Extra:
O
jornalismo popular chega à liderança
em circulação no país
Por
Carine
Felkl Prevedello*
Resumo
Cumplicidade
com o leitor, ênfase no entretenimento,
na prestação de serviços,
apelo visual, mas não sensacionalista.
Assim pode ser resumido o perfil editorial
do jornal Extra (RJ), representante
do segmento popular da grande imprensa que,
a partir do final de 2006, chegou à
liderança em circulação
média mensal no Brasil. Os novos
jornais populares, em expansão nas
principais capitais brasileiras desde 1990,
aproveitaram um momento de ampliação
do poder de consumo das classes não
habitualmente leitoras de jornais impressos,
para lançar um novo formato. Este
artigo descreve a história de criação
e parte das condições de produção
do Extra para desvendar um modelo
de expressiva aceitação pública
e as implicações desse fenômeno
para o jornalismo impresso brasileiro.
Palavras-chave
[Jornalismo
/ Segmento popular da grande imprensa /
Circulação]
Introdução
O
segmento popular da grande imprensa, em
expansão desde a década de
1990 no Brasil, demonstra que consolidou
não apenas uma alternativa de mercado
na mídia impressa, mas também
uma espécie de estilo que vem dominando
a aceitação entre o público-leitor.
O jornal Extra, Standard lançado
pela InfoGlobo no Rio de Janeiro
em 1998, conquistou desde novembro de 2006
o primeiro lugar em circulação
média mensal no Brasil, deixando
para trás representantes consagrados
do segmento de referência, como Folha
de S.Paulo, Estado de S.Paulo e O Globo,
que tradicionalmente alternavam
a liderança nos números do
IVC (Instituto de Verificação
da Circulação). Não
bastasse isso, outros jornais populares
têm garantido, também segundo
os dados do IVC, a reversão de uma
tendência de queda na circulação
de jornais impressos no país. Em
2006, os jornais Lance! e Diário
Gaúcho, também lançados
nos anos 1990, junto ao Extra, foram
as três publicações
com mais expressivo crescimento da tiragem
na mídia impressa, enquanto os principais
jornais de referência apresentaram
queda na circulação. [1]
Este
artigo apresenta um recorte do desenvolvimento
da dissertação de Mestrado
da autora, e busca investigar as condições
de produção e de formatação
do discurso que transformou o Extra
no jornal mais vendido do Brasil, contextualizado
no momento de afirmação do
segmento popular da grande imprensa no Brasil.
Priorizamos metodologicamente as impressões
e declarações obtidas durante
visitas à redação do
jornal Extra, e aportes de pesquisas
recentes sobre o crescimento do jornalismo
popular no país como referencial
teórico para as considerações
a que chegamos.
O
boom do novo jornalismo popular no
Brasil
A
década que inicia em 1990 apresenta
um cenário propício à
renovação na mídia
impressa brasileira. As mudanças
econômicas possibilitaram a consolidação
um público consumidor potencial de
informação na classe C, que
até então não estava
entre os habituais leitores de jornais impressos;
o desafio lançado pela expansão
da Internet, que trouxe mudanças
na linguagem de apelo ao espectador; e o
momento internacional, em que grandes empresas
na Europa e América Latina lançam
periódicos condensados, com linguagem
mais direta, sucinta e apelo visual mais
forte, são elementos que, conjuntamente,
proporcionam o surgimento de uma nova proposta
no jornalismo impresso.
Nem
o antigo sensacionalismo, calcado em objetivos
políticos e marcado pela simplificação
acompanhada da degradação
e/ou ridicularização humana,
nem o tradicional jornalismo de referência,
caracterizado pelas temáticas relacionadas
ao interesse público e pela proposta
mais convencional de estruturação
das notícias. Os novos jornais populares
situam-se numa faixa intermediária,
buscando a sedução do leitor
pelo apelo visual e pela velocidade dos
textos mais sintéticos, priorizando
a temática do cotidiano e da proximidade
com o mundo de interesse do público,
mas mantendo certa distância dos exageros
e das fórmulas consagradas.
Em
várias capitais brasileiras, a reestruturação
de jornais como O Dia (Rio de Janeiro),
Jornal da Tarde (São Paulo),
e o lançamento de periódicos
como Diário Gaúcho
(RS), Notícia Agora (ES),
Folha de Pernambuco (PE), Primeira
Hora (MS), Extra (RJ), Agora
São Paulo, Expresso Popular
e Diário de São Paulo
(SP), Aqui! (MG), Q! (RJ),
Meia-Hora (RJ), Super Notícia
(BH), Expresso da Informação
(RJ), Aqui (DF) e A Hora de
Santa Catarina (SC). No contexto internacional,
segundo pesquisa de Bernardes (2004), somente
o grupo Innovation é responsável
pela criação ou reestruturação
de jornais como El Comercio, do Peru,
Super Express, da Polônia,
Correio da Manhã, de Portugal,
Al Dia e Nuestro Diário,
da Guatemala, e também no Brasil
do próprio Extra, da InfoGlobo,
e do Diário Gaúcho,
da RBS.
As
empresas apostam não somente em
novas estratégias de marketing
ou gestão de negócios, mas
também numa fórmula renovada
de produtos jornalísticos. (...)
Um gênero renovado estrategicamente
para alcançar um público
massivo e atrair investimentos publicitários
também massivos. Um gênero
que não é puramente comercial,
ou massivo, ou sensacionalista, ou popular,
mas uma conjugação de diferentes
fórmulas com o intuito de ser bem
recebido por classes tradicionalmente
excluídas do hábito de compra
e leitura de jornais impressos. (Cf. Bernardes,
2004:17).
No
Brasil, vários desses novos jornais
são lançados por empresas
que já mantém outro jornal
no segmento de referência, como é
o caso do próprio Extra e
Expresso da Informação, da
InfoGlobo, que tem O Globo,
e do Meia-Hora, da empresa
jornalística de O Dia, ou
mesmo o Diário Gaúcho
e A Hora de Santa Catarina, lançados
pelo Grupo RBS, que edita Zero
Hora e Diário Catarinense.
As
empresas não vêem concorrência
entre os produtos, pela destinação
e penetração em públicos
diferentes. Um diferencial importante a
ser considerado na destinação
a diferentes públicos é a
própria estratégia de distribuição:
enquanto os quality papers [2] são
vendidos também por assinatura, os
populares só podem ser comprados
nas bancas de jornal. Se observarmos os
números que indicam o crescimento
da circulação dos últimos,
podemos dizer que uma expressiva parcela
de leitores está de fato buscando
esse novo formato, já que eles não
podem ser entregues em casa, e até
pouco tempo não possuíam páginas
na Internet (o Extra lançou
a sua no mês de abril de 2007).
