A
solidão da América Latina no Jornalismo Brasileiro
Por
Alexandre Barbosa*
Palavras-chave:
Jornalismo
Integral, Intelectual orgânico, Resistência na América
Latina
Resumo
Os
estudos sobre a Comunicação Social na América
Latina devem salientar a intersecção entre as
Ciências Sociais e o modo de produção do
Jornalismo. O Jornalismo praticado na América Latina
deve ser entendido com o auxílio da História,
da Sociologia e das interpretações de Antonio
Gramsci. Também devem constar na análise as relações
de trabalho nas redações e o preparo intelectual
dos jornalistas.
Introdução
O
método dedutivista é falível como única
interpretação das condições de produção
do jornalismo na América Latina. E pior, na maioria dos
casos é fatalista, sem abrir perspectivas de resistência.
García Canclini (1) afirma que "essa linha desenvolve
uma concepção de poder que chamaríamos
de 'teológica' já que o imagina como onipotente
e onipresente. A conseqüência metodológica
é a crença de que basta o estudo dos objetos econômicos
das mídias e da estrutura ideológica de suas mensagens
para que se possam deduzir as necessidades que geram nos espectadores.
Não se reconhece nenhuma autonomia às culturas
populares, nem à relação entre consumidores,
objetos e espaço social." (2)
Essa
relação consumidores - objeto [mídia] e
espaço social é adotada por uma corrente de interpretação
da América Latina, representada por Beatriz Sarlo, Martín-Barbero
e García Canclini, que trabalha com o conceitos das mediações
entre os atores da sociedade, um método mais fiel aos
escritos de Gramsci.
A
metodologia dedutivista ao atribuir características hegemônicas
aos meios de comunicação erra na definição
do que é o "poder". O poder não é
um bloco institucional com uma tarefa definida de manipular
e dominar e nem sempre é verticalizado. O poder se estabelece
por meio de relações sociais disseminadas pela
sociedade. São complexas as relações de
poder, pois não há um rei sem súditos,
mesmo que haja rebeldes, há os que "aceitam"
a divindade do rei.
O
poder, de acordo com Canclini, é formado de relações
de força múltiplas que se formam e atuam na produção,
nas famílias e nos indivíduos. De acordo com o
autor uma explicação mais simples é colocar
as responsabili-dades pela dominação na burguesia,
no imperialismo ou nas mídias. No caso desta dissertação,
pode-se fazer o seguinte paralelo: a explicação
simplista de dominação seria creditar apenas ao
poder econômico a influência no jornalismo, ou seja,
a publicação de notícias ligadas apenas
ao centro do capitalismo só aconteceria pelo domínio
econômico deste centro.
No
entanto, Canclini afirma que as relações de dominação
só se mantêm e se reproduzem porque há um
intercâmbio de serviços entre dominadores e dominados.
"O povo encontra na ação hegemônica
algo útil às suas necessidades" (3). Trazendo
a interpretação para o objeto desta pesquisa,
pode-se dizer que o leitor/ouvinte/telespectador não
"exige" a presença da América Latina
no jornalismo, pois, do ponto de vista destes receptores, ao
ler/ouvir/ver notícias relacionadas ao eixo EUA - Europa
eles se sentem integrantes deste eixo.
A
publicação destas notícias presta um papel
de "manual de civilização mundial",
ou, em outras palavras: uma receita de como pertencer ao "mundo
desenvolvido". Receber notícias da periferia - tanto
do mundo quanto da cidade - apenas seria aceitável se
elas reafirmarem este caráter periférico de um
mundo ao qual o receptor não se sente participante.
"Talvez
pudéssemos compreender por que a televisão é
tão atraente, até mesmo no que se refere à
publicidade de objetos que não podem ser comprados, se,
além de criticar a dominação, examinássemos
o serviço que ela presta às classes populares
como 'manual de urbanidade', que indica como vestir, comer e
expressar os sentimentos na cidade. Reconhecer isso não
significa minimizar a exploração. Ajuda a compreender
por que os oprimidos, percebendo que esse serviço não
é inteiramente ilusório, dão seu consenso,
emprestam certa legitimidade à hegemonia". (4)
Por
esta análise, uma dos fatores para a ausência da
América Latina do noticiário, tem como explicação,
na essência, a mesma da ausência de notícias
sobre os bairros mais humildes de uma cidade como São
Paulo no noticiário local. A periferia de São
Paulo não está nas manchetes, a não ser
que estas manchetes sejam de notícias "espetaculares":
tragédias como enchentes, seqüestros, terremotos,
fugas e violência desmedida.
Essas
notícias trágicas apenas reforçam o quanto
a periferia é o lugar dos excluídos (mesmo que
ela esteja na esquina de casa), enquanto que o noticiário
de variedades sobre a vida de artistas, sobre compras em shoppings
ou sobre o círculo (circo) do poder reforça o
caráter civilizado do mundo (mesmo que ele esteja muito
distante de casa).
Há,
portanto, uma espécie de "contrato" entre receptores
e produtores de notícia. Neste contrato estão
as diretrizes para que os jornalistas reproduzam diariamente
o manual de civilidade dos seus receptores. O que esta dissertação
vai mostrar é que as diretrizes do contrato entre receptor-jornalista
são formatadas a partir de diferentes fatores, um deles
a história da sociedade em que estes jornalistas se inserem
e que delineiam a visão de mundo destes profissionais
da comunicação.
Além
desta complexa relação jornalista-receptor existem
os demais fatores citados anteriormente por outros estudiosos
da Comunicação (dominação do material
vindo das agências, influência capitalista, má
preparação do jornalista, maniqueísmo na
redação entre editores e repórteres) que,
interligados, resultam no cenário objeto da dissertação,
a solidão da América Latina.
Portanto,
não se pode creditar a culpa pela hegemonia de notícias
do eixo Europa-EUA exclusivamente a uma única variável
determinante e exterior aos próprios autores da relação
jornalista-receptor.
Da
mesma forma há a teoria contrária - o indutivismo,
uma reação ao dedutivismo, graças à
influência gramsciniana, que atribui poder de resistência
às classes subalternas.
