Nº 8 - Julho 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 

 

 


 

 

 

 

 

 


DOSSIÊ: COMUNITÁRIO & POPULAR
   

Extra:
O jornalismo popular chega à liderança em circulação no país

Por Carine Felkl Prevedello*

Resumo
Cumplicidade com o leitor, ênfase no entretenimento, na prestação de serviços, apelo visual, mas não sensacionalista. Assim pode ser resumido o perfil editorial do jornal Extra (RJ), representante do segmento popular da grande imprensa que, a partir do final de 2006, chegou à liderança em circulação média mensal no Brasil. Os novos jornais populares, em expansão nas principais capitais brasileiras desde 1990, aproveitaram um momento de ampliação do poder de consumo das classes não habitualmente leitoras de jornais impressos, para lançar um novo formato. Este artigo descreve a história de criação e parte das condições de produção do Extra para desvendar um modelo de expressiva aceitação pública e as implicações desse fenômeno para o jornalismo impresso brasileiro.

Palavras-chave
[Jornalismo / Segmento popular da grande imprensa / Circulação]


Introdução

O segmento popular da grande imprensa, em expansão desde a década de 1990 no Brasil, demonstra que consolidou não apenas uma alternativa de mercado na mídia impressa, mas também uma espécie de estilo que vem dominando a aceitação entre o público-leitor. O jornal Extra, Standard lançado pela InfoGlobo no Rio de Janeiro em 1998, conquistou desde novembro de 2006 o primeiro lugar em circulação média mensal no Brasil, deixando para trás representantes consagrados do segmento de referência, como Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e O Globo, que tradicionalmente alternavam

a liderança nos números do IVC (Instituto de Verificação da Circulação). Não bastasse isso, outros jornais populares têm garantido, também segundo os dados do IVC, a reversão de uma tendência de queda na circulação de jornais impressos no país. Em 2006, os jornais Lance! e Diário Gaúcho, também lançados nos anos 1990, junto ao Extra, foram as três publicações com mais expressivo crescimento da tiragem na mídia impressa, enquanto os principais jornais de referência apresentaram queda na circulação. [1]

Este artigo apresenta um recorte do desenvolvimento da dissertação de Mestrado da autora, e busca investigar as condições de produção e de formatação do discurso que transformou o Extra no jornal mais vendido do Brasil, contextualizado no momento de afirmação do segmento popular da grande imprensa no Brasil. Priorizamos metodologicamente as impressões e declarações obtidas durante visitas à redação do jornal Extra, e aportes de pesquisas recentes sobre o crescimento do jornalismo popular no país como referencial teórico para as considerações a que chegamos.

O boom do novo jornalismo popular no Brasil

A década que inicia em 1990 apresenta um cenário propício à renovação na mídia impressa brasileira. As mudanças econômicas possibilitaram a consolidação um público consumidor potencial de informação na classe C, que até então não estava entre os habituais leitores de jornais impressos; o desafio lançado pela expansão da Internet, que trouxe mudanças na linguagem de apelo ao espectador; e o momento internacional, em que grandes empresas na Europa e América Latina lançam periódicos condensados, com linguagem mais direta, sucinta e apelo visual mais forte, são elementos que, conjuntamente, proporcionam o surgimento de uma nova proposta no jornalismo impresso.

Nem o antigo sensacionalismo, calcado em objetivos políticos e marcado pela simplificação acompanhada da degradação e/ou ridicularização humana, nem o tradicional jornalismo de referência, caracterizado pelas temáticas relacionadas ao interesse público e pela proposta mais convencional de estruturação das notícias. Os novos jornais populares situam-se numa faixa intermediária, buscando a sedução do leitor pelo apelo visual e pela velocidade dos textos mais sintéticos, priorizando a temática do cotidiano e da proximidade com o mundo de interesse do público, mas mantendo certa distância dos exageros e das fórmulas consagradas.