Foi
descoberto um novo nicho mercadológico
para o jornalismo, que busca prioritariamente
atender ao interesse do leitor, ainda que
para isso suplante alguns princípios
caros ao modo convencional de se fazer notícia:
é o caso, por exemplo, da maneira
de veicular os fatos políticos. A
cobertura de política nos jornais
populares é reduzida e destituída
da importância atribuída pelos
jornais tradicionais. Por outro lado, ainda
que estejam pautados mais pelo interesse
do público ao invés da noção
de defesa do interesse público enquanto
pilar histórico do jornalismo, [3]
esse novo segmento popular estabelece uma
distância do sensacionalismo característico
dos anos 60 no Brasil, quando as manchetes
e notícias que exploravam violência,
sexo e linguagem vulgar, características
de jornais como "Notícias
Populares" eram a tônica
do setor.
Ao
avaliar o crescimento do segmento dos jornais
populares no Brasil, Oliveira (2006) estabelece
uma conceituação que diferencia
o "popular com conteúdo",
simbolizado por iniciativas como a do Extra,
e "popular com pouco valor agregado",
representado por jornais considerados mais
marginais, como "A Notícia",
do Rio de Janeiro. Já Prazeres (2006)
entende que os populares não podem
ser comparados aos jornais de referência,
por terem propósitos diferentes e
uma relação também
diferenciada com seu leitor:
Os
veículos devem encontrar os estímulos
de venda de anúncios apropriados
aos seus novos jornais populares, partindo
da relação do público-leitor
com os produtos. Um público bastante
específico, com muitas semelhanças
em estilo de vida e classe social, que
se contenta com informações
correntes, cotidianas, voltadas para os
acontecimentos da cidade, de crimes, artistas,
televisão e futebol, mas que, mesmo
assim, busca informação,
satisfaz-se com ela, encontra entretenimento
e, certamente, a sensação
de estar em maior sintonia com o que acontece
em seu mundo. São milhares de pontos
de contato estabelecidos diariamente,
que têm seu potencial, que podem
ser bem aproveitados, mas em sua dimensão
própria, que não pode ser
comparada à dos jornais tradicionais,
que já tiveram até a pretensão,
ou a possibilidade, em outras épocas,
de mudar os rumos do país. (Cf.
Prazeres, 2006, on-line).
Os
números do Instituto de Verificação
da Circulação (IVC) já
apontam a importância crucial desse
segmento para a indústria nacional
de mídia. Foram os novos jornais
populares os responsáveis pelo crescimento
de 6,5% na circulação de jornais
no Brasil em 2006: enquanto no grupo de
quality papers, a circulação
cresceu 3,61% (abaixo da média),
entre os quatro títulos que apresentaram
maior crescimento estão três
populares (Lance!, com 25,58%, Extra,
com 11,19% e Diário Gaúcho,
com 9,54%).
O
jornal Extra, do Rio de Janeiro,
que era o mais vendido do país nos
finais de semana (com uma média de
400 mil exemplares), fechou 2006 como o
mais vendido também durante a semana:
um feito inédito, pois há
alguns anos a Folha de S.Paulo, Estado
de S.Paulo e O Globo alternavam
essa posição.
Ao
analisar esses números, Flizikowsky
(2007) tenta desvendar o aparente dilema
entre o crescimento de circulação
e de investimento publicitário no
mercado do jornalismo impresso no Brasil,
ao mesmo tempo em que jornais tradicionais,
como Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo,
Zero Hora e Gazeta Mercantil perdem
leitores.
A
crise não é do jornalismo
diário impresso como um todo; aliás,
para o setor não existe crise,
mas crescimento. A crise é do jornalismo
impresso diário tradicional, que
vê a cada dia sua circulação
diminuir, enquanto novos títulos,
mais populares vão conquistando
mercado. Assim, o setor de jornalismo
diário impresso não está
em crise, mas em mudança. Essa
mudança levou diversas empresas
jornalísticas a investir em reformulação
editorial e gráfica, lançar
cadernos especializados, suplementos segmentados,
guias de serviço, coleções
e diversas iniciativas com o objetivo
de conquistar leitores, ao mesmo tempo
em que busca aumentar o investimento publicitário
no setor. (Cf. Flizikowsky, 2007, on-line).
O
surgimento e o crescimento de jornais populares,
ao mesmo tempo em que sinaliza para uma
faceta da segmentação característica
dos produtos midiáticos e da própria
mídia impressa, que busca diferenciar-se
através do direcionamento a públicos
específicos, alerta também
para o reconhecimento de uma maior visibilidade
aos modos de vida das classes consideradas
populares, denunciando a identificação
de uma apropriação simbólica
desse público com o consumo de informação.
A
partir do estabelecimento desse elo, cabe
estudar de que forma esses jornais estruturam-se
para interpelar o leitor, e que posições
estão oferecendo a esse público,
considerando-se a responsabilidade do jornalismo
como prática social.
É
evidente que todos os jornais, pela necessidade
de sobrevivência, se tornaram mercadorias.
Os interesses econômicos são
centrais na definição dos
modos de ser dessa imprensa, mas dizem
respeito somente a uma das faces do fenômeno.
Além de serem mercadorias, os jornais
também produzem sentidos, significações.
(Cf. Amaral, 2006:23).
Apesar
de constituir-se em mercado promissor e
que apresenta releituras da prática
jornalística, são incipientes
ainda no Brasil os estudos sobre esse contexto
recente e suas implicações
no campo do jornalismo. Trata-se, portanto,
de um tema que necessita de investigação,
até para que compreendamos de que
forma podemos entender o jornalismo popular
que está em expansão no Brasil
em relação ao sensacionalismo,
que já foi o molde dessa imprensa,
mas hoje já não é suficiente
para defini-la.
Entre
o sensacionalismo e o jornalismo de referência
Ao
elaborar uma releitura, principalmente visual-gráfica,
de elementos do sensacionalismo que teve
seu auge na mídia escrita brasileira
entre os anos 60 e 80, com os jornais Última
Hora (Rio de Janeiro) e Notícias
Populares (São Paulo), mas apropriando-se
também das técnicas que conferiram
legitimidade e credibilidade ao jornalismo
de referência, as indústrias
da imprensa promovem, desde os anos 90 no
Brasil, sucessivos lançamentos de
jornais populares, destinados prioritariamente
ao público das classes B, C e D,
conforme os exemplos que já enumeramos
anteriormente.
Agregando
maior voltagem de cor na diagramação,
textos sintéticos, várias
seções de prestação
de serviços e uma mescla entre temáticas
de entretenimento, casos policiais e a redução,
quando não exclusão, das tradicionais
editorias de Política e Economia,
esses jornais lançam à prática
do jornalismo o desafio de conciliar interesse
público com o interesse do público
a que se dirige. Buscam sobretudo uma relação
de cumplicidade e visibilidade do leitor,
que é priorizado e exposto nas páginas,
principalmente através da personificação
das notícias em nome da carga de
humanidade.
