembrar, por exemplo, o fato
de a canção Rosa, de
Pixinguinha, hoje interpretada por Marisa
Monte, também ser veiculada, no mesmo
Programa, na voz de Orlando Silva, um intérprete
de grande sucesso, nas décadas 1930/1940.
Coexistem,
assim, nessa Programação
canções interpretadas por
músicos de várias idades e
de diversos locais. São esses intérpretes
porta-vozes de canções que,
às vezes, não são veiculadas
por nenhuma outra emissora, e que também
não encontram espaço de difusão
em outros meios de comunicação.
E, se o encontram, é limitado. Com
a preocupação de assegurar
ao seu público consolidado uma "música
de qualidade" e de possibilitar-lhe
o "convívio" com músicas
de diversas gerações às
quais as pessoas também se ligam
em função de memórias
afetivas comuns, a emissora desempenha,
assim, o relevante papel de mediadora dessa
produção, e de propiciadora
de um tipo de sociabilidade, criando um
espaço de diálogo com uma
memória receptiva, cotidianamente,
dentre outras iniciativas, a partir da Programação
do ouvinte.
Explicitando
melhor o que acabo de escrever: Caetano
Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia
estão associados ao Tropicalismo,
expressão musical do final dos anos
1960, cujo apelo central girava em torno
da idéia de brasilidade.
Roberto
Carlos e Erasmo Carlos, por sua vez, remetem-me
ao Iê-iê-iê, movimento
musical que se projetou através do
programa Jovem Guarda, em meados
da década de 1960, veiculado pela
TV Record, de São Paulo. Elis
Regina lembra-me a Bossa Nova e os
"grandes festivais da MPB". Os
nomes de Fagner, Belchior e Fausto Nilo,
numa primeira fase de suas trajetórias
musicais, associam-se ao grupo denominado
"Pessoal do Ceará", cuja
projeção, no Sudeste do país,
se iniciou nos anos 1970.
No
plano local, estes e outros nomes associam-se,
ainda, no final da mesma década,
a uma espécie de festival que se
chamou "Massa Feira", mobilizando,
de certa maneira, alguns talentos nos campos
da poesia e da música.
Enfim,
a veiculação desses compositores
e intérpretes me desloca no tempo,
e por diferentes espaços da sociedade
e do território brasileiro, e me
leva a diversos cenários ou movimentos
musicais que se consagraram na dinâmica
de nossa produção cultural
e histórica.
O
repertório da Rádio Universitária
é um relicário e Nelson Augusto
é nomeado pelo "cativo"
ouvinte Cláudio, da Maraponga,
como "lenda viva da MPB no Ceará".
Cláudio afirma que assiste à
Programação do ouvinte
"nos 365 dias do ano". E, no sábado
e no domingo, como não há
a Programação,
ele assiste ao "Freqüência
Beatles" e ao "Brasileirinho"
[3].
O
universo dos ouvintes do programa associa-se
a bairros nas regiões fisiográficas
da cidade [4].
Fortaleza
se divide em nove regiões:
1.
litoral zona norte;
2. norte;
3. oeste;
4. centro oeste;
5. centro sul;
6. leste;
7. centro;
8. litoral zona leste;
9. sul.
1.
Litoral zona norte
- 4 bairros:
Barra
do Ceará |
Moura
Brasil |
Cristo
Redentor |
Pirambu |
2.
Norte - 12 bairros:
Alagadiço |
Jardim
Iracema |
Álvaro
Weyne |
Monte
Castelo |
Carlito
Pamplona |
Parque-Araxá |
Farias
Brito |
Pe.
Andrade |
Floresta
|
Presidente
Kennedy |
Jacarecanga
|
Vila
Ellery |
3.
Oeste
- 17 bairros:
Antônio
Bezerra |
Henrique
Jorge |
Autran
Nunes |
Jardim
Guanabara |
Bom
Sucesso |
João
XXIII |
Conjunto
Ceará I |
Jóquey
clube |
Conjunto
Ceará II |
Pan
Americano |
Dom
Lustosa |
Pici
|
Genibau
|
Quintino
Cunha |
Granja
Lisboa |
Vila
Velha |
Granja Portugal |
|
4.
Centro-oeste
- 16 bairros:
Aeroporto |
Fátima
|
Amadeu
Furtado |
Itaoca |
Bela
vista |
Jardim
América |
Benfica
|
Montese |
Bom
Futuro |
Parquelândia
|
Couto
Fernandes |
Parreão |
Damas
|
Rodolfo
Teófilo |
Demócrito
Rocha |
Vila
União |
5.
Centro-sul -
16 bairros:
Barroso
|
Mata
Galinha |
Cajazeiras
|
Parangaba |
Castelão
|
Parque
2 Imãos |
Dendê
|
Parque
S. José |
Dias
Macedo |
Passaré |
Itaperi |
Serrinha |
Jardim
Cearense |
Vila
Manoel Sátiro |
Maraponga
|
Vila
Pery |
6.
