Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



ENSAIOS
 

Profissional da palavra
O jornalista latino-americano

Por Luciano Victor Barros Maluly*

RESUMO

Ao relatar o universo do cotidiano, o jornalismo observa a América Latina, sem medo de revelar as (in)diferenças e as des(igualdades), mas com a certeza de que, pelas palavras, consegue integrar uma única pátria.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo / América Latina / Jornalista

1. Introdução

O registro está composto pelas faces da beleza e da indignação. O relato está permeado pela (in)justiça, mas recupera o sentimento da liberdade, da originalidade, da independência. O presente perpetua (e estende) o indivíduo que necessita (re)contar a sua própria história.

Além do desafio de revelar atualidades, vale a esse jornalista compartilhar o processo, porque, para ele, o público é a extensão dos olhos que traduzem a união entre os fatos que estão próximos e os que estão distantes.

O contraste fundamenta o caminho entre os que apenas transferem as informações e entre aqueles que revelam as notícias também pelas impressões. Fica a separação entre o móvel e o estático (do jornalista que procura o modo possível de dizer as coisas pela familiaridade, pela presença física, em contraste com os burocratas que ficam sentados na sala de redação, imaginando o mundo, alimentados pelas notícias de outrem).

Ele precisa sair para vivenciar a natureza, a língua, as pessoas, para sentir que não está sozinho, que ambos possuem a mesma indignação com a política podre, mas, ao mesmo tempo, se deliciam pela beleza de estarem vivos e, apesar de tudo, conseguirem amar, perdoar, rezar, dançar, rir, conviver e, até na rivalidade pelas breves disputas políticas, esportivas, religiosas, saber brincar ao dizer que “não se discutem esses assuntos”.

A versão dos acontecimentos é revelada pelo contato com o cidadão comum que o aproxima dos universos constituídos pela inclusão versus privação, pelo confronto entre aqueles que procuram o bem-estar público e os que, pela própria razão, se apóiam na indiferença (no descaso). A exaltação pela beleza imperfeita que marca a política dos homens diante da natureza. O berro da revolta em contradição com o “fico quieto por que posso perder o meu emprego, a minha boquinha”.

A história é sempre uma surpresa para os jornalistas que revelam as semelhanças dos países que formam a pátria latino-americana. A certeza é a sobrevivência da reportagem que mexe com o coração porque destrói a racionalidade sem compreender a indiferença dos governantes diante de um sorriso, um sonho, um prato de comida, um abraço de compaixão, um casebre limpo, o quintal cultivado, uma boca calada, mas que grita somente quando algo a incomoda.

Vibrações repulsivas pelo ônibus lotado, o assalto, o tratamento médico inadequado, a falta de dinheiro, a morte; compulsivas por causa do nascimento do filho, do emprego, da casa, da terra, da dança, da piada, e impulsivas na proteção da pátria marcada pela família, os amigos, a crença.

Esse jornalista sem medo agora denuncia a sobrevivência de um povo. Ele não tem preguiça, possui o texto, a fala, a imagem, o estilo desconexo com o padrão jornalístico que ensinam nas redações e nas faculdades. Alforria! é o grito do repórter perante o preconceito do texto livre que forma a verdade. A pauta é a distribuição de renda, a convivência paralela com o próximo, na esperança das mesmas oportunidades de vida (e não de morte). Simplicidade para que todos compreendam a notícia.

Então ele propõe ao cidadão com medo que, pelo jornalismo, diga o que necessita transmitir. Fala ao companheiro que é possível dividir o tempo, sem ficar guardando as mágoas ou mesmo deixar passar os momentos fundamentais de sua existência. Concede o espaço do rádio, da televisão, do impresso, da internet, de todos os meios de comunicação, transformando o particular em compartilhado.

Ao jornalista é permitido relatar os fatos que conduzem a coletividade, sem ser ele o castrador daquilo que as pessoas desejam ou precisam ouvir e falar. E, por isso, muitas vezes, ocorre o deslocamento dos assuntos estampados nos jornais. O distanciamento que possibilita o confronto entre a temática da mídia e as notícias do cotidiano.

Chegou a hora de um jornalismo baseado no sentimento que alia a revolta (pelo descaso), a esperança (por mudar) e a alegria (por estar vivo). Elementos que contrastam com a atual agenda da indústria da desinformação que opera a notícia sem debate, sem interação. O jornalista quer conversar, saber “o que se passa pela cabeça” ou “o que melhorou” no dia-a-dia da população. A demagogia ficou no passado, assim como o autoritarismo do grupo político dominante.

