Novembro de 2011
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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ENSAIOS

Imprensa e terrorismo político

Por José Amaral Argolo*

RESUMO

Impossível decodificar as mensagens subliminares e derivadas do espetáculo proporcionado diante das câmeras pelo terrorismo, principalmente quando a escolha dos alvos recai sobre aeronaves civis, representando, por extensão, pavilhões nacionais: Alitalia, Lufthansa, El Al, Air France, ou instalações comerciais e diplomáticas, caso não seja efetuado um mergulho profundo na sua gênese.

Reprodução

007: célebre criação de Ian Fleming que
simboliza o pânico do mundo Ocidental


PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Internacional / Política / História

1. Martelo e Bigorna [1]

Indispensáveis, por conseguinte, as referências sobre a motivação ou o instante perturbador que desintegrou bloqueios psicológicos e/ou humanitários e impeliu pessoas comuns a práticas de outras formas incogitáveis pela oportunidade única e duvidosa de (excetuado o tiranicídio, ato legítimo quando o pressuposto é restituir a paz social) legar à História das Nacionalidades um registro ainda que fugaz.

O terror como ferramenta de coerção, jamais como sistema modulado, remonta àquele amanhecer das tribos e caracterizava-se, inicialmente, pela surpresa e ímpeto do ataque acrescido da força física dos agressores; posteriormente, às determinantes supra-assinaladas, juntaram-se a astúcia dos feiticeiros (estes, aos olhos pouco esclarecidos, aparentemente exerciam controle sobre a fúria dos elementos) e as táticas dos lordes da guerra, incluindo ingredientes misteriosos e ferramentas eficazes de destruição (catapultas, fogo grego etc.); mais à frente essas ações passaram a conjugar um mix de Razões de Estado e de propostas de dominação, religiosidade exacerbada e indissociada do implacável braço secular.

Época em que, no Ocidente, ganharam vulto os Tribunais do Santo Ofício, Cortes de Instrução e sentenças que levaram à morte nas fogueiras, e por intermédio de outros suplícios, uma imensa quantidade de indivíduos acusados de heresia; dois séculos depois surgiram outros sintomas que motivaram ações ainda mais draconianas tanto nas Américas como no Continente Europeu, tais como: a ascensão ao Poder na França do chamado Terceiro Estado e de um novo way of thinking que decidia o castigo a ser aplicado aos reis: a forca, o machado ou a pesada lâmina da guilhotina.

O revolucionário francês Saint-Just acentuava, a propósito, que a monarquia era o crime, e, de acordo com ele, ninguém podia reinar na inocência, portanto, todo rei seria antecipadamente culpado; até porque, a partir do momento em que um simples mortal desejava ocupar o trono, estava fadado à morte violenta.

No perigeu do Segundo Milênio, sofisticou-se a prática do extremismo por intermédio de um coquetel de ingredientes que se estendiam das antecâmaras dos supremos e quase sempre difusos interesses do Estado, ao desgaste motivado pela desigualdade econômica e aos desequilíbrios na órbita militar; do fanatismo religioso à superioridade  derivada dos investimentos maciços em tecnologias de ponta. Variáveis estas com post scriptum idêntico: abastecido e retroalimentado pelos órgãos de difusão, gradualmente mais interativos, presentes, imediatos e... exagerados!

Robert Badinter [2] acentua que, “historicamente, a prática do terrorismo representava o único método de ação dos oprimidos”. Sob esse viés, centenas de milhares (melhor seria dizer milhões) de vidas foram sacrificadas na luta pela liberdade. 

Com o tempo, as transformações observadas tanto na conjuntura internacional como nas que se referem ao tecido social, desgastaram princípios arraigados e imprimiram novo ritmo ao processo. Basta uma comparação entre os episódios registrados pelas diferentes mídias para notar a quase inexistência das aspirações dos Estados Nacionais e/ou o ideário defendido por essa ou aquela organização apresentada como extremista ou radical.

Existem exceções. Quando é razoável a interação entre os segmentos étnicos, religiosos e laboriais de uma sociedade; quando o objetivo maior é a independência, a recuperação da autonomia e o retorno à plenitude do estado de direito, é comum os cidadãos emprestarem solidariedade àqueles combatentes invisíveis da liberdade, oferecendo-lhes armas, abrigo e alimentos; proporcionando-lhes documentos e alternativas de fuga e, até mesmo, participando como coadjuvantes de ações clandestinas.