Porém,
os autores que se valeram do indutivismo caíram no exagero
ao idealizar a cultura política das classes populares.
Estes autores trabalham com a idéia de que há
uma contraposição clara entre cultura subalterna
(caracterizada pela produção cultural dos movimentos
sociais, como jornais, livros, músicas, filmes) e a cultura
hegemônica. "Alguns grupos insistem tanto na necessidade
política de defender a independência da cultura
subalterna - fundamentando essa exigência em Gramsci que
ambas (subalterna e hegemônica) são pensadas como
exteriores uma à outra. Na pressuposição
de que a tarefa da cultura hegemônica é dominar,
enquanto da subalterna é resistir, muitos estudos parecem
não ter mais nada a investigar além dos modos
pelos quais uma e outra cultura desempenham seus papéis
nesse roteiro". (5)
Pela
teoria indutivista a saída para a América Latina
ter espaço de qualidade no noticiário seria que
os movimentos sociais latino-americanos, ou a própria
sociedade civil latino-americana, consciente de seu dever de
se manifestar, criassem seus próprios meios de comunicação,
estabelecendo uma "guerra de guerrilhas" entre a mídia
hegemônica e a popular. No entanto, esta interpretação
não contempla a questão do desaparecimento destes
veículos de comunicação criados e da impossibilidade
destes mesmos veículos (revistas como Atenção!,
Caros Amigos, jornal Brasil de Fato) alterarem, de fato, a estrutura
da Comunicação Social.
Se
a criação destas novas formas de comunicação
tinha como objetivo estabelecer uma guerra de guerrilhas e alterar
a ordem estabelecida, essa guerra ainda não se estabeleceu.
Talvez o tempo decorrido para que isto ocorra não tenha
sido suficiente e fica a oportunidade de pesquisa para futuros
trabalhos. Este, por hora, deve levar em consideração
de que os meios de comunicação de massa dominantes
ainda exercem uma influência muito grande na sociedade
e são pautados, justamente, por esta sociedade.
Outro
ponto que enfraquece a interpretação indutivista,
é que não há, ainda, uma sociedade civil
forte e disposta a se ver como latino-americana. Como pode ser
visto no estabelecimento do contrato entre jornalista-receptor,
a sociedade onde se insere o jornalismo brasileiro retro-alimenta
(6) uma necessidade de penetrar no eixo EUA-Europa, relegando
a América Latina à condição de periferia
do mundo.
Há
um conjunto complexo de fatores que interagem para montar o
cenário em que o jornalismo se manifesta. Em um eixo
de análise, a hegemonia, caracterizada pela influência
norte-americana, pela ideologia capitalista dos meios de comunicação,
a sociedade civil historicamente enfraquecida. No outro eixo,
o jornalista despreparado intelectualmente e explorado nas redações.
A
América Latina carece do surgimento de intelectuais orgânicos
que lhe dê voz. Ou seja, há poucos intelectuais
que se enxerguem como latino-americanos e que estejam dispostos
a defender esta condição. O baixo número
de estudos sobre a América Latina no Brasil acontece
não só pela hegemonia histórica de Europa
e EUA na formação de intelectuais, mas, principalmente,
pelo contrato estabelecido entre hegemônicos e subalternos.
I.
Metodologia e Quadro Teórico de Referência
De
acordo com a metodologia, a dissertação trabalha
com a hipótese de que nem as explicações
baseadas no método dedutivista e nem as baseadas no método
indutivista, tomadas isoladamente, são suficientes para
traçar um quadro preciso que explique a exclusão
da América Latina do noticiário brasileiro.
Por
explicações baseadas no método dedutivista
podem ser entendidas todas aquelas que atribuem fatores externos
que dominem a prática jornalística, como influência
do imperialismo, ideologia capitalista e interesses burgueses
de donos das empresas de comunicação e dos anunciantes.
Por explicações baseadas no método indutivista
se entendem todas as que estudam a América Latina como
um continente que resiste à dominação capitalista
e, portanto, o isolamento latino-americano acontece pelo fracasso
deste processo de resistência. Porém, de acordo
com Gramsci, a dominação só se exerce quando
se converte em hegemonia.
Essa
hegemonia opera na sociedade na forma de intercâmbio de
serviços entre dominadores e dominados. A não
observação deste ponto é, muitas vezes,
que leva ao fracasso interpretações dedutivistas
e indutivistas. É preciso fazer uma síntese das
duas explicações.
Os
argumentos que comprovam essa hipótese estão sedimentados
em dois eixos de estudo que, freqüentemente, se interligam,
gerando uma intersecção onde se produz a comunicação
jornalística que é objeto desta pesquisa.
DESCRIÇÃO
DA PESQUISA
Estes
dois eixos de raciocínio partem do pressuposto de que
o jornalismo não é uma produção
artificial. Ele é conseqüência da História
da sociedade; é resultado do "olhar" desta
sociedade perante seus integrantes e para os integrantes de
outras sociedades. Também é resultado da produção
intelectual do jornalista, da sua visão, de sua formação,
de suas disposições e de sua lógica da
profissão. Finalmente, o jornalismo reflete a ideologia
da empresa que detém os veículos de comunicação.
Empresas que estão inseridas no modo de produção
capitalista. E, para acrescentar, num modo de produção
capitalista apoiado em conceitos neoliberais. A partir desta
afirmação, os dois eixos que compõem o
quadro teórico de referência são: eixo 1:
ambiente sócio-histórico-cultural e eixo 2: o
jornalista: formação, produção e
relações de trabalho.
Foi
feita a divisão em dois eixos justamente porque são
raras as obras que façam a interface destes dois planos
na produção jornalística, tendo como pressuposto
a relação entre produtores de notícia e
receptores de notícia. É importante ressaltar
que é justamente a sobreposição destes
dois eixos que consegue explicar a ausência da América
Latina do noticiário brasileiro.
