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Ensaios

Jornalismo alternativo
no Rio Grande do Sul

Por Aline do Amaral Garcia Strelow*

Resumo: Este trabalho tem como objetivo mostrar que, apesar de longe dos principais centros de decisão política e econômica, a produção de veículos de cunho alternativo, no Rio Grande do Sul, foi uma constante durante o regime militar. Ao todo, foram levantadas 18 publicações nessa linha e muitas outras devem ter existido. Os jornais elencados dividem-se em políticos (11), de reportagem (2), culturais (2), anarquista (1), feminista (1) e humorístico (1).

Reprodução

Parte de uma dissertação de Mestrado sobre o jornalismo alternativo no Rio Grande do Sul, cujo objeto de pesquisa é o semanário Pato Macho, único periódico alternativo gaúcho no qual predominava o humor, este artigo pretende também, demonstrar a utilização do riso como ferramenta de contestação durante a ditadura militar.

Palavras-chave:

Jornalismo alternativo / Imprensa sul-rio-grandense / História de imprensa

Durante os anos 70, circularam no Brasil inúmeros jornais de tamanho tablóide, que se caracterizaram pela oposição ao regime militar, ao modelo econômico, à violação dos direitos humanos e à censura. Essas publicações ficaram conhecidas como imprensa alternativa, de leitor, nanica, independente ou underground.

Ao fim de 15 anos de ditadura militar brasileira, haviam nascido cerca de 160 periódicos de vários tipos - satíricos políticos, feministas, ecológicos, culturais - que tinham como traço comum a intransigente oposição ao governo. Hoje pertencem à história. Todos desapareceram. Leitores que não conheceram esses jornais não têm idéia dos momentos de encantamento que provocavam, de como incomodaram os militares, de como começavam bem e acabavam invariavelmente mal. Não imaginam o que poderia levar jornalistas consagrados a embarcarem, com um punhado de focas, ativistas políticos e intelectuais, naquelas naus incertas "sem aviso prévio e sem qualquer itinerário", como disse o poeta (KUCINSKI, 1998, p. 178).

Kucinski (1998, p.178), integrante do movimento jornalístico alternativo da época e, atualmente, prestigiado pesquisador do tema, lembra que esses periódicos foram chamados, inicialmente, de imprensa nanica, devido ao formato pequeno adotado pela maioria, como o dos tablóides. A palavra alternativa, com maior densidade semântica, já usada nos Estados Unidos e na Inglaterra, para designar arte e cultura não?convencionais, foi aplicada por Alberto Dines, em janeiro de 1976.

Além de designar práticas não ligadas à cultura dominante, alternativa também significa optar entre duas coisas reciprocamente excludentes, a única saída para uma situação difícil e o desejo de protagonizar transformações. A imprensa alternativa dos anos 70 era tudo isso ao mesmo tempo. Em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos faziam a crítica sistemática do modelo econômico. Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o milagre econômico, de 1968 a 1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, construindo dessa forma todo um discurso alternativo (KUCINSKI, 1998, p. 179).

Como lembra Caparelli (1986, p.48-49), a imprensa alternativa, apesar de ter sido bastante expressiva durante o regime militar, está presente em muitos outros momentos da história política e social, não só do Brasil, como de vários outros países. No entanto, foi nesse período de exceção e, especialmente, de forte controle dos meios de comunicação de massa, que esses veículos se multiplicaram e atuaram com maior intensidade.

Os conflitos humanos, assim como novas categorias para explicar a vida, serviram como pano de fundo para a criação de periódicos nessa linha. Beijo (Rio de Janeiro, 1977), por exemplo, discutia abertamente questões como homossexualidade e prazer. Os ideais feministas também tiveram lugar nas páginas desses jornais: Brasil Mulher (Londrina, 1975) e Nós Mulheres (São Paulo, 1976) foram alguns dos representantes desse núcleo, inspirado, especialmente, nos textos de Simone de Beauvoir.