Está
imbricado neste cenário o conflito
diante da finalidade do jornalismo como
instituição pública
mediadora de um lado, e da perseguição
e conquista de novos mercados consumidores
de leitores por uma instituição
que também é de economia privada,
de outro.
Por
terem de aproximar-se de uma camada de
público com baixo poder aquisitivo
e pouco hábito de leitura, os jornais,
muitas vezes, transformam-se em mercadoria
em todos os sentidos. Com freqüência
deixam o bom jornalismo de lado para simplesmente
agradarem ao leitor, em vez de buscarem
novos padrões de jornalismo que
reforcem os compromissos sociais com a
população de renda mais
baixa. (Cf. Amaral, 2006:30).
Recursos
clássicos do sensacionalismo, como
a prevalência das fotos aos textos,
letras em corpo maior e acompanhadas de
diagramação carregada em cor
e em recursos para facilitar a leitura,
permanecem válidos no novo jornalismo
popular, mas alguns são atenuados,
como a preferência por temas de impacto,
quando imagens chocantes de crimes e degradação
humana são substituídos pelas
sensações provocadas pela
temática do entretenimento e do esporte,
com ênfase para a hegemonia cultural
da televisão aberta. É preciso
destacar, no entanto, que há uma
diferença fundamental dos jornais
populares contemporâneos no Brasil,
em relação à Última
Hora e principalmente Notícias
Populares (NP), considerado o
ícone sensacionalista no país.
Enquanto
os jornais atuais perseguem a identificação
com o leitor para assegurar, acima de tudo,
sucesso mercadológico, muitas vezes
optando por um contexto de alienação
política ao invés de informação
sobre os acontecimentos desse setor, os
jornais anteriores tinham objetivos políticos
definidos. Última Hora foi
criado no Rio de Janeiro em 1951, para amparar
o governo de Getúlio Vargas, que
encontrava resistência em jornais
como Diário da Noite, O
Globo e Tribuna da Imprensa:
o jornal fundado por Samuel Wainer construiria
uma estrutura disseminada em São
Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais e Pernambuco.
Notícias
Populares, lançado no Rio de
Janeiro em 1963 por Herbert Levy, surgiu
para fazer o contraponto da visão
mais conservadora, que interessava ao setor
político adversário do populismo
característico de Vargas e João
Goulart.
Jornais
com a finalidade clara, portanto, de envolver
as classes populares no debate político,
ainda que através da despolitização
ou alienação, como seria o
objetivo do NP, conforme explica
Goldenstein (1987):
Última
Hora e Notícias
Populares expressam concepções
diferentes em termos de jornal popular
(...) Em ambas, as classes populares são
vistas de cima. Mas uma tenta incorporá-las
sob controle e outra tenta tirá-las
do caminho. Tanto Notícias Populares
quanto Última Hora tinham
objetivos políticos que passavam
pelo êxito comercial. (...) O exagero
das manchetes e o conteúdo policialesco
cada vez mais explícito de Notícias
Populares tornam-no muito próximo
de um ramo específico da indústria
cultural, que se desenvolveu mais quando
esta ainda engatinhava nos países
centrais: a imprensa amarela. Notícias
Populares está mais calcada
nos jornais de Hearst que Última
Hora. Ambas tomaram-no como inspiração.
(Cf. Goldenstein: 1987:93-94).
O
sensacionalismo enquanto vertente de inspiração
para o jornalismo tem raízes históricas
nos séculos passados. De acordo com
Angrimani (1995), os jornais populares franceses
do século XIX já exploravam
a violência, catástrofes e
os fenômenos inexplicáveis,
de natureza ficcional ou crença religiosa.
Antes disso, por volta de 1690, o primeiro
jornal lançado nos Estados Unidos,
Publick Occurrences, já possuía
características sensacionalistas
(Amaral, 2006). Mas foi realmente no final
do século XIX que o fenômeno
conhecido como Yellow Press (Imprensa
Amarela), sinônimo de jornalismo de
escândalos no Brasil, lançaria
as bases para um movimento sensacionalista
que serviu de modelo para jornais de todo
o mundo.
Os
jornais de Joseph Pulitzer e William Hearst,
New York World e Morning Journal,
priorizavam dramas, histórias falsas,
manchetes de impacto, e eram dirigidos às
classes populares, vendidos a preços
baixos. Um pouco anterior a esse período,
Martín-Barbero (1987) registra o
surgimento do folhetim na Europa, por volta
de 1830, situando-o como o primeiro texto
escrito no formato popular de massa, caracterizado
pela linguagem simples, direta, sintética,
temática flutuante entre a informação
e a ficção. É um momento
em que a imprensa começa a adquirir
condições de produção
industriais, mas, ao mesmo tempo, as tradições
populares passam a ser incorporadas aos
assuntos de interesse do jornalismo.
No
Brasil, é também no final
do século XIX que publicações
de artigos de Brito Broca e Afonso Lima
Barreto trazem à tona o tema do sensacionalismo
como faceta inerente ao jornalismo. Há
interpretações de autores
que consideram a hipótese de que
o sensacionalismo é uma característica
presente de alguma forma na prática
jornalística, todavia há também
a compreensão, da qual compartilhamos,
de que o caráter sensacionalista
seja um teto alargado para a exploração
dos dramas humanos e da manipulação
da informação, com o propósito
de provocar sensações de natureza
psíquica e alavancar as vendas de
jornais.
Apesar,
contudo, do gênero ter sido ultrapassado
na imprensa brasileira, alguns recursos
comumente associados a essa prática
foram preservados nos jornais populares
de hoje.
São
muitas as formas de popularização
da mídia costumeiramente tratadas
sob o rótulo sensacionalista. O
sensacionalismo tem servido para caracterizar
inúmeras estratégias da
mídia em geral, como a superposição
do interesse público; a exploração
do sofrimento humano; a simplificação;
a deformação; a banalização
da violência, da sexualidade e do
consumo, a ridicularização
das pessoas humildes; o mau gosto; a ocultação
de fatos públicos relevantes; a
fragmentação e descontextualização
do fato; o denuncismo; os prejulgamentos
e a invasão de privacidade tanto
de pessoas pobres como de celebridades,
entre tantas outras. (Cf. Amaral, 2006:21).
A
decadência de Notícias
Populares, a partir dos anos 80,
passando por reformulações
significativas nos anos 90, já denunciava
a rejeição do público
à radicalização dessas
características. O fechamento do
jornal, em 2001, foi também o encerramento
de um ciclo desse modelo de imprensa no
Brasil. A partir daí, as reestruturações
que resultaram no segmento de jornais populares
que conhecemos hoje remontam a uma colagem
entre a influência do sensacionalismo
e à atenção permanente
também com premissas básicas
do jornalismo de referência, especialmente
no que se refere à credibilidade.
