...................................................................... pjbr@eca.usp.br










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Ensaios

Reprodução <www.maynardije.org>

Os jornais
paulistas
depois
do caso
Jayson
Blair

Por Lourdes Maria
Alvarez Rivera*

Demos início, em 2003, a um extenso estudo que pretende analisar o uso de fontes não identificadas nos jornais diários Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, dimensionando quais as providências internas de checagem e pós-edição das notícias como forma de impedir e evitar erros, fraudes, plágios e manipulações, evitando assim o fato ocorrido com o jornal New York Times que, em maio de 2003, reconheceu publicamente, uma série de fraudes jornalísticas, cometidas pelo repórter Jayson Blair, (1) que não tinha, por exemplo, suas fontes checadas.

O objetivo da pesquisa em andamento é identificar quais os mecanismos utilizados pelas redações dos dois maiores jornais paulistas de circulação nacional, para evitar o uso indiscriminado e abusivo de fontes não identificadas ou informações off the record entendendo-se off the record como informação sem identificação da fonte, e os mecanismos de checagem e pós-edição das mesmas com o intuito de se evitar a produção de erros, fraudes, plágios e manipulações, já que o mínimo que o leitor espera de seu jornal é que as informações veiculadas sejam corretas e verdadeiras.

Para Chaparro, off the record é "informação obtida em confiança de não ser publicada" (2). Porém, John Hohenberg (3) em O Jornalista Profissional - Guia às Práticas e aos Princípios dos Meios de Comunicação de Massa faz uma distinção entre fontes sem identificação (off the record) e informação background, um meio caminho entre a declaração oficial e a não-oficial; um material de consulta do repórter que não seria publicado. O jornalista sabe quem é a fonte, mas não a identifica no texto. Já a informação off the record teria origem em algo semelhante a um boato. A questão torna-se delicada quando a não identificação das fontes, pode eventualmente, permitir ao repórter fraudar informações, plagiar notícias ou manipular dados, agindo, desta forma, contra a ética jornalística.

Nossa pesquisa baseia-se no emblemático caso ocorrido em 2003: no dia 11 de maio o diário nova-iorquino New York Times publicou matéria detalhada relatando as fraudes que o jornalista Jayson Blair - considerado internamente como um dos melhores e mais eficientes da equipe de repórteres - cometera durante os quatro anos em que trabalhou no matutino. Blair, que entrou no diário como estagiário e seguiu rápida ascensão interna - foi acusado de inventar histórias, plagiar textos de outros jornais e falsificar declarações de entrevistados. Blair foi demitido e execrado publicamente pelo Times e as 600 reportagens de sua autoria foram analisadas por uma equipe especialmente formada com essa missão.

Dias depois de anunciar ter descoberto que Blair era uma farsa atuando há tanto tempo, provavelmente com a conivência de alguns dos editores, o jornal divulgou aos funcionários novos procedimentos e medidas para evitar fraudes. Isso incluía checar de forma mais eficiente, se os jornalistas de fato saíam da cidade quando diziam que saíam, pois, pasmem, uma das fraudes preferidas de Jayson Blair era entrevistar pessoas de outros Estados, descrevendo locais e paisagens, sem nunca ter saído da cidade de Nova York, sede do jornal em que trabalhava.

Na mesma ocasião, os editores Howel Raines e Arthur Sulzberger Jr. em reunião com funcionários e pessoal da redação foram duramente criticados, entre outros motivos, por suas atitudes arrogantes e pelo distanciamento dos repórteres.

Vale comentar que Jayson Blair era tido como protegido pelos editores já citados, mas em particular por Gerald Boyd, negro como Blair, por sua rápida ascensão de estagiário a repórter da prestigiada editoria nacional. É possível, ainda que Blair tenha sido mantido e teve tanto prestígio, por ser negro, pois, para o NYT seria um bom marketing social manter em seu quadro um jovem, talentoso e, pelo menos até então, promissor jornalista negro.

Cogita-se que a maior falha dos editores-chefes de Blair fora permitir que ele usasse, indiscriminadamente, fontes não identificadas, jamais checadas posteriormente, levando a crer que o procedimento, checar fontes, não integrava medidas preventivas contra fraudes no NYT.