Kucinski (1998) pontua a influência de três atores sociais na formação da imprensa alternativa brasileira: as esquerdas, com seu desejo de protagonizar transformações; jornalistas buscando alternativas ao fechamento de seus espaços na grande imprensa; e intelectuais, encurralados pelo ambiente repressivo que se instalou nas universidades. "É na dupla oposição ao Estado militar e às limitações à produção intelectual-jornalística sob o autoritarismo que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos" (KUCINSKI, 1998, p.183).

De acordo com o autor, o papel dos humoristas foi fundamental para a imprensa alternativa, pois, para eles, o espaço de publicação nos jornais fechou-se quase por completo, dada a contundência natural do humor crítico, exatamente num momento em que os traços grotescos do golpe de 1964 detonaram dentro deles uma fúria criativa.

Nessa linha, foi criado, em 1971, em Porto Alegre, o Pato Macho, um jornal alternativo humorístico, cujo principal alvo de críticas era o provincianismo da capital gaúcha, na época de sua circulação. Com periodicidade semanal, o veículo teve apenas quinze edições, marcadas pela ironia, pela contestação de costumes e pelo modo arrojado de fazer jornalismo. O jornal, dirigido por Luis Fernando Verissimo, contava com um forte time de redação, cujos membros fizeram história não só no campo da imprensa como também na área da literatura, estando entre eles: Moacyr Scliar, Carlos Nobre, Coi Lopes de Almeida, Ruy Carlos Ostermann, José Onofre e Cláudio Ferlauto, além de fotógrafos como Assis Hoffmann, Leonid Streliaev e Luiz Carlos Felizardo.

A imprensa sul-rio-grandense na década de 70

Porto Alegre entra na década de 70 com cinco jornais diários: Correio do Povo, Zero Hora, Folha da Manhã, Folha da Tarde e Diário de Notícias. Este último, do grupo Diários Associados, estava em decadência. Seu perfil conservador não agradava os leitores. Quem tirou proveito dessa situação, como explica Rüdiger (1998, p.80), foi o Correio do Povo. O veículo da Caldas Júnior viu seus 50 mil exemplares diários, de 1950, crescerem à razão de mil por ano, até meados da década de 70. O mesmo rumo seguiu a Folha da Tarde, passando a editar uma folha esportiva que daria origem ao jornal Folha da Manhã, em 1969. "Esta ascensão fez da Caldas Júnior a sétima maior empresa do ramo no país, dominando sem concorrente real o mercado de jornais do Rio Grande do Sul", afirma Rüdiger (1998, p. 80).

No entanto, a liderança da Caldas Júnior começava a ser ameaçada pelo crescimento da Rede Brasil Sul (RBS). O jornal Zero Hora, em circulação desde 1964, tornou-se, em 1969, o primeiro diário do sul do país a adotar a tecnologia off-set de impressão. Em 1970, a RBS assumiu totalmente o controle do jornal, que passou por inúmeras mudanças, tanto administrativas quanto editoriais. A renovação rendeu à Zero Hora o título de maior folha em vendas e tiragem do estado.

Dificuldades financeiras levaram a Caldas Júnior a um processo de decadência, similar ao ocorrido com os Diários Associados, com o fechamento, em 1970, do Diário de Notícias. Em 1980, foi suspensa a circulação da Folha da Manhã. Mesmo destino teve a Folha da Tarde. Em 1984, ocorreu o fechamento do Correio do Povo, que só voltaria a circular em 1986, com nova roupagem (RÜDIGER, 1998, p. 84-85).

Em meio a essas articulações da grande imprensa, surgiram, no Rio Grande do Sul, veículos de cunho alternativo. Embora com menor impacto do que no centro do país, os jornais alternativos gaúchos tiveram muita representatividade naquele momento da história. O primeiro deles foi Exemplar, criado em 1967, com o nome de CPG (Centro dos Professores Gaúchos), instituição que o bancava. Inicialmente dedicado às notícias do CPG, às informações que diziam respeito à construção da sede desse, o jornal foi ganhando, pouco a pouco, um novo caráter. O espaço para o clube foi diminuindo, o número de páginas foi crescendo e as matérias se diversificando. Com o passar do tempo, o periódico foi ganhando, cada vez mais, características de alternativo, underground, dedicado à contracultura (ROSA, 2002, p. 57-58).