Em várias capitais brasileiras, a reestruturação de jornais como O Dia (Rio de Janeiro), Jornal da Tarde (São Paulo), e o lançamento de periódicos como Diário Gaúcho (RS), Notícia Agora (ES), Folha de Pernambuco (PE), Primeira Hora (MS), Extra (RJ), Agora São Paulo, Expresso Popular e Diário de São Paulo (SP), Aqui! (MG), Q! (RJ), Meia-Hora (RJ), Super Notícia (BH), Expresso da Informação (RJ), Aqui (DF) e A Hora de Santa Catarina (SC). No contexto internacional, segundo pesquisa de Bernardes (2004), somente o grupo Innovation é responsável pela criação ou reestruturação de jornais como El Comercio, do Peru, Super Express, da Polônia, Correio da Manhã, de Portugal, Al Dia e Nuestro Diário, da Guatemala, e também no Brasil do próprio Extra, da InfoGlobo, e do Diário Gaúcho, da RBS.

As empresas apostam não somente em novas estratégias de marketing ou gestão de negócios, mas também numa fórmula renovada de produtos jornalísticos. (...) Um gênero renovado estrategicamente para alcançar um público massivo e atrair investimentos publicitários também massivos. Um gênero que não é puramente comercial, ou massivo, ou sensacionalista, ou popular, mas uma conjugação de diferentes fórmulas com o intuito de ser bem recebido por classes tradicionalmente excluídas do hábito de compra e leitura de jornais impressos. (Cf. Bernardes, 2004:17).

No Brasil, vários desses novos jornais são lançados por empresas que já mantém outro jornal no segmento de referência, como é o caso do próprio Extra e Expresso da Informação, da InfoGlobo, que tem O Globo, e do Meia-Hora, da empresa jornalística de O Dia, ou mesmo o Diário Gaúcho e A Hora de Santa Catarina, lançados pelo Grupo RBS, que edita Zero Hora e Diário Catarinense.

As empresas não vêem concorrência entre os produtos, pela destinação e penetração em públicos diferentes. Um diferencial importante a ser considerado na destinação a diferentes públicos é a própria estratégia de distribuição: enquanto os quality papers [2] são vendidos também por assinatura, os populares só podem ser comprados nas bancas de jornal. Se observarmos os números que indicam o crescimento da circulação dos últimos, podemos dizer que uma expressiva parcela de leitores está de fato buscando esse novo formato, já que eles não podem ser entregues em casa, e até pouco tempo não possuíam páginas na Internet (o Extra lançou a sua no mês de abril de 2007).

Foi descoberto um novo nicho mercadológico para o jornalismo, que busca prioritariamente atender ao interesse do leitor, ainda que para isso suplante alguns princípios caros ao modo convencional de se fazer notícia: é o caso, por exemplo, da maneira de veicular os fatos políticos. A cobertura de política nos jornais populares é reduzida e destituída da importância atribuída pelos jornais tradicionais. Por outro lado, ainda que estejam pautados mais pelo interesse do público ao invés da noção de defesa do interesse público enquanto pilar histórico do jornalismo, [3] esse novo segmento popular estabelece uma distância do sensacionalismo característico dos anos 60 no Brasil, quando as manchetes e notícias que exploravam violência, sexo e linguagem vulgar, características de jornais como "Notícias Populares" eram a tônica do setor.

Ao avaliar o crescimento do segmento dos jornais populares no Brasil, Oliveira (2006) estabelece uma conceituação que diferencia o "popular com conteúdo", simbolizado por iniciativas como a do Extra, e "popular com pouco valor agregado", representado por jornais considerados mais marginais, como "A Notícia", do Rio de Janeiro. Já Prazeres (2006) entende que os populares não podem ser comparados aos jornais de referência, por terem propósitos diferentes e uma relação também diferenciada com seu leitor:

Os veículos devem encontrar os estímulos de venda de anúncios apropriados aos seus novos jornais populares, partindo da relação do público-leitor com os produtos. Um público bastante específico, com muitas semelhanças em estilo de vida e classe social, que se contenta com informações correntes, cotidianas, voltadas para os acontecimentos da cidade, de crimes, artistas, televisão e futebol, mas que, mesmo assim, busca informação, satisfaz-se com ela, encontra entretenimento e, certamente, a sensação de estar em maior sintonia com o que acontece em seu mundo. São milhares de pontos de contato estabelecidos diariamente, que têm seu potencial, que podem ser bem aproveitados, mas em sua dimensão própria, que não pode ser comparada à dos jornais tradicionais, que já tiveram até a pretensão, ou a possibilidade, em outras épocas, de mudar os rumos do país. (Cf. Prazeres, 2006, on-line).