Vale observar que no mesmo ano em que ocorreu o caso Jayson Blair, o New York Times passou, novamente, por problema semelhante: o jornalista Rick Bragg, ganhador do prêmio Pulitzer - um dos mais importantes na área literária e jornalística nos Estados Unidos - teria assinado uma reportagem como sendo sua, quando na verdade a matéria era de um colaborador free-lancer. (4)

No ano seguinte, em abril de 2004, Karen Jurgensen, editora chefe desde 1999 do jornal americano USA Today, de circulação nacional, pediu demissão um mês depois de se tornar público o caso do repórter Jack Kelley, que inventou algumas de suas histórias. (5)

O caso mais conhecido até então havia sido o da jornalista Janet Cooke, repórter do jornal Washington Post. Ela ganhara o prêmio Pulitzer, em 1981, por uma reportagem sobre um jovem viciado em heroína. Teve de devolver o prêmio depois de assumir publicamente que o personagem era fictício, fora inventado, não existia de fato. (6)

Na mesma ocasião do fato envolvendo o New York Times e o jornalista Jayson Blair, outro jornal, o tablóide New York Post também reconheceu haver publicado uma reportagem plagiada. O plagiador, desta vez, fora um jornalista freelancer, Robin Gregg. (7)

O caso Jayson Blair mereceu do jornalista norte-americano Gay Talese, autor de um livro sobre a história do jornal New York Times, onde trabalhou por dez anos (19055/1965), o seguinte comentário: os jornalistas deveriam parar de divulgar informações sem identificar a fonte - o chamado off the record. (8)

O jornalista Alexandre Xavier, no site Meta Jornal comenta: "Saem abalados desses episódios a credibilidade, o 'off' e a chamada hard news, a notícia rápida e quente. As duas primeiras indispensáveis. A terceira dispensável. Quem vence é o jornalismo sensacionalista." (9)

O que mais nos chamou a atenção para desejar pesquisar o tema foi uma declaração da editora-executiva Eleonora de Lucena do jornal Folha de S. Paulo, publicada na coluna do ombudsman 20 de julho de 2003 (10) em que o mesmo reconhece que o jornal paulistano só agora estava tomando medidas preventivas para evitar que, com ele, acontecesse o mesmo que acontecera ao seu benchmark norte-americano. Bernardo Ajzemberg, ombudsman da Folha à época, reproduz o comunicado interno à redação, emitido pela editora-executiva Eleonora de Lucena em que ela admite, logo na primeira linha, estar banalizado no jornal o emprego de informações off the record. "É preciso redobrar os cuidados na apuração e os controles na edição de notícias obtidas desse modo". (...) "Sempre que solicitados, repórteres devem comunicar a origem dessas informações aos seus superiores hierárquicos". (11)

O ombudsman complementa a informação: "(...) essas observações implicam maior controle, mais rigor do jornal para consigo próprio - como organismo, não como uma reunião de individualidades -, no sentido de tentar reduzir as chances de vir a publicar informações falsas ou de ser manipulado, sem saber, por fontes pouco confiáveis", (12) finaliza.

Partimos, então, para uma pesquisa na literatura disponível tanto bibliográfica quanto da produção acadêmica, e não encontramos nada semelhante.

Apesar de a imprensa brasileira já ter sido razoavelmente radiografada por meio de estudos contidos, por exemplo, no livro coordenado pelo professor doutor José Marques de Melo e Adolpho Queiroz - Identidade da Imprensa Brasileira no final do século, São Bernardo do Campo, Editora Umesp, 1998, aspectos éticos dessa natureza aparentemente não foram abordados.

Em Jornalismo Brasileiro, (Porto Alegre, Editora Sulina, agosto/2003) Marques de Melo afirma que o referido estudo procurou identificar onde os pauteiros conseguem as informações, quais são as suas fontes explícitas no processo de filtragem entre os fatos e as respectivas versões (p. 125). A preocupação é entender como funciona o poder dentro das redações, espaço disputado por assessores de imprensa de políticos e de empresas privadas. Porém, o aspecto ético da checagem das informações não é o foco principal da pesquisa e sim, descobrir quem influencia mais na hora de definir a agenda setting.