Para
os novos jornais populares, não basta
cativar o leitor trilhando o caminho de
suas preferências, é preciso
consolidar esse vínculo oferecendo
um produto de qualidade, ancorado essencialmente
em consistentes seções de
serviços e esclarecimentos, além
de boas coberturas sobre assuntos de entretenimento.
O lugar da cidadania está disseminado
nesse modelo de jornalismo através
das colunas que exploram direitos trabalhistas,
do consumidor, e também na ênfase
ao acesso a direitos sociais, como educação,
saúde e segurança. Ao colocar-se
como porta-voz das demandas de seu público
nessa área, o jornal identifica,
ao mesmo tempo, um leitor desprovido de
direitos básicos da cidadania, mas
buscando uma forma de reivindicar e pressionar
as instituições para atingi-los.
Trata-se
de uma dicotomia, que pode, simultaneamente,
aproveitar-se da situação
de fragilidade desse público, como
de fato comprar a briga das classes desfavorecidas
pela ineficiência do sistema público.
Ou, dito de outra forma, a dicotomia entre
o interesse público, cuja defesa
faz parte da responsabilidade do jornalismo,
e o interesse do público,
que restringe e reduz as perspectivas e
expectativas da sociedade a desejos emergentes.
É
nesse conflito que se situa a problemática
da visibilidade do leitor e da personificação
dos relatos nos jornais populares: até
que ponto cumprem com o papel institucional
da imprensa de estimular a prática
e a afirmação do debate da
temática de interesse público,
ou, por outro lado, de que forma não
apenas utilizam estrategicamente um público
apresentado como desprovido de cidadania
para, através de suas próprias
mazelas, buscar a identificação
necessária à venda de jornal?
Extra
- um jornal a serviço do leitor
Um
contexto econômico marcado pela criação
e fortalecimento do Real (1994), nova moeda
brasileira, e o fim da inflação,
entre o governo de Itamar Franco e o início
do governo Fernando Henrique Cardoso, favoreceu
o crescimento do poder aquisitivo das classes
C e D no Brasil. Esse grupo, situado entre
uma renda de dois até cinco salários
mínimos [4], gerava uma expansão
de consumidores potencialmente interessantes
para o mercado de jornais impressos. No
Rio de Janeiro, o tradicional jornal O
Dia, em circulação desde
1951, detinha o predomínio da leitura
nessa faixa, sendo direcionado inicialmente
para as classes de baixa renda, marcado
pelo posicionamento político declarado
e pelo caráter flagrantemente sensacionalista.
A
partir dos anos 80, com novos diretores,
o jornal passa se reposicionar, dirigindo-se
prioritariamente à classe C, e se
colocando como um "popular de qualidade":
ênfase nas notícias policiais,
de serviços públicos, minimização
do noticiário político e econômico,
ancorados por um apelo visual com mais força
nas cores e diagramação, mas
sem exposição de imagens chocantes,
sanguinárias ou de conteúdo
erótico. O Globo e
Jornal do Brasil (JB) dividiam
a fatia de leitores das classes A e B, mas
já na iminência da crise que
caracterizou a decadência do Jornal
do Brasil.
O
diretor de redação do Extra,
Bruno Thys [5], que trabalhava no JB e está
no Extra desde a sua fundação,
em 5 de abril de 1998, conta que a InfoGlobo
desenvolvia pesquisas de mercado desde o
início da década de 1990 para
estruturar o lançamento de um jornal
dirigido à classe C, com perfil diferente
de O Globo, buscando parte
do mercado em que predominava O Dia.
"Na
época em que a gente fez a projeção,
esse mundo C era de 20 milhões
de pessoas. Depois do Fernando Henrique,
pula pra 120 milhões, depois para
200, então houve uma expansão,
esse mundo passou de fato a consumir:
vimos uma oportunidade de negócio
aí. Business. A gente queria
exatamente esse leitor C, dois a quatro
salários mínimos, dois mil
reais de renda, no máximo. O jornal
era 25 centavos, muito barato, mas com
informação". (Bruno
Thys, 2007, entrevista concedida à
autora).
Desde
o planejamento do jornal, a proposta do
Extra busca uma cumplicidade muito
forte com o leitor. Além de trazer
o próprio Bruno Thys do JB, a InfoGlobo
buscou Eucimar Oliveira, o homem que transformou
O Dia em sucesso nas classes C e
D, e outro jornalista que havia transformado
um jornal comunitário do Rio de Janeiro
em sucesso espantoso de vendas, para pensar
o novo jornal. O projeto gráfico
ficou a cargo de uma empresa espanhola considerada
hoje uma das melhores do mundo na área.
Dentro da redação do prédio
da InfoGlobo, na Rua Irineu Marinho,
o grupo começou a pensar nas seções
que definiriam o perfil do jornal.
Foi
feita uma campanha entre o público
para que fosse escolhido o nome do periódico,
e entre cinco opções, Extra
foi o nome vencedor, embasando já
o primeiro slogan de lançamento no
mercado: "Extra, o jornal que você
escolheu". Com base nas pesquisas,
mas também, segundo o que define
Thys, também em intuição
e criatividade, foi definida a espinha dorsal
do Extra: economia popular (casa
própria, impostos, dívidas
e aplicações para fazer render
o dinheiro do leitor), programas de televisão
aberta, polícia, cidade e esporte,
tendo ainda como menina dos olhos a revista
Canal Extra, de cultura, publicada
aos domingos e que, na carona da grande
circulação do Extra,
a revista é a segunda com maior tiragem
em banca no Brasil, perdendo hoje somente
para Veja.
A
estrutura de profissionais foi montada com
uma redação formada por 90
jornalistas: um terço vindo de O
Globo, um terço selecionado
no mercado e os outros 30 em seleção
pública aberta aos recém-formados.
O treinamento da equipe foi conjunto, tendo
como base os seguintes princípios:
"O
jornalista do Extra, quando vai
escrever, tem em mente o leitor. A maneira
de escrever, o vocabulário, a abordagem,
o enfoque, são o didatismo e a
tradução específicos
para um leitor que pressupomos que não
conhece tudo, mas também não
é ignorante. A responsabilidade
e a ética são os mesmos
seguidos pelo padrão d'O
Globo". (Bruno Thys, 2007,
entrevista concedida à autora).
Avesso
aos apelos explícitos do sensacionalismo
que estampa sangue junto ao humor e sexo,
o leitor encontrou no Extra uma linguagem
em que os fatos policiais, o erotismo, a
fofoca (nas notícias sobre a vida
das celebridades) e a defesa dos direitos
do leitor (na cobertura da assistência
à saúde, educação,
e na seção de direitos do
consumidor e respostas a dúvidas
sobre processos e direitos em geral) estão
contemplados de uma forma menos agressiva.
Hoje o jornal está subdividido nas
editorias de Geral/Cidade, Economia,
O País, Viva Mais e
Internacional, com as seções
fixas Retratos da Vida (celebridades)
e Carta Branca (direitos trabalhistas,
do consumidor e reivindicações
de infra-estrutura urbana), Extra!
