Nº 9 - Dez. 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 


DOSSIÊ - 7 DE SETEMBRO NA MÍDIA
 


A construção
social da notícia

Um olhar sobre a abordagem do
7 de setembro no Jornal da Band


Por
Danubia Andrade e Simone Martins*

Reprodução

RESUMO

A proposta deste artigo é a de analisar o enfoque dado às notícias relacionadas ao 7 de Setembro pelo Jornal da Band durante a Semana da Pátria. Buscaremos refletir acerca dos critérios de noticiabilidade utilizados para a construção dos telejornais, assim como os padrões de manipulação inseridos nas matérias veiculadas por esta emissora de TV.

A partir do resgate bibliográfico de autores como Traquina, Hall e Abramo, dentre outros, e da análise das edições do telejornal de toda a semana, tentaremos verificar o espaço e a importância concedidos a esta data histórica pelo Jornal da Band.

PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo / Noticiabilidade / Sociedade

Para empreender nossa análise sobre a cobertura da Semana da Pátria no Jornal da Band, cujo recorte empírico abrange as edições do dia 3 de setembro, segunda-feira, ao dia 8 de setembro, sábado, partimos do princípio de que as notícias não relatam de forma transparente os acontecimentos considerados "naturalmente" como noticiáveis.

Ao contrário, entendemos as notícias como o produto final de um processo complexo que se inicia na seleção sistemática dos acontecimentos de acordo como um conjunto de categorias socialmente construídas. Assim, as notícias são produtos sociais que auxiliam na construção da realidade.

Neste sentido, torna-se necessário analisar a construção da notícia em três distintas etapas. Primeiro empreenderemos uma análise sobre a organização burocrática e histórica do jornalismo da Band, uma vez que compreendemos a importância da estrutura organizacional no processo de produção das notícias.

Em outras palavras, o histórico de desenvolvimento do jornalismo nesta emissora, o formato e estrutura do telejornal e até mesmo características profissionais de seus âncoras podem nos trazer imprescindíveis informações para a compreensão dos processos e escolhas que envolvem a seleção e construção das matérias analisadas, assim como também podem elucidar as questões que permeiam possíveis "ausências" de cobertura.

Num segundo momento, a análise estará focada na seleção do que é notícia na Semana da Pátria. Os critérios de noticiabilidade utilizados pelos jornalistas ordenam a seleção e a veiculação das notícias, e a posição de determinadas estórias dentro de algumas categorias nos auxiliará a entender os critérios de seleção dos acontecimentos.

Finalmente, empreenderemos uma análise de discurso no intuito de compreender como os jornalistas da Band constroem os acontecimentos do 7 de setembro, como esta estória é identificada e contextualizada socialmente, que mapas de significado são utilizados neste processo de ordenamento dos fatos, que critérios de manipulação podem ter sido utilizados e, por fim, que informações ou acontecimentos permaneceram ocultos nesta construção.

Hoje a TV atinge praticamente todo o território brasileiro, e se consolida como a principal fonte de entretenimento e informação dos acontecimentos sociais para a maioria da população. E o jornalismo tem papel de destaque neste contexto. Assim, priorizar no âmbito desse artigo a abordagem feita por uma emissora de TV brasileira acerca das comemorações da Semana da Pátria, data que deveria ser de interesse nacional, é de fundamental relevância, haja vista que consideramos serem os telejornais os maiores produtores de significados sociais e culturais na sociedade contemporânea.

Entendemos que o telejornalismo pode, em tese, contribuir para o resgate da história e da cultura de um país, e a conseqüente construção de uma identidade nacional, na medida em que os telespectadores se identifiquem com as notícias produzidas e veiculadas, e conheçam a história de seu povo e de sua nação.

7 de setembro: que feriado é esse?

De acordo com os livros sobre História do Brasil, foi no dia 7 de setembro de 1822, às margens do rio Ipiranga, que o então Imperador Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil, formalizando a sua separação de Portugal. O Dia da Pátria, como ficou conhecido, tornou-se uma data comemorada em todo o país.

Em tese, deveria ser o dia no qual todo o Brasil estivesse ‘vestido’ de verde e amarelo e a população ratificasse o seu amor à nação em manifestações espontâneas de civismo.

Não é o que acontece de fato. A data, que deveria ser comemorada como a conquista da liberdade de uma nação, atualmente é vista apenas como um dia de descanso para a população brasileira e não como um momento de reflexão sobre as conseqüências desta Independência e para o debate de temas diretamente relacionados a ela, como cidadania e participação política.