Leste
- 23 bairros:
Aerolândia |
Guarapés |
Alagadiço |
Jardim
das Oliveiras |
Aldeota |
Joaquim
Távora |
Alto
da balança |
José
Bonifácio |
Cambeba
|
Lagoa
da Sapiranga |
Cidade
2000 |
Papicu |
Cidade
dos Funcionários |
Parque
Manibura |
Cocó
|
Parque
Iracema |
Dionísio
Torres |
S.
João do Tauape |
Dunas |
Salinas |
Edson
Queiroz |
Varjota |
Engenheiro
Luciano Cavalcante |
|
7.
Centro
- 1 bairro:
8.
Litoral zona leste
- 8 bairros:
Cais
do porto |
Praia
do Futuro I |
Meireles |
Praia
do Futuro II |
Mucuripe |
Sabiaguaba |
Praia
de Iracema |
Vicente
Pinzon |
9.
Sul
- 16 bairros:
Ancuri |
Messejana |
Bom
Jardim |
Mondubim |
Canindezinho
|
Parque
Presidente Vargas |
Coaçu
|
Parque
Sta. Rosa |
Conjunto
Esperança |
Paupina |
Curió |
Pedras |
Guajeru
|
Prefeito
José Valter |
Lagoa
Redonda |
Siqueira |
O
diversificado universo geográfico
da Programação do
ouvinte sugere-me uma audiência
heterogênea e cuja distribuição,
na cidade, é ilustrativa de uma articulação
de produção que difunde também
entre os ditos bairros "periféricos"
de Fortaleza, um gosto musical mais "apurado"
que parece ser encontrado só na Universitária,
como revelam alguns ouvintes. "Tem
música que só toca aí
na Universitária!".
Moradores
desses locais não se inserem em um
único segmento social. A veiculação
de mensagens através da Programação
consegue estabelecer verdadeiros diálogos
entre diversos pontos da cidade, socializando-se,
assim, uma proposta de divulgação,
principalmente musical, embora não
seja este seu único propósito;
até porque com a participação
dos ouvintes, estes redimensionaram o significado
da produção, ao longo de sua
história.
Segundo
Nelson Augusto, "esta proposta contribui
para que a emissora cumpra sua função
social. As pessoas se sentem incluídas
na 'grife' universitária".
A
distribuição territorial da
audiência guarda, ainda, relação
com a distinção de expressões
culturais, estas projetadas através
da participação cotidiana
dos seus ouvintes e pedidos veiculados pela
Programação.
FM
notícias: sociabilidade na utilidade
pública e nas "dicas culturais"
A
utilidade pública se insere no noticioso
"FM notícias", veiculado,
diariamente, após a primeira meia
hora do início do Programa, ocupando
um pouco do espaço destinado, primordialmente,
à veiculação de canções.
Observe-se
a fala do produtor às 18:30h: "faremos
um breve intervalo para notícias,
voltando logo em seguida. Universitária
FM notícias". Em geral,
envolve assuntos como: saúde, educação,
defesa do consumidor, anúncios da
UFC, ações políticas
referentes a mobilizações
de associações de segmentos
de classe, mobilizações sindicais,
ofertas de trabalho, denúncias, dentre
outros. Destaco aqui temas que aparecem
com mais relevância no noticioso ou,
que não encontram espaço de
projeção em outras emissoras
de rádio, como eventos culturais
e acontecimentos políticos cotidianos:
"Neste
carnaval, entre para o bloco de doadores
de sangue do HEMOCE e faça muita
gente pular de alegria". Esta campanha
tem o propósito de contribuir para
a educação e a saúde,
estando, assim, associada às funções
mnemônica [5] e didática do
Programa, chamando a atenção
de todos para a solidariedade com a saúde
coletiva. Portanto, uma mensagem que vai
contribuindo para construir ou reconstruir
relações sociais. Ademais,
a trilha sonora da campanha é: "O
teu cabelo não nega mulata porque
és mulata na cor...", veiculando,
desse modo, uma antiga marcha de carnaval.
O
interesse pela saúde pública
se reflete, ainda, na divulgação
de congressos e seminários, conforme
afirma o locutor, ao se referir à
abertura de "jornada de psiquiatria",
no hotel Othon Palace, cujo tema
é: "Violência, desemprego
e saúde mental". Por sua vez,
o interesse por uma espécie de jornalismo
de utilidade pública, revelado pela
orientação da emissora, pode
contribuir para aglutinar pessoas em torno
de seus interesses, exercendo-se, desse
modo, um aspecto interativo de sua proposta,
conforme se pode perceber através
dos "trechos noticiosos" que se
seguem:
"A
destruição de cascalhos
Dunas reliquiárias nas praias de
Fleixeiras é denunciada por turistas
e moradores dessas localidades. Eles acusam
a imobiliária Luciano Cavalcante
que, no entanto, responde ter permissão
da SEMACE".
"A
justiça do Paraná determinou
a readmissão de três a quatro
funcionários demitidos pela Petrobrás,
depois do vazamento de quatro milhões
de litros de óleo da refinaria
Araucária no mês passado.
