Nº10 - Jul. 2008
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 

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ENSAIOS
 

Lachesis, agonia e morte
do jornalismo policial


Por José Amaral Argolo
*

A Reportagem Policial está limitada. Tudo isso porque, em pouco mais de vinte anos, aconteceram omissões e equívocos administrativos em escala, conformismo e desprezo pelo monstro que vinha sendo gerado no útero das megalópoles.

Palavras-chave: Policial / Reportagem / Processos Jornalísticos

Reprodução

John William Waterhouse,
"Lachesis" (1894).

A Polícia foi desmoralizada, desacreditada e destruída por uma Imprensa inconseqüente que — ao invés de pegar o mau policial e arrebentar com ele — arrebentou com a instituição. Então o descrédito foi da instituição. Os maus elementos que existem em todo lugar, passaram uma herança terrível para a instituição quando eles eram os cancerosos, os policiais desonestos, os achacadores, policiais entre o crime e a lei. Estes tinham que ser castigados, postos à execração pública, mas não a instituição. Depois que se desacreditou a Polícia, Civil e Militar e, em decorrência, as demais instituições ligadas à segurança, o povo passou a não acreditar e o bandido passou a não acreditar também. E o que é que aconteceu? O bandido invadiu o lado de cá.

Adriano Barbosa (Entrevista a ARGOLO, J. A. e BARBOSA, G. C.).

Adriano Barbosa já não mais exerce atividades como repórter de campo. Aposentou-se e agora é escritor (aliás, recentemente publicou mais um excelente livro intitulado O Crime do Sacopã). A sua antiga escola, de paredes de neblina e pé direito rumo ao infinito já não tem mais alunos, os professores [todos desprovidos de títulos acadêmicos] foram desaparecendo e levando com eles um tanto de conhecimento que se perdeu. Irremediavelmente.

Não é de hoje que os leitores mais atentos dos diários de grande circulação percebem a agonia lenta e dolorosa do Jornalismo Policial nos moldes clássicos; o prenúncio da morte de um campo de observação/atuação profissional que — contraditoriamente dada a sua natureza peculiar — vem crescendo assustadoramente nas metrópoles do país devido não somente à proliferação dos bolsões de pobreza, mas à gelatinosa mixórdia que se formou a partir do instante em que certo número de policiais, engajou-se no submundo da criminalidade formando uma banda podre nas corporações destinadas a proteger e servir à população.

E mais:

No exato momento em que a micro parcela desse aparato repressivo imiscuiu-se nos negócios de contrabando e venda de armas, componentes eletrônicos e de entorpecentes (abertamente conhecidos em alguns casos ou inversamente dissimulados nos bastidores das festas regadas a champagne e /ou bailes funk), seja nas favelas ou na periferia das cidades; no instante em que os grupos de extermínio se multiplicaram na escala do absurdo, integrados não apenas por policiais corruptos, mas por uma alcatéia misturando alcagüetes, ex-policiais civis e militares demitidos a bem do serviço público por tráfico de drogas, extorsões mediante seqüestros, assaltos, proxenetismo etc., birosqueiros, camelôs e até mesmo cidadãos comuns dos mais diferentes segmentos...

Nesse momento, repito, a reportagem policial passou a apresentar sintomas de colapso. Ainda que incentivada, aqui e acolá, por intermédio de manchetes, chamadas e títulos-fortes apelativas(os), textos para lá de semi-propagandísticos e editoriais em estilo inflamado [porém vazios] quanto à densidade das sugestões.

Eis um exemplo conhecido.

O Esquadrão da Morte assim rotuladonunca existiu. O que persiste — nessa história que, penso, nunca será escrita sobre os bastidores das corporações policiais — é uma ficção incorporada por intermédio da Imprensa no imaginário coletivo. Declarada e chancelada com carta-branca para agir e assumindo um sem número de resultados-mortes durante as operações, a única lembrança que guardo preservada na memória (após tantos anos de prática jornalística) é a dos Doze Homens-de-Ouro da Polícia Carioca, equipe constituída na gestão do general Luis de França Oliveira (1969-1971) e posteriormente dissolvida por causa das denúncias que comprometiam a maioria daqueles policiais.