Assim
como não cabe apenas a interpretação dedutivista
ou apenas a indutivista para compreender a relação
entre o continente latino-americano e o jornalismo, também
não se pode querer compreender todo este cenário
baseando-se apenas na obra de um autor, ou de um só campo
do conhecimento. Qualquer bibliografia sobre o jornalismo na
América Latina deve se valer de interpretações
originadas no campo das Ciências da Comunicação,
no campo das Ciências Sociais, no campo da História
e no campo da Economia. É da intersecção
destes campos, ilustrada nesta dissertação nos
dois eixos de pesquisa, que o problema encontra respostas mais
satisfatórias.
Vale
lembrar que isto não quer dizer que os autores confrontados
aqui sejam exclusivamente dedutivos ou indutivos. Suas obras
são muito complexas e de grande importância e qualquer
rótulo seria precipitado e até leviano. O importante
é frisar que futuros estudantes e leitores deste tema
não podem compreender toda a gama de causas para a solidão
da América Latina apenas lendo um autor, seja ela do
brilhantismo que for.
Quer
dizer, ao se estudar a relação América
Latina-Jornalismo, a bibliografia conter apenas comunicólogos
ou profissionais do campo do jornalismo, pode-se deixar de fora
conceitos importantes originados no campo das Ciências
Sociais, como se verá adiante. Da mesma forma, apoiar-se
apenas em autores sociólogos ou historiadores pode deixar
de lado questões ligadas às relações
de trabalho, às características das empresas capitalistas
e ao modo de produção jornalístico. Todos
estes autores também não podem esquecer da influência
da Economia no jornalismo.
Todos
os autores citados aqui estão corretos nas suas interpretações
e merecem elogios por se debruçarem sobre a América
Latina, tema muitas vezes esquecido pela Academia, justamente
por não ter se criado um pensamento latino-americano
forte o suficiente para gerar muitos estudos.
Mesmo
com este quadro, a existência de autores como José
Marques de Melo, Maria Nazareth Ferreira, Néstor García
Canclini, Beatriz Sarlo, Jesús Martín-Barbero,
entre outros que se dispuseram a empreender pesquisas da Comunicação
na América Latina é digna de comemoração.
O histórico enfraquecimento da sociedade civil latino-americana
não só ocasiona a escassez de "cabeças"
como possibilita o surgimento de intelectuais que não
valorizam a história do continente.
Um
dos primeiros estudiosos da comunicação na América
Latina foi José Marques de Melo. Sua obra apresenta várias
fases e a que mais interessa para esta pesquisa (7) está
profundamente influenciada pelo desejo de liberdade da época.
O Brasil ainda vivia os últimos dias de uma ditadura
militar de mais de vinte anos. Muitos países latino-americanos
ainda estavam sob regimes ditatoriais. Seria quase impossível
pensar estratégias de comunicação que não
passassem pela consolidação do que autor chama
de Comunicação Democrática.
Ao
escrever esta obra, Melo ainda sentia a necessidade de fortalecimento
da sociedade civil nos países latino-americanos, vê
com simpatia o desenvolvimento do que ele chama de comunicação
alternativa que pode até desempenhar "um importante
papel na arregimentação da sociedade civil"
e lograr "quebrar o monopólio dos meios de comunicação
hegemônica, controlados pelo Estado e acionados pela burguesia".
Depois
deste trabalho, Melo publicou muitos outros, principalmente
sobre a pesquisa em comunicação, valorizando outros
autores que também se dedicaram ao tema. No entanto,
para fins metodológicos serão destacados apenas
os pontos do que pode ser chamada de fase inicial sobre os estudos
brasileiros da Comunicação na América Latina.
As
dissertações e teses de mestrado e doutorado,
defendidas na Universidade de São Paulo, dentro da Escola
de Comunicações e Artes se esforçaram em
provar que a América Latina não tem espaço
no noticiário brasileiro. No entanto, apesar do reconhecido
valor destes trabalhos, a análise fica muita restrita
à prova física. Feitos com régua e calculadora,
estes textos comprovam que os centímetros por coluna
dedicados à América Latina são menores
que os de outras regiões.
É
evidente que estes trabalhos são importantes e úteis,
pois funcionam com um atestado dentro da corrente científica
que exige a comprovação metodológica das
teorias. Porém é necessário ir adiante
e, além da comprovação das hipóteses,
buscar as explicações mais imediatas para o fenômeno.
Nesta
linha, um passo além foi dado por autores na segunda
metade dos anos 90. Entre eles o mais importante e com a obra
mais completa é Maria Nazareth Ferreira, que publicou
trabalhos com mais profundidade sobre a América Latina.
Nazareth conseguiu demonstrar que além de ter menos centímetros
por coluna, as notícias sobre a América Latina
ainda tinham um caráter negativo e depreciativo em relação
às notícias de outros países.
Outra
linha de pesquisa no jornalismo é aquela feita pelos
próprios jornalistas. Diante da crise econômica
que atingiu os grandes veículos de comunicação
também na década de 90, alguns jornalistas deixaram
as grandes redações e passaram a se dedicar à
pesquisa acadêmica. São trabalhos que não
têm o mesmo brilhantismo científico que os autores
citados anteriormente, mas por conter experiências pessoais
também são valiosos para a construção
do modo de produção jornalístico.
Um
dos exemplos é a obra do jornalista José Arbex,
um dos primeiros dos que atuaram na grande imprensa a analisar
criticamente a produção do Jornalismo. Na sua
tese de doutorado, publicada na forma de livro pela Editora
Casa Amarela, (8) Arbex admite que é a formação
intelectual que permite ao jornalista ter diferenciais durante
as coberturas, principalmente as internacionais.
Essas
duas últimas análises - a de Nazareth e a de Arbex
- conciliam na discussão, a visão do jornalista
profissional, sujeito das relações de trabalho
nas redações, com os estudos das Ciências
Sociais. Como foi dito, não é possível
ter na bibliografia sobre a relação Comunicação
- América Latina apenas obras originadas no campo da
comunicação. É preciso incluir o pensamento
originado no campo das Ciências Sociais e da História.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu, aliás,
vê com desconfiança (9) a tendência de alguns
jornalistas se proclamarem intelectuais e se prestarem a fazer
análises da política, da sociedade e da economia.
