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Ensaios

A crônica no jornal impresso brasileiro
Por Érica Michelline Cavalcante Neiva*

Resumo

Este ensaio discorre, inicialmente, sobre a etimologia da crônica, ligada à concepção de tempo. O sentido cronológico é considerado essencial para esta narrativa enquanto relato histórico. Sentido tal, que podemos constatar na Carta de Pero Vaz de Caminha, considerada o marco inicial da crônica no Brasil, de acordo com alguns estudiosos da história e da literatura. A importância deste estudo, entretanto, dá-se a partir do século XIX, quando a narrativa cronística passou a habitar as páginas dos jornais impressos, ampliando seu sentido temporal para constituir-se num gênero narrativo possuidor de uma autonomia estético-estilística, principalmente, com o escritor-jornalista, Machado de Assis. Já no século XX, a imprensa viveu um período de intensa modernização. A crônica, por sua vez, firmou-se ainda mais como um texto com enormes possibilidades significativas, temáticas e lingüísticas.

Palavras-chave

Etimologia da Crônica / Jornais Impressos / Autonomia Estético-Estilística / Possibilidades Significativas

Abstract

This assay discourses, initially, on the etymology of the chronicle, on to the conception of time. The chronological direction is considered essential for this narrative while historical story. Felt such, that we can evidence in the Letter of Pero Vaz de Caminha, considered the initial landmark of the chronicle in Brazil, in accordance with some scholars of history and literature. The importance of this study, however, is given from century XIX, when the chronicled narrative started to inhabit the pages of periodicals printed matters, extending its secular direction to consist in a possessing narrative sort of an aesthetic- stylistic autonomy, mainly, with the writer-journalist, Machado de Assis. No longer century XX, the press lived a period of intense modernization. The chronicle, in turn, was firmed still more as a text with enormous significant, thematic and linguistic possibilities.

Words-key

Etymology of the Chronicle / Periodicals Printed Matters / Aesthetic-Stylistic Autonomy / Significant Possibilities.

Impressões pessoais sobre o mundo. Quantos de nós divagamos sobre as pequenas coisas do dia-a-dia? Muitas das quais não aparecem estampadas nas manchetes dos jornais, revistas ou programas televisuais. São estes pequenos acontecimentos tão particulares - detalhes da nossa infância; reflexões filosóficas ou metafísicas sobre a vida, sobre os acontecimentos noticiados ou mesmo o efeito em nós de uma brisa suave numa tarde de domingo - motivadores de um texto, localizado nos periódicos, que para muitos teóricos é considerado ambíguo (misto de referencialidade jornalística e narração literária), mas que se estudado detalhadamente apresenta autonomia estética, semântica e enorme abrangência temática, a crônica. "Onde cabem as pequenas coisas do cotidiano? Como registrar a historia nossa de cada dia, não necessariamente a História? Como tornar o eterno instantâneo? Como captar a conversa fiada, os pequenos sentimentos, as coisinhas, nossas ou alheias?" (BENDER e LAURITO, p. 43).

1.1. Uma história das primeiras crônicas

Mas, nem sempre a crônica significou um texto com autonomia estética, ou seja, um texto com grande potencial discursivo vei-culado num jornal.

A sua origem é muito anterior a Gutenberg e, consequentemente, à imprensa. Ela remonta à narração de fatos históricos, segundo uma ordem cronológica, que se iniciou na Idade Média, tendo como um dos seus principais expoentes o cronista medie-val português, Fernão Lopes, considerado o grande mestre da arte de narrar.

Como cronista-mor do Reino, em 1434, foi-lhe conferida a missão de escrever a História de Portugal.

Arquivo Nac. da Torre do Tombo

Primeira página da Crónica de
D. João I, de Fernão Lopes.

Seja na sua acepção atual, moderna ou no sentido de relato de fatos históricos, a palavra crônica está, intrinsecamente, ligada à noção de tempo, a começar pelo seu significado etimológico definido por Massaud Moisés, "Do grego Chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim chronica, o vocábulo "crônica" designava, no início da era cristã, uma lista ou relação de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto é, em seqüência cronológica" [grifo do autor] (MOISÉS, p. 245).

A primeira crônica com sentido de narração histórica, no Brasil, foi a Carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, relatou ao rei D. Manuel os detalhes da chegada ao Brasil em 1500.

IAN/Torre do Tombo

Fólio da Carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel sobre a Descoberta do Brasil, 1500.

A observação direta do narrador é fundamental para dar relevo à dimensão temporal do registro e à sua veracidade. Caminha comportou-se como um cronista do dia-a-dia ao recriar e redimensionar os fatos concernentes à paisa-gem brasileira, à cultura e aos costumes indígenas, imprimindo-lhes sua visão particular, sua opinião: (...) a observação direta é o ponto de partida para que o narrador possa registrar os fatos de tal maneira que mesmo os mais efêmeros ganhem uma certa concretude. Essa concretude lhes assegura a permanência, impedindo que caiam no esquecimento (...)" (SÁ, p. 6). Além de Caminha, outros cronistas portugueses noticiaram aos europeus o aspecto exótico e as possibilidades de exploração das terras brasileiras.