Extra! (coluna de Berenice Seabra
com comentários sobre política
e comunidade), e uma página 2 caracterizada
pela mobilidade, onde são alternadas
editorias intituladas Estado, Hoje
(serviço), Tudo de Graça
(eventos, promoções, cursos
gratuitos), e Melhor Idade. Os cadernos
fixos são: Jogo Extra
(esportes/ diariamente), Sessão
Extra (cultura e diversão/
segunda a quinta e aos sábados),
Diversão Extra (substitui
Sessão Extra às sextas),
Vida Ganha (empregos/ terça
e domingo), Motor Extra (carros/
quarta e sábado), Info Extra
(informática/ às quintas),
e Canal Extra (revista de
cultura, aos domingos).
A
opção pela cobertura da televisão
aberta (preferencialmente TV Globo,
que, assim como a InfoGlobo, é
parte das Organizações Globo)
é feita de uma forma inusitada: além
da página "Retratos da Vida",
que fala sobre celebridades, quase que exclusivamente
globais, os desfechos e situações
clímax das novelas da Globo
ganham capa como se fizessem parte da vida
real. O diretor de redação
explica que final de novela é como
Copa do Mundo, e que o Extra tem
um repórter para cada novela, minissérie
e séries especiais da Globo,
como Big Brother Brasil. O Chefe
de Reportagem, Giampaolo Morgado Braga,
define assim o foco do jornal:
"É
um jornal menos jornalão, com um
viés menos analítico, menos
quality-paper, que normalmente
não vai dar muita ênfase
a editorias como Política, Internacional.
Polícia é um foco muito
grande, e na Cidade, Educação,
Transporte e Administração
Pública, não entrando muito
em terreno de política partidária,
troca-troca na Câmara, que são
mais o foco do O Globo. A gente
entende que o nosso leitor não
está muito com a cabeça
nisso, ele não está interessado
em política partidária,
e sim em política pública:
se vai ter vaga em hospital, se vai ter
vaga pro filho na escola". (Giampaolo
Braga, 2007, em entrevista concedida à
autora).
Priorizando
a interatividade com o leitor, a persuasão
pelos temas individualizados e pela diagramação
que explora a cor e o apelo visual, o jornal
tem no preço também um de
seus diferenciais, como é característico
dos jornais populares: custa a metade do
valor de venda em banca de O Globo,
representante do segmento de referência
da InfoGlobo. Um recurso importante
usado desde o lançamento do jornal
é uma tendência no mercado,
mas que tem colaborado decisivamente para
a ampliação da circulação:
a oferta de brindes e produtos com preços
mais acessíveis, em troca de selos
impressos no jornal, ou do simples fato
da compra do exemplar.
No
lançamento, o Extra ofertou
um conjunto de panelas em troca de 60 selos,
a exemplo da estratégia adotada inicialmente
por O Dia, que combinou o sorteio
de grandes prêmios, como apartamentos,
sistema a seguir copiado pelo Diário
Gaúcho, em Porto Alegre, com
entrega de brindes de menor valor.
Segundo
o diretor de redação, a idéia
reproduzida no jornal do Rio Grande do Sul
foi copiada do sucesso alcançado
pelo Extra, com o aval das Organizações
Globo, da qual a Rede Brasil Sul
(RBS), empresa que edita o Diário
Gaúcho, é afiliada. A
seguir, o Extra ofereceu uma coqueteleira
e outros itens domésticos, para então
aderir ao sistema dos colecionáveis:
Atlas, Dicionários, Bíblias,
Livros e DVDs. No momento, o jornal carioca
estampa selos que dão direito a uma
edição colecionável
do Dicionário Aurélio,
com CD-ROM. Em DVDs, o jornal tornou-se
o maior vendedor do país neste segmento
no ano passado, mais do que qualquer loja
ou gravadora do ramo, em função
das promoções a R$ 19,90.
Este
processo é chamado pelos editores
e diretores comerciais de "fidelização"
do leitor: ao expandir a circulação,
agregando uma parcela adicional considerável
de compradores de jornal (no caso do Extra,
há uma projeção de
cerca de 100 a 150 mil leitores a mais em
função das promoções),
para conquistar um grupo residual, em torno
de 2% do total, como leitores habituais.
"São
produtos de qualidade, muito focados na
vida do leitor. A gente não poria
uma gravata de grife: é um celular
pré-pago, é um produto que
tem valor para o dia-a-dia. Os colecionáveis
são 90% voltados para cultura:
Guia do Bebê, Atlas de Informática,
Atlas de História do Brasil, História
do Mundo. Acabamos de dar a Bíblia,
que mandamos fazer na Espanha, uma encadernação
luxuosíssima. Isso é marketing:
claro que aumentando a circulação,
diminui um pouco o custo do produto. Cada
promoção dessas é
cara, tem televisão, tem mídia,
a gente paga a TV Globo, não
tem vantagem. Mas o leitor hoje já
enxerga o colecionável como parte
do jornal. Tem Caderno de Esportes, tem
caderno disso, tem o colecionável.
Não diferencia mais. A gente poderia
viver sem promoção, mas
já faz parte do jornal". (Bruno
Thys, 2007, em entrevista à autora).
O
enfoque direcionado à cobertura dos
fatos policiais, característicos
do cotidiano carioca, à estrutura
de serviço público de atenção
à saúde, educação
e transporte, e páginas de serviço
permanentemente em busca de oportunidades
para o leitor, como eventos gratuitos, localização,
tira-dúvidas, lembranças de
datas importantes e defesas de direitos,
especialmente trabalhistas e do consumidor,
estruturou-se em função de
um perfil de sintonia com o leitor buscado
declaradamente como objetivo da empresa.
Entre as frases constantemente repetidas
por Bruno Thys, estão "a
gente tenta ajudar o leitor o tempo todo",
"O Extra faz bom jornalismo, que inclui,
entre outras coisas, assumir a bandeira
do leitor", "se eu pudesse resumir
o Extra em uma palavra, seria essencial
(para a vida do leitor)".
O
resultado da combinação entre
a proposta do "popular de qualidade",
com foco totalmente direcionado a atender
as expectativas do leitor, a estrutura de
marketing da InfoGlobo e as
promoções de produtos casados,
o Extra transformou-se em fenômeno
de circulação, desde o seu
lançamento. Um dos resultados que
apresentou maior desvio entre as pesquisas
encomendadas foi também o que sinalizou
o impacto que o jornal teria no mercado
carioca. Havia uma projeção
inicial de circulação semanal
de 60 mil exemplares, e de 100 mil aos fins
de semana.
No dia de lançamento, vendeu 100
mil exemplares, crescendo de 50 em 50 mil
ao dia, e chegando rapidamente a mais de
250 mil exemplares/dia durante a semana.