A historiadora Lúcia Maria Bastos P. Neves (2002), em estudo sobre a Independência do Brasil, analisa a conjuntura do Dia da Pátria como uma tentativa de implantar novas idéias e práticas políticas quanto ao relacionamento do indivíduo e da sociedade com o Estado, por intermédio da imprensa. Segundo a pesquisadora, esses fatores poderiam ter resultado na “constituição de uma autêntica esfera pública de poder, mas que acabaram limitadas e reorientadas em função das circunstâncias da época, impedindo que se criasse uma verdadeira noção de cidadania no país” (Cf. NEVES, 2002). Isso em função das contradições da sociedade brasileira de 200 anos atrás, e que permanecem ainda hoje.

Se o momento da construção e da consolidação da independência possibilitou as primeiras discussões sobre a concepção de um projeto de Brasil, pautado na cultura política do liberalismo, no qual a necessidade de se construir uma consciência de cidadania não estava de todo ausente, voltar a discutir o episódio em nossas salas de aula possibilita reexaminar em suas raízes as relações dos indivíduos com o Estado e o poder, e permite colocar no centro de nossas atenções a preocupação com a cidadania. Este é o poder da história e da educação (Cf. NEVES, 2002).

Para o sociólogo francês Dominique Wolton (2004), “a televisão é atualmente um dos principais laços sociais da sociedade individual de massa. Aliás, ela é também uma figura desse laço social” (Cf. WOLTON, 2004: p.135). O conceito de laço social diz respeito a um discurso televisivo que pressupõe um telespectador ativo, não mais passivo.

Ganham cada vez mais força os argumentos que apresentam o espectador como aquele que encontra na programação uma fonte de informações para conversas sociais. Tal fato representa de maneira inequívoca uma re-significação do discurso da informação televisiva sobre os processos comunicacionais, e o redimensionamento da responsabilidade adquirida pela TV em transmitir educação e conhecimento.

A hipótese assumida aqui é de que a (re)construção da história dos sujeitos seja feita a partir de suas relações com outros indivíduos e com a sociedade na qual se inserem. E hoje essa relação é mediada também pelos meios de comunicação, principalmente os telejornais. Em estudo sobre o valor do telejornal, Beatriz Becker (2004) afirma que o telejornalismo funciona como experiência única, cotidiana e coletiva de representação e construção da realidade para a sociedade contemporânea.

Alfredo Vizeu (2005) compartilha desta abordagem ao trabalhar a informação televisiva como bem público, por ser o meio mais cômodo, econômico e fácil de informação para a sociedade atual; o telejornal é o produto de informação de maior impacto na atualidade.

Vizeu e Correia (2006) argumentam que o telejornal tornou-se um lugar de referência para o telespectador. É, também, um importante espaço na construção de sentidos do nacional, e funciona como fator determinante para a (re)construção de uma cultura nacional, do resgate à história de uma nação. A partir desta perspectiva, percebemos que o conceito do jornalismo está associado a um lugar de referência para a construção social da realidade. Isso porque a mídia nos insere no espaço público, influenciando nosso sentimento de pertencimento.

É inevitável destacar que a TV é hoje um dos principais elos entre o homem e o mundo. Atualmente é sobretudo por meio das mensagens jornalísticas transmitidas pela TV que os indivíduos tornam-se cidadãos do mundo. Pelos monitores muitos acompanham o desdobramento dos fatos, muitas vezes em tempo real, se informam, formam opinião, enfim, adquirem conhecimento.

Conforme afirmamos anteriormente, a investigação compartilha das premissas do sociólogo francês Dominique Wolton (2004; 2006), de que a TV não é um veículo narcotizante e que os telespectadores não são receptores passivos. Os indivíduos, segundo Wolton (2004), assimilam o que vêem na TV e produzem sentidos a partir de sua compreensão, aprimorando conhecimento. As relações entre as informações veiculadas pela TV e a sociedade não podem ser passivas e indiferenciadas. Elas passam a contribuir para transformar o conhecimento do espectador enquanto sujeito sócio-cultural.

Breve histórico da TV Bandeirantes e do Jornal da Band

Criado em 1937, o Grupo Bandeirantes de Comunicação faz, desde então, a cobertura dos principais fatos da história do Brasil e do mundo através de seus veículos de comunicação. Mas foi apenas a partir do final dos anos 60 que a Rede Bandeirantes de Televisão iniciou suas atividades, fruto de um projeto de expansão do empresário João Jorge Saad na área das comunicações.