Reproduzo um trecho da entrevista efetuada pelo jornalista Octávio Ribeiro com o detetive Guilherme Godinho, o Sivuca.

Octávio Ribeiro: Sente-se orgulhoso por ter sido um Homem-de-Ouro?

Sivuca — Não, irmãozinho. Sinto a maior vergonha. Já fui um homem-de-ouro. Hoje não concordaria em ser batizado com aquele pomposo título. Naquela oportunidade achei bacana ter sido nomeado. Todo homem tem uma pitada de vaidade, né? Pensei que haviam reconhecido meus méritos. Depois constatei que o grupo só foi criado para acalmar a Imprensa, dar uma satisfação à sociedade. Enfrentamos perigosos assaltantes de motoristas de táxi, os famosos Bandeira 2. Éramos doze gatos pingados. Aparentávamos uma força que realmente não tínhamos. A realidade foi cruel: fomos jogados às feras (e mais à frente). A Polícia se revoltou com a discriminação. A maioria dos colegas não concordou sobre a maneira como o grupo foi formado. Achou que os homens-de-ouro deviam ser selecionados pelos próprios policiais para não haver injustiça. Com a nossa nomeação, delegados perderam o prestígio, se sentiram ofendidos. O final do grupo foi melancólico. Os homens-de-ouro tornaram-se policiais marcados e quase desmoralizados. Alguns deles até caíram em desgraça.

Ao contrário dos Doze Homens-de-Ouro, grupo oficialmente dissolvido após três meses (pouco mais, pouco menos) de atuação nas ruas, outros mais foram instituídos e ganharam força nos subterrâneos da repressão (tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo) durante o período mais turbulento do Regime Militar (1968-1972); depois...  bem, depois tudo virou sopa de entulho, isto é, essas micro-facções passaram a operar sob as mais diversas denominações. Em comum, naqueles primeiros tempos, quase todos manifestavam preocupação semelhante: a Imprensa devia registrar a eficiência, impetuosidade e violência implacável durante as operações de rua.

Daí as ligações telefônicas [alta madrugada] para as equipes de plantão nos jornais, por intermédio das quais indivíduos com vozes graves e dissimuladas anunciavam: “Aqui é o Morcego: deixei tantos presuntos na estrada tal...” Ou o China, ou Lírio Branco, ou tantos outros... menos o Mão Branca — esta, uma brincadeira irresponsável de três jornalistas da extinta Última Hora, que terminou em inquérito instaurado na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro e foi posteriormente,  “esquecido”, numa das gavetas da própria Delegacia ou (quem sabe?) em algum gabinete no âmbito do Judiciário.
A história, resumidamente:

Apoiados no pelo editor (A*** R***, veterano jornalista especializado na área policial, já falecido), dois repórteres da Última Hora: M***B*** e J***E*** (o segundo também “desencarnado” na década de oitenta), desanimados por causa de um plantão de final de semana esvaziado (isto é, desprovido de notícias quentes), resolveram aglutinar todos os homicídios registrados na extensa área da Baixada Fluminense e atribuir os crimes a um só grupo de extermínio, intitulado Mão Branca.

A partir da publicação da primeira manchete revelando a existência desse novo grupo de extermínio, as vendas daquele diário praticamente triplicaram. O problema é que, para esquentar o noticiário, novas e extensas reportagens foram elaboradas e suitadas (inclusive pelas equipes de outros diários da Capital e de São Paulo, principalmente). Disso resultou uma seqüência de homicídios em escala diabólica. Durante quase um mês todos os artifícios jornalísticos foram utilizados para conquistar leitores.

“Deu no poste!”

Listas contendo nomes e/ou apelidos dos bandidos que deveriam ser executados (conforme o modelo tradicional dos números sorteados no jogo-do-bicho e afixados nos postes de luz), passaram a figurar sob as manchetes grafadas em corpo 172. De imediato cabe uma indagação: quem seria tão idiota ao ponto de antecipar ao público uma relação de candidatos a presuntos? Ninguém realmente sério, muito menos a Polícia! Porquanto corresponderia a um atestado de irresponsabilidade.