A decisão é resultado de
ação movida pelo sindicato
dos petroleiros, que alegou que os funcionários
não tiveram direito de defesa das
punições".
Novamente
aparece aqui o Programa mediando notícias
que, de algum modo, podem favorecer interações
entre indivíduos e grupos, envolvendo
diferentes segmentos sociais:
"Jornalistas
constantemente perseguidos no exercício
de sua profissão, vítimas
de constrangimentos, agressões
físicas, torturas e ameaças
de morte. Em 2 anos, dezenas de pessoas
denunciadas por exercício ilegal
da profissão. Basta! Os jornalistas
exigem respeito. Respeito ao exercício
legal da profissão. Respeito a
um salário digno e aos direitos
adquiridos. Sindicato dos jornalistas
profissionais do Estado do Ceará.
Campanha salarial 2001".
Estes
aspectos da Programação,
evidenciando processos interativos, podem
ser melhor compreendidos à luz do
pensamento de Simmel sobre as interações
sociais. Para este autor,
(...)
a sociedade surge quando relações
mútuas são produzidas por
certos motivos e interesses. Não
há interação absoluta,
mas, somente diversas modalidades dela cuja
emergência determina a existência
da sociedade da qual não são
causa nem efeito, mas ela própria
de maneira imediata.
Somente
a extraordinária pluralidade e a
variedade destas formas de interação,
a cada momento, emprestam uma aparente realidade
histórica autônoma ao conceito
de sociedade.
A
sociedade em geral se refere à
interação entre indivíduos.
Essa interação sempre surge
com base em certos impulsos ou em função
de certos propósitos (...) que
fazem com que o homem viva com outros
homens, aja por eles, com eles, contra
eles, organizando deste modo, reciprocamente,
as suas condições - em resumo,
para influenciar os outros e para ser
influenciado por eles . A importância
dessas interações está
no fato de obrigar os indivíduos,
que possuem aqueles, instintos, interesses
etc., a formarem uma unidade - precisamente,
uma 'sociedade' (Cf. Simmel, 1983:65;
165).
A
utilidade pública me parece contribuir
para atender necessidades manifestas por
indivíduos agrupados por fins comuns.
Portanto, a intervenção do
comunicador está presente no Programa,
facilitando estas interações.
Vários espaços interativos
podem ser produzidos a partir da ação
facilitadora do locutor, envolvendo ações
de indivíduos e grupos.
O comunicador age, assim, como mediador
das interações resultantes
de mobilizações de expectativas
humanas de atendimento à saúde,
à educação, a ações
políticas, dentre outras motivações
que se inter-relacionam na vida cotidiana
dos seus ouvintes, e que são significativas
para a consolidação de laços
afetivos entre apresentador e receptores
dessas mensagens, ou entre estes últimos,
contribuindo, dessa maneira, para a construção
de espaços de sociabilidade, associados
a um fazer jornalístico específico
da Rádio Universitária.
As
campanhas de saúde pública
se refletem nesse espaço como ilustrativas
da preocupação da emissora
com aquilo que diz respeito a interesses
coletivos, portanto, um jornalismo que favorece
a existência de processos interativos,
envolvendo organizações ou
grupos, indivíduos e instituições:
"Sábado
será dia de campanha nacional de
vacinação contra a poliomielite.
Devem ser vacinadas todas as crianças
de zero a cinco anos. A vacina contra
a poliomielite não tem contra indicação.
A repetição de doses não
provoca danos à saúde".
"Alô,
alô, futura mamãe! Criança
pode contrair AIDS na gravidez, parto
e amamentação. Faça
o seu pré-natal. Uma campanha 'radialistas
contra a AIDS'".
A
emissora abraçou, em certa ocasião,
outra luta; desta vez, em defesa da justiça
e da segurança pública, veiculando
campanhas como esta: "A APAVV (Associação
de Parentes e Amigos de Vítimas da
Violência) realiza vigília
dos sem justiça para reivindicar
um judiciário forte e reivindicar
uma CPI por um judiciário forte.
O movimento será em frente ao fórum
Clóvis Beviláqua"; ou
divulgando debates: "A Residência
Universitária promove dia 6 de maio
a conferência do dia internacional
do trabalho com o presidente da CUT/CE,
Eudes Xavier".
Anúncios
de cursos e serviços prestados pela
UFC e por outras instituições
são constantes na divulgação
de notícias:
"A
Escola de Psicoterapia Psicanalítica
de Fortaleza oferece curso de Especialização
em Psicanálise para profissionais
afins. Inscrições para o
2º encontro Nara Non (...). Palestras
com especialistas e pais de crianças
com problemas de drogas".
"CCV
mantém para vestibular no próximo
ano os mesmos livros" [no caso, o
locutor apresenta a relação
dos livros]".
"A
UFC recebe até (...) inscrições
para cursos de Especialização
em Engenharia de Manutenção,
que vai ser ministrado no Departamento
de Engenharia Mecânica. A promoção
é do Centro de Tecnologia da UFC.
As aulas começam (...)".