Os números do Instituto de Verificação da Circulação (IVC) já apontam a importância crucial desse segmento para a indústria nacional de mídia. Foram os novos jornais populares os responsáveis pelo crescimento de 6,5% na circulação de jornais no Brasil em 2006: enquanto no grupo de quality papers, a circulação cresceu 3,61% (abaixo da média), entre os quatro títulos que apresentaram maior crescimento estão três populares (Lance!, com 25,58%, Extra, com 11,19% e Diário Gaúcho, com 9,54%).

O jornal Extra, do Rio de Janeiro, que era o mais vendido do país nos finais de semana (com uma média de 400 mil exemplares), fechou 2006 como o mais vendido também durante a semana: um feito inédito, pois há alguns anos a Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e O Globo alternavam essa posição.

Ao analisar esses números, Flizikowsky (2007) tenta desvendar o aparente dilema entre o crescimento de circulação e de investimento publicitário no mercado do jornalismo impresso no Brasil, ao mesmo tempo em que jornais tradicionais, como Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Zero Hora e Gazeta Mercantil perdem leitores.

A crise não é do jornalismo diário impresso como um todo; aliás, para o setor não existe crise, mas crescimento. A crise é do jornalismo impresso diário tradicional, que vê a cada dia sua circulação diminuir, enquanto novos títulos, mais populares vão conquistando mercado. Assim, o setor de jornalismo diário impresso não está em crise, mas em mudança. Essa mudança levou diversas empresas jornalísticas a investir em reformulação editorial e gráfica, lançar cadernos especializados, suplementos segmentados, guias de serviço, coleções e diversas iniciativas com o objetivo de conquistar leitores, ao mesmo tempo em que busca aumentar o investimento publicitário no setor. (Cf. Flizikowsky, 2007, on-line).

O surgimento e o crescimento de jornais populares, ao mesmo tempo em que sinaliza para uma faceta da segmentação característica dos produtos midiáticos e da própria mídia impressa, que busca diferenciar-se através do direcionamento a públicos específicos, alerta também para o reconhecimento de uma maior visibilidade aos modos de vida das classes consideradas populares, denunciando a identificação de uma apropriação simbólica desse público com o consumo de informação.

A partir do estabelecimento desse elo, cabe estudar de que forma esses jornais estruturam-se para interpelar o leitor, e que posições estão oferecendo a esse público, considerando-se a responsabilidade do jornalismo como prática social.

É evidente que todos os jornais, pela necessidade de sobrevivência, se tornaram mercadorias. Os interesses econômicos são centrais na definição dos modos de ser dessa imprensa, mas dizem respeito somente a uma das faces do fenômeno. Além de serem mercadorias, os jornais também produzem sentidos, significações. (Cf. Amaral, 2006:23).

Apesar de constituir-se em mercado promissor e que apresenta releituras da prática jornalística, são incipientes ainda no Brasil os estudos sobre esse contexto recente e suas implicações no campo do jornalismo. Trata-se, portanto, de um tema que necessita de investigação, até para que compreendamos de que forma podemos entender o jornalismo popular que está em expansão no Brasil em relação ao sensacionalismo, que já foi o molde dessa imprensa, mas hoje já não é suficiente para defini-la.