Exemplo notável dessa colaboração espontânea por parte da população de uma região ocupada militarmente foi a tática da picada de mosquito (uma incomoda, milhares enlouquecem) — utilizada pelos grupos de partizans que atuaram na retaguarda das forças do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial, afetando a capacidade de luta das tropas engajadas nos combates e dispersando-as no exato momento em que os comandantes divisionários ou de corpos-de-exército delas mais necessitavam.

Tais ações (e operações psicológicas, como acontecem hoje) compreendem todo um conjunto de manobras: da elaboração e difusão de panfletos (confeccionados em gráficas improvisadas), às pichações em logradouros públicos, incêndios e sabotagem, tanto nas máquinas-ferramentas como no aparato destinado ao esforço de guerra. Essa reiteração diária e sistemática provoca efeitos que se estendem da desconfiança ao desassossego e, deste, ao pânico.

Durante a campanha da Wehrmacht no Leste europeu, as fábricas alemãs de parafusos, molas para pistolas e submetralhadoras e chassis reforçados para os caminhões, mantiveram (em que pesem os danos causados pelos bombardeios estratégicos) quase inalteradas as suas cotas de produção; no entanto, certa quantidade de materiais tornava-se inútil ao primeiro manuseio.

Parafusos aos milhares eram limados próximo às bases e a parte danificada recoberta por uma camada de graxa ou cera de abelha; as molas, por sua vez, eram habilmente “trabalhadas” de modo a não suportarem o ritmo de fogo exigido, fragmentando-se em pleno combate; quanto aos chassis, apresentavam empenos que dificultavam ou impediam o encaixe nas carrocerias dos caminhões, tratores e tanques.

Uma vez descobertos, os transgressores eram punidos exemplarmente, do que se aproveitavam os birôs de Propaganda e Contrapropaganda de Guerra para — por intermédio dos matutinos/vespertinos, programas de rádio e cinejornais —, de um lado, destacar a coragem dos povos oprimidos e, como contrapartida, justificar a adoção de métodos radicais contra os covardes “assassinos das sentinelas” e “conspiradores embuçados”.

À semelhança dessas picadas de mosquito em tempos de guerra total, a emissão de boatos amplia o espectro do extremismo oportunista. A simples conjectura sobre um derrame de notas falsas (em tempos de instabilidade financeira e “pacotes econômicos” inesperados) induz lojistas e consumidores a adotarem cuidados com o que simplesmente não existe.

Em momentos assim, além do receio daqueles que vivem do comércio, aparecem espertalhões vendendo dispositivos eletrônicos de toda ordem, alardeando sistemas infalíveis de rastreamento telefônico, câmeras dotadas de lentes especiais que identificam volumes de metal do tamanho de um maço de cigarros etc. Essa indústria paralela também se beneficia do terrorismo.

2. Tempos de paz

Se, ainda que resumidamente – conforme supra-assinalado – o fenômeno do extremismo é multiplicado em tempos de guerra, interpretação idêntica deve ser aplicada em períodos de paz. Paz simbólica (é claro!), pois não é o que se nota em metrópoles como o Rio de Janeiro, Nova Iorque, Los Angeles, Londres, Paris, Moscou, onde, para reprimir conflitos interraciais ou derivados do crescimento descontrolado da delinquência comum, até mesmo as Corporações Armadas são convocadas a intervir.

Para confundir e assustar, no bojo desses imbróglios de natureza econômica e política, avulta uma espécie de terrorismo negro, dizimando inocentes aos magotes e construindo personagens que se utilizam de táticas diabólicas, capazes de induzir os cidadãos mais crédulos sobre a adequabilidade e legitimidades das ações.

Eis, como exemplo, uma referência quantitativa e histórica sobre o paradoxo representado por esse terrorismo: entre 1968 e 1976 – conforme levantamento feito pela equipe do jornal L’Osservatore Romano (ver Hemerografia:Il terrorismo político I, II, III, IV) – ocorreram 1200 ações internacionais; destas, 38,4% na Europa e 27,5% na América Latina.

Em 1968, ano tumultuado pela Ofensiva do Tet (no Vietnam), passeatas e protestos estudantis na França e nos EUA, além do final melancólico da Primavera de Praga, as ações terroristas representavam 18% da violência política em todo o mundo (os conflitos estudantis totalizavam 40%, os distúrbios raciais 18% e as demais rivalidades étnicas 9%).