Saad acreditava no poder da informação e alimentava o sonho de criar uma emissora de televisão desde 1954, quando adquiriu a concessão do canal 13. Na visão do empresário, a TV tinha se tornado essencial à sociedade brasileira. Em maio de 67 finalmente entra no ar a TV Bandeirantes de São Paulo. A primeira transmissão da nova emissora acontece com um discurso de João Saad, seguido de um show de cantores de sucesso na época. Várias autoridades estavam presentes no local e, em frente à emissora, foram montados um parque infantil e um circo gratuito, com distribuição de brindes por dois dias.

Com base no que havia feito no rádio, João Saad ressaltou que a programação da tevê seria a melhor possível, não demasiadamente clássica, pois o povo pedia algo mais simples. Teria como base jornalismo, esporte e entretenimento, com filmes, programas de auditório e musicais [1] .

Em julho de 1969 um incêndio atingiu a sede da emissora, causando um prejuízo de milhões de dólares investidos em aparatos técnicos de última geração além de grande parte do acervo da TV. Entretanto a Band recomeçou os trabalhos com apenas um caminhão de externas e manteve-se no ar. “Sob o slogan A Bandeirantes não vai parar, as transmissões prosseguiram, mesmo de forma precária” [2].

Já em 75 a TV Bandeirantes vira Rede Nacional, seguindo a tendência já implantada por algumas emissoras da concorrência. João Saad ressalta a importância dada pela emissora ao jornalismo ao afirmar que este deve representar os anseios da comunidade. Além da emissora-sede, outras 12 pequenas estações espalhadas pelo Brasil compunham a rede. Em 1980 já eram 24 emissoras espalhadas por todo o país.

Mas o crescimento da cobertura nacional não ocorreu facilmente: a Embratel só possuía dois canais para os Estados com menor densidade populacional e que já estavam ocupados por Tupi e Globo. Isso foi um obstáculo dramático na expansão da Rede. A Band foi buscar na Intelsat, com o apoio da Embratel, tecnologia e know-how para operar por satélite 24 horas por dia. Com isso, em 1982, a Bandeirantes foi a primeira empresa comercial nas Américas a operar uma Rede de Televisão por satélite [3].

Em 1983 a Band começa a investir em Esportes, e estréia o Show do Esporte (presente durante 20 anos na grade de programação da emissora). O pioneirismo na transmissão de vários eventos esportivos fez com que ela se tornasse o “Canal do Esporte”.

Entretanto, para conquistar novos telespectadores, a emissora mudou o foco de sua programação. Deixa de ser “o canal do esporte”, mas permanece atenta aos grandes eventos esportivos, e começa a investir prioritariamente no jornalismo, seguindo uma das marcas dos 70 anos da empresa.

O Jornal da Band, objeto de estudo neste trabalho, é veiculado de segunda a sábado às 19h20, e trata-se do principal telejornal da emissora. Está no ar desde a fundação da Rede Bandeirantes, em 1967. Durante os primeiros anos de exibição, na década de 70, o telejornal era constantemente alvo de censura, fruto da ditadura imposta pelo regime militar.

Já na década seguinte, com maior liberdade de expressão no país, começa a ser veiculado em rede nacional. Atualmente ancorado por Ricardo Boechat (repórter consagrado no colunismo do jornalismo impresso), com comentários de Joelmir Betting (comentarista de política, economia e atualidades) e apresentado por Mariana Ferrão, também editora do tempo, o Jornal da Band é fruto de um “jornalismo corajoso, objetivo e atento aos fatos” [4]. Segundo dados da própria emissora, o noticiário produz jornalismo independente, veiculando informações de forma simples e objetiva. Trata-se da “principal expressão de um telejornalismo moderno, imparcial, abrangente e variado” [5].

O Jornal da Band é veiculado em rede nacional e aborda os fatos mais importantes do país na visão da emissora. É um jornal opinativo e também é responsável pela construção de uma identidade nacional ao retratar a realidade da população brasileira, construindo laços de pertencimento entre público e emissora, uma vez que os telespectadores se identificam com o material veiculado pela TV Bandeirantes e em muitos casos compartilham da opinião assumida pelo âncora do telejornal.

No principal telejornal veiculado pela Band estão presentes os recursos típicos do gênero opinativo: o âncora e a apresentadora fazem a “cabeça” das matérias, chamam os VT’s, as entrevistas, e os comentários. O âncora ainda é o responsável por opinar sobre os assuntos mais polêmicos que são destaque no cenário nacional. O tempo de exibição do programa analisado é de, em média, 50 minutos diários [6].