Também em 1967, surgiu O Protesto, jornal vinculado ao movimento anarquista. Em seu primeiro editorial, publicado na capa e sob o título Nossos propósitos, o alternativo alerta para a luta contra "tudo quanto representa obscurantismo". A capa da edição número 7 de O Protesto, correspondente aos meses de maio e junho de 1968, traz a frase de Michael Bakunin: "A igualdade política será uma mentira enquanto não existir igualdade social e econômica", acompanhada de um texto sobre o anarquismo.

Na página 3, da mesma edição, está publicada uma matéria sobre o movimento libertário e a ação proletária, enquanto, na página 5, há uma matéria sobre o Congresso Anarquista Mundial, que se realizaria no mês de setembro daquele ano. A proprietária do jornal era Maria Pinto Fernández Rodriguez, que ocupava, também, o posto de diretora responsável. O redator era José Carlos de Abreu e o gerente, Israel José da Costa.

O Pato Macho, objeto de estudo deste trabalho, surgiu em 1971, resultado da ousadia de seus criadores, Luis Fernando Verissimo, Cláudio Ferlauto e Coi Lopes de Almeida, entre outros. Com os olhos voltados para o provincianismo da capital gaúcha da época, o jornal resistiu somente quinze edições, sendo submetido à censura prévia desde o terceiro número.

Em 1974, organizou-se no estado a primeira cooperativa de jornalistas do Brasil, a Coojornal. Uma maneira alternativa para enfrentar a competitividade do mercado, a Coojornal inspirou projetos parecidos em todo o país.

Inicialmente dedicando-se a boletins empresariais, a cooperativa chegou, no seu auge, entre 1976 e 1978, a editar mais de uma dúzia deles, além da revista Agricultura e Cooperativismo, dedicada ao meio rural, e Coojornal, sua publicação mais marcante, lançada em 1975. O sonho do jornal dos jornalistas parecia ganhar contornos de realidade. Suas páginas traziam críticas abertas ao governo e à censura. Anistia e eleições diretas eram algumas das bandeiras levantadas pelo jornal. Coojornal circulou por oito anos, período considerável para um alternativo. No entanto, a crise financeira que chegou com a década de 80, provocada pelo governo ditatorial, foi de tal modo profunda que, apesar das inúmeras tentativas, o jornal não conseguiu mais se reerguer (ROSA, 2002, p. 125-166).

No mesmo ano da criação da cooperativa, 1974, surgiu o jornal Risco, sob responsabilidade dos irmãos José Antônio Pinheiro Machado e Ivan Pinheiro Machado, ambos com passagem também pelo Pato Macho.

Em outubro de 1975, surge Semanário de Informação Política, em Ijuí, cidade localizada na região Noroeste do Rio Grande do Sul. O periódico tem como diretor-presidente Ben-Hur Lenz César Mafra e como diretor-gerente, Jefferson Barros. Entre seus colaboradores, estão: Edgar Vasques, Dinarte Belato e Rosa Maria Bueno Fischer, além dos repórteres Adelmo Genro Filho, Ângela Lucchese e Aidê Bassani. Sua primeira edição traz, na página 2, um texto sobre os objetivos do jornal. Nele, estão explicitadas suas pretensões democráticas e a proposta de discutir alternativas para o quadro político do momento, a partir da realidade local. Na terceira página da edição de número 14, está publicado o texto Os termos da oposição, de Adelmo Genro Filho.

É bem verdade que neste país se respira medo. As palavras são medidas e pesadas antes de existirem, porque é através do seu controle que é submetido o pensamento. Para usar os termos de Erico Verissimo na carta de Paulo Brossard, há uma absurda semântica oficial subvertendo nossa sintaxe política, econômica e social, tornando realismo sinônimo de pessimismo e equiparando qualquer crítica desfavorável ao atual regime a um ato de terrorismo.