Entre eles estiveram Pero Lopes de Souza, Pero de Magalhães Gândavo e Gabriel Soares de Souza. Paralelamente a essa chamada crônica leiga, isto é, a crônica que narra os aspectos gerais dos novos territórios, existe a crônica dos missionários e religiosos, sobretudo a dos jesuítas, como Manuel da Nóbrega, Fernão Cardim e José de Anchieta, que tem como finalidade principal documentar os passos da catequese indígena.

Todos estes textos produzidos, mesmo que não sejam explicitamente designados, são crônicas, no sentido histórico da palavra, e antecipam a existência de uma historiografia nacional (BENDER e LAURITO, pp. 13-14). A produção dos cronistas foi legitimada pela literatura que a recolheu como representativa da expressão de uma determinada época, o que na visão de muitos estudiosos, denominou-se uma literatura de informação sobre o novo mundo.

Nesta primeira concepção de crônica, percebemos que os fatos narrados sempre estão vinculados ao aspecto cronológico, ou seja, os primeiros cronistas portugueses no Brasil preocuparam-se com a observação e registro dos fatos relacionados com o presente, com a atualidade vivida. Portanto, o tempo é um fator que acompanha não apenas a etimologia da crônica, mas continua a perpetuar-se em todas as suas definições, conforme afirma Davi Jr. Arrigucci:

São vários os significados da palavra crônica. Todos, porém, implicam a noção de tempo, presente no próprio termo, que procede do grego chronos. Um leitor atual pode não se dar conta desse vínculo de origem que faz dela uma forma do tempo e da memória, um meio de representação temporal dos eventos passados, um registro da vida escoada. Mas a crônica sempre tece a continuidade do gesto humano na tela do tempo [grifo do autor]. (ARRIGUCCI, p. 51).

À medida que a crônica ganhou o seu espaço no jornal impresso, sobretudo, com os textos de Machado de Assis, no século XIX, o fator tempo passou a não ser tão fundamental. O aspecto cronológico cedeu caminho às inúmeras possibilidades de significados da crônica, à sua abrangência temática e lingüística.

1.2. Além dos limites jornalísticos ou literários

O conceito de crônica, a partir do século XIX, contudo, ampliou-se. À medida que ela deixou de vincular-se apenas a um tempo historicamente determinado e à narração sucessiva de fatos. De acordo com José Marques de Melo, "Da História e da Literatura, a crônica passa ao jornalismo, sendo um gênero cultivado pelos escritores que ocupam as colunas da imprensa diária e periódica para relatar os acontecimentos pessoais". (MELO, p. 141).

A crônica passou, então, a ser vista como integrante do jornal, um suporte que lhe conferiu novas características.

O cronista deste período histórico preocupou-se menos em relatar fatos presos a um tempo rígido e passou a compor um cenário onde a razão cedeu lugar à imaginação. Com o advento do Romantismo, a crônica passou a ser concebida como sinônimo de gênero literário, mantendo inter-relações com a prosa ou a poesia. Essa dependência da narrativa cronística aos gêneros literários, assim como a utilização de uma linguagem rebuscada pelos cronistas, limitou o aspecto de renovação lingüística que a crônica poderia trazer para o espaço jornalístico e, conseqüentemente, a conquista da sua liberdade estética que surgiu com o final do Romantismo, como assinala Wellington Pereira:

Depois do Romantismo, a crônica não se legitima apenas dentro de uma tradição da narrativa (...). O cronista estabelece novos processos de enunciação, ultrapassa os limites impostos pela conotação, procurando transformar o exercício da crônica num espaço textual que absorve, criticamente, várias linguagens. Neste sentido, a crônica não se define apenas a partir do grau de literariedade nem do referencial jornalístico: torna-se a possibilidade de leitura dos níveis lingüísticos passíveis de uma reconstrução no interior do jornal. (PEREIRA, pp. 30-31)

A crônica começou a ilustrar as incertezas, angústias e as inquietações do homem num ambiente urbano que refletia os sintomas de uma sociedade capitalista, seduzida pelo consumo e pela fugacidade da vida moderna.

Diante desse quadro, o cronista utilizou-se de outros recursos estéticos que passaram a traduzir as relações sociais fragmentadas deste século na produção cronística: "(...) tornando-se, pela elaboração da linguagem, pela complexidade interna, pela penetração psicológica e social, pela força poética ou pelo humor, uma forma de meandros sutis de nossa realidade (...)" (ARRIGUCCI, p. 53). Estes elementos citados pelo autor nos mostra o caráter heterogêneo da crônica, seja por meio da sua linguagem, da utilização de recursos estilísticos ou mesmo pela amplitude de leitura que ela nos permite fazer da realidade.

A crônica no jornal impresso tem várias formas lingüísticas que podem estar no plano da denotação, quando o cronista produz seu texto reelaborando notícias ou podem expressar significados de conotação, aproximando-se da ficção. Portanto, o que define a crônica no jornal é a sua capacidade de compreender várias expressões estéticas, como a linguagem cinematográfica, poética, radiofônica, sem reduzir-se apenas à literatura (PEREIRA, p. 28).