Divulga-se
a seleção de professores para
a Casa de Cultura Britânica. Observe-se
o interesse pelo jornalismo de "utilidade
pública" contribuindo, assim,
para aglutinar pessoas em torno de uma "causa"
comum. Associa-se ao papel supostamente
socializador do jornalismo:
"O
Departamento de Ciências Sociais
da UFC e o Centro Acadêmico Batista
Neto promovem simpósio 'Universidade
pensando o mundo contemporâneo'.
Inscrições (...)".
"O
Departamento de Enfermagem da UFC recebe,
até quinta-feira, inscrições
para seleção de professores
substitutos. As áreas de estudo
são: administração
no processo de trabalho em enfermagem,
semiologia, enfermagem em saúde
coletiva e enfermagem em saúde
mental (...)".
Diferentes
gerações de indivíduos,
procedentes de variados segmentos da sociedade,
encontram no Programa acolhida para expressão
de suas necessidades e tentativas de organização,
junto a grupos de referência que possibilitam
a construção e reconstrução
de perspectivas em seus projetos de vida,
o que parece se relacionar com a proposta
de um jornalismo aberto às interações
de várias formas de opiniões,
referida pelo atual diretor da Rádio,
professor Agustinho Gosson, do curso de
Comunicação Social da UFC.
Os trechos seguintes são ilustrativos
a esse respeito:
"O
núcleo de estudos do envelhecimento
da UFC realiza quarta-feira, às
17 horas, um debate sobre o envelhecimento
bem sucedido. O debate vai acontecer no
auditório Castelo Branco com exposição
do reitor emérito da UFC, Antônio
Martins Filho".
"A
Pró-Reitoria de Extensão
da UFC inscreve candidatos para curso
de extensão em música. Os
candidatos devem ter conhecimento básico
em música e 2º grau completo".
"A
UFC recebe inscrições para
o curso de Medicina em Barbalha e Acarau.
Inscrições no vestibular
da UVA".
"A
Faculdade de Farmácia e Odontologia
ministra curso de Especialização
em prótese dentária. A Secretaria
de agricultura e irrigação
seleciona bolsistas de nível superior
em Engenharia agrícola e áreas
técnicas".
"Já
está em circulação
o 4º número da revista Universidade
Pública. Os exemplares podem ser
encontrados (...)".
São
assuntos que chamam a atenção
dos ouvintes para eventuais questões
de seu interesse no cotidiano de suas relações
com outros indivíduos, grupos ou
instituições.
A
Rádio vai, assim, exercendo o seu
papel de espécie de "guardiã
da cidadania", também por meio
da dinâmica da Programação
do ouvinte, ao mesmo tempo em que desempenha
função importante, mediando
mobilizações sociais no contexto
urbano e do interior do Estado. Desse modo,
vê-se a divulgação do
Fórum Cearense pela vida do semi-árido:
"Mobilize
sua paróquia, família, sua
comunidade, seu prédio. Doação
para o Banco do Brasil ou para alguma
entidade do Fórum Cearense pela
vida do semi-árido".
"O
terceiro encontro dos filhos e amigos
de Morada Nova acontece neste sábado
a partir das 21h no Náutico Atlético
Cearense (...)".
Vários
setores da sociedade vão encontrando,
dessa maneira, no espaço noticioso
do Programa, possibilidades de expressão:
"As
lojas de Fortaleza vão abrir todos
os domingos de dezembro, a partir do próximo
dia 3. Segundo o sindicato do comércio
varejista de Fortaleza, vão abrir
aos domingos: shopping centers,
supermercados e lojas do centro da cidade,
mas cada setor obedece ao horário
de sua conveniência".
Um
aspecto que chama a atenção,
nessa dimensão de utilidade pública,
é o fato de estar direcionada a um
público mais específico, se
comparada ao que ocorre em outras emissoras.
Por exemplo: na Universitária,
são muito freqüentes os anúncios
que se voltam para assuntos relacionados
à prestação de serviços
públicos como saúde e educação.
Parece que esta sociabilidade é exercida
diferentemente do que se dá em meios
de comunicação em que a linha
editorial não prioriza campanhas
de cunho social. Prioridades que fazem parte
da linha editorial da FM Universitária
parecem facilitar e reforçar o desenvolvimento
desta sociabilidade específica; uma
especificidade associada ao conteúdo
de anúncios, conforme destacados
anteriormente.
Sociabilidade
e mensagens musicais
Chamou-me
a atenção durante o Programa,
o ouvinte Paulo Henrique, do bairro Papicu,
oferecendo uma música para "os
amigos do bar do Rogério", no
bairro Presidente Kennedy. Esta situação
ilustra uma sociabilidade que se processa
entre pessoas localizadas em dois pontos
geográficos bem distantes, no contexto
da cidade. O Programa vai mediando, portanto,
o encontro de ouvintes, de forma visível
ou invisível; e, assim, vão
se processando buscas mútuas entre
pessoas localizadas nos mais diversos pontos
da cidade de Fortaleza ou da Região
Metropolitana.