O nosso estudo se insere na linha de pesquisa de autores que se preocuparam em estudar e avaliar a conduta ética do profissional jornalista diante da nova realidade em que as empresas jornalísticas se situam atualmente, e como as redações se adaptaram aos novos condicionamentos impostos por políticas mercantilistas de resultado.

Marques de Melo, por exemplo, organizou coletânea de textos de especialistas que abordam com maestria essa dicotomia entre eficiência e comportamento ético em Transformações do Jornalismo Brasileiro: ética e técnica (Intercom), 1994. (13)

Bernardo Kucinski (14) fala sobre um "vazio ético": "Nas redações, deu-se uma rendição generalizada aos ditames mercantilistas ou ideológicos dos proprietários dos meios de informação". No texto à disposição no site Observatório da Imprensa o jornalista e professor da ECA/USP, conta que tinha como certa uma concepção idealista formada por um "imperativo categórico, um preceito universal de conduta aplicável em todas as circunstâncias, e que não admite adaptação ou compromisso."

Francisco Karan (15) defende que "a reflexão ética, não redutível nem à moral vidente nem aos códigos deontológicos, é essencialmente um momento em que nos perguntamos, radicalmente, qual o sentido do que fazemos (...) ou o significado de uma ocupação ou profissão".

Robert Schmuhl, pesquisador norte-americano, aborda o assunto em As responsabilidades do Jornalismo - as questões éticas no país de maior liberdade de expressão, (16) reunindo diversos jornalistas da época com depoimentos contundentes sobre o tema, além de referendar historicamente a questão da ética dramaticamente resumida em uma frase do colunista Bill Geyer - colunista do jornal Chicago Tribune em 1983: Consiga a reportagem! Publique-a!, (17) deixando claro que não importa de que forma isso ocorra.

Os igualmente americanos Bill Kovak e Tom Rosenstiel escreveram em Os Elementos do Jornalismo (18) que "em longas entrevistas com nossos colegas acadêmicos, velhos e novos jornalistas foram unânimes em dizer que 'a verdade' é a missão primordial da nossa profissão".

Di Franco, (19) jornalista e professor de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero, aponta uma tendência: "o jornalismo está virando show business", porém, defende os jornalistas por entender que estes estão "espartilhados pelo mundo do espetáculo, (...) empurrados para o incômodo papel de peça descartável em linha de montagem da ciranda do entretenimento".

Eugênio Bucci (20) entende que a responsabilidade ética deve ser compartilhada pelos editores e proprietários das empresas de comunicação que

"devem incluir no seu rol de afazeres a formação ética permanente dos jornalistas, dando-lhes retorno transparente sobre cada decisão ética e promovendo debates periódicos sobre o tema, o que inclui a recomendação de leituras e o apoio a cursos de aperfeiçoamento aos que têm interesse em se aprofundar. Se essa atividade é encarada com seriedade e empenho, a decisão entre ter ou não ter um código, ou uma carta de princípios, mais concisa, é apenas uma decorrência. Acompanhar e monitorar a cultura ética das equipes é muito mais vital".

Historicamente vamos encontrar em Ciro Vieira da Cunha (21) o relato do caso do jornalista Paula Ney, do século XIX que afirmava inventar notícias quando não as encontrava: "Ele fazia questão de ser repórter. Nada mais. E repórter ele o era às direitas. Não deixava o jornal sem um caso de sensação. Quando este não surgia nas ruas, ele o fantasiava com arte."

Palavras de Paula Ney, reproduzidas pelo autor: "Cavo notícias como os porcos de Pirigord descobrem túbaras: fossando nos lameiros. Quando não as encontro, invento-as". Sobre a declaração de Paula Ney, escreveu Flávio Galvão em Captação da notícia e o acesso às fontes de informação" (1967/1968): "Imagine-se hoje em dia (1967) um repórter a inventar notícias, quando não as encontrasse! É coisa inadmissível, inaceitável, que sequer passa pela cabeça de qualquer jornalista que paute sua atividade pela ética". (22)

Claude-Jean Bertrand em A Deontologia das Mídias (23) assegura que as notícias não verificadas não devem ser publicadas: "É preciso verificar minuciosamente os dados, pois uma correção nem sempre pode apagar o dano causado".