Entre o sensacionalismo e o jornalismo de referência

Ao elaborar uma releitura, principalmente visual-gráfica, de elementos do sensacionalismo que teve seu auge na mídia escrita brasileira entre os anos 60 e 80, com os jornais Última Hora (Rio de Janeiro) e Notícias Populares (São Paulo), mas apropriando-se também das técnicas que conferiram legitimidade e credibilidade ao jornalismo de referência, as indústrias da imprensa promovem, desde os anos 90 no Brasil, sucessivos lançamentos de jornais populares, destinados prioritariamente ao público das classes B, C e D, conforme os exemplos que já enumeramos anteriormente.

Agregando maior voltagem de cor na diagramação, textos sintéticos, várias seções de prestação de serviços e uma mescla entre temáticas de entretenimento, casos policiais e a redução, quando não exclusão, das tradicionais editorias de Política e Economia, esses jornais lançam à prática do jornalismo o desafio de conciliar interesse público com o interesse do público a que se dirige. Buscam sobretudo uma relação de cumplicidade e visibilidade do leitor, que é priorizado e exposto nas páginas, principalmente através da personificação das notícias em nome da carga de humanidade.

Está imbricado neste cenário o conflito diante da finalidade do jornalismo como instituição pública mediadora de um lado, e da perseguição e conquista de novos mercados consumidores de leitores por uma instituição que também é de economia privada, de outro.

Por terem de aproximar-se de uma camada de público com baixo poder aquisitivo e pouco hábito de leitura, os jornais, muitas vezes, transformam-se em mercadoria em todos os sentidos. Com freqüência deixam o bom jornalismo de lado para simplesmente agradarem ao leitor, em vez de buscarem novos padrões de jornalismo que reforcem os compromissos sociais com a população de renda mais baixa. (Cf. Amaral, 2006:30).

Recursos clássicos do sensacionalismo, como a prevalência das fotos aos textos, letras em corpo maior e acompanhadas de diagramação carregada em cor e em recursos para facilitar a leitura, permanecem válidos no novo jornalismo popular, mas alguns são atenuados, como a preferência por temas de impacto, quando imagens chocantes de crimes e degradação humana são substituídos pelas sensações provocadas pela temática do entretenimento e do esporte, com ênfase para a hegemonia cultural da televisão aberta. É preciso destacar, no entanto, que há uma diferença fundamental dos jornais populares contemporâneos no Brasil, em relação à Última Hora e principalmente Notícias Populares (NP), considerado o ícone sensacionalista no país.

Enquanto os jornais atuais perseguem a identificação com o leitor para assegurar, acima de tudo, sucesso mercadológico, muitas vezes optando por um contexto de alienação política ao invés de informação sobre os acontecimentos desse setor, os jornais anteriores tinham objetivos políticos definidos. Última Hora foi criado no Rio de Janeiro em 1951, para amparar o governo de Getúlio Vargas, que encontrava resistência em jornais como Diário da Noite, O Globo e Tribuna da Imprensa: o jornal fundado por Samuel Wainer construiria uma estrutura disseminada em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco.

Notícias Populares, lançado no Rio de Janeiro em 1963 por Herbert Levy, surgiu para fazer o contraponto da visão mais conservadora, que interessava ao setor político adversário do populismo característico de Vargas e João Goulart.

Jornais com a finalidade clara, portanto, de envolver as classes populares no debate político, ainda que através da despolitização ou alienação, como seria o objetivo do NP, conforme explica Goldenstein (1987):

Última Hora e Notícias Populares expressam concepções diferentes em termos de jornal popular (...) Em ambas, as classes populares são vistas de cima. Mas uma tenta incorporá-las sob controle e outra tenta tirá-las do caminho. Tanto Notícias Populares quanto Última Hora tinham objetivos políticos que passavam pelo êxito comercial. (...) O exagero das manchetes e o conteúdo policialesco cada vez mais explícito de Notícias Populares tornam-no muito próximo de um ramo específico da indústria cultural, que se desenvolveu mais quando esta ainda engatinhava nos países centrais: a imprensa amarela. Notícias Populares está mais calcada nos jornais de Hearst que Última Hora. Ambas tomaram-no como inspiração. (Cf. Goldenstein: 1987:93-94).