Bastaria a primeira hipótese, isto é, a difusão de listagens em série antecipando os nomes dos que seriam executados, o Ministério Publico teria que intervir utilizando todos os recursos jurídicos cabíveis, inclusive solicitando o apoio das autoridades federais.

Materializando-se a segunda, confirmar-se-ia uma burrice colossal porquanto os delinqüentes também lêem jornais (aliás, dizem que são os primeiros a fazê-lo assim que os exemplares deixam as unidades impressoras) e não ficariam aguardando a chegada dos seus próprios carrascos sentados nas escadarias das favelas ou nas ruas de terra próximas aos campos de futebol de várzea. Simplesmente fugiriam apressadamente daquela área ou, hipótese adversa resistiriam como feras trocando tiros como acontece atualmente, com grande número de baixas para ambos os lados.

A história do Mão Branca representou muito mais do que um blefe jornalístico. Foi uma vergonha! Pessoas inocentes morreram porque, na voragem do noticiário, as mentiras ganharam colorido próprio e até mesmo conquistaram opiniões favoráveis. Quando a armação foi desmascarada e o número dos cadáveres ultrapassou a casa das centenas, tanto o editor como os dois repórteres — pressionados e assustados — tentaram desviar o foco dos leitores para outros episódios. Mas era tarde demais! As evidências indicavam mais uma prévia do atestado de óbito para a Reportagem Policial.

Certificado este cujas lacunas vêm sendo complementadas por outros descalabros jornalísticos, à semelhança da Mulher de Branco, do Chupa Cabras etc. Até desaguar no escândalo da Escola Base, sobre o qual pesa uma dívida ainda não quitada com a sociedade paulista.

Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador... são metrópoles quase idênticas nos quesitos delinqüência, corrupção e violência encomendada. Em outras capitais (incluindo o Distrito Federal), como Belo Horizonte, Porto Alegre, Vitória (na periferia desta última, as estatísticas oficiais [e oficiosas], confirmam indicadores alarmantes de homicídios (quase sempre associados às ações do sindicato do crime). Esse fantasma influencia de tal maneira o cotidiano das pessoas, deprimindo-as, que sobre elas, incide o desejo de mudança para outras localidades, não importa se no interior mais remoto (ou mesmo fora do País), desde que seja possível viver em paz.

Qualquer pessoa de bem fica atemorizada diante dos comentários de outros cidadãos: recepcionistas, secretárias, estudantes, office boys, entregadores de pizzas... quando, no caminho para o  trabalho, se aproximam ocasionalmente  das bancas de jornais para ler as manchetes afixadas com grampos de aço e, em seguida, escutam a mesma e cotidiana ladainha:: “Que absurdo! Quando é que isso vai ter  fim?”

Uma cidade... não importa a topografia e a extensão territorial; não interessa o número de habitantes, a segmentação laboral e o poder aquisitivo das famílias; não entra sequer em pauta o quantitativo de bairros e a constatável oferta de salas de projeção, teatros, circos e praças públicas... fica anêmica e sucumbe  quando os episódios violentos nela registrados ganham foros de banalidade.

Nas maiores metrópoles do país, como assinalado, é possível dizer que muitas donas de casa, pais e mães de família, já não perdem mais as poucas horas de sono e nem deixam de jantar depois de folhear as páginas dos diários ou de assistir aos blocos de noticiário das emissoras de televisão. A menos que a violência em tela tenha sido praticada próximo da residência ou do local de trabalho.

Muitas destas pessoas sequer repreendem os próprios filhos quando imitam, no aconchego do lar ou no convívio das salas de aula nas escolas, os diálogos desaforados, os gestos desafiadores dos bandidos; quando incorporam inconscientemente o discurso e as ações das lideranças do crime e as reproduzem, indiferentes ao que possam vir a significar em relação ao próximo.

Recordo os exemplos horripilantes, patéticos, daqueles indigentes mortos a pauladas enquanto dormiam nas ruas de São Paulo; repetem-se os registros dos pitboys, pitgirls e pitfamílias de classe média alta se estapeando no interior das casas noturnas e nos condomínios de luxo; conquistam espaço nos media os apologistas do uso de drogas falsamente identificados como artistas de vanguarda.