Estes e outros autores que trabalham temas pertinentes ao de nosso estudo, bem como documentos, manuais de redação, artigos e obras de outras áreas como a Sociologia, Psicologia e História, não serão descartados como referência teórica, ao contrário, deverão amparar este trabalho.

Estamos ainda na fase de estudo de campo, portanto, ainda não concluímos se de fato há um abuso no uso indiscriminado de fontes não identificados nos dois maiores jornais diários de São Paulo, Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo. Da mesma forma, ainda estamos pesquisando junto aos responsáveis quais as medidas internas de checagem e pós-edição dessas fontes, de forma a evitar erros, fraudes e plágios, a exemplo do ocorrido com o jornal norte-americano The New York Times. De onde surgem as fontes não identificadas? Como os repórteres têm acesso a elas? São elas que procuram os repórteres? Os editores tomam conhecimento de tais fontes? Os editores checam as fontes não identificadas de seus repórteres? O que os faz confiar nelas? Como saber se não estão sendo usados?

Estamos aprofundando os aspectos éticos e técnicos do tema, e discutindo as questões deontológicas que envolvem a necessidade de checagem das fontes e uma maior acuidade na apuração, pois como bem afirmou Philip Meyer em A Ética no Jornalismo (24) "o primeiro dever de um jornal é ser acurado, e se não puder ser isso, então não pode ser imparcial, equilibrado, ou útil à sociedade que serve".

Entendemos que a práxis jornalística consagrou, por exemplo a prerrogativa do repórter de omitir a identificação de suas fontes como medida de segurança pessoal e também como forma de manutenção da própria fonte.

Sem isso, o jornalismo investigativo estaria, provavelmente, fadado ao desaparecimento. A própria Lei de Imprensa prevê essa situação. Existe ainda casos, bastante comuns, em que a fonte pede para não ser identificada, o que pode, em determinadas circunstâncias, comprometer ou não, todo o trabalho do repórter se assim proceder.

Um caso que já se tornou antológico, sem dúvida é o do Watergate, dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein do jornal Washington Post. Sem a fonte anônima e desconhecida, mantida em sigilo até o dia 1º de junho de 2005, provavelmente a reportagem não teria se viabilizado, a corrupção que assolava a Casa Branca não teria vindo á tona e o presidente Nixon não teria renunciado.

"Ultimamente, está na moda condenar o uso de fontes anônimas. Certamente, nós no jornalismo demos aos críticos suficiente munição com reportagens mal feitas ou fraudulentas. Mas acabar com o uso de fontes anônimas, como propõem mesmo alguns jornalistas, nos deixaria sujeitos ao Discurso Oficial", afirma Chuck Raasch, colunista político, de Washington, em artigo publicado no site do jornal US Today. (25)

O presente estudo de forma alguma pretende condenar ou deusificar o uso de fontes não identificadas. Apenas, queremos confirmar se as preocupações da jornalista Eleonora de Lucena são legítimas ou não, ou melhor, se estão fundamentadas em uma quantidade que possa ser caracterizada de abusiva, de fato, ou não.

É sabido que há também situações em que a fonte mente, deliberadamente, para obter algum tipo de favorecimento por parte da mídia, muito comum em se tratando de informações governamentais - vide recente caso da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e tantos outros. Muitas vezes, o repórter está seguindo as regras básicas da reportagem, mas esbarra em questões éticas que fogem de seu controle.

Para Meyer (26), "a verdade dificilmente se encontra à mão, os fatos verificáveis são difíceis de descobrir e verificar, e é exatamente por isso que deveríamos tentar tão diligentemente e os jornalistas devem resistir à tentação de abandonar a luta e tentar algum caminho mais fácil."

O que recomendam os Códigos de Ética Jornalísticos existentes em nosso país também serão alvo de nossos estudos, no que diz respeito ao uso de fontes não identificadas e à checagem das informações.