Comunicação surge, em Porto Alegre, no mesmo ano do jornal ijuiense, 1975. Começa a circular no dia 30 de janeiro como informativo do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Porto Alegre. Inicialmente com apenas uma folha ofício impressa dos dois lados, logo passa a tablóide com cerca de dez páginas por edição (primeiramente mensal, depois quinzenal). Trazia notícias do interesse da categoria e do âmbito das escolas de comunicação, em particular dos cursos de jornalismo. Discutia temas como censura, tortura e liberdade de imprensa, além de divulgar a atividade dos demais periódicos alternativos.

Informação começa a circular em Porto Alegre, em 1976. Com textos predominantemente políticos, tem como diretor Daniel Koslowsky Herz. Seu editor-chefe é Adelmo Genro Filho e, entre seus colaboradores, estão: Carlos Winckler, Cleunir Fonseca, Santiago, Rodolfo Lucena e Luiz Fonseca. No rol de assuntos discutidos pelo periódico, encontram-se, entre outros: desgauchização da economia local com entrada das multinacionais, censura, repressão, tortura, corrupção e direitos humanos. A edição de número 4, por exemplo, traz, na segunda página, o texto Mordomias: privilégios ilegais, [1] sobre a corrupção política e o desvio de verbas governamentais.

Na edição número 17, Informação publica, na página 9, a matéria Presos políticos denunciam torturas. [2] No texto, destacam-se denúncias de choque elétrico, violação sexual, enforcamento, sufocamento, afogamento e pau-de-arara. [3]

De acordo com Kucinski (1992, p. 74), a equipe de Informação era originária do Semanário de Informação Política, pertencentes, em sua maioria, à esquerda do MDB no plano político ostensivo, e com ligações, no plano clandestino, com dissidências do PC do B e alguns grupos de esquerda.
Em outubro de 1976, passa a circular, em Pelotas, o jornal Triz. Na capa da primeira edição, o alternativo traz o alerta: Este jornal contém autocensura.

A seção Trizes discute temas como censura, política nacional e a oposição entre os partidos Arena e MDB. A reportagem central fala, com humor, sobre a fama de Pelotas como a cidade dos homossexuais. Sob o título São 250 mil pessoas e uma fama nacional, [4] o texto brinca com o assunto e é ilustrado com charges sobre o tema. Na página 13, está publicada a matéria Pressões, miséria, censura, omissão e desesperança. É a pobre imprensa do Sul, [5] que traz à baila a realidade do jornalismo no Rio Grande do Sul no período, não somente no que diz respeito a periódicos impressos, como também ao rádio e à televisão.

No mesmo ano, são criados, em Porto Alegre, Peleia, Lampião e Paralelo. Em seu editorial, publicado na página 2 da edição de agosto de 1976, Peleia mostra a que veio.

Peleia é um jornal gaúcho. Preocupado com a discussão da realidade do nosso Estado, País e América Latina. Nosso jornal está aberto às idéias que possam contribuir para a melhoria da nossa cultura e estimular entre as pessoas o prazer do debate, pela prática da liberdade de expressão.

Lampião, também criado em 1976, teve sua primeira edição publicada no dia 10 de março. Circulou até julho, período de férias universitárias, quando teve de parar por motivos financeiros. Voltou logo que as aulas recomeçaram, tentando atingir novos públicos, não apenas os estudantes.

No editorial da edição de 17 de agosto desse ano, publicado na página 3 e intitulado A luta dos independentes, o jornal afirma, ressaltando o caráter opinativo dos jornais alternativos:

Tendo um compromisso com o leitor, Lampião nega ao mesmo tempo a pretensão de neutralidade científica do jornalismo clássico. Não nos sentimos como observadores neutros, sacados da realidade e jogados numa posição de isenção divina. Assumimos o papel de oposição porque acreditamos na falência de um modelo de desenvolvimento imposto hoje à sociedade brasileira.