Uma
ouvinte no bairro Papicu, certa vez comentou
haver gostado da matéria veiculada
pelo jornal O Povo, em 14.10.01,
sobre os "20 anos da Rádio
Universitária", de autoria
da jornalista Ana Mary Cavalcante, mas acrescentou:
"Faltou o Nelson!" Assinala a
ausência de Nelson no jornal, como
aquele outro sente a sua falta no show.
Referindo-se à matéria jornalística
citada, também Ranulfo, do Parque-Araxá,
enquanto formulava o seu pedido musical
revela: "vi você no jornal. Gostei!
Secretária de Nelson Augusto tem
de aparecer".
Este
comentário me diz de como o ouvinte
está ligado à emissora, acompanhando,
assim, matérias sobre sua atuação
na sociedade, inclusive, através
de outros meios de comunicação.
E Nelson por sua vez, sente a falta daqueles
participantes assíduos quando estes
eventualmente não telefonam. Um ouvinte,
ao ligar, me pede para dizer ao Nelson que
está com a edição do
jornal Diário do Nordeste
em que viu sua entrevista sobre a cantora
Cássia Eller. Assim, se o apresentador
está no jornal, o ouvinte já
acessa aquela reportagem alusiva ao mesmo.
Estas ocorrências podem elucidar a
sociabilidade construída nesses espaços
em que terminam por se encontrar locutor-ouvinte.
Ao
discutir a sociabilidade construída
na relação com o locutor,
lembro que "ouvintes cativos"
são aqueles de maior constância
na audiência, os quais quase sempre
querem falar com o próprio Nelson.
A construção do "ouvinte
cativo" é, conforme disse antes,
utilizada pelo locutor e referendada ou
reproduzida em depoimentos de ouvintes como
este: "Aqui é o Cláudio
da Maraponga; não é
o do Papicu. Sou cadeira cativa".
A
exemplo do que ocorre com tantos outros,
este ouvinte se identifica com a mesma linguagem
do locutor. Tais ouvintes costumam pedir
para "dizer ao Nelson" quem ligou,
e, quando é o caso, informam o novo
bairro de moradia, uma vez que, no contexto,
o bairro é uma referência importante
para a identificação; há
uma cidade de Fortaleza digamos, preferencial,
recortada pelo Programa. Sempre "conferindo
a audiência", esses ouvintes
são exemplos da existência
de uma rede de interações
que se cria no contato diário entre
o conjunto de receptores e o locutor ou
entre os participantes do Programa. O programa
se constitui num exercício de alegria
cotidiana coletiva, celebrando, reinventando
o prazer de uma criança que sorri
em cada ouvinte, a cada novo fim de tarde
da cidade.
Constituem
destaques de assídua audiência:
o Ranulfo do Parque-Araxá;
o Eduardo da Lagoa Redonda; o Gerson
do Condomínio da Aeronáutica,
no Antônio Bezerra; a Ana Paula
do Bairro de Fátima; o Amareto
do Bairro de Fátima; o Cid
da Varjota, o Ednardo Honório
do Bomsucesso; a Dona Luiza Felipe
do Canindezinho; a Doutora Antônia
do hospital psiquiátrico São
Vicente de Paula, na Parangaba; o
Cláudio da Maraponga; a Iracilda
do Montese; a Doracy do Henrique
Jorge; os "amigos do bar do Rogério",
do Presidente Kennedy; o André
Roberto do Álvaro Weyne; a
Adelânia do Álvaro Weyne;
o Roberto Chaves do Montese; a Ivonise
Faustino do Parque Rio Branco; a
Cláudia da Serrinha; o Nilson
Rocha do Henrique Jorge; o Roberto
Douglas da Aldeota; a Glaucineide,
e seu filho de 7 meses, João Lucas,
do Presidente Kennedy; seu irmão
Evaristo Filho em Messejana; a Nair
do Carlito Pamplona; o Reginaldo
do Conjunto Jereissati 2; o João
Teles do Maracanaú; 'a turma
boa do bar Alto Astral, do Monte Castelo;
o Carlos, o Francisco, o Caçarola,
Luiz Cronge, Marisa, Laércio, Frigideira...
Ari Capelari do Parque Manibura,
Nélio do Rodolfo Teófilo
e outros.
Alguns
destes ouvintes, eventualmente, os encontrei
no estúdio da Rádio, ou em
eventos divulgados pelo programa.
Um
artifício através do qual
o comunicador se aproxima do ouvinte é
pedir para o receptor ligar novamente se
a sua solicitação não
foi esclarecida: "Pedimos que o ouvinte
que quer ouvir Menestrel das Alagoas,
com a Fafá de Belém ligue
a seguir novamente". No apelo à
participação, ele lembra:
"Gostaria
de mandar um grande abraço para
o pessoal que acompanha nosso programa
pela Internet. Você acessa o site
<www
nelsons.com.br> ou e-mail:
<nelson@nelsons.com.br>.
Pelo telefone chama o ouvinte a participar:
"todo mundo ligando e participando
aqui com a gente. Seu espaço pelo
281.57.74/281.57.52. É só
ligar e fazer seu pedido musical".