Percebemos, então, que é fundamental analisarmos a crônica no espaço jornalístico, pois, a partir deste espaço, ela ampliou seus significados denotativos ou conotativos, rompendo barreiras estéticas impostas pela linguagem literária ou jornalística.

A preocupação de alguns autores em comparar a crônica a alguma manifestação literária - poesia ou prosa - acaba por tornar o cronista dependente de preceitos literários, podando sua liberdade estética ao construir seu texto. Massaud Moisés, por exemplo, declara que "A crônica literária oscila, por conseguinte, entre a poesia e o conto (...) enquanto poesia, a crônica explora a temática do "eu", resulta de o "eu" ser o assunto e o narrador a um só tempo, precisamente como todo ato poético" [grifo do autor] (MOISÉS, p. 251). O autor não faz uma leitura da crônica como um texto que possui autonomia semântica, estética ou lingüística, mas prefere negar-lhe sua independência, tornando-a subordinada à literatura.

Ao situar a crônica numa área intermediária entre dois gêneros literários, o autor afirma sua dependência discursiva, não enxergando a autonomia do texto frente às enormes possibilidades lingüísticas e, conseqüentemente, às inúmeras leituras que se pode extrair da crônica no interior do jornal. Mesmo ela não sendo poesia, ao contrário do que declara o autor, uma vez que a função poética pode estar presente no texto, assim como vários outros elementos estético-estilísticos, mas isso não significa dizer que o texto cronístico possa ser uma poesia, uma vez que ele constitui-se num gênero narrativo independente.

Ainda na compreensão de Massaud Moisés, a crônica pode ser classificada como um gênero ambíguo, transitório entre a literatura e o jornalismo, "A crônica oscila, pois, entre a reportagem e a Literatura (...)" (MOISÉS, p. 247). Essa classificação também nos parece sinônimo de uma dependência da crônica à estrutura jornalística e literária. Com relação ao jornalismo, podemos dizer que a narrativa cronística contém características inerentes aos periódicos.

Mas, a sua amplitude lingüística consegue ultrapassar a referencialidade a que os textos jornalísticos estão submetidos.

Dessa forma, a crônica se constitui num discurso aberto a vários significados e inúmeras possibilidades de construção. Essa amplitude semântica, entretanto, muitas vezes não é produzida pelos demais discursos que encontramos ao longo do periódico, os quais são dependentes de normas técnico-linguísticas fixas na organização das informações.

O fato de o jornal ser o suporte de inserção da crônica, num primeiro momento, já cria por si só um elo entre os dois gêneros. Embora estudiosos do jornalismo considerem a crônica um gênero jornalístico opinativo, a riqueza temática e as inúmeras possibilidades conotativas e denotativas da narrativa cronística ultrapassam o mero sentido de opinião. A função referencial da linguagem que predomina no jornalismo é apenas uma das funções lingüísticas que podemos observar na crônica, a qual perpassa a função poética, expressiva, metalingüística, entre outras.

A riqueza estilística e semântica do conceito de crônica confere-lhe uma independência frente aos gêneros literários ou jornalísticos e ao espaço que ocupa no jornal impresso. Essa independência talvez seja o aspecto diferencial entre a crônica e o folhetim do século XIX.

1.2.1. A crônica conquistou autonomia no rodapé dos jornais

Bazar asiático, miscelânea de assuntos. Essa foi a definição do folhetim do século XIX para o escritor e folhetinista José de Alencar. Folhetim, inicialmente, era a denominação de qualquer seção de jornal, na qual publicavam-se desde ensaios a críticas literárias. Com o Romantismo, ele passou a representar uma fórmula literária presa à massificação da cultura, utilizado pela burguesia, classe que também se constituiu como principal público consumidor e o utilizava como uma forma de crítica à cultura aristocrática. Aprecia no rodapé dos jornais, onde eram publicados artigos, críticas literárias ou resenhas.

As crônicas, por sua vez, também eram publicadas no rodapé dos periódicos, o que provoca uma certa confusão entre muitos estudiosos ou escritores que a realizam, "Mas alguns estudiosos ou mesmo os escritores que a praticavam confundem-na, ainda mais, com o espaço jornalístico, passando a denominá-la, também, folhetim, pelo simples fato de ambos serem publicados em rodapés" (PEREIRA, p.33). O folhetim, ao contrário da crônica, não possuía autonomia nem maturidade estética, isto é, discursiva; as idéias contidas nos seus textos representavam a posição intermediária que ele ocupava entre a literariedade e a referência jornalística, fato que não ocorria com a crônica, por esta apresentar grande riqueza lingüística e temática.

O folhetim ganhou uma certa autonomia no espaço jornalístico, a partir dos anos trinta do século XIX, quando passou a contar com textos de escritores estreantes.

Reprodução

Raul Pompéia (1863-1895).

Esse espaço em que, inicialmente, os escritores noticiavam variedades, ou seja, escreviam sobre todos os tipos de assuntos de forma fragmen-tada ou inacabada, fossem eles literários ou não, acabou sendo uma possibilidade para a prática dos futuros romances brasileiros, pois estes antes de serem publicados em livros apareciam, paulatinamente, no rodapé dos jornais.