Cinco anos depois (1973), essas operações alcançavam 46% desse mesmo indicativo (violência política). Itália e República Federal da Alemanha, cujos governos apresentavam indiscutível maturidade política, lideravam as estatísticas; pesquisas realizadas na época revelaram também que as facções engajadas na confrontação com as forças de segurança no chamado Bloco Europeu (excetuados os países tutelados pela antiga União Soviética) exibiam perfis absurdamente díspares.

Numa das bases dessa pirâmide, organizações ultranacionalistas e separatistas (irlandeses, ucranianos, corsos, bascos...); na outra, grupos agindo em apoio aos partidos e/ou movimentos legalizados de ultra-esquerda empenhados na sustentação da luta contra o imperialismo (Brigate Rosse, Fração do Exército Vermelho [leia-se Grupo Baader Meinhof] etc.); no vértice, planejando iniciativas em série, os braços armados das facções islâmicas mobilizadas numa campanha cada vez mais violenta contra os interesses norte-americanos e israelenses no Oriente Médio. Isoladas das demais, embora não menos atuantes, grupos irregulares operando abrigados nos serviços de informações.

As lideranças desses grupos extremistas aproveitavam-se da aparente inércia dos órgãos de segurança para agir. Daí a importância dos estudos sobre a gênese e operacionalidade desses grupos. François Bourricaud, pesquisador francês, foi um desses pioneiros na tentativa de explicar o que ocorreu em alguns Estados Nacionais. Ele partiu do princípio segundo o qual o terrorismo germina e toma corpo nos países onde inexiste equilíbrio social, jurídico e administrativo:

De acordo com François Bourricaud, esse equilíbrio dependia,

(...) antes de  mais nada, de duas condições: que haja um acordo mínimo entre os dirigentes para o funcionamento das instituições e um poder de arbítrio e decisão localizado que, no Ocidente, se traduz pelo sufrágio. [3]

Acrescenta que essas violações da legalidade apontavam exatamente para as falhas da sociedade. Por exemplo: na Europa Ocidental, a atuação dos grupos extremistas indicava que as causas sociais e políticas não eram as mais significativas, atribuindo-se relevo àquelas motivações de natureza essencialmente ideológica.

Com efeito, estabilidade, índices reduzidos no que tange à delinquência comum, sólida base educacional e hospitalar, governos e Parlamentos operativos e bem articulados, seguridade social disponibilizada em patamares elevados, tudo contribuía (e ainda contribui) para respaldar o conceito observado há quase dois séculos por Alexis de Tocqueville (autor do clássico A Democracia na América). Segundo este, “a monotonia opressiva provoca periodicamente o acionamento do fanatismo religioso e político”.

 Além disso, nos Estados autoproclamados liberais, os governantes costumam atribuir maior valor aos aspectos econômicos, relegando os demais (sejam eles patrióticos, comunitários e voltados à solidariedade) a um plano secundário, proporcionando um distanciamento ainda maior entre os que estão abrigados no coração do Poder e aqueles outros interessados em promover modificações no sistema político.

3. ‘No princípio era o abismo’

Examinado sob o sentido lato, terrorista (adjetivo) é todo aquele indivíduo que se utiliza de métodos ultraviolentos para impor a sua própria verdade (ou, por extensão, a da organização à qual está vinculado) ao corpo social. Não por acaso, Albert Camus, pensador, dramaturgo e romancista franco-argelino, além de ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, [4] acentuava:

O revolucionário é um homem antecipadamente condenado. Não pode se permitir relações apaixonadas nem possuir coisas ou seres amados. Devia mesmo despojar-se do seu nome. Tudo nele se deve concentrar numa única paixão: a Revolução.

Alguém, portanto, capaz de, sem qualquer hesitação de ordem sentimental, colocar uma bomba-relógio num teatro, lançar mísseis de ombro do tipo AT4 ou RPG contra aeronaves civis em pleno pouso/decolagem, ou detonar explosivos plásticos num ônibus escolar de modo a impactar a Opinião Pública, convencê-la sobre a possibilidade de outros atentados ainda mais violentos e, como derivadas dessas práticas impiedosas, obter vantagens políticas, econômicas, religiosas ou, até mesmo, militares.