O sensacionalismo enquanto vertente de inspiração para o jornalismo tem raízes históricas nos séculos passados. De acordo com Angrimani (1995), os jornais populares franceses do século XIX já exploravam a violência, catástrofes e os fenômenos inexplicáveis, de natureza ficcional ou crença religiosa. Antes disso, por volta de 1690, o primeiro jornal lançado nos Estados Unidos, Publick Occurrences, já possuía características sensacionalistas (Amaral, 2006). Mas foi realmente no final do século XIX que o fenômeno conhecido como Yellow Press (Imprensa Amarela), sinônimo de jornalismo de escândalos no Brasil, lançaria as bases para um movimento sensacionalista que serviu de modelo para jornais de todo o mundo.

Os jornais de Joseph Pulitzer e William Hearst, New York World e Morning Journal, priorizavam dramas, histórias falsas, manchetes de impacto, e eram dirigidos às classes populares, vendidos a preços baixos. Um pouco anterior a esse período, Martín-Barbero (1987) registra o surgimento do folhetim na Europa, por volta de 1830, situando-o como o primeiro texto escrito no formato popular de massa, caracterizado pela linguagem simples, direta, sintética, temática flutuante entre a informação e a ficção. É um momento em que a imprensa começa a adquirir condições de produção industriais, mas, ao mesmo tempo, as tradições populares passam a ser incorporadas aos assuntos de interesse do jornalismo.

No Brasil, é também no final do século XIX que publicações de artigos de Brito Broca e Afonso Lima Barreto trazem à tona o tema do sensacionalismo como faceta inerente ao jornalismo. Há interpretações de autores que consideram a hipótese de que o sensacionalismo é uma característica presente de alguma forma na prática jornalística, todavia há também a compreensão, da qual compartilhamos, de que o caráter sensacionalista seja um teto alargado para a exploração dos dramas humanos e da manipulação da informação, com o propósito de provocar sensações de natureza psíquica e alavancar as vendas de jornais.

Apesar, contudo, do gênero ter sido ultrapassado na imprensa brasileira, alguns recursos comumente associados a essa prática foram preservados nos jornais populares de hoje.

São muitas as formas de popularização da mídia costumeiramente tratadas sob o rótulo sensacionalista. O sensacionalismo tem servido para caracterizar inúmeras estratégias da mídia em geral, como a superposição do interesse público; a exploração do sofrimento humano; a simplificação; a deformação; a banalização da violência, da sexualidade e do consumo, a ridicularização das pessoas humildes; o mau gosto; a ocultação de fatos públicos relevantes; a fragmentação e descontextualização do fato; o denuncismo; os prejulgamentos e a invasão de privacidade tanto de pessoas pobres como de celebridades, entre tantas outras. (Cf. Amaral, 2006:21).

A decadência de Notícias Populares, a partir dos anos 80, passando por reformulações significativas nos anos 90, já denunciava a rejeição do público à radicalização dessas características. O fechamento do jornal, em 2001, foi também o encerramento de um ciclo desse modelo de imprensa no Brasil. A partir daí, as reestruturações que resultaram no segmento de jornais populares que conhecemos hoje remontam a uma colagem entre a influência do sensacionalismo e à atenção permanente também com premissas básicas do jornalismo de referência, especialmente no que se refere à credibilidade.

Para os novos jornais populares, não basta cativar o leitor trilhando o caminho de suas preferências, é preciso consolidar esse vínculo oferecendo um produto de qualidade, ancorado essencialmente em consistentes seções de serviços e esclarecimentos, além de boas coberturas sobre assuntos de entretenimento. O lugar da cidadania está disseminado nesse modelo de jornalismo através das colunas que exploram direitos trabalhistas, do consumidor, e também na ênfase ao acesso a direitos sociais, como educação, saúde e segurança. Ao colocar-se como porta-voz das demandas de seu público nessa área, o jornal identifica, ao mesmo tempo, um leitor desprovido de direitos básicos da cidadania, mas buscando uma forma de reivindicar e pressionar as instituições para atingi-los.