O que obrigou a empresa a reestruturar tabela
publicitária, salários da
redação e até mesmo
a programação do parque gráfico.
Com uma média de circulação
consolidada em 270 mil exemplares nos dias
úteis, o jornal chega a atingir 428
mil exemplares nos domingos [6], passando,
com esta marca, a se configurar como jornal
mais vendido do país aos finais de
semana. A tabela do Instituto Verificador
de Circulação (IVC), relativa
a dezembro de 2006, apontou o Extra
como o jornal de maior tiragem média
mensal no Brasil a partir de novembro do
ano passado.
Extra |
Dia
da semana
|
Novembro
2006
|
Dezembro
2006
|
Diferenças
quant.
|
Percentual
|
Domingo |
466.962
|
409.022
|
-57.940
|
-12,4%
|
2a
feira |
309.198
|
249.557
|
-59.641
|
-19,3%
|
3a
feira |
314.555
|
284.006
|
-30.549
|
-9,7%
|
4a
feira |
332.279
|
289.177
|
-43.102
|
-13,0%
|
5a
feira |
318.531
|
280.593
|
-37.938
|
11,9%
|
6a
feira |
315.473
|
295.863
|
-19.610
|
-6,2%
|
Sábado |
330.197
|
298.395
|
-31.802
|
-9,6%
|
E.D.
2a-6a |
-
|
-
|
0
|
0,0%
|
Média
2a-sáb |
320.039
|
282.932
|
-37.107
|
-11,6%
|
Média
7 dias |
341.028
|
300.945
|
-40.083
|
-11,8%
|
TOTAL
MÊS |
10.199.590
|
9.429.732
|
-769.858
|
7,5%
|
Tabela
1. Circulação de Extra
(dez2006). Fonte: Instituto Verificador de
Circulação (IVC).
Folha
de S.Paulo |
Dia
da semana
|
Novembro
2006
|
Dezembro
2006
|
Diferenças
quant.
|
Percentual
|
Domingo |
368.329
|
348.060
|
-20.269
|
-5,5%
|
2a
feira |
300.131
|
290.400
|
-9.731
|
-3,2%
|
3a
feira |
290.160
|
283.239
|
-6.921
|
-2,4%
|
4a
feira |
294.879
|
285.334
|
-9.545
|
-3,2%
|
5a
feira |
295.410
|
284.176
|
-11.234
|
-3,8%
|
6a
feira |
310.700
|
300.319
|
-10.381
|
-3,3%
|
Sábado |
324.064
|
314.936
|
-9.128
|
-2,8%
|
E.D.
2a-6a |
274.851
|
267.514
|
-7.336
|
-2,7%
|
Média
2a-sáb |
302.557
|
293.067
|
-9.490
|
-3,1%
|
Média
7 dias |
311.953
|
300.923
|
-11.030
|
-3,5%
|
TOTAL
MÊS |
9.324.981
|
9.389.171
|
64.190
|
0,7%
|
Tabela
2. Circulação da Folha de
SP (dez2006). Fonte: Instituto Verificador
de Circulação (IVC).
O
Globo |
Dia
da semana
|
Novembro
2006
|
Dezembro
2006
|
Diferenças
quant.
|
Percentual
|
Domingo |
378.023
|
359.710
|
-18.313
|
-4,8%
|
2a
feira |
270.968
|
267.510
|
-3.458
|
-1,3%
|
3a
feira |
255.715
|
251.477
|
-4.238
|
-1,7%
|
4a
feira |
260.107
|
259.149
|
-958
|
-0,4%
|
5a
feira |
261.763
|
259.625
|
-2.138
|
-0,8%
|
6a
feira |
278.657
|
269.718
|
-8.939
|
-3,2%
|
Sábado |
289.438
|
286.152
|
-3.286
|
-1,1%
|
E.D.
2a-6a |
237.804
|
236.327
|
-1.477
|
-0,6%
|
E.D.
sáb-dom |
250.461
|
248.765
|
-1.696
|
-0,7%
|
Média
2a-sáb |
269.441
|
265.605
|
-3.836
|
-1,4%
|
Média
7 dias |
284.953
|
279.049
|
-5.904
|
-2,1%
|
TOTAL
MÊS |
8.500.554
|
8.728.944
|
228.390
|
2,7%
|
Tabela
3. Circulação de O Globo
(dez2006). Fonte: Instituto Verificador de
Circulação (IVC).
A
estrutura de rádio e televisão
da InfoGlobo é apontada por
alguns estudiosos como o sustentáculo
para o sucesso de circulação
do jornal, que desbancou no Rio de Janeiro
o tradicional O Dia. Carvalho (2005)
investiga exatamente as causas para a supremacia
do Extra nesse mercado. Listando desde
as mudanças editoriais ocorridas a
partir de 1990, que transformaram as características
principais de O Dia, marcadamente sensacionalista,
e coincidiram com o lançamento do Extra,
ela relaciona, todavia, principalmente a estrutura
de divulgação e publicidade
da Globo como fator preponderante para
o sucesso do Extra.
No artigo, ela avalia a recontratação
pelo O Dia, no início de 2005,
do diretor Eucimar de Oliveira, chamado
para recuperar o prestígio do jornal,
que passou a acumular quedas sucessivas
em circulação desde o lançamento
do periódico da InfoGlobo.
Responsável pelo lançamento
do Extra, Eucimar foi também
um dos fundadores de O Dia.
Um
especialista em mercado midiático
carioca avalia: Eucimar sabe fazer jornal
popular, mas a tarefa é mais do
que árdua. O Extra, que
ele próprio construiu, está
consolidado. E consolidou-se roubando
público d'O Dia, que há
cinco ou seis anos, quando decidiu partir
para cima do Globo, vendia entre
250 mil e 300 mil exemplares diários.
Segundo este especialista, a grande desvantagem
d'O Dia em relação
ao Extra é realmente a TV
Globo. Para se promover na TV,
o Extra não paga (eles juram
que os anúncios do Globo
e do Extra na TV Globo são
pagos, mas na prática é
uma operação contábil).
E O Dia, se quiser sair na Globo,
terá que pagar muito. (Cf. Carvalho,
2005, on-line).
Apesar
de assumirem a disputa pela fatia de mercado
onde predominava a leitura de O Dia,
os diretores do Extra não
reforçam a rivalidade, e reafirmam
nunca ter sido objetivo da InfoGlobo
monopolizar esse setor. Tanto o diretor
de redação, quanto o de circulação,
Jorge Cerqueira, insistem na idéia
de que o Extra consolidou-se por
méritos próprios, por ser
um jornal de qualidade extremamente alinhado
com o público a que se dirige, ao
contrário de O Dia, que tentou
realinhar-se, exatamente como observa Carvalho
(2004), acabando por entrar em uma crise
de identidade.