Alguns, sem que seja necessário nominá-los, acabam morrendo vítimas do tráfico e da irresponsabilidade. Sucumbem de overdose enquanto outros acabam presos e aí, por uma estranha e inquietante alquimia, são iconizados por uma parcela da fragilizada juventude.

Mergulhados nessa gelatina, alguns jornalistas que utilizam o espaço nobre dos diários para dizer sim a descriminalização das drogas, minimizando seus malefícios.

“Tá dominado, tá tudo dominado!”

A Reportagem Policial apressa a sua morte quando nada acontece depois que uma personagem do submundo do crime como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, transforma em reféns do medo uma significativa parcela da população do Rio de Janeiro (de fato, conseguiu impressioná-la durante algumas horas, por intermédio do pânico disseminado nas ruas) ao mesmo tempo em que mandava recados as chefias das polícias Civil e Militar para que não interrompessem  o seu trabalho (isto é, o assassinatodos inimigos recolhidos, como ele, no interior do Presídio de Segurança Máxima Bangu 3 [um deles o traficante Ernaldo Medeiros, o ]) enquanto não se desse por satisfeito.

Quanto à Chefia do Executivo Fluminense (representado pela então governadora [estática diante dos portões daquele complexo prisional]) deixou de agir com a energia necessária, não interrompendo com os efetivos policiais de que dispunha aquele banho de sangue praticado a poucas dezenas de metros de distância.

Poucos dias depois, nenhuma linha nas páginas dos diários.

Fenece o espírito da reportagem quando as chefias/editores negam abertura de espaço às suítes, porque simplesmente já não dispõem, como em outros tempos, de repórteres preparados para essa atividade indissociável ao bom jornalismo. A tese prevalente é a de que os fatos, devem morrer preferencialmente naquela edição ― ou, no máximo, na edição seguinte), quando episódios talvez ainda mais violentos e sensacionais terão ocorrido e, por causa disso, leitores/telespectadores e radio-ouvintes nem recordarão direito o que aconteceu na véspera.

Outro dado complementar sobre essa dolorosa agonia da Reportagem Policial está relacionado à pasteurização do noticiário. Com os repórteres estabelecendo pactos entre si no ambiente das ruas, de modo a que as informações sejam apresentadas sempre a partir de um mesmo viés, abrindo mão do furo e da criatividade redentora.

Exatamente por isso não há mais espaço na linha de produção, se vivos estivessem, para jornalistas ao estilo de Tenório Cavalcanti (em sua luta a favor do Tenente Bandeira), Octávio Ribeiro, Ubiratan de Lemos, David Nasser, José Monteiro, Luiz Carlos Sarmento, Valério Meinel, Laerte Barros, Vargas Júnior, Aroldo Bonifácio, Hílcar Leite, entre outros.

Albeniza Garcia, Ayrton Baffa, Dílson Behrends, Adriano Barbosa, Jairo Costa, Jarbas Domingos estão aposentados; Percival de Souza resiste como um desbravador incansável à passagem do tempo: escrevendo, reportando, emitindo opiniões.

Aroldo Machado, outro gigante, está afastado das ruas: buscou outros caminhos (atualmente exerce função executiva em uma emissora de televisão). Não há quase ninguém nas redações dos diários com mais de cinqüenta anos, trinta deles ou mais de experiência consolidada. Para arrematar, sequer são elaboradas aquelas manchetes pitorescas, criativas, bem humoradas...

Santa Cruz Lima e seu filho Antomary Ruy, Flávio Amaro Brito, José Luiz Tavares, Ricardo Galeno, Álvaro Cordeiro, José Lahud, Moysés Meohas, Loren Falcão Armindo, são nomes desconhecidos para os jornalistas de agora. Perdeu-se na neblina do esquecimento e nela permanecerá até que seja resgatado de maneira completa e abrangente o passado fascinante da imprensa popular.

A Reportagem Policial – à semelhança de outros campos da produção jornalística – perdeu densidade também por conta da derivada tecnológica que antecipou o horário do fechamento. Porque, como o trabalho de apuração bem feito não tem hora para terminar, tudo fica velho antes da meia-noite.