A pauta dirigida pela verdade da política (não dos políticos), da educação (não dos ‘clientes’), da saúde (não dos incentivadores da ‘fila’), da segurança pública (não da violência), do emprego (não da exploração), do meio ambiente (não dos poluidores), enfim, uma cobertura que conceba a dignidade e o sustento de um povo.

O jornalismo reflete o desejo de acreditar no político que seja servidor público; o desejo de andar pelas ruas limpas, seguras e sem buracos; de ver o filho estudar na escola pública de qualidade; de ter vencimentos dignos para a sobrevivência; de adquirir uma profissão; de ser atendido quando está com dor; de navegar pelo rio limpo, sendo este estado de coisas o mínimo para “viver em paz”.

A oportunidade do tempo livre reúne o espaço da cultura, fomentado pela arte, pelo esporte, pela ciência, enfim, pelo conhecimento. A convivência alerta para a possibilidade do diálogo, sem ficar sozinho ou desejar que o público “consuma” somente aquilo que os comunicadores pensam ou acham que é notícia.

Daquilo que está a sua frente, dividindo o seu coração, esse profissional organiza os jornais planejando a utopia de um mundo cheio de paz. Faz deste espaço uma revolução pela palavra que traduz o presente pelo coletivo. A narrativa conduzida pelo código jornalístico que está fundamentado pelo conceito de liberdade com responsabilidade. Destino traçado por aquilo que precisa pensar, com o medo do futuro revelando a necessidade de desvendar o mistério de seu povo.

Esse jornalista não está acostumado com a sujeira, mas, quando se depara com o mundo imperfeito, logo arrisca um modelo baseado na busca incessante pela verdade, no gosto por tentar eliminar a mentira pela notícia. Projeto eterno de um jornalismo independente, no editor que concede autonomia ao repórter que, em contato com seu povo, transforma as Américas num novo universo, unidas pelo ideal de que é possível mudar.

Existem, pelo menos, três posturas para se interpretar a realidade: a negação, o aceite ou o debate. Caso o jornalista escolha a primeira opção, o sujeito fica simplesmente desprovido de esclarecimentos.

Certos fatos são inexistentes em detrimento do chamado “interesse público”, como a divulgação, por exemplo, da exploração da mão-de-obra desqualificada, principalmente na área da saúde, ou mesmo o despreparo dos profissionais na área da segurança pública, situações resumidas, pelos administradores públicos, na seguinte frase: “Somos pobres e, por isso, precisamos desses profissionais”.

Ao apenas aceitar o que é (im)posto, o jornalista depara-se com a mensagem pronta, segundo a notícia construída pelo universo daquilo que foi dito. Torna-se o reprodutor das situações, descompromissado com os por quês que determinam o discurso, como o da preservação do meio ambiente.

Eles dizem: “Fazemos muito por esse país”; no jornal está estampado: “Fazem muito pelo país”. E daí o conto fica sem a história porque o escritor se defronta, todos os dias, com um bando de desempregados, sem profissão e com o orgulho ferido. Mesmo assim, ele continua repetindo a farsa da desinformação, negando o direito ao jornalismo.

O acontecer culmina com a necessidade de falar com as pessoas, de saber o que aconteceu. O jornalista reage, pensa, conversa: “Ajudem-me!”. Ele não sabe a história, mas precisa espalhar que todas as pessoas necessitam, no mínimo, de uma casa digna, com uma boa cama, saneamento básico, além da comida na mesa, roupa limpa, trabalho, escola. A reportagem está aberta para as coisas simples da vida, oficializada pela interatividade.

Amanhã, ao acordar, ele se depara com o mesmo noticiário, mas vai ter de recontá-la aos seus pais, avôs, vizinhos, amigos, porque seu trabalho é reconstruir a história do hoje pela narrativa que reúne as bandeiras da revolta, da felicidade e, principalmente, do destino desta fantástica moradia soletrada nas palavras sinceras do jornalista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELTRÃO, L. Iniciação à filosofia do jornalismo. São Paulo: Edusp, 1992.

CANCLINI, N. Culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

PIERNES, G. Comunicação e desintegração na América Latina. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1990.

*Luciano Victor Barros Maluly é professor de radiojornalismo na ECA/USP.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]