Em 1978, é criado Tição, periódico anual voltado ao movimento negro, com apenas três edições, duas delas em forma de revista e um jornal. O ciclo alternativo chegou, também, em Ajuricaba, pequena cidade na região noroeste do estado, no ano de 1979. Encartada no jornal Atualidades, circulava, quinzenalmente, a folha O Ajuricaba, que discutia temas como liberdade de imprensa e movimentos grevistas. Com duração de apenas seis meses, o periódico, editado por Oldemar Hoffmann, foi invadido pelo polícia durante a cobertura de uma greve de professores, a qual ele havia fotografado para posterior publicação no jornal. Por este motivo, foi acusado de incitar à baderna e teve sua redação tomada. O fato foi noticiado pela Folha da Manhã, de Porto Alegre, na edição de 9 de abril de 1979. Neste mesmo ano, surgiram Lado Inverso e Tchê, ambos em Porto Alegre.

Em dezembro de 1980, é lançada, na capital gaúcha, a primeira edição de Correio da Mulher, jornal dedicado à luta pela igualdade de direitos entre os sexos e engajado política e socialmente. O periódico abordava temas, como: política e a importância da participação popular, economia, inflação, sexualidade, cultura, preconceito racial, métodos contraceptivos naturais, violência, além de assuntos como culinária, horóscopo e moda, que apesar de ocuparem pouco espaço em relação aos demais, também estavam presentes no jornal.

Em 1982, quando a imprensa alternativa já demonstrava desgaste, aparece Denúncia, um dos poucos alternativos gaúchos a circular nacionalmente, com uma tiragem de 10 mil exemplares. O jornal propunha-se à crítica política, mas, mais do que isso, pretendia servir como porta-voz dos mandos e desmandos da imprensa no período. Denúncia sobreviveu por um ano e oito meses. Acabou por não ter recursos financeiros para pagar seus colaboradores. Durante o período em que circulou, chegou a atingir 41 municípios, sete da Grande Porto Alegre, 180 bancas de jornal somente na capital gaúcha, cinco estados e 1200 assinantes.

A partir destas informações, propõe-se a ampliação do quadro apresentado por Kucinski (1992), no que se refere à imprensa alternativa no Rio Grande do Sul. Seguindo o esquema do autor, o agrupamento dos jornais se dá por suas características predominantes: políticos (P), de reportagem (R), de humor (H), culturais (C), feministas (F), anarquistas (A), gay (G), ecológicos (E), nacionais (N), regionais (r), efêmeros (e) para os que duraram menos de um ano, para os outros, o número de anos completos.

Títulos entre parênteses designam periódicos convencionais contendo elementos alternativos. O resultado é apresentado abaixo: [6]

IMPRENSA ALTERNATIVA NO RIO GRANDE DO SUL (1964-1980)
ANO
TÍTULO
CIDADE
CLASSIFICAÇÃO
1967
(O Protesto)
POA
A n e
-
(Exemplar)
POA
P n 5
1971
Pato Macho
POA
H r e
1975
Semana da Informação
Ijuí, RS
P r e
-
Comunicação
POA
P r
-
(Risco)
POA
R e
1976
Coojornal
POA
R n 6
-
Lampião
POA
P n e
-
Peleia
POA
P r e
-
Paralelo
POA
C r e
-
Informação
POA
P r
-
Triz
Pelotas
P r e
1978
Tição
POA
C r 3
1979
Lado Inverso
POA
P r e
-
Tchê
POA
P n e
-
(O Ajuricaba)
Ajuricaba
P r e
1980
Correio da Mulher
POA
F r e
1982
Denúncia
POA
P n 1

O humor no jornalismo alternativo sul-rio-grandense: o caso do Pato Macho
A situação em Porto Alegre não era diferente do resto do país. No entanto, além da censura política e da repressão, outra questão em evidência era o provincianismo da cidade. Protegida por uma espécie de campo de força e, ao mesmo tempo, sufocada por ele, a capital gaúcha permanecia em estado de estagnação cultural. A sociedade já havia estabelecido seus códigos de convivência e era dentro dos limites destes que os indivíduos deviam mover-se. Quem desejava algo novo, devia procurar fora da cidade.