Discrepâncias de tempo no Calendário Romano fizeram com que a chamada Civilização Ocidental ingressasse antecipadamente no Terceiro Milênio, ao influxo de transformações não calculadas e intensificadas pelo acesso às novas tecnologias.

Todavia, mesmo com a evolução dos softwares, a multiplicação e dinâmica das redes de comunicação online, cresce e subsiste o legado de Fobo e Deimos: terror do desconhecido, medo da morte — impulsionados pela ameaça do cogumelo radioativo.

Basta, para isso, que um ou mais indivíduo(s) amparado(s) em sólidos conhecimentos técnicos e exercendo função de confiança rompa(m) o lacre dos gabinetes especiais e acione(m) as chaves de duplo comando; que um gangster/extremista, com veleidades científicas e muito dinheiro, contrate cientistas deserdados em seus países de origem e produza um artefato miniaturizado, como descreveu o romancista britânico Frederick Forsyth em O Quarto Protocolo, posteriormente respaldado por intermédio das declarações do general reformado Alexander Lebed (ver abaixo); que, por ambição e deslealdade para com seu próprio país, um ou mais físico(s) nuclear (es) talentoso(s) e mal remunerado(s) venda(m) segredos nucleares a um ditador de republiqueta ou guru de uma dessas inúmeras seitas abrigadas nas montanhas ou escondidas nos labirintos das metrópoles.

Entrevistado por Jaime Spitzcovsky para a Folha de S. Paulo, edição de domingo, 23 de novembro de 1997 (sob o título: General Russo alerta contra Terror Nuclear, Primeiro Caderno, página 20), Alexander Ivanovitch Lebed, na reserva desde 1995 e terceiro colocado no pleito que conduziu Alexander Ieltsin ao poder na Rússia, em 1996 (tendo sido nomeado Secretário do Conselho de Segurança – órgão que, ainda hoje, define as estratégias de segurança do Kremlin – afastado pouco depois das funções pelo próprio Ieltsin), ao ser indagado sobre a situação das Forças Armadas russas, naquele momento da História, ressaltou: [5]

O outrora forte Exército soviético e o complexo industrial-militar soviético tornaram-se perigosos, principalmente para o próprio país. Com a atual reforma militar e a diminuição do tamanho das Forças Armadas, primeiro dispensam os militares, depois sobra uma enorme quantidade de armas e munições muito perigosas, e não há ninguém que cuide disso. Isso pode levar a consequências catastróficas, sem nenhuma guerra. Imaginemos apenas uma avaria qualquer num reator nuclear de um submarino desativado.

Respondeu, também, a outra indagação ainda mais pontual e preocupante formulada pelo jornalista; qual seja:

“O senhor, há pouco tempo, levantou questão sobre a (s) maleta (s) nuclear (es). Existe a possibilidade de terrorismo nuclear?” (a hipótese em pauta era o desaparecimento de algumas dessas maletas nucleares, cuja existência fora confirmada pelo Chefe de Governo, Bóris Ieltsin).

Lebed:

É, por isso, que eu levantei o problema. Esses sistemas existem, a última versão se chama RAS 115, uma outra versão se chama RAS 115-01, são dispositivos muito compactos: 45 cm X 45 cm X 30 cm, pesam 30 quilos. Cabem numa maleta. (Cada qual) É acionada por uma só pessoa.
 
Mas a maleta jamais foi empregada, ela nunca foi utilizada para fins bélicos. Mas é uma arma ideal para os terroristas. As possibilidades de o terrorismo nuclear e da chantagem são simplesmente colossais. Mas o problema não é apenas as maletas, mas são as pessoas que as fabricaram. A área que antes estava fechada e onde foram fabricadas as maletas foi uma espécie de paraíso na Terra.

Hoje é uma região em crise econômica, como todo o mundo da ciência na Rússia, em debandada geral. Então, se eu sei fazer um artefato assim, e se eu sou despedido, sempre poderei achar pessoas que darão condições, poderão me pagar e poderei fazer a (s) maleta (s) em outro lugar.