Como já dissemos anteriormente, o Jornal da Band segue o modelo clássico dos telejornais veiculados em rede nacional, com notícias de todo o país, com alcance e interesse para toda a população brasileira. Nesse sentido vale destacar que fazer uma avaliação da notícia é pensar no público a que ela se dirige, porque se pressupõe que as seleções efetuadas vão ao encontro dos desejos da audiência.

Segundo Vizeu (2005), o julgamento da noticiabilidade de um fato se decide perguntando-se em que medida o público teve conhecimento dele e quando. Para isso, precisamos nos dedicar ainda a estudar como acontece o processo da construção da notícia, ou seja, a reconstrução do fato jornalístico.

Ao estudar a natureza das notícias, Robert Park argumenta que elas têm como incumbência a construção da coesão social, na medida em que permitem às pessoas ficarem sabendo o que acontece em volta delas para tomarem atitudes e, através das suas atitudes, construir uma identidade comum (Apud: VIZEU, 2005: p.67), e que as possibilite viverem em sociedade. Partindo-se desta afirmativa, podemos dizer que o Jornal da Band é construído e/ou concebido no processo de produção noticiosa para tornar-se lugar de referência para o telespectador brasileiro.

Segundo Vizeu (2005), o processo de seleção das notícias é subjetivo e arbitrário, com as decisões dependendo muito de juízos de valor baseados no conjunto de experiências, atitudes e expectativas dos produtores e editores dos telejornais. Os valores-notícia estão, portanto, sempre relacionados à idéia da audiência, ao que deve ser veiculado. Ele acredita que os jornalistas levam em conta esses valores fundamentais para construir as notícias para o seu público.

A noticiabilidade, então, relaciona-se diretamente aos processos de rotinização e estandardização das práticas produtivas, também em TV, uma vez que os primeiros estudos de newsmaking [7] referiam-se aos meios impressos. Verificamos, em nossa análise, que as notícias no Jornal da Band são distribuídas segundo critérios de importância estabelecidos pela linha editorial da emissora. A matéria que abre o telejornal, via de regra, sempre possui maior impacto, devendo ser factual e, sobretudo, tratar de um assunto nacional. Assim o telespectador se sentirá representado na notícia.

A utilização da linguagem coloquial, adequada ao seu público-alvo, é outra das preocupações do Jornal da Band. A hipótese que orienta o trabalho é a de que a maioria dos telespectadores do telejornal seja formada por pessoas das classes C, D e E, em sua maioria trabalhadores na faixa etária compreendida entre 25 a 45 anos.

A construção social de significados para o 7 de setembro

As teorias construcionistas do jornalismo entendem a produção das notícias não como uma atividade de reprodução, cópia ou espelho da realidade. Ao contrário, compreende-se que as notícias são ferramentas que operam na construção da realidade. Neste sentido, o processo de produção social das notícias é permeado pela identificação e contextualização dos acontecimentos, ou seja, momento no qual os acontecimentos são tornados significativos pela mídia. Um acontecimento vai se tornar significativo na medida em que estiver enquadrado num âmbito de conhecidas identificações sociais e culturais. Trata-se de "mapas culturais" do mundo social; mapas estes capazes de retirar o acontecimento da desordem e da invisibilidade e conduzi-lo à esfera da publicização e da inteligibilidade.

Se o mundo não é para ser representado como uma confusão de acontecimentos desordenados e caóticos, então esses acontecimentos devem ser identificados (isto é, designados, relacionados com outros acontecimentos do conhecimento público) e inseridos num contexto social (isto é, colocados num quadro de significados familiares ao público) (Cf. HALL Et. Al, 1993: p.225-6).

Ao apresentar a notícia dentro de uma esfera de contextualização e interpretação, a mídia confere sentido aos acontecimentos. A importância da dotação de sentido por parte da mídia está no fato de que, para a maioria dos espectadores, os acontecimentos noticiados ocorrem fora de sua experiência direta, ou seja, o único contato que eles terão com aquele acontecimento será por meio do relato da mídia.

Assim, o papel midiático é, de fato, de construção da realidade.

Este processo de “tornar um acontecimento inteligível” é um processo social _ constituído por um número de práticas jornalísticas específicas, que compreendem (freqüentemente só de modo implícito) suposições cruciais sobre o que á sociedade e como ela funciona (Cf. HALL Et. Al, 1993: p.226).