Enfim,
conclama os ouvintes à participação,
por todos os meios de comunicação
de que dispõe: a Internet, o rádio,
o telefone, e, ainda, o correio convencional,
a visita ao estúdio. Desta forma,
vai levando aos ouvintes sua mensagem, em
busca da integração destes
à produção.
Ao
encerrar a Programação,
adverte: "E a nossa Programação
do ouvinte vai ficando por aqui. Gratos
pela atenção, boa noite a
todos. Programação
do ouvinte volta amanhã às
18 horas". E, se aquela é a
última edição do Programa,
na semana, ele diz: "Avisamos aos ouvintes
que não tiveram seus pedidos atendidos
que tocaremos segunda-feira. Tenham todos
um bom fim de semana".
Este
ritual de agradecimento de audiência,
efetivado no cotidiano, reforça as
interações das pessoas com
a produção ou em seus grupos,
em função da mediação
exercida pelo comunicador na dinâmica
do Programa. Em outras palavras, ouvintes
lembrados, cotidianamente, na audiência
mesmo sem ligar de imediato, criam laços
afetivos com esse contexto. O locutor pressupõe
que determinados ouvintes estão na
audiência e manda seu apelo: "Sua
participação pelo 281.57.74
e 281.57.52. É só ligar e
pedir".
E
muitos deles, mesmo sem ligar, ficam na
escuta, conforme revelam, por exemplo: a
"turma boa da Nevasco Cortinas",
uma loja comercial no Bairro de Fátima
- "A gente não liga porque tá
trabalhando, mas estamos na escuta",
e a "Dra. Antônia, no hospital
São Vicente de Paula", que,
ligando e informada de que Nelson está
ocupado, diz: "espero para ele atender
porque é difícil conseguir
uma linha...".
Aparece,
ainda, a "comunidade" localizada
no bairro Jardim Petrópolis, que,
reunida na calçada, "confere"
a audiência. O Programa pode ajudar
a reconstruir rodas de conversa de calçadas,
uma forma de sociabilidade que tem desaparecido
com o crescimento urbano. Assim, o Programa
se nos apresenta como mediador dessas interações
e tais formas de sociabilidade vão
se mantendo, embora se desenvolvam outras
como a "comunidade" virtual de
internautas.
É
desta forma que as interações
vão se construindo. A partir desse
ritual cotidiano de apresentação
e chamada de audiência são
lembrados os grupos de referência
de ouvintes.
A
reciprocidade observada na relação
diária do locutor com seus ouvintes
contribui para consolidar laços afetivos
nesse contexto. Assim, o Gerson, do Condomínio
da Aeronáutica, oferece a canção
Canteiros, com o Fagner, para "todos
os que fazem a Universitária".
E o locutor vai, com uma simpatia peculiar,
ganhando novos ouvintes, sempre se referindo
à "comunidade" da inserção
de quem ligou para a produção:
"agradecendo a audiência da turma
boa do Cambeba". Aqui é enfático
acrescentando: "do Cambeba", bairro
[6]. A "comunidade" de origem
do indivíduo é sempre associada
ao envio da mensagem, no agradecimento da
audiência.
Os ouvintes são, assim, sempre contextualizados
num grupo: "turma boa" do Presidente
Kennedy; "Dona Luiza Felipe, do Canindezinho";
"turma boa do Parque Sta. Rosa"
e muitos outros. As imagens evocadas
na linguagem do apresentador chamam-nos
a atenção para a audiência
enquanto personalidade coletiva:
"Todo mundo participando aqui
com a gente, participando da nossa
Programação".
Com
se pode ver, essa linguagem veicula imagens
de modo a inserir sempre o indivíduo
em grupos de referência. Evoca representações
positivas desses participantes como: bom,
grande e outros adjetivos que os singularizam
com a referência a alguma habilidade
ou preferência pessoal, enfim, formas
simpáticas de tratar, que parecem
encontrar ressonância na percepção
dos ouvintes acerca do lugar ocupado por
cada um ou pelo grupo. Ao mesmo tempo, observa-se
uma espécie de reciprocidade no tratamento:
os ouvintes também se referem ao
locutor como "maravilhoso", "simpático",
"super-educado" etc.
O
bairro Presidente Kennedy é destaque
da audiência e, através da
Programação do ouvinte,
parece funcionar como uma espécie
de ponto de interseção no
qual se cruzam várias mensagens,
viabilizando, assim, no ar, a interação
entre diferentes indivíduos e bairros
ou "pontos" da cidade: "os
amigos do Bar do Rogério" que,
sistematicamente ligam, certo dia pedem
a música Quem te viu quem te vê,
de Chico Buarque, "para o Júnior
que vai casar". O Júnior envia
a página musical Eu te amo,
do Chico Buarque, para a Sandra, sua noiva.
Também envia a canção
Os amantes, de Chico Buarque, para
"os amigos do Bar".