Essa
força emprestada aos jornalistas e legitimada pela sociedade
civil é muito forte. Bourdieu faz um brilhante panorama
de como os jornalistas ditam o que deve ser notícia,
o que deve ser estudado e o que merece ter atenção.
Bourdieu define algumas categorias importantes para a compreensão
do objeto de estudo:
Assuntos-ônibus.
De acordo com Bourdieu são assuntos que não chocam
a ninguém, que interessam a todo mundo. Não envolvem
disputa, não dividem, que formam consenso, mas que não
toquem em nada de importante. São as chamadas notícias
de variedades e pode-se incluir o esporte entre elas. O noticiário
está carregado deles. O tempo (ou o espaço) é
vital no jornalismo. Portanto, se tempo e espaço tão
preciosos são preenchidos com temas tão vazios
é porque estas futilidades ocultam "coisas preciosas".
O tempo gasto nos assuntos-ônibus poderia ser empregado
para noticiar outros assuntos.
Óculos
dos jornalistas. No documentário brasileiro "Janela
da Alma", (10) diversas pessoas que têm deficiências
visuais são convidadas para explicar a forma como "enxergam"
o mundo. Dentre os depoimentos, o diretor de cinema Wim Wenders
afirma que seus óculos são como uma moldura do
mundo, ou seja, tudo o que ele vê, é enquadrado
por essa moldura. Da mesma maneira os jornalistas vêem
o mundo. Para Bourdieu os jornalistas, condicionados pelas propensões
inerentes à profissão, pela sua visão de
mundo, pela sua formação, pela lógica da
profissão e por suas disposições, selecionam
na realidade algo que lhes pareça particular em função
de categorias de percepção.
Para
explicar estas categorias - estruturas que organizam o percebido,
determinando o que se vê e o que não se vê
- é usada a metáfora dos óculos. "Os
jornalistas têm óculos especiais a partir dos quais
vêem certas coisas e não outras; e vêem de
certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção
e uma construção do que é selecionado".
Aqui acrescento que os óculos são formados não
só pela lógica da profissão e pela formação
das notícias, mas também por todos os outros fatores
descritos anteriormente e que fazem parte dos dois eixos de
estudo: a História, o contrato com o leitor e as relações
de trabalho nas redações.
Circulação
circular da informação. Bourdieu pede para o leitor
fazer um teste: observar as capas dos jornais durante 15 dias
e perceber que são quase iguais. Os jornais passam boa
parte do tempo citando-se uns aos outros e o acirramento da
concorrência faz com que se pautem mutuamente. Outros
estudiosos chamam esse processo de Agenda Setting, outros de
pauta consensual.
A
definição de Bourdieu é menos técnica
e mais fácil de ser compreendida. A informação
que chega ao receptor é homogeneizada, pois todos os
veículos de comunicação sofrem as mesmas
restrições, são orientados pelas mesmas
pesquisas de opinião e audiência e têm os
mesmos anunciantes. Os jornalistas se informam com outros jornalistas.
O que é notícia na TV deve, quase obrigatoriamente,
ser notícia no rádio, no jornal, no semanário,
na Internet, pois um veículo não pode deixar de
noticiar o que outro noticiou.
Censura.
Esta circulação circular da informação,
gerada por jornalistas que já selecionam as notícias
a partir de óculos, ou seja, de categorias de pensamento
que definem o que deve ser notícia produz uma censura.
Para Bourdieu não há discurso ou ação
que não se submeta a essa prova de seleção
jornalística, a essa censura que os jornalistas exercem,
muitas vezes sem tomarem noção disto. A censura
dos jornalistas é feita ao "reter apenas o que é
capaz de lhes interessar, de 'prender sua atenção',
isto é, de entrar em suas categorias, em sua grade, e
ao relegar à insignificância ou à indiferença
expressões simbólicas que mereceriam atingir o
conjunto dos cidadãos".(11)
É
esta censura que sofre a América Latina.
Distância.
Outra categoria, que não consta da obra de Bourdieu,
mas que é importante para entender esta censura da América
Latina é a distância. Em geral, quando se fala
em jornalismo, o termo distância é usualmente aplicado
para explicar a relação do jornalista com o objeto
da notícia. Para a formação desta categoria
usei conceitos lidos não apenas nos autores que tratam
a comunicação, mas também em livros sobre
a história da América Latina. A distância
do jornalista em relação à América
Latina é maior do que a distância aplicada a outros
"objetos" de pauta.
A
distância do jornalista para a América Latina tem
a mesma força da distância das elites sobre os
movimentos populares. Ao ler a história das lutas sociais12
no continente é de entristecer ver o desprezo das elites
nacionais em relação à devastação
dos recursos minerais, naturais e humanos pelas empresas multinacionais
como a United Fruit. Os jornalistas brasileiros vêem com
desdém o sofrimento de índios bolivianos e o subdesenvolvimento
do Paraguai, reforçando preconceitos históricos,
principalmente nas transmissões esportivas, sem se dar
conta de que o estado de pobreza e atraso destas nações
tem causas históricas e, muitas vezes, até a participação
brasileira, como no Paraguai.
O
distanciamento dos jornalistas em relação a América
Latina contribui também para a censura e tem origem tanto
no processo histórico - é típico da história
latino-americana distanciar-se dos problemas e das temáticas
dos camponeses e operários - quanto no processo de configuração
das categorias de pensamento (os óculos) de receptores
e jornalistas, descrito anteriormente. Os jornalistas exercem
o jornalismo que consideram adequado para seus leitores, e nesta
adequação não se encaixa a América
Latina.
Quando
Bourdieu afirma que ações ou discursos merecem
atingir o conjunto dos cidadãos está colocando
uma visão particular do que ele considera um jornalismo
ideal.
Para
usar uma categoria de Gramsci, seria o Jornalismo Integral.