A mídia, encarada como construtora da realidade social, é capaz de pautar a sociedade e determinar não necessariamente aquilo que ela deverá concluir a respeito de um problema, mas, certamente, determinar qual problema a sociedade deve discutir em cada momento. A partir disso, estabelece-se uma dependência dos meios de comunicação no que diz respeito ao conhecimento e interpretação de certos acontecimentos da realidade social: quanto menor for a experiência direta do espectador com o tema, maior será a influência dos meios de comunicação em sua interpretação do acontecimento.

Los medios de comunicación se constituyen en el ámbito más importante para la construcción de problemas, ya que es a través de ellos que se presentan ciertas condiciones como problemas, y se brinda una determinada definición o interpretación de los mismos (Cf. FRIGERIO, 1997: p.143).

Além de servir como âmbito mais importante para a construção dos problemas sociais, como corrobora Hall, a mídia também fornece aos seus espectadores poderosas interpretações dos acontecimentos, guiando e orientando a audiência em sua leitura da realidade social.

Os media definem para a maioria da população os acontecimentos significativos que estão a ter lugar, mas também oferecem interpretações poderosas acerca da forma de compreender estes acontecimentos. Implícitas nessas interpretações estão as orientações relativas aos acontecimentos e pessoas ou grupos nelas envolvidos (HALL Et. Al, 1993: p.228).

Como o Jornal da Band contextualizou e interpretou o 7 de setembro? Que mapas culturais foram utilizados para dar significado a esta data comemorativa? E ainda: que recursos foram empreendidos pelos jornalistas deste telejornal para construir consensos a respeito deste feriado? Para que possamos analisar estas e outras questões, nos utilizaremos neste momento dos padrões de manipulação da realidade elencados por Perseu Abramo em seu livro “Padrões de manipulação da grande imprensa” (2007). Acreditamos serem úteis à nossa análise especialmente os padrões de ocultação e fragmentação da realidade.

Ainda que sejamos conscientes da impossibilidade do jornalismo de retratar fielmente a realidade, e neste sentido nos distanciamos da perspectiva de Abramo, nos valeremos destes dois padrões de manipulação por entendermos que ambos esclarecem alguns artifícios utilizados pelo Jornal da Band na cobertura do 7 de setembro.

O padrão de ocultação ocorre quando determinados fatos da realidade não fazem parte da cobertura jornalística provocando um “deliberado silêncio militante” sobre tais acontecimentos. Não se trata, entretanto, de desconhecimento dos fatos ou mera omissão. Também não se pode justificar a ausência da cobertura de determinados acontecimentos com base na teoria que seleciona os fatos entre “jornalísticos” e “não-jornalísticos”.

Segundo Perseu Abramo (2007: p.26-27), o mundo real não se divide entre o que é e o que não digno de cobertura jornalística; as características que tornam os acontecimentos noticiáveis não residem no objeto da observação. Ao contrário, as definições do que seria “jornalístico” estão fundamentadas em escolhas do jornalista e do órgão ao qual ele pertence, vinculadas a uma certa visão de mundo e linha editorial, entre outros elementos.

Neste sentido, observamos que a existência de um feriado nacional para que se comemore a Independência do Brasil é considerado um fato jornalístico apenas parcialmente, ou seja, seu interesse público é parcial. Existe enquanto dia de dispensa do trabalho e das atividades cotidianas, oportunidade para descansar e viajar – o que deriva matérias cuja preocupação seja oferecer dados meteorológicos e de trânsito que facilitem o descanso ou a viagem do telespectador. Porém, não existe enquanto marco histórico cívico e, portanto, não depreende matérias que contemplem um resgate histórico e reflexões mais profundas sobre o significado do feriado nos dias de hoje. A cobertura jornalística do 7 de setembro efetuada pelo Jornal da Band, por exemplo, sequer menciona o termo “Independência do Brasil”.

Além do padrão de ocultação, verifica-se um outro padrão de manipulação, a descontextualização presente no padrão de fragmentação da realidade.
O padrão de fragmentação implica em duas operações básicas: a seleção de aspectos do fato que se pretende noticiar e a sua descontextualização. Ainda que o fato tenha sido selecionado como fato jornalístico, a notícia que será construída termina por escolher alguns ângulos em detrimento de outros. O fato será decomposto e atomizado, na medida em que apenas alguns de seus aspectos serão escolhidos para a construção da notícia. A descontextualização, por sua vez, é uma decorrência da seleção de aspectos.