Entre vários destes romances podemos citar alguns como: O guarani, de José de Alencar; Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida e O Ateneu de Raul Pompéia.

Neste caso, o folhetim foi fundamental para propagar as obras literárias de diversos escritores, uma vez que nem todos os livros poderiam ser publicados, devido ao alto custo da impressão, que só era feita no exterior.

A narrativa dos folhetins nem sempre aproximou a realidade do público leitor, pois o seu objetivo primordial era servir aos interesses da burguesia que considerava esse espaço uma mercadoria que deveria ser vendida ao maior número possível de leitores, "O movimento de massificação da cultura começa com o folhetim oferecido pelos editores de jornais, a preços baixos, para o grande público" (ARNT, p. 23). Contudo, o seu público leitor foi basicamente a burguesia que também estava à frente desses jornais, imprimindo-lhes seus interesses políticos e comerciais.

O folhetim, ao contrário da crônica, não perdeu seu caráter lítero-jornalístico, pois dependia dessas duas áreas e não possuía autonomia no próprio jornal. Ele não trouxe inovações lingüísticas e discursivas dentro do contexto do periódico, para que pudesse conseguir uma independência estética, seu objetivo primordial passou a ser apenas conseguir o status de romance. Devido à variedade de assuntos que constava no folhetim, qualquer texto que, naquela época, não preenchesse as exigências jornalísticas era publicado no espaço folhetinesco. Por isso, o conto, a crônica, a novela e o romance eram considerados folhetins, uma vez que ocuparam o rodapé dos jornais.

Embora vários autores usem o termo crônica como sinônimo de folhetim, "A princípio, no século XIX, chamavam-se as crônicas "folhetins" (...)" [grifo do autor] (COUTINHO, p. 109), podemos observar que há diferenças entre eles de ordem semântica e estilística, pois a crônica, que também na época ocupou o rodapé dos jornais, buscou imprimir inovações lingüísticas, discursivas e uma riqueza de significações conotativas e denotativas no conteúdo dos seus textos, ao contrário do folhetim, que manteve uma intensa relação com o jornalismo e a literatura, não conseguindo construir uma linguagem própria que garantisse a sua autonomia estética, conforme declara Wellington Pereira:

A diferença entre crônica e folhetim não se resume apenas a uma questão semântica, mas se estabelece na relação que ambos mantêm com o espaço jornalístico. Neste sentido, a crônica marca uma certa evolução estético-semântica, através das diversas linguagens que o cronista incorpora ao seu texto. O folhetim, ao contrário, permanece marcado pela referencialidade do texto jornalístico ou pelo grau de literariedade, quando assume as características do romance ou até mesmo da opinião jornalística. (PEREIRA, p. 40).

Dito isto; embora o folhetim não conseguisse uma autonomia estética dentro do jornal, podemos afirmar que ele representou um importante espaço para a veiculação de aspectos literários, econômicos e políticos. Ele, assim como a crônica, consiste em certos momentos numa importante fonte de pesquisa para a história sobre a sociedade do século XIX, fonte tal que foi escrita, sobretudo, pelos chamados escritores-jornalistas, "Críticos da sociedade de sua época, os escritores/jornalistas, através de todos os gêneros a que se dedicaram, deixaram uma análise sutil sobre usos e costumes, que servem de material de estudo para historiadores e pesquisadores" (ARNT, p. 24). Além disso, não devemos nos esquecer que os folhetins originaram os primeiros romances brasileiros.

1.2.2. Escritores-jornalistas ingressaram na imprensa

A imprensa brasileira do século XIX possuía um caráter artesanal. Ao contrário da imprensa européia que, nesse período, estava em vias de modernização, aqui, os jornais foram criados para garantir o poderio econômico e político de determinados grupos. Somente no final do século XIX, essa imprensa começou a adquirir características de empresa, onde a informação passou a ser sinônimo de mercadoria, tornando o conteúdo jornalístico um propagador dos ideais econômicos, políticos e sociais burgueses.

Contudo, o espaço do jornal não conseguia uma independência lingüística, pois nele predominava um discurso de teor político, literário e bacharelesco - resultante da atuação na im-prensa de inúmeros advogados e literatos.

A imprensa passou a ser tomada por um grande número de escritores estreantes que se dedicaram à tarefa de escrever nos folhetins: Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis, França Júnior, Aluísio Azevedo, Artur Azevedo, Raul Pompéia e Olavo Bilac, entre outros.

Reprodução

Joaquim Manuel de Macedo
(1820-1882).

Para Nelson Werneck Sodré, "Os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível" (SODRÉ, p. 292).

Se buscavam, ou não, notoriedade ou prestígio, não nos cabe analisar.

Contudo, esses escritores encontraram no jornal um meio de se profissionalizarem e também buscarem uma oportunidade para publicarem seus romances nos rodapés dos impressos e quem sabe, posteriormente, terem a chance de transformá-los em livros. Para Wellington Pereira, a utilização da literatura como linguagem atende a três aspectos:

a) o jornal significa o único meio de profissionalização dos literatos; b) as manifestações artísticas tinham no jornal diário um laboratório para o reconhecimento de sua maturidade estética; c) havia um pequeno número de leitores (...). Estes leitores representavam um novo espaço para o lucro, como também o consumo de bens culturais. (PEREIRA, p. 66).