Trata-se de uma dicotomia, que pode, simultaneamente, aproveitar-se da situação de fragilidade desse público, como de fato comprar a briga das classes desfavorecidas pela ineficiência do sistema público. Ou, dito de outra forma, a dicotomia entre o interesse público, cuja defesa faz parte da responsabilidade do jornalismo, e o interesse do público, que restringe e reduz as perspectivas e expectativas da sociedade a desejos emergentes.

É nesse conflito que se situa a problemática da visibilidade do leitor e da personificação dos relatos nos jornais populares: até que ponto cumprem com o papel institucional da imprensa de estimular a prática e a afirmação do debate da temática de interesse público, ou, por outro lado, de que forma não apenas utilizam estrategicamente um público apresentado como desprovido de cidadania para, através de suas próprias mazelas, buscar a identificação necessária à venda de jornal?

Extra - um jornal a serviço do leitor

Um contexto econômico marcado pela criação e fortalecimento do Real (1994), nova moeda brasileira, e o fim da inflação, entre o governo de Itamar Franco e o início do governo Fernando Henrique Cardoso, favoreceu o crescimento do poder aquisitivo das classes C e D no Brasil. Esse grupo, situado entre uma renda de dois até cinco salários mínimos [4], gerava uma expansão de consumidores potencialmente interessantes para o mercado de jornais impressos. No Rio de Janeiro, o tradicional jornal O Dia, em circulação desde 1951, detinha o predomínio da leitura nessa faixa, sendo direcionado inicialmente para as classes de baixa renda, marcado pelo posicionamento político declarado e pelo caráter flagrantemente sensacionalista.

A partir dos anos 80, com novos diretores, o jornal passa se reposicionar, dirigindo-se prioritariamente à classe C, e se colocando como um "popular de qualidade": ênfase nas notícias policiais, de serviços públicos, minimização do noticiário político e econômico, ancorados por um apelo visual com mais força nas cores e diagramação, mas sem exposição de imagens chocantes, sanguinárias ou de conteúdo erótico. O Globo e Jornal do Brasil (JB) dividiam a fatia de leitores das classes A e B, mas já na iminência da crise que caracterizou a decadência do Jornal do Brasil.

O diretor de redação do Extra, Bruno Thys [5], que trabalhava no JB e está no Extra desde a sua fundação, em 5 de abril de 1998, conta que a InfoGlobo desenvolvia pesquisas de mercado desde o início da década de 1990 para estruturar o lançamento de um jornal dirigido à classe C, com perfil diferente de O Globo, buscando parte do mercado em que predominava O Dia.

"Na época em que a gente fez a projeção, esse mundo C era de 20 milhões de pessoas. Depois do Fernando Henrique, pula pra 120 milhões, depois para 200, então houve uma expansão, esse mundo passou de fato a consumir: vimos uma oportunidade de negócio aí. Business. A gente queria exatamente esse leitor C, dois a quatro salários mínimos, dois mil reais de renda, no máximo. O jornal era 25 centavos, muito barato, mas com informação". (Bruno Thys, 2007, entrevista concedida à autora).

Desde o planejamento do jornal, a proposta do Extra busca uma cumplicidade muito forte com o leitor. Além de trazer o próprio Bruno Thys do JB, a InfoGlobo buscou Eucimar Oliveira, o homem que transformou O Dia em sucesso nas classes C e D, e outro jornalista que havia transformado um jornal comunitário do Rio de Janeiro em sucesso espantoso de vendas, para pensar o novo jornal. O projeto gráfico ficou a cargo de uma empresa espanhola considerada hoje uma das melhores do mundo na área. Dentro da redação do prédio da InfoGlobo, na Rua Irineu Marinho, o grupo começou a pensar nas seções que definiriam o perfil do jornal.