Os próprios talentos locais só alcançavam o reconhecimento em solo estrangeiro. O porto-alegrense é tido como o provinciano, "aquele que leva tudo às últimas conseqüências, tentando derrubar novidades em defesa de seus mitos. Assim vamos vivendo na Província à sombra de organizações tradicionais. Um apelido bonito para senis". [7]

Por adotar esta posição crítica em relação à sociedade local da época, o Pato Macho foi o primeiro jornal gaúcho a sofrer censura prévia, como afirma Joaquim da Fonseca, um dos membros da equipe do alternativo, em sua obra Caricatura - A imagem gráfica do humor (1999, p. 273). O motivo da medida é um tanto quanto curioso: a esposa de Eduardo Faraco, então reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Aline Faraco, sentiu-se lesada pelo jornal e, como seu marido era também o cardiologista do general-presidente Emílio Garrastazu Médici, aproveitou-se de seu prestígio junto ao regime para colocar o Pato Macho sob censura (ROSA, 2002, p. 105). Um texto de Coi Lopes de Almeida foi o estopim para o controle. O jornalista já havia sido censurado internamente em outros jornais por tentar mencionar o nome de tal senhora da sociedade. Resolveu, então, vingar-se através do Pato.

Para analisar a imprensa alternativa, Kucinski (1998, p. 180) propõe a divisão desses jornais em duas grandes vertentes: uma ideológica, outra existencial. A primeira tinha raízes nos ideais de valorização do nacional e popular dos anos 50, ou no marxismo popularizado nos meios estudantis nos anos 60. Seus principais representantes nacionais foram Politika, Opinião, Movimento, Em Tempo e Coojornal. A segunda vertente foi criada por jornalistas cansados do discurso ideológico dominante. Inspirados nos movimentos de contracultura norte-americanos e, por intermédio deles, no orientalismo, no anarquismo e no existencialismo de Jean-Paul Sartre, esses profissionais investiam, principalmente, contra o autoritarismo na esfera dos costumes e o moralismo hipócrita da classe média. Os principais expoentes foram, conforme o autor, Versus, Bondinho, Ex e O Pasquim. O Pato Macho inclui-se nessa linha.

Analisar o Pato Macho é provocar a volta da discussão sobre a imprensa alternativa no Rio Grande do Sul. Usualmente, quando se fala sobre o tema em nível nacional, costuma-se dizer que a experiência alternativa gaúcha foi pálida em relação ao resto do país. Nesse trabalho, procurou-se mostrar que, apesar de longe dos principais centros de decisão política e econômica, a produção de veículos de cunho alternativo, no estado, foi uma constante durante o regime militar. Ao todo, foram levantadas 18 publicações nessa linha e muitas outras devem ter existido. Dos jornais encontrados, Pato Macho é o único em que predomina o humor. Entre os demais, 11 são essencialmente políticos, dois de reportagem, dois culturais, um anarquista e um feminista.

Esse dado é relevante no sentido de que, no Pato Macho, uma série de humoristas, chargistas e cartunistas tiveram espaço para publicar seus trabalhos e dar início a carreiras de sucesso, que solidificaram uma tradição gaúcha na área. Do mesmo modo, cronistas, como Verissimo, por exemplo, tiveram nele um de seus primeiros veículos de publicação.

Na imprensa sul-rio-grandense, ele representa uma proposta inovadora, tanto no conteúdo quanto na diagramação. Único alternativo humorístico do período no estado, tinha nos costumes e no provincianismo da capital gaúcha seu principal alvo de críticas. O humor, na concepção psicanalítica freudiana, aparece no semanário através do chiste, do cômico e do humor ingênuo, especialmente dos dois primeiros. Através do chiste, o alternativo alicia seu leitor contra o inimigo, o marasmo local, tornando-o inferior, desprezível e ridículo. Em sua função de denunciar o conservadorismo da sociedade local, o periódico acaba, muitas vezes, tendo como objeto de crítica seus próprios leitores, ocasiões em que lança mão do artifício cômico. O humor ingênuo aparece, em menor escala, quando o jornal faz graça em cima de si mesmo. Com claras intenções, essa ferramenta é utilizada como mais uma forma de crítica ao provincianismo e ao modo como o jornal foi recebido em determinados grupos sociais.