Os jornais, sem dúvida, representaram não apenas a sobrevivência de muitos literatos, mas também eram uma oportunidade para que eles pudessem desenvolver seus talentos artísticos que atingiam o ponto máximo quando conseguiam publicar seus romances. Esse espaço destinado à literatura nos jornais foi uma reivindicação do público leitor burguês que não agüentava mais ver, nas páginas dos periódicos, assuntos de caráter sensacionalista.

A crônica constituiu-se num espaço diferencial nesse jornal do século XIX. Apesar do seu nascimento nos meios impressos, em termos oficiais, ter começado com Francisco Otaviano de Almeida Rosa, em 1852, no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro (COUTINHO, p. 112), foi Machado de Assis quem imprimiu ao gênero características peculiares, como a possibilidade de trabalhar com várias linguagens, temas e significados.

Estes significados poderiam ser conotativos, quando o escritor utilizava-se de várias funções e figuras de linguagem, conferindo ao seu texto inúmeras leituras. Além da conotação, Machado de Assis recorria à denotação quando buscava, dentro do próprio corpo do jornal, temas para trabalhar nas suas crônicas. Estes temas, no entanto, eram recriados e reinterpretados por ele.

Assim, o escritor ultrapassava a referencialidade jornalística ou a influência literária, conferindo ao seu texto uma autonomia estética, "Machado de Assis é o cronista que buscou a maturidade estética da crônica, tornando-a um gênero com autonomia estética que pode abrigar várias linguagens nos jornais e manter uma independência lingüística ante o folhetim e o discurso jornalístico de sua época" (PEREIRA, p.113).

Reprodução

Machado de Assis
(1839-1908).

A crônica dotada de uma independência estético-estilística praticada por Machado de Assis, por exemplo, era uma exceção. O jornal da época continha em suas páginas um discurso bacharelesco, de caráter doutrinário, que se importava apenas em informar ou opinar de maneira pouco consistente e fundamentada. Utilizava-se de uma retórica com palavras difíceis, chavões, sem a preocupação de construir uma opinião crítica junto ao leitor. Neste cenário, o objetivo dos cronistas-escritores era outro. Eles tentaram imprimir às suas crônicas uma série de significados, utilizando-se para isto de funções ou figuras de linguagem, para que, assim, as pessoas pudessem ter subsídios para interpretar de diversas formas os fatos sociais.

Conceituar a crônica dentro do periódico, contudo, era algo difícil neste momento, pois nem mesmo o jornalismo demonstrava clareza quanto à definição de uma linguagem própria. O cronista, no entanto, já buscava uma autonomia estética para o seu texto, "Isto torna o cronista uma espécie de "artista" no espaço jornalístico, porque, ao invés de emprestar seu talento à capacidade de informar, busca construir um outro universo de significados para interpretar os fatos sociais" [grifo do autor] (PEREIRA, p.43). Estes fatos sociais eram retratados nas crônicas, através de um discurso que não traduzia uma tentativa de doutrinação do público leitor, mas que representava uma narrativa rica em formas de leituras e significados.

Neste período, os jornais mantinham uma dependência com relação aos gêneros literários, uma vez que não possuíam uma linguagem própria, autônoma; recorrendo à literatura como suporte lingüístico, o que leva alguns autores a declararem que jornalismo é literatura, "O jornalismo é uma das categorias da literatura - é uma literatura de massa. Na opinião de Alceu Amoroso Lima, é um gênero literário, com seu próprio estilo, as suas regras, o seu jargão" (BAHIA, p. 28). O jornal não apresentava apenas um teor literário no seu conteúdo, conforme a afirmação do autor, mas também estava impregnado de um tom bacharelesco e político.

É certo que o jornalismo do século XIX não tinha características próprias, definidas, como podemos atestar através de citações de Wellington Pereira ou de Nelson Werneck Sodré, mas não concordamos com a afirmação acima de Juarez Bahia de que o jornalismo é uma das categorias da literatura, pois, neste período, a atividade jornalística não era dotada apenas de uma dependência lingüística da literatura.

Ela também mantinha a dependência de uma linguagem doutrinária e de um tom retórico muito comum à área dos advogados que escreviam para os periódicos; além de se subordinar a discursos com caráter político-partidário. Portanto, a ausência de uma linguagem essencialmente jornalística era um espaço aberto para vários tipos de influências, fossem elas literárias, bacharelescas ou políticas.

Em meio ao sensacionalismo, às críticas ásperas e ao conteúdo polêmico que imperou nos jornais deste período, a crônica representou um espaço definido, independente no jornal. Ela apresentou uma linguagem própria, graças ao trabalho consciente dos cronistas-escritores, "O escritor do século XIX fazia do seu ofício uma profissão de fé na verdade. Conscientes do papel de historiadores do momento fugaz, eles informavam o que se passava a seu redor com a intenção de deixar um testemunho para a posteridade" (ARNT, p.24). O escritor-cronista usou da sua sensibilidade e argúcia para tentar imprimir ao seu texto uma linguagem independente de toda a sorte de vícios, expressões difíceis ou jargões que predominaram no jornal desse período.