Na obra Os Intelectuais e a Organização da Cultura,
Gramsci define como Jornalismo Integral aquele que pretende
satisfazer todas as necessidades de seu público, mas
pretende também criar e desenvolver estas necessidades
e, conseqüentemente, criar seu público e ampliar
progressivamente sua área. (13)
No
entanto, Bourdieu não leva em consideração
um fator importante, apontado por García Canclini, e
que citei na definição da metodologia: a exigência
do receptor. Se é verdade que os jornalistas se pautam
em outros jornalistas e que a disputa pelo índice de
audiência provoca o canibalismo dentro do campo jornalístico,
também é verdade que os jornalistas são
legitimados pelos seus receptores. Quando um jornalista diz
que determinado assunto "não interessa ao público",
ele está, na verdade, lançando mão de um
contrato estabelecido com seu receptor, que "aceita"
as categorias escolhidas pelo jornalista como sendo também
as dele, pois estas categorias são o manual de urbanidade
que indica como se vestir, comer e expressar os sentimentos
na cidade. Ou seja, o leitor/ouvinte/telespectador usa os mesmos
óculos dos jornalistas.
Para
García Canclini, isto acontece porque as categorias que
formatam esses óculos não são simplesmente
dominadoras e coercitivas (se assim fossem existiria uma reação
do receptor), mas, usando outro termo de Gramsci, hegemônicas.
A hegemonia acontece quando o vínculo entre as classes
se apóia mais no contrato, numa aliança na qual
hegemônicos e subalternos contratam entre si prestações
recíprocas. As relações de dominação
e exploração para se reproduzirem devem se apresentar
na forma de um intercâmbio de serviços.
No
caso do jornalismo, a dominação da censura imposta
pelos jornalistas se apresenta como um intercâmbio entre
jornalistas que querem difundir um manual de urbanidade e "civilidade"
e os leitores/ouvintes/telespectadores (receptores) que encontram
nestas informações censuradas algo útil
às suas necessidades.
Nem
Bourdieu, nem Canclini estão absolutamente certos ou
errados. De acordo com minha hipótese, estas categorias,
os óculos dos jornalistas e os óculos dos receptores,
são formadas por fatores interligados tanto do campo
histórico-cultural (Eixo 1) como do campo do jornalismo
(Eixo 2). Pelo fato de jornalistas e receptores usarem os mesmos
óculos é que o consenso é feito e a dominação
se converte em hegemonia. Por usarem os mesmos óculos,
receptores e jornalistas se distanciam da América Latina
e apenas notícias relacionadas aos EUA ou à Europa
merecem destaque.
CONCLUSÃO
Seria
muito cômodo atribuir o isolamento da América Latina
no noticiário brasileiro à influência do
neoliberalismo. Até mesmo para ir contra a corrente de
intelectuais - ainda perdidos depois dos episódios do
início da década de 90 - que decretam o fim da
História e a derrota das esquerdas. É dever dos
intelectuais escapar desta linha de pensamento, reconhecer que
a esquerda teve importância em processos decisivos na
América Latina e que não pode existir o fim da
História, ou seja, não há como decretar
o fim dos confrontos, das oposições de classe
e das lutas sociais.
Portanto,
seria muito prático à causa anti-neoliberal estabelecer
que a comunicação brasileira deve cerrar fileiras
ao lado dos movimentos populares latino-americanos e estabelecer
uma guerra de guerrilhas contra a grande imprensa.
Porém,
admitir que essa é única hipótese possível
não satisfaria a metodologia deste trabalho, que afirma
que não se pode estudar o processo de comunicação
nem pelo método dedutivo nem pelo método indutivo.
Imputar
ao neoliberalismo a culpa por todos os males do jornalismo brasileiro
seria cair no método dedutivo de análise. Por
esse método, entende-se que o capitalismo e seu modo
de produção se impõem de forma dominante
na sociedade, condenando as classes subalternas a aceitarem
as regras do jogo. No caso do jornalismo, o método dedutivo
de análise atribui toda sorte de problemas à influência
capitalista. Ao capitalismo, não interessa a América
Latina, por não ser uma região de desenvolvimento
capitalista, onde não se fazem grandes negociações
e nem é a sede das grandes corporações.
Assim, a imprensa capitalista não tem olhos para a América
Latina.
Esse
ponto é verdadeiro e correto. De fato, o jornalismo está
ligado ao mercado, ao lucro. Onde há comércio,
há jornalismo. Apesar de real e muito influente esta
não é a única explicação
para o isolamento da América Latina no jornalismo. O
isolamento do Brasil para com a América Latina é
histórico. Mesmo antes da corrente neoliberal triunfar
entre parte da intelectualidade brasileira, já não
se falava em América Latina. Não há, nos
casos cotidianos, um processo maniqueísta. Jornalistas
afinados ideologicamente com a lógica capitalista, eliminando
das reuniões de pauta as notícias ligadas à
América Latina. Se assim fosse, mesmo as notícias
sobre a Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) ou sobre tratados do Mercosul teriam mais espaço
do que de fato recebem. O fato é que mesmo quando as
notícias são ligadas com a lógica capitalista,
a América Latina continua a ser excluída.
No
dia-a-dia das redações, o processo de exclusão
de notícias sobre a América Latina segue muito
mais uma ordem inconsciente do que consciente. Na Sociedade
da Informação, em que tudo parece ser fonte de
notícia, os jornalistas são obrigados a selecionar
dentre uma gama incrível de assuntos os que vão
fazer parte do noticiário. É neste processo mais
fino que entram outros fatores que não somente o da influência
capitalista.
Porque
o que faz um jornalista optar entre uma notícia e outra
são categorias de pensamento - que Pierre Bourdieu batizou
de óculos - que selecionam o que é interessante
e o que não é interessante. Desde as primeiras
aulas no Ensino Superior, os jornalistas aprendem que a objetividade
deve ser perseguida, mas ela é impossível. Só
o fato de um redator escolher começar sua matéria
por um dos elementos do lead já faz a subjetividade tomar
o lugar da objetividade. Portanto, o jornalista atribui algumas
categorias na seleção e redação
de notícias.