A
canção Cecília,
de Chico Buarque, "os amigos do bar"
enviam para Ana Cecília, do Conjunto
Ceará, e a canção Fascinação
vai para a Stefânia que, também,
em outro momento, é saudada com a
canção Não enche,
de Caetano. "Os amigos do bar"
recebem a mensagem Canção
da América, com Milton Nascimento,
do Roberto Chaves, do Montese. A canção
de Antônio Carlos e Jocafi, Você
abusou, eles enviam para Natália,
na Av. Aguanambi.
Uma
sociabilidade também no âmbito
familiar se associa à Programação
do ouvinte e esse espaço de interações
(família) aparece em vários
momentos. Assim é que se observa,
por exemplo: a mensagem de Vilson, Diana,
D. Selda e Cláudio, do bairro Monte
Castelo, oferecendo Andança,
com Golden Boys, para o pai que está
aniversariando Dona Luiza, do Canindezinho,
oferece a canção Só
chamei para dizer que te amo, com Gilberto
Gil, para sua filha, Taís, que aniversaria.
Na
fala do apresentador, essas interações
aparecem, também, no agradecimento
da audiência, conforme se segue: "da
Dona Luiza e seu filho, Zé Roberto,
no Canindezinho"; "da Cláudia
e da sua mãe, no Papicu; da Sara,
do Papicu, que envia a canção
Sorri, com Renato Braz, para sua
tia no Parque-Araxá. Articulam-se,
através da Programação,
um bairro da zona Leste da cidade com um
outro da zona Norte. Participam, também,
da audiência o casal Vanda e Rodrigo
e a filha, Luana, de oito anos, que "todo
dia escuta o Nelson".
Conforme
seu pai, "chega da escola e já
liga na Programação
do ouvinte"; pedem a música
Canção da América,
com Milton Nascimento, e solicitam um "abraço
do Nelson". Este reforça a participação
dos ouvintes dando alô para eles e
para "Luana com 8 aninhos já
aí, conferindo a Programação
do ouvinte". Vai tentando conquistar,
assim, também as crianças,
envolvendo-as na dinâmica da audiência.
Nas suas palavras, "essa turma, vem
do bairro Papicu, na zona leste da cidade".
Chamo
a atenção para as mediações
que a Rádio exerce nos rituais de
aniversário. Observe-se como esta
discussão articula-se à construção
de laços de sociabilidade e reconstituição
de memórias, no contexto da Programação
do ouvinte. Nesses termos, tomando-se,
mais uma vez, a fala do apresentador, encontram-se
nela elementos significativos na construção
de toda uma rede de interações,
que envolve relacionamentos no contexto
familiar, relações ouvintes-emissora,
ouvintes-ouvintes, inserção
de ouvintes no seu espaço de trabalho:
"Sei
que ele [refere-se ao Programa] representa
também para o ambiente familiar
para as pessoas que fazem aniversário
[7]. Como era antigamente na radiodifusão.
Questões românticas, enviam-se
mensagens românticas. Os encontros
nascendo a partir de uma música,
inclusive, relações às
escondidas, para não criarem atritos
para outras pessoas, preservando-se, assim,
um sigilo no envio de mensagens por códigos
anônimos (...). O ouvinte é
participante. Por exemplo, o ouvinte da
Rádio Universitária
é um confidente. A TV lhe dá
tudo, mas no rádio, o ouvinte fantasia
e pára pra ouvir. Nas outras rádios
é diferente. O uso de vitrolões
veicula uma música sem sequer reportar-se
ao nome dela. A doméstica que escuta
seu forrozinho, ela até sai dançando.
Neste contexto de vitrolões que
aparecem nos fundos de bares, não
há essa coisa de linguagem de pé-de-ouvido.
Muitas vezes, neste esquema não
se dá a linguagem de você
parar para ouvir. Pessoas comentam comigo
questões polêmicas, dizendo:
'você falou isto...'. Aí
eu sei que eles estavam me ouvindo, não
só escutando". (Nelson Augusto).
Vê-se
o seguinte depoimento, reportando-se ao
rádio, mediando a mensagem de aniversário:
"Aqui é Verônica, do Jacarecanga,
quero oferecer a música Por quem
merece amor, com MPB4, para o Luís
Carlos, do Pirambu, que está aniversariando
hoje".
A
seguir, uma ouvinte comenta uma mensagem
de aniversário recebida:
"Achei
muito linda! Nunca tinha recebido uma
mensagem deste tipo, da pessoa ligar para
o rádio e oferecer uma música
que a pessoa gosta, Você é
linda, com Caetano Veloso. Uma música
bonita, eu me senti muito feliz pois música
não foi só para mim, não
só eu ouvi, mas várias pessoas
que estavam ouvindo aquela Rádio
ouviram passaram a me conhecer, tive a
sensação de que foi um presente
para mim mas, eu e outras pessoas souberam
que era meu aniversário e estavam
me oferecendo aquela música".
É
interessante se perceber a sociabilidade,
também, através dos pedidos
de mensagens românticas, veiculados
pelo Programa. Algumas situações
ilustrativas desse aspecto: A Cláudia
envia Andança, com Golden
Boys, para seu noivo Eduardo, na Lagoa
Redonda. A música Sozinho,
com o Caetano, a 'misteriosa' oferece para
o Samuel, do bar do Jorge do Montese.