Lançado com o objetivo de oferecer um espaço alternativo para a discussão de temas proibidos na grande imprensa, o jornal, que teve um início de sucesso, chegando a ter edições esgotadas, sofreu censura prévia desde sua terceira edição. O controle acabou tolhendo a liberdade da patota e provocando um processo de autocensura interna. Com um modo de produção quase artesanal, qualquer interferência do censor acarretava atrasos e contratempos para a circulação do jornal, o que obrigava a equipe a tentar, o máximo possível, não produzir textos passíveis de cortes. Mesmo assim, o controle era firme e não foram poucas as vezes em que grandes pedaços de texto foram censurados. O motivo: a manutenção da moral e dos bons costumes locais.

O próprio motivo de instalação da censura prévia, uma nota irônica sobre uma senhora de sociedade, tem muito a ver com a linha editorial do jornal. Caracterizado como um grande diário coletivo, o Pato Macho era espaço para desabafos, troca de farpas e de informações sobre pessoas pertencentes a determinado grupo da cidade, especialmente os freqüentadores do Encouraçado Butikin, ponto de encontro da época, e de alguns bairros residenciais de Porto Alegre, como Moinhos de Vento. Dirigido especialmente a esse grupo, o jornal acaba deixando um pouco de lado os demais leitores que, muitas vezes, ficavam sem entendê-lo. A esses, resta a leitura distanciada de uma realidade da qual não fazem parte, em um exercício de voyeurismo, ou o abandono do semanário. Nesse sentido, o Pato Macho assemelha-se, muito, às colunas sociais, que trazem novidades sobre pessoas de determinada classe social e são lidas, na maioria das vezes, por quem não faz parte dessa classe e, nem mesmo, freqüenta iguais lugares ou compartilha as mesmas vivências.

Aliado a isso e ao conservadorismo da sociedade porto-alegrense da época, que não soube rir de si mesma, através do Pato Macho, instalou-se uma grande crise financeira que começou a comprometer o periódico. A censura prévia, ocasionada pelo texto A senhora, de Coi Lopes de Almeida, refletiu diretamente na economia do jornal e, somada à inexperiência administrativa e à periodicidade semanal, atuou como desencadeadora da crise. A primeira fase do jornal, mais festiva e descompromissada, chegava ao seu fim.

Começava, então, a luta da equipe por sua sobrevivência. Inicialmente organizado como uma empresa limitada, o semanário passa a ser uma sociedade anônima e a contar com o trabalho de novos colaboradores, numa tentativa de profissionalizar o negócio e adotar uma linha mais jornalística. Apesar do esforço coletivo, o Pato Macho foi vencido pela escassez de verbas e pelo esgotamento da equipe que, a essa altura, já o encarava, também, como um problema.

O Pato Macho, ao longo de suas quinze edições, foi reflexo de um momento de profundas mudanças históricas e comportamentais. A patota denunciou o conservadorismo de Porto Alegre e sacudiu a sociedade local. Isso tudo com o objetivo de atuar como mola propulsora de uma mudança de atitude, para acabar com o marasmo da cidade e possibilitar sua própria permanência nela. No entanto, sua fúria em relação aos costumes provincianos, ao não?reconhecimento dos talentos locais, acabava, muitas vezes, fazendo com que ele próprio idolatrasse a cultura vinda de fora. Na luta contra o provincianismo, o jornal acabava se mostrando, também, provinciano.

De qualquer maneira, sua proposta arrojada, única no estado, no período, representou uma inovação no jornalismo sul-rio-grandense. Seu texto coloquial e seu humor influenciaram as demais publicações da época, através da experiência dos profissionais da patota, que em sua maioria ocupavam postos, também, na grande imprensa. A diagramação ousada e a preocupação com o visual demonstram que o jornal não pretendia apenas oferecer uma alternativa no conteúdo, mas, também, na forma. Essas características o tornam uma experiência singular na imprensa alternativa gaúcha, cuja maioria das publicações dedicava-se, especialmente, às questões políticas, através de um visual tradicional.