Essas
categorias, ou óculos, não enxergam a América
Latina. A exclusão da América Latina dos óculos
dos jornalistas brasileiros também encontra explicação
num conjunto complexo de fatores. Também há a
influência capitalista, pois o jornalista está
inserido num contexto capitalista e a lógica da seleção
é a lógica capitalista: o que dá lucro,
vai para o noticiário, o que não gera lucro, fica
de fora.
Porém,
a noção de dar lucro dentro do jornalismo está
diretamente associada ao índice de audiência. Ou
seja, notícias que dão lucro são aquelas
que são recebidas pelo maior número possível
de pessoas. No final das contas, o raciocínio adotado
pelo jornalista na hora de selecionar as notícias é
quais serão aceitas pelo público e quais não
serão.
Os
óculos dos receptores não enxergam a América
Latina não só porque não lhes é
oferecido nada sobre o continente, mas também porque
o que é latino-americano não lhes interessa. Devido
a um processo histórico de esvaziamento das manifestações
populares latino-americanas - empreendido principalmente pela
elite dirigente que historicamente sempre foi associada ao capitalismo
estrangeiro - a América Latina não desperta interesse
no público. Sua imagem está associada ao atraso,
à corrupção, à pobreza.
A
construção dessa imagem foi um processo histórico
que começou com as campanhas de conquista, passou pelas
repressões no período colonial, seguiu com as
repressões às lutas por liberdade e continua com
o processo que desacredita a ideologia dos movimentos populares.
Essa construção negativa da América Latina
foi empreendida pelas elites latino-americanas, freqüentemente
aliadas às burguesias européias e norte-americanas,
não só nos veículos de comunicação,
mas também nos livros de História e nos processos
de ensino.
Além
deste processo de esvaziamento da identidade latino-americana,
o público receptor não quer ser latino-americano
também pela influência do imperialismo norte-americano.
E
o público exige no jornalismo somente notícias
do que é ligado ao mundo desenvolvido. O público
não só não se interessa pela América
Latina como não se interessa pela periferia das grandes
cidades. O processo é o mesmo. Quando uma jovem estudante
de colégio particular e tradicional de São Paulo,
integrante da elite branca, é assassinada, os holofotes
da mídia se voltam para o fato e o repercutem à
exaustão. Porém, quando o mesmo assassinato é
cometido contra um jovem da periferia, ele não ganha
a capa das revistas semanais, nem manchetes nos telejornais.
Da mesma forma acontece com a América Latina. Um novo
tipo de lanche consumido nos restaurantes norte-americanos tem
preferência contra notícias do mesmo tipo, mas
originadas nos países latino-americanos.
Essa
exigência acontece pelo contrato entre o poder hegemônico
- o jornalismo ligado à ideologia capitalista - e o público
receptor. O jornalismo funciona como uma espécie de manual
de civilidade ou de urbanidade. Ao fornecer notícias
ligadas ao centro econômico do mundo, o jornalismo se
presta ao papel de aproximar o público receptor desse
centro econômico. Saber da moda norte-americana, do que
as rádios norte-americanas estão tocando, quais
são os filmes produzidos por Hollywood, entre outros
fatos, transmite ao receptor a proximidade com os EUA.
Da
mesma forma, as notícias da periferia entram no noticiário
na forma de catástrofes ou de culto ao exotismo, apenas
para justificar a distância entre ela, periferia, e o
centro do mundo e para transmitir a sensação definitiva
de que o público não pertence a esta periferia,
seja ela a periferia da cidade ou a periferia do mundo. Os assuntos-ônibus,
notícias sem importância aparente, que são
colocadas apenas para agradar o maior número de pessoas
possível, pois não despertam debate nem polêmica
política, operam como forma de limitar a possibilidade
da periferia perfurar os muros da exclusão. O jornalismo
brasileiro está lotado de assuntos-ônibus, principalmente
originado dos EUA ou pelos correspondentes brasileiros em solo
norte-americano.
Entre
as razões para o noticiário brasileiro receber
tanto material norte-americano e de haver sempre correspondentes
brasileiros em Nova Iorque está no fato de que o jornalismo
brasileiro foi se desenvolvendo ao mesmo tempo em que se processava
a americanização brasileira na Segunda Guerra
Mundial. A dissertação mostrou como o Brasil era
visto como um importante aliado para deter o avanço nazista
no Atlântico Sul e para ganhar a simpatia do governo e
da população brasileira à causa de guerra
norte-americana, foi feito um intenso processo de aproximação
do Brasil com os EUA.
Este
processo foi feito pelos meios de comunicação,
cinema, revistas e, principalmente pelo rádio. Assim,
enquanto o jornalismo brasileiro deixava de ser apenas uma manifestação
política - como era no século XIX - e passava
a ser uma empresa capitalista, o modo de produção
jornalístico dos EUA era descarregado a todo o momento
por programas de rádio e revistas. Os modernos jornalistas
brasileiros foram se formando sob a "cartilha" do
jornalismo norte-americano. Daí a grande semelhança
entre o jornalismo dos dois países.
Com
este processo de americanização dos brasileiros,
a desconstrução histórica da imagem do
continente latino-americano e a ideologia capitalista das empresas
jornalísticas não há outra conseqüência
possível que não seja a exclusão da América
Latina das categorias de pensamento não só de
jornalistas quando do público receptor. Jornalistas e
receptores usam os mesmos óculos e ambos não enxergam
a América Latina.
Como
foi dito na dissertação, a exclusão também
é um processo cultural. Os jornalistas não conhecem
a América Latina profundamente. Os nomes de grandes figuras
históricas são desconhecidos. A história
dos países é desconhecida. Não se ensina
América Latina nem na Educação Básica
e muito menos na Educação Superior. Portanto,
além de não usar categorias que enxerguem a América
Latina, os jornalistas ignoram intelectualmente o que é
a América Latina.
Soma-se
a todo este cenário, o processo de exploração
dos jornalistas nas redações. Os profissionais
de comunicação são submetidos a cobrir
uma grande quantidade de pautas e são obrigados, pela
concorrência capitalista entre os veículos de comunicação,
a conseguir sempre a notícia com exclusividade em primeiro
lugar - o chamado furo jornalístico, o que diminui a
possibilidade de apuração das notícias.