Isolados como particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado original e real para permanecerem no limbo, sem significado aparente, ou receberem outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado original (Cf. ABRAMO, 2007: p.28).

Como vimos, para Abramo existe um “significado original” do fato que é, por vezes, descontextualizado ou ocultado pela cobertura jornalística a fim de manipulá-lo. Neste ponto, discordamos da perspectiva de Perseu Abramo porque acreditamos que o fato não traz em si um significado único e concreto e, sim, uma miríade de possibilidades significativas que podem ser captadas pelo jornalista, mas que nunca são captadas completamente porque é impossível abarcar toda a realidade. O jornalista seleciona quais são os ângulos do fato que lhe interessam e os inserem em mapas culturais para dar-lhes significado. Neste processo de seleção e introdução do fato jornalístico em mapas culturais é que residiria a possibilidade de manipular suas possíveis significações por meio de descontextualização e ocultação de determinados aspectos.

Dentre as muitas prováveis pautas para a véspera do feriado de 7 de setembro, o Jornal da Band optou por destacá-lo apenas na previsão do tempo. Nestas matérias, exibidas na quarta e quinta-feira, dias 5 e 6 de setembro, a comemoração da Independência do Brasil aparece vinculada diretamente a uma oportunidade para o trabalhador descansar, se possível aproveitar dias de sol e viajar.

Dia 05 de setembro, quarta-feira

Escalada: Boas notícias pra quem pretende passar o feriado nas praias do sudeste: muito sol e calor enquanto no litoral nordestino, chuva.

Segundo bloco, previsão do tempo:

Boechat: Bom, hoje o Brasil enfrentou em boa parte do país mais um dia muito seco. Nádia Haddad, na reta de chegada de mais um feriadão centro-oeste sofrendo, sul sofrendo, que notícias são essas?

Nádia: Bem Boechat, o feriado vai ter chuvas significativas apenas no norte e no nordeste. Por enquanto, tempo muito seco e não apenas no centro-oeste, mas também no sul do país. Especialmente no Paraná, onde não chove forte desde maio. Turistas que visitam Foz do Iguaçu para admirar as cataratas têm visto um outro espetáculo: os paredões de rocha que ficam atrás das quedas d’água.

Dia 06 de setembro, quinta-feira

Escalada: Feriado vai ter tempo quente e bem seco em boa parte do Brasil.

Segundo bloco, previsão do tempo.

Boechat: Os baianos que gostam tanto de sol passarão o feriado da independência debaixo de chuva e com temperaturas mais amenas. Nádia Haddad, esse castigo é localizado? No restante do país o tempo é outro?

(sorrisos de ambos)

Nádia: Com certeza, Boechat. A chuva até aparece, mas de maneira bem fraca pelo norte também. Agora, centro-oeste, sul e sudeste podem prestigiar, podem se valer de um bom tempo, de um bom dia de sol e de temperaturas muito altas. E o paulistano que decidiu passar o feriadão na praia vai enfrentar um trânsito daqueles. Neste momento, as CT’s (Companhias de Trânsito) registraram um congestionamento de quase 200 quilômetros nas rodovias que levam ao litoral de São Paulo.

É válido observarmos, ademais, que o Jornal da Band não se ocupou em registrar os preparativos para os desfiles militares de 7 de setembro, verificando quais avenidas e ruas estariam reservadas para os desfiles nas principais capitais, que contingente de pessoas era esperado, que instituições fariam parte, que curiosidades seriam apresentadas etc.

No dia exato do feriado, o Jornal da Band apresentou duas matérias sobre o 7 de setembro. A primeira delas, uma nota coberta, dava conta dos desfiles cívicos realizados em algumas cidades brasileiras como Porto Alegre, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Vale destacar que o Jornal da Band não destaca as comemorações em Brasília, capital do país. No início da nota coberta, valorizou-se o inesperado em Maceió: um protesto de policiais e servidores em greve que acarretou a suspensão das comemorações.

CABEÇA: Confusão durante o desfile de 7 de setembro em Maceió. Policiais e servidores em greve protestaram.

NOTA COBERTA: As comemorações duraram menos de 1 hora. Policiais civis e servidores da saúde em greve invadiram a área dos desfiles com faixas e cartazes e provocaram confusão. O governador Teotônio Vilella Filho suspendeu o desfile e saiu às pressas. Mais de 2 mil estudantes não puderam desfilar. Os manifestantes querem reajuste salarial.