Foi feita uma campanha entre o público para que fosse escolhido o nome do periódico, e entre cinco opções, Extra foi o nome vencedor, embasando já o primeiro slogan de lançamento no mercado: "Extra, o jornal que você escolheu". Com base nas pesquisas, mas também, segundo o que define Thys, também em intuição e criatividade, foi definida a espinha dorsal do Extra: economia popular (casa própria, impostos, dívidas e aplicações para fazer render o dinheiro do leitor), programas de televisão aberta, polícia, cidade e esporte, tendo ainda como menina dos olhos a revista Canal Extra, de cultura, publicada aos domingos e que, na carona da grande circulação do Extra, a revista é a segunda com maior tiragem em banca no Brasil, perdendo hoje somente para Veja.

A estrutura de profissionais foi montada com uma redação formada por 90 jornalistas: um terço vindo de O Globo, um terço selecionado no mercado e os outros 30 em seleção pública aberta aos recém-formados. O treinamento da equipe foi conjunto, tendo como base os seguintes princípios:

"O jornalista do Extra, quando vai escrever, tem em mente o leitor. A maneira de escrever, o vocabulário, a abordagem, o enfoque, são o didatismo e a tradução específicos para um leitor que pressupomos que não conhece tudo, mas também não é ignorante. A responsabilidade e a ética são os mesmos seguidos pelo padrão d'O Globo". (Bruno Thys, 2007, entrevista concedida à autora).

Avesso aos apelos explícitos do sensacionalismo que estampa sangue junto ao humor e sexo, o leitor encontrou no Extra uma linguagem em que os fatos policiais, o erotismo, a fofoca (nas notícias sobre a vida das celebridades) e a defesa dos direitos do leitor (na cobertura da assistência à saúde, educação, e na seção de direitos do consumidor e respostas a dúvidas sobre processos e direitos em geral) estão contemplados de uma forma menos agressiva.

Hoje o jornal está subdividido nas editorias de Geral/Cidade, Economia, O País, Viva Mais e Internacional, com as seções fixas Retratos da Vida (celebridades) e Carta Branca (direitos trabalhistas, do consumidor e reivindicações de infra-estrutura urbana), Extra! Extra! (coluna de Berenice Seabra com comentários sobre política e comunidade), e uma página 2 caracterizada pela mobilidade, onde são alternadas editorias intituladas Estado, Hoje (serviço), Tudo de Graça (eventos, promoções, cursos gratuitos), e Melhor Idade. Os cadernos fixos são: Jogo Extra (esportes/ diariamente), Sessão Extra (cultura e diversão/ segunda a quinta e aos sábados), Diversão Extra (substitui Sessão Extra às sextas), Vida Ganha (empregos/ terça e domingo), Motor Extra (carros/ quarta e sábado), Info Extra (informática/ às quintas), e Canal Extra (revista de cultura, aos domingos).

A opção pela cobertura da televisão aberta (preferencialmente TV Globo, que, assim como a InfoGlobo, é parte das Organizações Globo) é feita de uma forma inusitada: além da página "Retratos da Vida", que fala sobre celebridades, quase que exclusivamente globais, os desfechos e situações clímax das novelas da Globo ganham capa como se fizessem parte da vida real. O diretor de redação explica que final de novela é como Copa do Mundo, e que o Extra tem um repórter para cada novela, minissérie e séries especiais da Globo, como Big Brother Brasil. O Chefe de Reportagem, Giampaolo Morgado Braga, define assim o foco do jornal:

"É um jornal menos jornalão, com um viés menos analítico, menos quality-paper, que normalmente não vai dar muita ênfase a editorias como Política, Internacional. Polícia é um foco muito grande, e na Cidade, Educação, Transporte e Administração Pública, não entrando muito em terreno de política partidária, troca-troca na Câmara, que são mais o foco do O Globo. A gente entende que o nosso leitor não está muito com a cabeça nisso, ele não está interessado em política partidária, e sim em política pública: se vai ter vaga em hospital, se vai ter vaga pro filho na escola". (Giampaolo Braga, 2007, em entrevista concedida à autora).