A canção Por quem merece
amor, com MPB4, um "certo alguém"
oferece para Luís Carlos, no Pirambu.
Cristina, no Jacarecanga, oferece Um
desejo só não basta "para
seu grande amor". A canção
Oceano, com Djavan, a Marisol, da
Lagoa Redonda, oferece "para seu namorado"
que viajou para Florianópolis, e
acrescenta que quando ele voltar vai mostrar
a gravação da mensagem, dizendo-lhe
de sua saudade. A Gessy, do Rodolfo
Teófilo, oferece uma canção
para seu "grande amor da Arquitetura".
O Robson, do Pici, envia a canção
Maçã para aquela que ele
chama "minha vida". O Hudson,
do Pici, oferece Mal de mim, com
Djavan, para sua filha Yasmim e sua esposa
Nonata, com quem brigou, mas "quer
se reconciliar nesta sexta feira",
querendo que a música toque ainda
no mesmo dia, "para não ter
de esperar pela reconciliação
até segunda feira".
O
locutor vai sendo chamado, assim, a mediar
as reconciliações amorosas,
tornando-se, ao mesmo tempo, uma espécie
de cúmplice-confidente desses ouvintes,
e a Programação vai
sendo percebida, pelos participantes, como
espaço mediador desses conflitos.
O ouvinte é também produtor
de sentidos para a produção.
Num outro momento o apresentador é
solicitado a enviar uma canção
para o namorado com quem a solicitante quer
se reconciliar da briga, pois sabe que este
está na audiência. E, dizendo
que vai "botar lenha na fogueira",
Nelson escolhe, então, a canção
Eu sei que vou te amar, com Vinícius
de Moraes, reproduzindo o recado.
Assim,
estou chamando a atenção para
algo que ocorre nesses espaços e
pela ação dos seus principais
atores sociais, sem que haja um planejamento
para tal. Refiro-me a todo um simbolismo
que, na dinâmica dessa produção
cultural, parece que vai ganhando corpo,
no ar, e que não é mensurável
e não é perceptível,
se não enveredarmos pelos múltiplos
caminhos nos quais os significados vão
sendo construídos ou adornados, através
de palavras, gestos, associações
de idéias etc.
Obs.:
A presente pesquisa foi previamente apresentada
nos cadernos Ciência e Saúde
(30.0706), e Vida e Arte (15.10.2001) do
jornal O Povo, em anais do IV Encontro
de Pós-Graduação da
Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e no
artigo Memórias e sociabilidades
na Programação do
ouvinte (In: Revista de Ciências
Sociais, Vol. 34, no 1, 2003, p. 115-126).
Notas
[1]
Programa de mensagens musicais co-produzido
pelos ouvintes da Rádio Universitária
da Universidade Federal do Ceará,
em Fortaleza, que no momento da pesquisa
era dirigida pelo professor Agostinho Gosson,
do curso de Comunicação Social
da UFC.
[2]
Forma abreviada de "vamos embora".
[3]
Estas são outras produções
do mesmo jornalista que produz a Programação
do ouvinte.
[4]
Cf. Falcão (1996).
[5]
Como função reprodutora de
memórias.
[6]
Cambeba é o bairro sede do poder
oficial do estado do Ceará. A advertência
feita pelo locutor tem o sentido de evitar
que se crie, por parte do ouvinte, qualquer
tipo de associação entre o
Programa e o grupo que comanda, atualmente,
o Governo Estadual ou o poder que ele representa.
[7]
"(...) eu sou a vovó do Programa
no meio dessa juventude. Comecei a participar
porque meu filho, Zé Roberto, participava
e dizia: 'mãe, vou pedir essa musga
[música] e oferecer pra senhora.
Tá aqui uma rádio boa pra
você assistir'. Aí eu fiquei
ouvindo o programa dos Beatles, aos
sábados. Foi por intermédio
do Roberto" (D. Luiza Felipe, do Canindezinho,
assídua ouvinte).
Referências
bibliográficas
SEVERIANO,
J.; MELO, Z. H. A Canção
no Tempo. São Paulo: Editora
34, 1998, Vol. 1, p. 85 e Vol. 2, p. 15-
16.
CANCLINI,
N. G. Culturas Híbridas. São
Paulo: EDUSP, 1998.
______________.
Consumidores e cidadãos. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ, 1995.
FALCÃO,
M. F. P. Fortaleza em preto e branco.
Fortaleza: IPLANCE, 1996.
CARVALHO,
H. B.; SANTOS, U. R. "Comunicação
comunitária: uma experiência
que dá certo". In: Ciência
para o progresso da sociedade brasileira,
ed. 48. São Paulo: Anais... São
Paulo: Indústria Gráfica Ed.,
Vol. I, p. 151.
FILHO,
E. M.; FERNANDES, F. Simmel. São
Paulo: Editora Ática, 1983.
*Inês
Almeida Vieira é graduada em Psicologia
e doutoranda em Sociologia.
Voltar.
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