"A
gente não tem nenhum complexo em
ser popular: nossa essência é
o nosso leitor. O Dia tentou
reposicionar há nove anos, dar
vôos mais altos, achando que a verba
publicitária e a concorrência,
estavam mais acima, tentando pegar uma
fatia do O Globo. Mais recentemente
tentaram baixar, depois tentaram reposicionar
de novo. Isso confunde o leitor e vai
perdendo gente, então eles tiveram
uma crise de identidade que eu não
sei se já passou. No início
do ano eles tentaram novamente reposicionar
o jornal, mais pra cima, longe do Extra,
mas não basta você querer,
ou fazer uma reforma gráfica. O
Jornal da Tarde fez isso e não
aconteceu nada. Vários jornais
fizeram reformas gráficas: o Estado
de S.Paulo fez reforma gráfica
importante, mas não é só
reforma cosmética. Tem de fazer
uma abordagem maior". (Bruno Thys,
2007, entrevista à autora).
Mas
as pesquisas sobre o mercado de leitores
no Rio de Janeiro não só confirmam
a disputa, como ratificam a perda expressiva
de leitores de O Dia, após
o lançamento do Extra. Os
dois jornais circulam na mesma faixa sócio-cultural.
Segundo a pesquisa encomendada pela InfoGlobo
ao Instituto Marplan [7] sobre o
mercado de jornais no Rio de Janeiro, ambos
têm maior penetração
na classe C, com ligeira vantagem para o
Extra (44% do total), e a mesma incidência
na classe D: 14%.
A
escolaridade do leitor dos dois jornais
é muito semelhante: 49% do total,
nos dois casos, tem apenas o Ensino Fundamental,
e O Dia tem uma fatia um pouco
maior de leitores com Ensino Superior (19%,
contra 16% do Extra). A grande maioria
dos leitores do Extra (58%) e O
Dia (59%) lêem o jornal no
hábito da "carona", ou
seja, não por compra pessoal, nem
por assinatura, que não é
feita pelo Extra. Na faixa de idade,
ambos têm maioria entre 30 e 39 anos,
estando o Extra com percentuais bastante
equilibrados entre todas as faixas, e
O Dia com uma concentração
um pouco maior entre os mais jovens, até
29 anos. Pela área de abrangência
da leitura no Rio de Janeiro, ambos também
concorrem com muita proximidade, predominando
na Baixada Fluminense e na zona Oeste do
Rio de Janeiro.
Há
uma pequena diferença, no entanto,
com relação ao sexo dos leitores:
no Extra predominam as mulheres (55%),
e no O Dia, os homens (53%). Todavia,
a pesquisa aponta um dado importante a ser
considerado: tanto Extra quanto O
Dia estão perdendo leitores,
consecutivamente, para os modelos mais populares
de ambas as empresas. Em resposta ao crescimento
do Extra, a empresa jornalística
O Dia lançou no Rio de Janeiro
o Meia-Hora, radicalizando
ainda mais o vínculo com o popular,
através da colocação,
por exemplo, entre os repórteres,
de estudantes da Universidade Popular de
Comunicação, do projeto ONG
Observatório de Favelas, para
redigir matérias supervisionadas
retratando cotidiano das comunidades carentes.
Projeções
recentes indicam que o Meia-Hora
já teria faturado 11% dos leitores
do Extra, principalmente na classe
D. Já a InfoGlobo, buscando
também inserção nesse
mercado de leitores de classes abaixo das
atingidas pelo Extra, lançou
em 2006 o Expresso da Informação,
que já começa a disputar mercado
com o Meia-Hora. Notícias
de uma guerra que parece estar num dos momentos
mais disputados, e onde o novo público
consumidor de jornais é o alvo. Segundo
a pesquisa do Instituto Marplan,
além dos 44% na classe C, o Extra
tem 33% na classe B, 17% na D/E, e 6% na
classe A. A identificação
com esse perfil de leitura é buscada,
segundo o próprio editor, através
da ênfase a assuntos ligados à
televisão, considerada principal
atividade de lazer do público predominante,
às notícias de serviço
e à estruturação da
notícia como uma história.
O diretor de redação do Extra
resume:
"O
enfoque é diferente, a gente parte
do particular para o geral, conta uma
história: o leitor gosta muito
de histórias. Há uma simbiose,
uma identificação muito
grande do leitor com o jornal. Se o leitor
gosta de Chitãozinho e Xororó,
não sou eu quem vou dizer pra não
gostar. A gente não briga com o
leitor". (Bruno Thys, 2007, entrevista
à autora).
Somente
com o lançamento do Meia-Hora,
da editora de O Dia, ambos
já haviam perdido cerca de 750 mil
leitores exclusivos por dia, segundo os
dados da pesquisa Marplan. Os números
revelam que 52% dos leitores do Meia-Hora
também lêem o Extra,
e que o popular de O Dia angariou
819 mil leitores diários na classe
C, significando uma superposição
de leitura em que Extra está
perdendo. Outra informação
interessante da pesquisa é que o
Extra ganhou leitores na classe A
e na Zona Sul, o que significa que, embora
dirigido prioritariamente às classes
de menor poder aquisitivo, é um jornal
que também está ganhando leitores
que fazem parte do perfil habitual dos "quality
papers". Entretanto, na disputa,
declarada ou não, com O Dia,
o jornal Extra abriu uma sólida
vantagem, estando hoje na faixa dos 3,1
milhões de leitores diários,
enquanto O Dia totaliza cerca de
1,8 milhão, mas em um movimento decrescente
não só desde o lançamento
do Extra, mas também do Expresso
da Informação e do próprio
Meia-Hora.
Com
base nos resultados de pesquisas periódicas
como a do Instituto Marplan, e em
pesquisas diárias sobre a preferência
dos leitores entre as notícias oferecidas
pelo jornal, o Extra construiu um
estilo de jornalismo próprio, que
tem a identificação com os
interesses do leitor como busca principal.
O jornal é feito para o leitor de
classe C, com Ensino Fundamental como base
da escolaridade e que não tem dinheiro
para bancar uma assinatura de jornal. Toda
a informação é produzida
considerando-se as limitações
do universo de compreensão desse
leitor, mas numa relação permanente
com aquilo que o jornal nomeia como poder
de intermediação entre as
instituições públicas.
Por
seu papel de denunciar a precariedade dos
serviços públicos de Saúde,
Educação e Transporte, e pela
perseguição a resultados e
esclarecimentos de processos judiciários
em que o leitor está envolvido, principalmente
trabalhistas e de direito do consumidor,
o jornal assume um lugar de reivindicação
e vigilância permanentes, ao mesmo
tempo que exerce pressão sobre as
instâncias de decisão. Uma
definição interessante e bastante
esclarecedora é usada pelo Chefe
de Reportagem Giampaolo Braga, que considera
o Extra o "amigo influente
daqueles que não têm amigos
influentes".