Em Porto Alegre, 3 mil civis e militares participaram das comemorações.
Em Salvador, o desfile começou com oficiais da marinha, do exército e da polícia militar carregando as bandeiras históricas do Brasil. Destaque para o pelotão da marinha com uniforme do século XVIII.

Em São Paulo, um carro blindado do exército brasileiro abriu as homenagens; 30 mil pessoas compareceram.

No Rio de Janeiro, as bandas dos militares ditaram o ritmo dos desfiles na Avenida Presidente Vargas. A grande novidade foi o desfile naval pela orla carioca.

Há que se observar que a nota coberta não pretende aprofundar as questões que levaram os grevistas ao protesto, qualificado como sinônimo de “confusão”, assim como também não esclarece quais são as reivindicações dos grevistas e nem explora o fato deles terem escolhido o 7 de setembro para realizar o protesto: seria uma busca de visibilidade para a greve? E ainda, ao apresentar os desfiles nas outras capitais, privilegia os dados numéricos e o que seriam “novidades” dentro dos tradicionais desfiles militares, citando pelotão da Marinha com uniforme do século XVIII em Salvador ou desfile naval pela orla carioca.

Além da nota coberta sobre os desfiles, o Jornal da Band exibiu uma outra matéria na qual o feriado é citado. Entretanto, mais uma vez o 7 de setembro aparece como um feriado qualquer, um tempo para descanso e lazer. Acreditamos que a matéria não explora as questões que poderiam relacionar a iniciativa dos voluntários com a própria significação histórico-social do 7 de setembro, sem a preocupação de contextualizá-la como um exemplo de cidadania no dia em que o Brasil comemora a sua Independência. Há que se perguntar: de que forma o trabalho voluntário não seria, por si mesmo, um movimento de independência da sociedade organizada em relação às inertes forças políticas? De que modo a ação destes 60 mil voluntários não seria um exemplo alternativo de comemoração do 7 de setembro?

CABEÇA: Neste feriado de descanso para a maioria, muita gente trabalhou. Voluntários ajudaram a reformar 300 escolas públicas em todo o país.

NOTÍCIA: Gabriel tem 11 anos. Pedro Henrique, 13. Eles são 2 dos 60 mil voluntários que aproveitaram o 7 de setembro para dar exemplo de cidadania. Ajudaram a pintar, consertar e limpar uma das 300 escolas que, neste feriado, passaram por uma faxina geral em 150 cidades do país. Nesta escola, estudam 1600 crianças que, na segunda-feira, vão ter uma surpresa.

Gabriel da Silva (11 anos): se ninguém começar a pichar de novo, eles tem uma escola bonita como essa daqui e vai ficar não é?
Pedro Henrique, que já pichou a lousa da própria escola, diz que agora aprendeu a lição.

Pedro Henrique Pereira (13 anos): daqui pra frente, daqui a uns anos isso pode ser pro nosso filho, pro nosso neto. (repórter): pichar? (Pedro): Não. Nunca mais.

Entre as escolas beneficiadas pelo projeto mãos que ajudam, está este colégio que atende a crianças com necessidades especiais. São 90 alunos de 1 a 18 anos com algum tipo de deficiência mental. O colorido das portas vai ajudá-los a localizar com facilidade banheiros, salas de aula, cozinha. Uma coisa simples que vai valer por uma palavra e vai dar um pouco de independência para cada aluno.

Rita Hortência Queiroz (diretora da escola): A Escola deles já está transformada. E o que aconteceu? Tem cor, tem vida.
Gabriela estuda bem longe daqui. Mesmo assim não pensou 2 vezes para vir dar uma mãozinha.

Gabriela Verzoni (11 anos): A gente tem que fazer alguma coisa pra ajudar. Eles vão ficar muito felizes.

O Jornal da Band optou por apresentar o feriado de 7 de setembro sob uma perspectiva muito mais turística que cívica ao relacionar o feriado da Independência do Brasil à previsão do tempo ou ao simples registro dos desfiles em cinco cidades brasileiras. Que critérios de seleção levaram o Jornal da Band a apresentar o feriado desta forma? O que poderíamos depreender destas escolhas? Que tipo de construções sobre o 7 de setembro estão sendo corroboradas pelo jornalismo desta emissora?

O Jornal da Band escolheu os aspectos que relacionam o 7 de setembro ao descanso e ao lazer, deixando à margem sua importância enquanto marco histórico e social. Em se tratando de um feriado cívico, a cobertura poderia incluir uma retrospectiva histórica mínima, capaz de situar o espectador no significado (ou em ao menos um dos possíveis significados) do 7 de setembro.