1.3. A crônica no jornal do século XIX

A imprensa teve início, no Brasil, oficialmente, em 1808, com a publicação do Jornal Gazeta do Rio de Janeiro. Há controvérsias, contudo, quanto ao fato da Gazeta ser o marco inicial da imprensa, pois três meses antes surgia o Correio Brasiliense editado em Londres por Hipólito da Costa. No entanto, como sabemos a Gazeta foi porta-voz oficial do Império Português, cuja Corte acabara de se transferir para o Brasil; talvez este fato explique o mérito que lhe fora concedido.

A imprensa do século XIX guardava resquícios da imprensa colonial, a qual se caracterizou por não possuir uma linguagem e nem padrões jornalísticos. Além disso, ela se configurava como uma espécie de boletim oficial da Corte, reproduzindo o que fosse conveniente para o Império, o qual também funcionava como financiador de muitos desses periódicos. Para Wellington Pereira, nesse período não se pode falar propriamente de jornalismo, mas apenas de imprensa:

O período histórico que vai desde a época colonial até o Império, passando pela Primeira República, pode ser considerado como o da imprensa sem jornalismo, porque, nos jornais, os fatos são veiculados numa ordem quase inversa aos acontecimentos sociais. O que interessa é o discurso institucional (...). Ao contrário de uma estrutura jornalística que permite um deslocamento de informações, os jornais reproduzem o sistema cartorial na construção da informação, sem dar prioridade à hierarquização dos fatos sociais, mas tentando legitimá-los do ponto de vista do colonizador. (PEREIRA, p. 57).

Nessa sociedade, onde o periódico distribuía em suas páginas um conteúdo vazio e passível da interferência dos poderosos, a proposta de um jornalismo como porta-voz da sociedade, legitimador de fatos sociais importantes, reconstruídos e reelaborados pelo jornalista, estava muito distante da realidade que podemos observar no século XIX.

Neste período, começava a se formar uma imprensa que se caracterizava pela efetivação de um processo técnico que envolvia máquinas, alguma melhora gráfica, enfim, uma valorização dos mecanismos de impressão dos jornais. No entanto, não havia uma preocupação em se trabalhar os processos envolvidos na produção da informação, que são fundamentais para o conceito de jornalismo - atualidade, periodicidade, difusão e universalidade -, por isso se fala que há imprensa, mas não há pressupostos que fundamentem o jornalismo, tal qual existe na sociedade contemporânea.

Além do caráter institucional que era dado às notícias, elas se caracterizavam pela presença dos costumes morais e sociais burgueses, pela constatação de alguns gêneros literários como as novelas e os romances, estes últimos eram, inicialmente, publicados no espaço folhetinesco, no rodapé dos jornais.

Os periódicos também traziam os artigos de fundo, ou seja, textos opinativos que continham uma linguagem doutrinária com palavras e expressões difíceis. Mas, cujo conteúdo pouco consistente estava muito longe de construir no leitor uma opinião, um senso crítico da realidade brasileira. Ainda existiam as crônicas, mas estas, desde já, possuíam diferenças com relação aos demais conteúdos dos periódicos, devido à sua autonomia de significação, temática e lingüística, o que lhe conferia um espaço próprio dentro dos jornais. A linguagem predominante nos periódicos não era independente, pois apresenta diversas vertentes como a doutrinária, a política e literária.

O Correio Brasiliense, segundo Wellington Pereira, foi o único jornal que manteve uma ruptura com a imprensa oficial, tentando dar ao leitor uma visão mais ampla do Brasil (PEREIRA, pp.57-58). Entretanto, esse periódico constituiu-se numa exceção para a imprensa da época que funcionava como uma legitimadora dos poderosos, não promovendo uma reflexão sobre a sociedade brasileira. Houve uma melhoria nos procedimentos gráficos, sobretudo, a partir da segunda metade do século XIX, mas não aconteceu o mesmo com relação às técnicas de construção das informações e, conseqüentemente, à deficiente linguagem da imprensa, segundo Nelson Werneck Sodré:

O noticiário era redigido de forma difícil, empolada. O jornalismo feito ainda por literatos é confundido com literatura, e no pior sentido. As chamadas informações sociais - aniversários, casamentos, festas - aparecem em linguagem melosa e misturam-se com a correspondência de namorados, doestos a desafetos pessoais e a torva catilinária dos a pedidos. (SODRÉ, p. 283).

Diante do jornal desse período histórico, veiculador de uma linguagem difícil, de aspecto retórico e bacharelesco, em que não havia a mínima noção de sistematização da informação, a crônica apresentava uma situação particular. Os cronistas, ao contrário de muitos bacharéis ou literatos, não impregnavam seus textos de uma linguagem retórica, de difícil compreensão e pouco conteúdo. Eles buscavam elaborar suas crônicas com assuntos que estavam muito próximos às pessoas. O cotidiano era o universo sobre o qual ele se debruçava para extrair a matéria-prima de seus textos.