"Tem
uma cultura no Brasil do apadrinhamento,
de ter alguém pra falar por você,
pra olhar por você, algum amigo
influente que vai te resolver o problema:
o seu processo só vai andar se
você conhecer alguém, é
aquela história do "sabe
com quem está falando?",
do carteiráço. Você,
agente público, seja de saúde,
de segurança ou de educação,
olha, eu sou amigo de fulano, e me trate
bem, se não vai dar problema pra
você. A pessoa que não tem
nada, que não tem ninguém
que olhe por ela, não tem um padrinho,
se socorre na gente". (Cf. Giampaolo
Braga, 2007, em entrevista à autora).
É
nessa relação truncada de
prestação de serviços,
que trabalha de certa forma a dependência
do leitor em relação ao jornal,
que pode ser discutida também a noção
de cidadania para e do leitor do Extra.
Há um consenso entre os profissionais
da redação de que o jornalismo
é uma profissão que trabalha
como agente da cidadania, que publica, repercute,
transforma e constrói diariamente
fatos que incidirão sobre a formação
da cidadania do seu público-leitor.
Os
jornalistas do Extra reconhecem que
o seu leitor-padrão, por pertencer
a classes com menor poder aquisitivo e menor
escolaridade, ainda está trilhando
o caminho para se tornar cidadão
na maioria dos aspectos relativos ao acesso
à saúde, educação
e segurança, por exemplo, porque,
no caso específico desses leitores,
essas são estruturas que dependem
fundamentalmente de um poder público
ineficiente.
Mas,
ao mesmo tempo, são pessoas que estão
cotidianamente ampliando seu conhecimento
sobre os próprios direitos e sobre
os meios que podem usar para conquistá-los,
encontrando para isso, no jornal, um importante
aliado.
"Como
se qualificar profissionalmente, como
conseguir emprego, as dez melhores escolas
públicas do Rio: estamos mostrando
um caminho, dentro da exigüidade
de recursos, que ele pode escolher pra
melhorar a vida do filho dele. Da cidadania
plena, ele está longe, como o Brasil
de maneira geral, nosso leitor não
é exceção. Mas é
uma batalha diuturna. A pessoa humilde
sabe direitinho seus direitos. Eventualmente
não sabe como chegar e fazer valer:
a justiça gratuita é uma
dificuldade, a gente mostra como funciona,
o atendimento médico no hospital.
O Extra é parceiro, uma
das nossas frases era "Café,
pão e Extra", para que
o leitor usasse como instrumento pra melhoria
da qualidade de vida dele. Estamos inaugurando
uma seção que chama "Lição
de Mestre", mostrando boas iniciativas
fora do poder público. Então
a gente não transfere tudo para
o poder público, fazemos um esforço
grande para que ele possa se sentir cidadão
e exercer de fato sua cidadania."
(Bruno Thys, 2007, em entrevista à
autora).
Sem
abandonar a perspectiva crítica,
especialmente no que diz respeito à
função do jornalista em defender
o interesse público, evitando que
o interesse do público sobreponha-se,
transformando o noticiário em um
festival de apelos às sensações
e no predomínio da cultura, é
impossível negar que o Extra
alcançou um lugar de destaque no
jornalismo brasileiro, tornando-se a principal
referência do setor popular de qualidade.
Além do sucesso de circulação,
em 2005, com a reportagem sobre a Dona Vitória
[8], o jornal da InfoGlobo arrematou
os principais prêmios do jornalismo
brasileiro: Esso de Reportagem, Embratel,
Direitos Humanos, Associação
de Magistrados, Tim Lopes e Vladimir Herzog.
No Prêmio Esso, o Extra
já foi campeão em dois anos
consecutivos: também em 2006, o Prêmio
Esso de Reportagem e de Primeira
Página foi para o Extra,
com uma matéria sobre os motivos
do alto índice de evasão escolar
no Rio de Janeiro, e pela capa da cobertura
da invasão do Movimento pela Libertação
dos Sem-terra (MLST) no Congresso Nacional
("Eles são sem-terra, sem
respeito, sem educação e sem
vergonha").
Notas
[1]
Dados apresentados no artigo de Flizikowsky
(2007), com base em informações
fornecidas pelo Instituto de Verificação
da Circulação (IVC).
[2]
Denominação usada para definir
os jornais do segmento de referência,
já reconhecidos tradicionalmente
como formadores de opinião.
[3]
A dissonância entre os conceitos de
interesse público e interesse do
público compactua aqui da proposta
defendida por Silva (2004), que delimita
a primeira noção como relacionada
a fatos que tratem do dinheiro público
e/ ou da vida pública, comumente
circunscritos à temática das
editorias de Política e Economia,
enquanto o conceito de interesse do
público prioriza a curiosidade em
torno da vida privada de celebridades e
personalidades em geral, o voyeurismo,
e a recorrência a temas que tratem
de entretenimento e variedades.
[4]
Não há um indicador preciso
da faixa salarial das classes sociais, considerando-se
hoje por classe C as famílias que
têm um rendimento médio mensal
de até R$ 2 mil, e mínimo
de R$ 800,00.
[5]
Declarações feitas durante
entrevistas concedidas à autora,
na redação do jornal Extra,
22-23jan2007.
[6]
Dados do Instituto de Verificação
da Circulação (IVC), repassados
pela InfoGlobo à pesquisadora.
[7]
O relatório detalhado dos resultados
da pesquisa, que faz um comparativo entre
o terceiro trimestre de 2005 e o terceiro
trimestre de 2006, foi repassado à
autora da dissertação pela
direção do jornal Extra.
[8]
Dona Vitória foi assim identificada
pelo jornal (o nome é fictício,
pelo fato de ser uma testemunha protegida
pelo Estado) nas reportagens que descreveram
as filmagens feitas por ela, uma senhora
de 80 anos, a partir da sacada de seu prédio,
revelando detalhes do tráfico de
drogas e da ação dos traficantes
na Ladeira dos Tabajaras, Rio de Janeiro.
A reportagem foi feita originalmente pelo
Extra e ganhou em seguida repercussão
nacional.
Referências
bibliográficas
AMARAL,
M. F. Jornalismo popular. São
Paulo: Contexto, 2006.
ANGRIMANI,
D. Espreme que sai sangue. São
Paulo: Summus, 1995.
BERNARDES,
C. "As condições de produção
no jornalismo popular: o caso do Diário
Gaúcho". Dissertação
de mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Informação
da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
BRAGA,
G. Entrevista concedida à autora.
Rio de Janeiro: 22jan.2007.
CARVALHO,
M. "O futuro está no passado".
Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=318IMQ002>.
Acesso em: 03nov2005.
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*Carine
Felkl Prevedello é jornalista graduada
pela Universidade Federal de Santa Maria,
especialista em Direitos Humanos pelo Complexo
de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC)
e pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe)
e mestranda em Comunicação
Midiática pela UFS.
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