Algumas características técnicas do trabalho jornalístico atual colaboram para erros, fraudes e plágios. Há muito uso da internet, entrevistas por telefone, por e-mail, o uso abusivo de relatórios de pesquisas fornecidas por órgãos governamentais, ONGs; releases, tudo em função de um tempo cada vez mais exíguo para o jornalista desempenhar sua tarefa, cumprir suas metas. Falta ao repórter tempo para uma apuração mais criteriosa? E os editores, confiam excessivamente em sua equipe ou são omissos?

No dia 11 de junho de 2004, por exemplo, o jornal Folha de S.Paulo trouxe a seguinte manchete na primeira página: "Brasil tem meio milhão de crianças escravizadas" A fonte era um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado por agências de notícias internacionais. O texto da matéria informava que 559 mil crianças e jovens brasileiros entre dez e 17 anos trabalhavam como escravos domésticos.

Sete dias depois, no dia 18 de junho, a Folha trazia estampada, igualmente na primeira página, o erro assumido: "Dado sobre escravidão de crianças estava errado". A chamada para matéria mais completa na página A15 trazia o seguinte texto: "A Folha errou ao afirmar na Primeira Página e na página A11 do dia 11 deste mês que há no Brasil mais de meio milhão de crianças que trabalham em casas de terceiros em condição semelhante à de escravos.

Falhas de apuração, má interpretação de uma agência internacional e imprecisões nos informes da organização Internacional do Trabalho á imprensa contribuíram para o erro. A OIT diz que há no país 559 mil crianças em trabalho doméstico. Sobre trabalho escravo, afirma que é um fenômeno de difícil aferição." (27)

A dedução sobre a escravidão deve ter sido do próprio jornalista autor da reportagem. O ombudsman Marcelo Beraba em sua coluna daquela semana não questiona essa questão, e até alivia um pouco, da mesma forma que a Folha o fez, reforçando a informação dada pelo jornal de que, afinal, os dados estavam defasados. Porém, reconhece a tempo que "dados errados, tiram a credibilidade de quem os produz e de quem os divulga". (28)

Ainda segundo o jornalista o jornal foi ágil no reconhecimento de seu erro - coisa rara, admitida pelo próprio ombudsman - e raro, estampado na Primeira Página. "Levantamento feito pelo Banco de Dados do jornal registra seis outros casos desde 1992", afirma. (29)

Para Chaparro a grande mudança ocorrida dentro das redações em relação às suas fontes, é que a participação delas, na definição da pauta dos jornais, "assumiu competência profissional. As fontes se organizaram, se apropriaram das habilidades discursivas do jornalismo - e o pautam. Para muitos, esse poder de interferência das fontes descaracteriza e coloca em perigo o jornalismo. Será assim?" observa o professor da USP no artigo publicado pelo site Mega Brasil. (30)

Outro aspecto abordado por nosso estudo diz respeito às pressões sofridas pelos repórteres por seus superiores para cumprimentos de metas editoriais.

O que nos motivou a pesquisar os jornais Folha e O Estado de S.Paulo foi a observação empírica feita basicamente entre os meses de maio, quando o episódio Blair explodiu, e junho de 2003, quando notamos a ocorrência do maior número de matérias, reportagens e artigos publicados em vários jornais, mas principalmente nos dois que são objeto de nosso estudo.

A repercussão do caso Jayson Blair, foi impactante na grande imprensa gerando diversos artigos e análises por parte de especialistas.

O jornalista e professor Alberto Dines, teceu considerações bastante apimentadas sobre o caso, no site Observatório da Imprensa questionando se os jornais brasileiros tomariam as mesmas atitudes do New York Times em situação semelhante. Segundo ele, assim como a chefia do Times, outro jornal norte-americano, o Los Angeles Times, quando da descoberta de uma foto adulterada publicada em sua primeira página, agiu de maneira correta e responsável, punindo os jornalistas fraudadores, "Entre nós, quando o leitor não reclama, ninguém reclama", (31) escreve sugerindo que nossos jornais sequer encontram (ou procuram) seus erros.