Esta Seção Especializada que as grã-finas com narizes de cadáver (como dizia Nelson Rodrigues!) consideram inferior — salvo quando o prédio vizinho é invadido por uma quadrilha equipada com walkie-talkie, trajando roupas caras e armas sofisticadas — foi incorporada, na maioria dos diários, à Editoria Geral. Trata-se, penso, de um erro tático que permanecerá até o dia em que algum empresário de bom senso restitua a ordem natural.

Agoniza esse núcleo espetacular da prospecção jornalística devido à banalização dos fatos; e, ainda, como desdobramento do sacrifício voluntário da percepção individual daqueles que, seguramente, com uma parcela mínima de esforço, poderiam vir a elaborar esplendidas reportagens.

O problema não é novo. Já se comentava desde a década de oitenta, melhor dizendo, da década do nada... Enquanto no Rio de Janeiro o desencanto da classe média face à violência crescia ao ponto do insuportável, outros segmentos assumiram postura hipócrita [de pseudo-tolerância e assistencialismo episódico].

Na Paulicéia, às margens do Tiete por onde trilharam os bandeirantes, o glamour da metrópole cosmopolita e multiétnica tinha evanescido na paranóia dos anos sessenta. A Cidade Fashion foi sendo transmutada graças a perspicácia dos construtores-incorporadores.

Nos condomínios luxuosos dos Jardins; no clássico Morumbi; na neocaliforniana Alphaville (os falcões da construção civil identificaram em Barueri uma nova Ilha do Tesouro e investiram pesadamente), a simpática e agradável Moema perdeu casas espaçosas com quintais e arvores e ganhou edifícios e mais edifícios. A orla de Guarapiranga ascendeu ao status de balneário para os desportistas que não podem descer até Ubatuba, São Vicente e Ilha Bela nos finais de semana.

Nas proximidades da Capital, enquanto as antigas cidades-dormitório: São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano registravam crescimento vertiginoso, Diadema viu-se estrangulada por um imenso complexo de guetos e casebres com tijolos aparentes. Subdividiu-se em castas e comunidades renomeadas conforme os interesses dos políticos: pobres, novos pobres, descamisados, descalçados, desempregados, flagelados, despossuídos... todos deserdados do Poder Público...

A Reportagem Policial está limitada. Tudo isso porque, em pouco mais de vinte anos, aconteceram omissões e equívocos administrativos em escala, conformismo e desprezo pelo monstro que vinha sendo gerado no útero daquela megalópole.

O jeito blasé com que parcela da população da Capital (no início do Século XX) percebia a criminalidade, cedeu lugar ao espanto; ao medo que caminha ao lado na  Brigadeiro Luiz Antonio, Avenida Paulista, Rua Augusta — esta ultima agora mais do que nunca subdividida em segmento plebeu, com seus inúmeros motéis de curta permanência, e um segundo trecho com estabelecimentos equipados com todas as comodidades para empresários e executivos.

São Paulo, cidade conceitual com orçamento previsto para o ano de 2005 totalizando R$ 14 bilhões [mas que, segundo especialistas, demandaria o dobro] mudou a maquiagem.

Continua esplendida para os apreciadores da arquitetura, da gastronomia, do esporte e das artes plásticas. Mas apresenta tantos problemas estruturais, desigualdades em tamanha profusão, que nem somando os repórteres especializados de todos os diários e emissoras de rádio e televisão seria possível efetuar a cobertura jornalística dos episódios diários da crônica policial.

Finalizo citando Aguinaldo Silva, acima de tudo um jornalista que não esqueceu as suas raízes:

E tudo acabou, agora. O mundo é morto. O resto eu não sei mais. Não me contaram (Canção de Sangue, p. 180).

P.S.: Aguinaldo Silva era subeditor do Globo na segunda metade dos anos setenta. Um artista da palavra cuja percepção valorizava cada noticia. Poucos talentos a ele se comparam no meio jornalístico.

*José Amaral Argolo é advogado, jornalista, doutor em Comunicação e Cultura, pós-doutor pelo Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e professor da Escola de Comunicação da UFRJ.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]