A matéria deveria buscar responder às seguintes questões: por que é feriado no dia 7 de setembro? Qual a importância da Independência do Brasil naquela época e nos dias de hoje? Qual é o papel do cidadão brasileiro nesta comemoração? A nota coberta sobre os desfiles, exibida no dia 7, inicia-se com a seguinte frase “as comemorações duraram menos de uma hora”. Mas que comemorações? O que se comemora nesta data? O que os cidadãos têm de fato a comemorar e quais são as lutas de independência que ainda são travadas no país? Se há que se comemorar, por que o fazemos com desfiles militares e não de outra forma?

O Jornal da Band não busca responder a nenhuma destas perguntas e, inversamente, colabora para a sensação de que as comemorações do 7 de setembro restringem-se aos desfiles militares, sendo “papel” do cidadão comum aproveitar o dia para descanso e viagens.

Neste sentido, nossa análise caminha para a perspectiva de que o Jornal da Band constrói um consenso a respeito do feriado de 7 de setembro. Frases como “na reta de chegada de mais um feriadão” (dia 5 de setembro), “o paulistano que decidiu passar o feriadão na praia” (dia 6 de setembro) ou “neste feriado de descanso para a maioria, muita gente trabalhou” (dia 7 de setembro) reforçam o consenso do feriado da Independência do Brasil como uma pausa anual para o descanso e o lazer. Por meio de sua descontextualização histórica e associação a eventos de lazer, o consenso que se cria no espectador é de alienação cívica.

Últimas considerações

No processo de produção da notícia, os mapas de significados escolhidos para dimensioná-la incorporam e refletem os valores comuns, formam a base dos conhecimentos culturais e são mobilizados no processo de tornar um acontecimento inteligível. Assim sendo, o papel da mídia não está apenas em apresentar os acontecimentos por meio de notícias, mas também de oferecer aos espectadores poderosas interpretações de como compreender esses acontecimentos.

O 7 de setembro foi apresentado aos espectadores do Jornal da Band como um acontecimento desvinculado de qualquer importância histórica, apenas associado ao lazer. Os mapas culturais acionados para construir seu significado não reportaram o espectador ao ano de 1822, nem houve a preocupação de contextualizar a importância daquele marco histórico para o dia de hoje e nem mesmo na matéria que fala de cidadania.

Os indivíduos, segundo Wolton (2004), assimilam o que vêem na TV e produzem sentido a partir dessa interação com o veículo, aprimorando conhecimento. Analisando sob esse prisma, a veiculação de matérias sobre o Dia da Pátria sem a devida contextualização histórica faz com que o telespectador continue sem informação sobre a data e, portanto, sem transformar-se enquanto cidadão e sujeito sócio-cultural.

Nesse sentido, ao analisar a dimensão discursiva do telejornalismo enquanto meio de comunicação interventor na sociedade, em consonância com os conceitos formulados por Vizeu, percebemos que a inexistência de informações acerca da data histórica não permite que os cidadãos conheçam de fato sua história. O processo de construção da notícia em um telejornal é responsável pela criação de sua identidade como produto midiático. É preciso ainda ressaltar que a programação veiculada pela televisão em rede nacional é concebida como uma narrativa e/ou agente unificador da sociedade, e pode ressaltar – e em alguns casos mesmo resgatar – a cultura das comunidades às quais se destina. Mas isso não aconteceu de fato.

NOTAS

[1 ] Disponível em: http://www.band.com.br/grupo/historia.asp. Acesso em: 09 nov. 2007.

[2 ] Idem.

[3 ] Ibidem.

[4 ] Disponível em: http://band.com.br/jornaldaband/. Acesso em: 12 nov. 2007.

[5] Idem.

[6 ] No cálculo de tempo médio do telejornal estão incluídos aqueles destinados à veiculação de comerciais, segundo programação disponibilizada no site da emissora.

[7 ] Estudos de newsmaking correspondem aos estudos acerca da produção das notícias em jornalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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*Danubia Andrade é jornalista e pós-graduada em artes, cultura visual e comunicação pela UFJF e mestranda em Comunicação e Sociedade na UFJF. Simone Martins é jornalista, radialista, mestranda em Comunicação e Sociedade pela UFJF e professora do curso de Comunicação Social da Faculdade Estácio de Sá/JF e da Universidade Presidente Antônio Carlos/JF.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]