E mais: "As erratas num veículo jornalístico não podem ser tratadas como insignificância, cavacos do ofício. Para o leitor, a informação impressa é definitiva, o erro não pode ser encoberto - sob qualquer pretexto". Para ele, "o conceito moderno de investigação comporta dois investimentos: um para apurar o que será publicado, outro para apurar o que foi publicado. Só assim cria-se uma consciência de um compromisso com a qualidade".

Foi nesse período que os grandes jornais e sites de notícia ou jornalismo publicaram a maioria das reportagens e artigos sobre o assunto Jayson Blair.

A Folha dedicou páginas e páginas com comentários do jornalista Gay Talese, por exemplo, condenando o uso abuso de fontes não identificadas por parte dos atuais repórteres e os acusando de preguiçosos. Em outra matéria, mobilizou seu correspondente em Nova York, Roberto Dias, que até o mês de junho ainda elaborava textos com as repercussões, nos Estados Unidos, sobre o caso do New York Times.

O Estado não ficou atrás, embora tenha sido um pouco mais comedido. Quase um mês após o ocorrido, um dos colunistas mais importantes, o professor Carlos Alberto Di Franco, tece comentários em sua coluna, no dia 23 de junho, sobre as fraudes praticadas por jornalistas norte-americanos.

Da mesmo forma que a Folha, o Estado destacou um de seus melhores jornalistas, Daniel Piza, para uma entrevista com Gay Talese também em junho. Desta vez Talese compara Jayson Blair a um "terrorista" do jornalismo e chama os editores do New York Times de incompetentes.

Um pouco antes, no final do mês de maio, o Estado entrevistara o editor do caderno Style do jornal Washington Post, Eugene Robinson que esteve no Brasil, na época para uma série de palestras. Ao contrário da entrevista com Gay Talese, que focou os aspectos éticos e técnicos das fraudes cometidas por Blair, Robinson deteu-se a abordar a questão racial, afirmando que o jornalista fraudador teria sido mantido no cargo, apesar de seus erros, por ser negro.

Os sites especializados em jornalismo Comunique-se e Observatório da Imprensa dedicaram muitas edições sobre o estrago que o caso Jayson Blair provocou na credibilidade do jornal mais tradicional dos EUA. O site da BBC Brasil, do jornal Valor Econômico e outros sites de notícias como o Último Segundo, do Portal IG e Blue Bus, cobriram o fato durante quase dois meses.

Em agosto de 2003, o assunto voltou à pauta desses mesmos veículos. Foi nesse mês anunciado pelo New York Times a criação do cargo do ombudsman como um dos mecanismos contra plágios, fraudes e o uso indiscriminado de fontes não identificadas. Na mesma época, Jayson Blair anuncia que escrevera um livro sobre sua trajetória antiética dentro do jornal New York Times, e que talvez a história se transformasse em filme.

Se o emprego de fontes não identificadas ou de procedimentos internos das redações de dois grandes jornais impressos não verificados periodicamente, podem prejudicar a credibilidade de um jornal, a ponto de abalar estruturas internas e derrubar uma dupla de editores conceituados como os do New York Times, envolvidos no escândalo "Jayson Blair"; por que somente após este ocorrido, um jornal como a Folha de S.Paulo, pioneira na criação do cargo de ombudsman - notadamente um dos mecanismos de defesa contra fraudes e atitudes suspeitas internas - se ocupa em criar alguns novos métodos de defesa anti-fraude, plágio ou manipulação. E o jornal O Estado de S.Paulo? Como se comportou?

As medidas adotadas foram eficientes? Como era feita a checagem antes e depois do ocorrido? Havia procedimento de checagem? Como ocorria o processo de pós-edição antes do fato? E agora, mudou? De fato havia um abuso no uso de fontes não-identificadas? Existe verdadeiramente um compromisso com a verdade e, conseqüentemente com o leitor? Estamos buscando as respostas a todas estas questões acreditando, assim, contribuir de forma expressiva com o campo da pesquisa, oferecendo subsídios a alunos e professores da graduação de Jornalismo, para compreensão do fenômeno jornalismo, além de acrescentar mais um capítulo ao estudo do estado de arte do jornalismo brasileiro.

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Notas

(1) "NY Times revela fraudes de jornalista". Folha de S.Paulo, Mundo, 12 mai. 2003, p. A10.