Então, eu espero que sejam eliminadas todas as maletas existentes, todas as tecnologias de sua fabricação. E devem ser achadas todas as pessoas que as fabricavam, dando-lhes condições de uma vida decente para que elas não fiquem tentadas a vender os seus conhecimentos e aptidões. [6]

Esse terrorismo de fonte abstrusa vem, infelizmente, conquistando adeptos em todo o mundo, a tal ponto que foi criada uma espécie de Bolsa Paralela com o único propósito de contratar cientistas e pesquisadores — muitos deles militares da reserva outrora engajados em projetos especiais junto aos seus respectivos governos — quadros de apoio técnico ambiciosos etc.

As mídias difundem, diariamente, as declarações inquietantes dos governantes (especialmente ocidentais) diante do sucateamento do aparato nuclear da antiga URSS e, também, a respeito do perigo derivado dos depósitos de armamento deixados para trás após a desincorporação da Ucrânia, Bielorrússia e outros países sob a tutela de Moscou.
A técnica para a preparação de bombas atômicas não constitui segredo e, até mesmo, os diagramas mais complexos podem ser copiados por qualquer internauta. Todavia, as tecnologias utilizáveis pelas organizações terroristas avançaram em outros campos, oferecendo produtos letais a custo baixíssimo, principalmente aqueles originários da indústria químico-farmacêutica.

Por exemplo: a partir de amostras do DNA retirados de espécimes da fauna é possível alterar códigos genéticos em laboratórios e, em seguida, disseminar determinadas bactérias superativadas, como a do botulismo, ou viabilizar hiperatividade cerebral por intermédio da admissão de uma quantidade de ácido lisérgico nos dutos de água potável de uma unidade militar, indústria, shopping center, escola, universidade ou hospital. O ácido lisérgico (LSD) – como de conhecimento público – é inodoro, insípido e transparente; quase impossível, portanto, de ser detectado.

Notícia publicada na edição de 26 de novembro de 1997 do Globo (como título-forte da página 38), procura reforçar essa assertiva ao informar que o Iraque teria produzido até 200 toneladas da arma química VX, gás que ataca o sistema nervoso e “é cem vezes mais mortal que o Sarin. Esse composto causa paralisia e os músculos involuntariamente estrangulam os órgãos vitais”. [7]

O então secretário de Defesa dos EUA, William Cohen, afirmou que o estoque iraquiano do gás VX seria suficiente para matar toda a população do planeta.  Segundo ele, 25 países dominavam (na época) a tecnologia para a produção desses agentes químicos (entre os quais o Anthrax, Tabun e Botox) e alertou para o perigo desses arsenais caírem em mãos de terroristas.

Os fatos subsequentes provaram que, relativamente ao Iraque, as afirmativas do Secretário de Defesa eram infundadas.

4. Um pouco de História

Na Antiguidade os “deuses” cobravam (por meio dos sacerdotes ou xamans) pesados tributos para não incomodar os mortais com sua fúria. Riachos de sangue e pilhas de cadáveres são mencionados pelos antropólogos que estudaram as práticas rituais entre Incas (Peru) o os Astecas (no México).

Séculos depois os colonizadores britânicos, donos de um império onde o sol jamais se punha, sofreram imensas perdas decorrentes da atuação noturna e quase ininterrupta dos bhuttootees thugs (adoradores de Khali, na Índia), hábeis na arte de estrangular com fios de seda. Comenta-se que, entre Benares e Bombaim, existem mais sepulturas das vítimas sacrificadas em honra à Deusa da Vingança do que dormentes naquele trecho da estrada de ferro que serve de ligação entre as duas cidades.

Mesmo a Europa dita “civilizada” serviu como palco para incontáveis perseguições e atrocidades. Entre as vítimas destacam-se Jacques de Molay (Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros do Templo) e Giordano Bruno (filósofo e professor em Paris), ambos queimados como heréticos; Galileu Galilei (matemático, físico e astrônomo, descobridor da lei da queda dos corpos e enunciador dos princípios da inércia e da composição dos movimentos) forçado a abjurar de joelhos sua doutrina para escapar ao suplício com o qual lhe prometiam os inquisidores; sem esquecer de citar ainda o massacre dos Huguenotes na trágica Noite de São Bartolomeu (23 de agosto de 1572).

Entretanto, é o terrorismo político que oferece aos pesquisadores da ultraviolência o campo mais extenso para prospecções, a começar por sua natureza indiscriminada, como observou Paul Wilkinson: [8]

Bem distinto do perigo de que sejam feridas pessoas que não foram pré-selecionadas como alvos, há o subproduto inevitável do terror generalizado de que outros possam ser feridos.