Na narrativa cronística, o autor utiliza-se de várias figuras de linguagens - metáfora, hipérbole, personificação, entre outras - e também de funções lingüísticas como a poética, a expressiva, a referencial, etc. Esse mecanismo lhe possibilita criar uma riqueza de significados conotativos e denotativos para o seu texto. Os leitores, ao entrarem em contato com essa crônica não lhe atribuirão apenas um sentido, mas serão capazes de retirar diversas significações, devido ao potencial lingüístico que possui.

Neste sentido, a crônica ultrapassa as limitações do texto jornalístico, o qual transmite para o leitor um discurso que traduz basicamente uma leitura, entre tantas, que um fato pode ter.

Ao cronista não cabe apenas implicar significados conotativos aos fatos, ele também se preocupa em reinterpretar o conteúdo que aparece no corpo do jornal. Mesmo quando trabalha os fatos sob uma perspectiva da denotação, o seu texto está aberto a múltiplas interpretações do leitor, "Na maioria desses autores dos primeiros tempos, a crônica tem um ar de aprendizado de uma matéria literária nova e complicada, pelo grau de heterogeneidade e discrepância de seus componentes, exigindo também novos meios lingüísticos de penetração e organização artística" (ARRIGUCCI, p.57). O aspecto heterogêneo da crônica, por sua vez, não deve ser passível de análises literárias ou jornalísticas, mas deve ser capaz de mostrar aos estudiosos que sua autonomia lingüística e semântica a tornam um texto, por si só, independente.

A capacidade de ousar dos cronistas lhes possibilitaram criar um espaço autônomo para a crônica dentro do jornal do século XIX que foi conquistado, sobretudo, a partir de Machado de Assis. Ele é sem dúvida quem melhor exercitou a crônica como espaço capaz de absorver várias linguagens, significados e temas. No século XX, os cronistas modernos continuaram proporcionando à crônica autonomia estética, mas buscaram também fazer uma leitura dos seus textos no espaço jornalístico.

1.4. Inovações na crônica moderna

As mudanças jornalísticas começaram a acontecer. O século XX esteve sob a égide de várias transformações como a divisão social do trabalho; o surgimento do rádio e a eclosão da Primeira Guerra Mundial que causaram profundas modificações na imprensa. Esta viveria um grande processo de modernização através da importação de novos equipamentos e de uma maior definição nas relações sociais de trabalho, conseqüências da intensificação do sistema capitalista. Essas relações se deram com a definição de três classes sociais: a burguesia, dona dos meios-de-produção; os trabalhadores intelectuais que escreviam nos jornais e os operários que constituíam a classe proletária.

Tais mudanças promoveram uma passagem da imprensa artesanal para uma imprensa industrial, "(...) convém lembrar que a imprensa industrial da fase capitalista é bem diversa da imprensa artesanal que a antecedeu; nela, a divisão do trabalho ampliou-se consideravelmente, e a divisão em classe tornou-se clara" (SODRÉ, p.417). Se podemos observar transformações tecnológicas bem como uma maior definição nas relações trabalhistas, não podemos falar o mesmo sobre a linguagem predominante nos jornais.

A linguagem jornalística até a segunda metade do século XX, no Brasil, continha resquícios daquela linguagem empolada, bacharelesca, de caráter retórico que predominou no século XIX. A sistematização lingüística dos jornais demorou um pouco a acontecer, o que causou uma situação paradoxal, pois num extremo verificamos o avanço tecnológico da imprensa, mas por outro lado, inicialmente, não havia uma linguagem própria, autônoma, capaz de caracterizar o jornalismo brasileiro.

Dessa maneira, a informação ainda não se encontrava nos moldes adequados para que se tornasse um bem de consumo capaz de preencher os requisitos necessários para indústria capitalista do jornalismo. Essa deficiência fez com que se criasse uma sistematização da linguagem para que o periódico pudesse atender a algumas necessidades imprescindíveis da informação enquanto mercadoria como a universalidade, atualidade, periodicidade e difusão.

A notícia tornou-se, então, um bem de consumo como outro qualquer e como tal deveria atender às exigências de um público consumidor atento que passou a ter inúmeras possibilidades de adquirir um mesmo tipo de produto. Esses imperativos fizeram com que acontecessem várias modificações no corpo do jornal, desde sua divisão em seções especializadas até imposições aos literatos para que estivessem atentos à objetividade jornalística, conforme assinala Nelson Werneck Sodré:

Tais alterações serão introduzidas lentamente, mas acentuam-se sempre: a tendência ao declínio do folhetim, substituído pelo colunismo e, pouco a pouco, pela reportagem; a tendência para a entrevista, substituindo o simples artigo político; a tendência para o predomínio da informação sobre a doutrinação (...). Aos homens de letras, a imprensa impõe, agora, que escrevam menos colaborações assinadas sobre assuntos de interesse restrito do que o esforço para se colocarem em condições de redigir objetivamente reportagens, entrevistas, notícias. (SODRÉ, pp. 296-297).