Pelas novas características do jornalismo essa busca
pelo furo foi acrescentada da ideologia da notícia em
tempo real, elevando ainda mais a exploração do
jornalista. Os novos repórteres são colocados
em situações extremas, como cobrir enchentes com
água pela cintura, narrando situações dramáticas.
Para
explicar detalhadamente este cenário complexo onde jornalismo
se manifesta, a dissertação dividiu o estudo entre
dois eixos. No Eixo 1, batizado de ambiente sócio-histórico,
estão os fatores ligados à História, à
Americanização, ao olhar do leitor, à influência
da ideologia capitalista. No Eixo 2, dedicado ao jornalismo,
estão os fatores que explicam o modo de produção
jornalístico: a pauta consensual que faz circular as
notícias dentro de um círculo restrito do que
deve ser noticiado, as relações de trabalho nas
redações e a formação intelectual
dos jornalistas.
O
importante é sempre lembrar que qualquer análise
sobre o processo de comunicação na América
Latina deve levar em consideração, conjuntamente,
os dois eixos de análise e - dentro de cada eixo - os
fatores interligados.
Por
essa interligação entre os fatores e os eixos
de análise é que também o método
indutivo não pode ser tomado como única forma
de estudo. Pelo método indutivo atribui-se um processo
de resistência dos movimentos populares caracterizadamente
latino-americanos, como o MST e os zapatistas. Os indutivistas
crêem que esses movimentos deveriam criar seus próprios
meios de comunicação e estabelecer uma luta contra
a grande imprensa e, como vitória desta luta, a América
Latina ganharia espaço.
É
verdadeiro e muito importante que os movimentos populares tenham
seus próprios meios de comunicação. E muitos
já o fazem. O MST tem seu próprio site, tem jornal,
tem revista e ainda conta com a colaboração do
Jornal Brasil de Fato, que apóia todas as suas causas.
O EZLN também tem seu site e sua corrente de colaboradores.
Porém,
a existência destes movimentos e seus respectivos órgãos
de comunicação não se refletirá
no reconhecimento da América Latina por parte do público
receptor e por parte dos jornalistas, enquanto os intelectuais
não participarem ativamente destes movimentos. A intelectualidade,
especialmente a brasileira, ainda está muito restrita
às universidades.
As
diversas teses e dissertações publicadas sobre
a integração latino-americana ainda não
ganham as prateleiras das livrarias, nem as manchetes dos telejornais
e nem o centro dos grandes debates. A América Latina,
e o Brasil em especial, ainda não formou intelectuais
orgânicos. Ou seja, não há, de forma expressiva,
uma intelectualidade no Brasil que pense com a cabeça
de latino-americano.
Estes
intelectuais não se formaram também a uma série
de fatores interligados. Se a dissertação mostrou
que não se pode atribuir um único "culpado"
pelo isolamento da América Latina no noticiário
brasileiro, também não há um único
fator pela não formação de intelectuais
orgânicos latino-americanos em expressão.
Além
do histórico enfraquecimento da sociedade civil latino-americana,
violentamente reprimida em todas as suas manifestações
e lutas, tem culpa o intelectual pelo seu despreparo em relação
ao continente e "conivência" com a dominação
da ideologia capitalista no final do século XX e início
do XXI. Tem culpa a sociedade civil que não se fortalece
em parceria com as sociedades civis de outros países
latino-americanos. Os intelectuais também usam óculos
que excluem a América Latina.
A
solução mais imediata é a formação
de intelectuais orgânicos da América Latina (incluindo
neste campo de intelectuais os jornalistas). Já que a
luta entre jornalistas e patrões nas redações
demanda esforços que vão além das mudanças
no campo jornalístico e caminha no campo da revolução
social, a América Latina pode ganhar espaço se
conseguir consenso pela hegemonia e não pelo enfrentamento.
Quando,
no contrato estabelecido entre receptores e jornalistas a América
Latina passar a ser uma categoria importante, ela vai ganhar
espaço no noticiário. Porém, para ganhar
a esta condição a América Latina necessita
vencer algumas etapas. Entre elas, a de merecer a atenção
dos latino-americanos.
É
uma ação que passa pelos governos e pelas políticas
de cada nação latino-americana, que devem se firmar
como países soberanos e que possam se unir e cooperar
na solução de problemas comuns a todos: erradicação
da fome e da pobreza, implantação da reforma agrária,
desenvolvimento industrial sustentável, preservação
da fauna, da flora e dos recursos minerais, eliminação
da corrupção, fortalecimento das culturas, preservação
dos folclores e afirmação de políticas
nacionais que não se submetam às intervenções
norte-americanas.
É
um trabalho lento, verdade, mas sem ele não há
como retirar a solidão da América Latina. Por
outro lado, também é possível, antes da
realização de tais políticas - e até
como combustível para que elas se realizem - o desenvolvimento
de mais intelectuais orgânicos da América Latina.
Intelectuais (professores, estudantes, jornalistas, cientistas,
sociólogos, etc) que analisem os problemas da América
Latina e pensem em soluções para ela.
O
desenvolvimento do intelectual orgânico passa pelo fortalecimento
da sociedade civil. Este fortalecimento só ocorre quando
se investe em Educação. Entenda-se por investimento
não só o governamental, mas a criação
de novas políticas educacionais que tenham por objetivo
fortalecer a América Latina.
Essas
novas políticas podem começar incluindo componentes
da América Latina nas grades curriculares dos cursos
de Educação Básica (ensinos fundamental
e médio) e de Educação Superior (principalmente
nos de Comunicação Social). Essa Educação
sobre a América Latina deve não só reconstruir
a História do continente, mas tirar da sombra ações
e discursos que foram esquecidos. Deve reescrever a História
não só pela versão dos vencedores, mas
também pela dos vencidos. E, principalmente, deve debater
questões e propor soluções que contemplem
as necessidades políticas apontadas acima.