A lógica desse raciocínio: uma vez que a ausência de discriminação ajuda a espalhar o medo, se nenhuma pessoa constitui o alvo em particular, rigorosamente ninguém pode se considerar seguro.

Wilkinson enumerou, em seguida, as características do extremismo político; quais sejam: indiscriminação, imprevisibilidade, arbitrariedade, capacidade de destruição impiedosa e a natureza implicitamente amoral e antinomista do desafio terrorista.

Acrescentou que o terrorismo político propriamente dito é tão somente o que se pode chamar de uma política continuada que, por sua vez, envolve a deflagração do terror organizado, seja de parte do Estado, de um movimento ou facção, ou mesmo de um pequeno grupo de indivíduos.

Outro aspecto importante para o trabalho dos pesquisadores diz respeito a difícil delimitação da fronteira entre motivações políticas e intenções criminosas, bem como da delimitação entre guerra e terror. No que tange ao primeiro caso vale considerar a opinião de Walter Laqueur: [9]

Para mim é nítida. Matar um homem é crime. Quem teria a pretensão de fazer com que o terrorismo fosse condenável, que o assassinato de um ditador ou de um tirano fosse um crime? Ninguém, a menos que se afirmasse um partidário irredutível da não violência, derecusar, em qualquer circunstância e em nome de princípios morais, a utilização da força.

Assassinar Hitler, em 1923, teria sido um ato de terrorismo, mas esse ato teria salvado milhões de vidas humanas. O terrorismo torna-se crime a partir do momento em que passa a atacar pessoas que não são nem opressores nem carrascos, que não torturaram nem assassinaram. É o caso da maioria dos atos terroristas recentes.

Agora, durante um conflito de amplas proporções pode acontecer de as tropas ou grupamentos especiais mobilizadas contra os “inimigos do Estado” virem a ser acionadas contra cidadãos comuns para “preservá-los” de um horror ainda maior.

A história do nazismo reservou exemplos. Se, por um lado, tem-se o terror desencadeado pela Gestapo contra a Rosa Branca, organização universitária de resistência liderada pelos irmãos Hans e Sophie Scholl, ambos presos e executados quase que imediatamente (ele, a machadadas; ela, guilhotinada), sob a acusação de disseminação de propaganda pessimista e insidiosa contra o Reich no momento em que a Wehrmacht suportava duros reveses no Leste.

...Do outro, Hannah Arendt, no conjunto de reportagens publicadas originariamente na revista New Yorker e, posteriormente, agrupadas no livro intitulado Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal, [10] ofereceu aos leitores, além de uma tese polêmica sobre o massacre administrativo (praticado pelos burocratas da SS e do SD), exemplo grotesco sobre como os diferentes segmentos da Opinião Pública de um país podem ser dessensibilizados a tal ponto que, em meio à destruição total, a violência praticada pelo Estado pode perpassar como se fora uma dádiva.

Eis como publicado:

Aconteceu em Konigsberg, na Prússia Oriental, uma região completamente diferente da Alemanha, em janeiro de 1945, alguns dias antes de os russos destruírem a cidade, ocuparem suas ruínas e anexarem a província inteira. A história é contada pelo conde Hans Von Lehnsdorff, no seu Ostpreussiches Tagebuch (1961). Ele permanecia na cidade, como médico, para cuidar dos soldados feridos, que não podiam ser evacuados; foi chamado para um dos imensos centros para refugiados, do lado do campo, que já estava ocupado pelo Exército Vermelho. Aí, ele foi abordado por uma mulher que lhe mostrou uma varicose, adquirida há muitos anos, que ela queria tratar agora, porque tinha tempo. “Eu tentei explicar que era mais importante, para ela, ir-se embora de Konigsberg e deixar o tratamento para uma época posterior. Para onde você quer ir? – perguntei-lhe. “Ela não sabia, mas dizia que todos eles seriam trazidos para o Reich. E então ela acrescentou, surpreendentemente: ‘Os russos nunca nos pegarão. O Führer jamais o permitirá. Muito antes disso ele nos gasificará.”

5. Moderna tradução

Tambours!
Ordem de Antoine de Santerre, chefe da Guarda Nacional de Paris, para abafar as últimas palavras de Louis XVI.