Com manifesta influência de O Pasquim, provavelmente o jornal alternativo brasileiro a alcançar maior popularidade, Pato Macho foi o único veículo de comunicação impresso no Rio Grande do Sul a contestar o conservadorismo dos costumes do estado e, mais especificamente, de sua capital, durante o regime militar. Em um momento político conturbado, o jornal manteve seu foco de críticas na moral e no comportamento da sociedade em que estava inserido.

A luta pela liberdade de imprensa, no Rio Grande do Sul, foi intensa durante os anos de chumbo e teve, nos jornais alternativos, seu principal veículo de divulgação. Através de projetos como o Pato Macho, jornalistas gaúchos propuseram novas formas de pensar a comunicação e as vivências humanas no período de exceção.

Trazer à tona as vivências da imprensa alternativa é um constante exercício de não esquecer, de resistir. E isso não apenas no plano político, mas, também, em relação aos conteúdos e posicionamentos jornalísticos. Pato Macho é uma experiência inovadora e uma tentativa de oferecer algo diferente aos leitores. Sua trajetória demonstra que não foi possível atingir esse objetivo por completo. Muitos foram os obstáculos que apareceram em seu caminho e provocaram a morte prematura do jornal. No entanto, a união de jornalistas em torno de um projeto alternativo representa o desejo de propor algo diferente, longe de todas as ditaduras, inclusive a dos conteúdos. Se o regime militar era campo fértil para o surgimento dessas publicações, estimuladas pela sua própria proibição, a democracia deveria ser o espaço ideal para esse conflito de idéias, tão saudável em todos os âmbitos. Se a imprensa alternativa não tem mais lugar quando se vive com liberdade de expressão, a luta por alternativas de conteúdo, visuais e criativas continua necessária.

Em tempos de imprensa livre, a homogeneização parece ser a regra número um, em uma espécie de ditadura em que o diferente não é proibido, mas, de certa forma, é represado. Pensar modos alternativos de se fazer jornalismo não é ou, pelo menos, não deveria ser, exclusividade dos períodos de exceção. É uma necessidade de todas as épocas, de todos os dias. É a garantia do pluralismo de idéias e da discussão constante. Se Pato Macho não chega a caracterizar-se como um modelo de jornalismo, como, realmente, não o é, representa a tentativa de fazer algo diferenciado, de lançar um novo olhar para questões do cotidiano, de modernizar tradições culturais e propor mudanças comportamentais. Em sua curta existência, ele refletiu as características do movimento que se alastrou pelo país no período e colaborou na luta contra o arbítrio com sua principal arma: o riso.

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Notas

[1] Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Doutoranda em Comunicação Social, também pela PUC/RS.

[2] Texto publicado sem nome do autor.

[3] Texto publicado sem nome do autor.

[4] O pau-de-arara foi um método de tortura muito utilizado no período da ditadura militar. Uma barrade ferro é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho do torturado. Imobilizado, ele é colocado entre duas mesas, com seu corpo à cerca de 20 ou 30 centímetros do solo.

[5] Texto publicado sem nome do autor.

[6] Texto publicado sem nome do autor.

[7] É importante lembrar que, para este quadro, está sendo considerada a imprensa alternativa gaúcha até o ano de 1985. Isto porque, mesmo no período final da ditadura, quando os alternativos perdiam suas forças, surgiram iniciativas fortes como, por exemplo, o periódico Denúncia, um dos únicos sul-rio-grandenses com circulação nacional. Nos jornais Comunicação e Informação, não foi possível encontrar a duração de cada veículo. Por este motivo, o campo designado para esta informação está em branco. Fontes: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul e KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: Nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta, 1992.

[8] Que loucura, Pato Macho, Porto Alegre, 04 abr. 1971, Capa, no 1, p. 1.


*Aline do Amaral Garcia Strelow é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutoranda em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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