(2) CHAPARRO, Manuel. Linguagem dos Conflitos, Minerva, Coimbra, Portugal, 2001. p. 185-188.

(3) HOHENBERG, John. O Jornalista Profissional. Guia às Práticas e aos Princípios dos meios de Comunicação de Massa, Interamericana.

(4) DIAS, Roberto. "Repórter que assinou texto apurado por outro jornalista sai do Times", Mundo, 30/05/2003, p. A13.

(5) STTEINBERG, Jacques. O Estado de S. Paulo, 23 abr. 2004.

(6) BAUTZER, Tatiana. Jornalismo ou Ficção?. Caderno Fim de Semana. Valor Econômico, 23-25 mai. 2003, p. 14.

(7) Tablóide de Murdoch também admite fraude. Folha de S.Paulo, Mundo, 21 mai. 2003, p. A14,

(8) DIAS, Roberto. Talese liga caso ´NYT´a pobreza jornalística, Folha de S. Paulo, MUNDO, 08 jun. 2003, p. A23.

(9) XAVIER, Alexandre. Me engana que eu gosto - Os falsos jornalistas e o jornalismo falso caminham juntos. Jornalmack.hpg.com.Br - FCA Jornalismo Mackenzie - 4D, site Meta Jornal, 27 mai. 2003.

(10) AJZEMBERG, Bernardo. "Domesticar o off", Folha de S.Paulo, São Paulo. 20 jul. 2003, p. A6

(11) Idem a 7.

(12) Idem a 7.

(13) MARQUES DE MELO, José. Transformações do Jornalismo Brasileiro: ética e técnica. Intercom, 1994

(14) KUCINSKI, Bernardo. "Jornalismo em crise - Uma nova ética para uma nova modernidade", site Observatório da Imprensa,
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da010520021.htm.

(15) KARAN, Francisco. "Contra o Marketing, uma defesa moral do Jornalismo". Revista Intercom - Revista Brasileira de Comunicação, Vol XVIII, nº 1, São Paulo, janeiro/junho, 1995.

(16) SCHMUHL, Robert. As responsabilidades do Jornalismo - as questões éticas no país de maior liberdade de expressão, Nórdica, 1994.

(17) Idem a 13.

(18) KOVACK, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do Jornalismo. São Paulo: Geração Editorial, 2003.

(19) DI FRANCO, Carlos Alberto, "Desafios do Jornalismo", O Estado de S.Paulo, 23 jun. 2003, p. A2.

(20) BUCCI, Eugênio, Sobre Ética e Imprensa, Companhia das Letras. São Paulo, 2000, 1ª reimpressão, p. 207.

(21) CUNHA, Ciro Vieira da. No tempo de Paula Ney. São Paulo: Saraiva, 1950.

(22) GALVÃO, Flávio. Captação da Notícia e o Acesso às fontes de informação. Departamento de Apostilas do Diretório Acadêmico da Escola de Comunicações Culturais da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1967/68.

(23) BERTRAND, Claude-Jean. A Deontologia das Mídias. São Paulo: Edusc, 1999.

(24) MEYER, Philip. A Ética no Jornalismo - Um guia para estudantes, profissionais e leitores. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

(25) http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/usatoday/2005/06/03/ult582u634.jhtm.

(26) Idem a 18.

(27) "Dado sobre escravidão de crianças estava errado", Folha de S.Paulo, Primeira Página, 18/06/2004.

(28) BERABA, Marcelo, "Erros e Acertos", Folha de S.Paulo, Ombudsman, 20 jun. 2005, p. A 6.

(29) Ibidem.

(30) CHAPARRO, Manuel Carlos. A influência das fontes no jornalismo contemporâneo. http://www.megabrasil.com/megaportal/biblioteca_manuel2.htm.

(31) DINES, Alberto, Investigando a investigação - Caso Jayson Blair, site Observatório da Imprensa. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/circo/cir140520032.htm.


*Lourdes Maria Alvarez Rivera é jornalista, graduada em Comunicação Social pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo, especialista em Teoria da Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero e mestranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: lmrivera@uol.com.br.

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