O sentido atual para o vocábulo sobre o qual repousa o tema dessa pesquisa foi externado, inicialmente, por Louis-Antoine Saint Just durante a Grande Revolução de 1789, quando parcela representativa do Terceiro Estado – apoiado por uma parte da burguesia – apeou do Poder tanto a nobreza como o clero e lhes ensinou o caminho da guilhotina!

Todavia, antes de qualquer digressão filosófica sobre essa matéria, faz-se necessário enunciar os fatores que contribuíram para a construção de uma relativamente longa Era do Terror na França; quais sejam: a desordem interna proporcionada pelos acontecimentos subsequentes à Tomada da Bastilha, e a iminência de grave perigo externo; isto é: a confrontação armada com os exércitos da Segunda Coalizão: Espanha, Inglaterra, Áustria, Sardenha, Prússia e Holanda.

O que aconteceu na França – além do extermínio de boa parte da noblesse d’épée e da noblesse de rasse (nobreza da espada e da raça) – foram períodos pontuados pela redução ou exacerbação desse Terror.

Cronologicamente: o primeiro teve como pique o massacre de 2 a 6 de setembro de 1792 (o assassinato de 1368 pessoas decorreu do confronto exacerbado entre a religião e o Estado). Duramente atingida pelas medidas revolucionárias, a Igreja Católica deixou de exercer o controle sobre a educação, acatou a proibição pública do uso das vestes sacerdotais e foi obrigada a suprimir algumas ordens religiosas. Os sacerdotes, além disso, viram-se forçados a jurar plena obediência à recém-aprovada Constituição Civil do Clero.

Um segundo momento se estendeu do dia 17 de setembro de 1793 – quando entrou em vigor a Lei dos Suspeitos (reforçada pela Lei de 22 do Prairial, firmada a 10 de junho de 1794) – a 28 de julho de 1794.

Em seguida, houve a fase que os historiadores denominaram O Grande Terror, deflagrado entre os dias 10 de junho e 27 de julho de 1794, o mais violento de todos. Somente na cidade de Paris, 1376 homens e mulheres foram executados.

O quarto e último, denominado Terror Branco, de maio a junho de 1795, levou à dizimação de centenas de jacobinos. [11]

Dos quatro períodos supra-assinalados, o segundo e o terceiro são os que mais interessam à pesquisa, uma vez que, em decorrência das leis de exceção, foram perpetrados massacres e execuções em cascata jamais observadas na História daquele país.   

Quanto aos diplomas legais que respaldaram as ações revolucionárias, o primeiro deles assegurava ao Comitê de Salvação Pública (integradopor doze personalidades), [12] bem como aos respectivos agentes subordinados, poderes para prender sem aviso prévio qualquer émigré, funcionário público destituído de função que não houvesse sido reintegrado, opositores à Revolução ou à guerra travada contra as forças estrangeiras.

Vale registrar: mesmo entre os émigrés, alguns se mostravam declaradamente favoráveis à utilização do psicologismo do medo e do terror como ferramentas de coerção, a exemplo do conde de Montmorin, ele próprio ministro do Exterior sob o reinado de Luís XVI.

Disse ele:

Acredito (que seja) necessário punir os parisienses pelo terrorismo. [13]

Tratava-se, pois, de um dispositivo legal que forçava todas as pessoas declaradamente não engajadas no processo revolucionário (situação aplicada aos católicos e burgueses), a viverem sob a ameaça constante da prisão ou da morte. Na sua gênese, o objetivo desse instituto jurídico era assegurar uma aparente unidade do povo em meio à guerra que se anunciava e poderia esmagar o país (a referência no caso é a Segunda Coalizão).

Por sua vez, a Lei datada de 22 do Prairial (fruto da estratégia adotada por Maximillien Robespierre contra o seu maior adversário político na ocasião, o advogado e jornalista Georges Danton) era ainda mais draconiana: estabeleceu a aplicação de pena de morte para os que defendessem a restauração da monarquia e caluniassem a recém-instaurada República (estendendo a sanção, entre outras possibilidades, àqueles que difundissem notícias falsas, roubassem ou causassem dano às propriedades públicas e dificultassem o transporte de alimentos às tropas engajadas na luta contra os estrangeiros); atribuía plenos poderes às cortes de Justiça para que autorizassem – ou negassem  – aos acusados o direito de constituírem advogado ou convocar  testemunhas; por fim, autorizava esses tribunais a dar por concluídos  os inquéritos a qualquer momento.