Nessas condições, podemos observar que as colaborações dos literatos passaram a ocupar um espaço separado, pois o jornal não pretendia manter o predomínio do caráter literário em suas páginas. Assim, também a crônica passou a ter um lugar específico quanto à forma de distribuição das informações. O cronista do século XX preocupou-se com o espaço jornalístico que o seu texto ocupava, ou seja, em suas crônicas praticavam o exercício de metalinguagem, onde discutiam a importância, a finalidade, sua relação com o leitor e as especificidades do que escreviam. Esta autodiscussão da crônica, entretanto, não foi algo exclusivo dos cronistas modernos. Machado de Assis, por exemplo, já no século XIX, se debruçava sobre a discussão da imprensa e lançava questões sobre o texto que escrevia.

Os cronistas ligados ao movimento modernista brasileiro, na primeira metade do século XX, além de empreenderem uma riqueza lingüística aos seus textos, passaram a levantar problemáticas sociais brasileiras como, por exemplo, a seca e as desigualdades sócio-econômicas.

Estes cronistas se preocuparam também em trabalhar com fatos do corpo jornalístico, mas, ao contrário de pretenderem alcançar uma utópica objetividade, procuraram dar um leque de significações às suas crônicas. Para Wellington Pereira, "João do Rio representa bem a tentativa da crônica ampliar significados no espaço jornalístico (...). O cronista deixa de ser um mero observador para ir buscar os fatos onde eles estiverem. Este procedimento nasce, no jornalismo brasileiro do século XX, com a publicação das crônicas de João do Rio (...)" (PEREIRA, pp. 126-127). Nesse período, as transformações que ocorreram no ambiente urbano levaram os cronistas a ampliarem suas possibilidades temáticas e lingüísticas.

Reprodução

João do Rio
(1881-1921).

Além de João do Rio, outros cronistas caracterizaram o século XX: Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Vinícius de Moraes, entre tantos outros. Mas, para muitos estudiosos da crônica foi com Rubem Braga que ela se consolidou, na década de 1930. Sobre ele Davi Jr. Arrigucci declara, "(...) para ele, a crônica é a forma complexa e única de uma relação do Eu com o mundo (...). Uma arte narrativa, enfim, cotidiana e simples, enroscada em torno do fato fugaz, mas liberta no ar, para dizer a poesia do perecível" (ARRIGUCCI, p.64). Rubem Braga também se caracterizou pelo fato de ter se dedicado apenas ao ofício de escrever crônicas, com as quais conseguiu obter o mérito de grande escritor.

A crônica, a partir de então, incorporou com mais intensidade uma linguagem que se aproximava da fala coloquial dos brasileiros. Era uma maneira de falar das coisas simples do cotidiano de uma forma clara, entendível por todos.

O cronista com a sua capacidade de observar os fatos ou mesmo criá-los, reinterpretando-os à sua maneira e materializando-os através do jornal, oferece ao leitor um texto com enormes possibilidades. Esse leitor poderá construir vários significados para o texto que chega às suas mãos e, certamente, terá sua sensibilidade atingida por algo que a crônica diz ou mesmo pela capacidade que ela tem de remetê-lo a outros fatos da vida.

A narrativa cronística possui, portanto, uma amplitude semântica, temática, lingüística. Isso a torna detentora de uma autonomia estético-estilística, configurando-a como um espaço aberto, amplo. Nesse processo o leitor também terá um papel ativo, pois cabe a ele recriar e transformar o conteúdo que chega às suas mãos.

Mesmo que milhares de cronistas escrevam sobre um mesmo tema, a carga de significados produzidos e sentidos não serão semelhantes. Cada história irá tocar de diferentes maneiras as pessoas.

Se uma história com a mesma temática pode se desmembrar em inúmeras, a depender dos diferentes pontos de vista de cada cronista; imagine a riqueza de temas que a vida, num processo de constantes mudanças, oferece como matéria-prima...

Era uma vez uma história... e ela nunca terá fim...

Referências Bibliográficas

ARNT, Héris. Jornalismo literário. In: Revista Logos: comunicação e universidade. Rio de Janeiro: UERJ, Faculdade de Comunicação Social, Vol. 1, setembro de 1990.

ARRIGUCCI, Davi Jr. Fragmentos sobre crônica. In: Enigma e comentário - ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. São Paulo: Ática. Vol. I, 1990. 4ª edição.

BENDER, Flora; LAURITO, Ilka. Crônica - história, teoria e prática. São Paulo: Scipione. Col. Margens do texto, 1993.

COUTINHO, Afrânio. Ensaio e Crônica. In: A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana. Vol. 6, 1997. 2ª edição.

MELO, José Marques de. A Crônica. In: Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras Editora. Col. Ensaios transversais, 2002.

MOISÉS, Massaud. A criação literária - Prosa. São Paulo: Cultrix, 1978.

PEREIRA, Wellington. Crônica: a arte do útil e do fútil: ensaio sobre crônica no jornalismo impresso. Salvador: Calandra, 2004.

SÁ, Jorge. A Crônica. São Paulo: Ática. Col. Princípios, 1985. 2ª edição.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. 4ª Edição.


*Érica Michelline Cavalcante Neiva é formada no curso de Jornalismo da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia). E-mail: ericaneiva@bol.com.br.

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