IV
- BIBLIOGRAFIA
ABRAMO,
Bia (Org.) Um Trabalhador da Notícia: Textos de Perseu
Abramo. São Paulo: Ed. Fundação Perseu
Abramo, 1997.
ARBEX
Jr., José & SENISE, Maria Helena Valente. Cinco Séculos
de Brasil, Imagens e Visões. São Paulo, Editora
Moderna, 1998.
_____________.
Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São
Paulo, Editora Casa Amarela, 2001.
BARBOSA,
Alexandre. A Luta de Classes entre a mídia oficial e
a alternativa na América Latina: buscando fissuras nos
muros do pensamento único. Tese de Conclusão de
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Jornalismo
Internacional. São Paulo, PUC, 2000.
BOURDIEU,
Pierre. Sobre a Televisão. Seguido de A influência
do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Tradução
de Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1997. [1996].
CANCLINI,
Néstor García. Culturas híbridas. São
Paulo, Edusp, 1997. (Ensaios Latino-Americanos nº 1).
______________________.
Latinoamericanos buscando lugar en este siglo. Buenos Aires:
Paidós, 2002.
CERTEAU,
Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
CHIAVENATO,
Júlio José. As lutas do povo brasileiro. São
Paulo, Moderna, 15ª edição, 1996.
COUTINHO,
Carlos Nélson. Os intelectuais e a Organização
da Cultura. Rio de Janeiro: AUPHIB, 1980.
COUTINHO,
Carlos Nélson & NOGUEIRA, Marco Aurélio (Orgs).
Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1993.
DI
FELICE, Mássimo & MUÑOZ, Cristobal. A revolução
invencível: Subcoman-dante Marcos e Exército Zapatista
de Libertação Nacional. Cartas e comunicados.
São Paulo, Boitempo Editorial, 1998.
FERREIRA,
Maria Nazareth. A Comunicação (des) Integradora
na América Latina: os contrastes do Neoliberalismo. São
Paulo: Edicon: CEBELA, 1995.
_________________________
(org). América Latina, a Imagem de Um Continente na Escola
e nos Meios de Comunicação. São Paulo:
CELACC: ECA, 1997.
GALEANO,
Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Petrópolis:
Paz e Terra, 1982.
GRAMSCI,
Antônio. Os intelectuais e a organização
da cultura. Rio de Janeiro, Civilização, 1968.
HUGGINS,
Martha K. Polícia e Política: relações
EUA/América Latina.São Paulo, Cortez, 1998.
JANELA
DA ALMA. Dir. João Jardim e Walter Carvalho. Brasil,
Copacabana Filmes, 73 min, 2002.
LÖWY,
Michael (org.). O Marxismo na América Latina. São
Paulo, Ed. Fundação Perseu
Abramo, 1999.
MELO,
José Marques de. Comunicação: Teoria e
Política. São Paulo: Summus Editorial, 1985.
MARIÁTEGUI,
José Carlos. La Unidad Latinoamericana in MARINI, Ruy
Mauro e MILLÁN, Márgara (org.) La Teoría
Social Latinoamericana: textos escogidos. Tomo I. México:
Univesidad Nacional Autonoma de Mexico, s.d.
______________________.
Textos Básicos. Lima, Perú: Fondo de Cultura Económica,
1991. [1924].
MARINI,
Ruy Mauro & MILLÁN, Márgara (org.) La Teoría
Social Latinoamericana: textos escogidos. Tomo II. México:
Univesidad Nacional Autonoma de Mexico, s.d.
MÁRQUEZ,
Gabriel Garcia. Cem Anos de Solidão. Rio de Janeiro,
Ed. Record, 1999.
______________________
. La Soledad de América Latina: Escritos sobre arte y
literatura, 1948-1984. La Habana, Cuba: Editorial Arte Y Literatura,
1990.
MARTÍN-BARBERO,
Jesús. Dos meios às mediações: comunicação,
cultura e hegemonia. Tradução de Ronald Polito
e Sérgio Alcides. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2003. [1987].
RAMONET,
Ignacio. A Tirania da Comunicação; tradução
de Lúcia Mathilde Endlich Orth, Petrópolis, RJ,
Vozes, 1999.
SADER,
Emir. Século XX: uma biografia não autorizada.
O século do Imperialismo. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2000.
___________.
Cuba, Chile e Nicarágua: socialismo na América
Latina. São Paulo: Atual, 1992.
SARLO,
Beatriz. Cenas da Vida Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1997.
TOTA,
Antonio Pedro. O Imperialismo Sedutor. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
V
- NOTAS
(1)
CANCLINI, Néstor Garcia. Gramsci e as culturas populares
na América Latina in COUTINHO, Carlos Nélson &
NOGUEIRA, Marco Aurélio (Orgs). Gramsci e a América
Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.(p. 67).
(2)
Idem.
(3)
CANCLINI, Néstor García. Op. Cit. p. 69
(4)
CANCLINI, Néstor García. Op. Cit.
(5)
CANCLINI, Néstor García. Op. Cit.
(6)
O emprego do termo retro-alimentação deve-se ao
fato de que o jornalismo alimenta essa visão e é
alimentado pelas "exigências" da sociedade na
medida em que notícias que não se encaixam no
"contrato" fazem despencar o índice de audiência.
(7)
MELO, José Marques de. Comunicação: Teoria
e Política. São Paulo: Summus Editorial, 1985.
(8)
ARBEX JR. José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo.
São Paulo, Editora Casa Amarela, 2001.
(9)
BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Seguido de A influência
do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Tradução
de Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1997.
(10)
JANELA DA ALMA. Dir. João Jardim e Walter Carvalho. Brasil,
Copacabana Filmes, 73 min, 2002.
(11)
BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. p 67.
(12)
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina,
14 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
(13)
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Formação
da Cultura. 9ª ed.Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995. p.161.
*Alexandre
Barbosa é Mestrando em Jornalismo Comparado pela ECA/USP,
Especialista em Jornalismo Internacional pela PUC/SP, Bacharel
em Jornalismo pela UMESP e Professor. E-mail: alexandreb@netabc.com.br
6
Clique aqui e faça o download deste texto em PDF
Voltar
|