Como se presume, as sementes do Terror não germinam em solo árido. Deve haver água suficiente e jardineiros hábeis para que se transformem em cardos. Ora, dentre os personagens que se destacaram nesta fase turbulenta da História, cinco homens com ideias ao mesmo tempo tão próximas e divergentes: os já citados Maximillien Robespierre e Georges Danton, bem como Camille Desmoulins e Louis-Antoine de Saint-Just, seguiram a trilha da guilhotina, máquina infernal inventada pelo Dr. Joseph Ignace Guillotin (membro dos Estados Gerais e, ele próprio, executado posteriormente), montada inicialmente na Place de Grève no dia 25 de abril de 1792; o último deles, Jean-Paul Marat, foi assassinado com uma facada na banheira da sua casa (a 13 de julho de 1793) por uma jovem simpatizante dos girondinos: [14] Charlotte Corday. 

Tribunos e/ou jornalistas, esses homens agiram com certa liberdade ao longo da Grande Revolução, agudizando questões ou – como pode ser observado mais tarde – tentando amenizá-las por intermédio de artigos assinados e/ou pronunciamentos públicos. Nesta época, na Capital, proliferaram jornais com títulos retumbantes: Révolutions de France e, em seguida, Le Vieux Cordelier (ambos pertencentes a Camille Desmoulins); L’Ami du People  – rebatizado Journal de La République Française (de propriedade de Jean-Paul Marat), Le Patriote Français (de Jean Pierre Brissot), periódicos estes de curta existência, confecção artesanal e tiragens reduzidas, ainda que eficazes no quesito influência sobre o conjunto da Opinião Pública.

Ao longo desse período cristalizavam-se as possibilidades do emprego da mídia impressa como ferramenta de apoio ao terror praticado e justificado como prerrogativa do Estado (nada muito diferente dos dias de hoje quando Estados Nacionais se arvoram no direito de agir como e onde bem entenderem, inclusive fora das suas fronteiras internacionais)
Desmoulins, por exemplo, se auto-condenou à morte após publicar, no Le Vieux Cordelier, um apelo favorável à decretação do fim do Terror. [15] 

Exterminaríeis todos os vossos inimigos pela guilhotina? Jamais houve maior loucura. Podeis vós destruir um inimigo no cadafalso sem fazer dois outros entre sua família e seus amigos? Eu sou de opinião muito diferente daqueles que clamam que é necessário manter o Terror como a ordem do dia. Confio em que a liberdade será assegurada e a Europa conquistada, tão logo vós tenhais um Comitê de Clemência.

Curioso o destino desses homens, principalmente o de Desmoulins. Afinal, foram por ele proferidas – sobre uma das mesas do Cafè de Foy, nas imediações do Palais Royal – as palavras de incitação à desordem, no dia 12 de julho de 1789, denunciando a intempestiva exoneração do financista Jacques Necker, ministro das Finanças de Louis XVI, e a hipótese de intervenção dos regimentos alemães e suíços em plena capital sublevada do país. Fatos estes que levariam – quarenta e oito horas depois – à tomada e destruição da Fortaleza-Prisão da Bastilha, episódio épico no qual o governador Bernard-René Jordan, Marquês de Launay, após assegurar às lideranças dos revoltosos que não atiraria com seus canhões e 114 soldados contra o povo enfurecido, acabou preso e quase que imediatamente decapitado. Sua cabeça foi espetada na ponta de uma lança e exibida nas ruas de Paris.

Tanto a cabeça de Camille Desmoulins como a de Danton tinham já sido pedidas por Robespierre (o qual, por sua vez, temia a dissolução do Comitê de Salvação Pública e o fim do Reino do Terror). Esses dois revolucionários, ambos com 34 anos, contam os historiadores, subiram calmamente os degraus que conduziam ao patíbulo na Praça da Revolução, na tarde de 5 de abril de 1794. Maximillien Robespierre e seu amigo Louis-Antoine de Saint-Just também não tardaram a percorrer caminho semelhante, o que aconteceu na tarde de 28 de julho daquele mesmo ano.

Pesquisas recentes informam estarem corretos esses números: 18 mil mortos e 300 mil cidadãos franceses presos ou despojados das suas propriedades durante o Reino do Terror.

 

 

 







Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 14 | Novembro | 2011
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