Priorizando a interatividade com o leitor, a persuasão pelos temas individualizados e pela diagramação que explora a cor e o apelo visual, o jornal tem no preço também um de seus diferenciais, como é característico dos jornais populares: custa a metade do valor de venda em banca de O Globo, representante do segmento de referência da InfoGlobo. Um recurso importante usado desde o lançamento do jornal é uma tendência no mercado, mas que tem colaborado decisivamente para a ampliação da circulação: a oferta de brindes e produtos com preços mais acessíveis, em troca de selos impressos no jornal, ou do simples fato da compra do exemplar.

No lançamento, o Extra ofertou um conjunto de panelas em troca de 60 selos, a exemplo da estratégia adotada inicialmente por O Dia, que combinou o sorteio de grandes prêmios, como apartamentos, sistema a seguir copiado pelo Diário Gaúcho, em Porto Alegre, com entrega de brindes de menor valor.

Segundo o diretor de redação, a idéia reproduzida no jornal do Rio Grande do Sul foi copiada do sucesso alcançado pelo Extra, com o aval das Organizações Globo, da qual a Rede Brasil Sul (RBS), empresa que edita o Diário Gaúcho, é afiliada. A seguir, o Extra ofereceu uma coqueteleira e outros itens domésticos, para então aderir ao sistema dos colecionáveis: Atlas, Dicionários, Bíblias, Livros e DVDs. No momento, o jornal carioca estampa selos que dão direito a uma edição colecionável do Dicionário Aurélio, com CD-ROM. Em DVDs, o jornal tornou-se o maior vendedor do país neste segmento no ano passado, mais do que qualquer loja ou gravadora do ramo, em função das promoções a R$ 19,90.

Este processo é chamado pelos editores e diretores comerciais de "fidelização" do leitor: ao expandir a circulação, agregando uma parcela adicional considerável de compradores de jornal (no caso do Extra, há uma projeção de cerca de 100 a 150 mil leitores a mais em função das promoções), para conquistar um grupo residual, em torno de 2% do total, como leitores habituais.

"São produtos de qualidade, muito focados na vida do leitor. A gente não poria uma gravata de grife: é um celular pré-pago, é um produto que tem valor para o dia-a-dia. Os colecionáveis são 90% voltados para cultura: Guia do Bebê, Atlas de Informática, Atlas de História do Brasil, História do Mundo. Acabamos de dar a Bíblia, que mandamos fazer na Espanha, uma encadernação luxuosíssima. Isso é marketing: claro que aumentando a circulação, diminui um pouco o custo do produto. Cada promoção dessas é cara, tem televisão, tem mídia, a gente paga a TV Globo, não tem vantagem. Mas o leitor hoje já enxerga o colecionável como parte do jornal. Tem Caderno de Esportes, tem caderno disso, tem o colecionável. Não diferencia mais. A gente poderia viver sem promoção, mas já faz parte do jornal". (Bruno Thys, 2007, em entrevista à autora).

O enfoque direcionado à cobertura dos fatos policiais, característicos do cotidiano carioca, à estrutura de serviço público de atenção à saúde, educação e transporte, e páginas de serviço permanentemente em busca de oportunidades para o leitor, como eventos gratuitos, localização, tira-dúvidas, lembranças de datas importantes e defesas de direitos, especialmente trabalhistas e do consumidor, estruturou-se em função de um perfil de sintonia com o leitor buscado declaradamente como objetivo da empresa. Entre as frases constantemente repetidas por Bruno Thys, estão "a gente tenta ajudar o leitor o tempo todo", "O Extra faz bom jornalismo, que inclui, entre outras coisas, assumir a bandeira do leitor", "se eu pudesse resumir o Extra em uma palavra, seria essencial (para a vida do leitor)".

O resultado da combinação entre a proposta do "popular de qualidade", com foco totalmente direcionado a atender as expectativas do leitor, a estrutura de marketing da InfoGlobo e as promoções de produtos casados, o Extra transformou-se em fenômeno de circulação, desde o seu lançamento. Um dos resultados que apresentou maior desvio entre as pesquisas encomendadas foi também o que sinalizou o impacto que o jornal teria no mercado carioca. Havia uma projeção inicial de circulação semanal de 60 mil exemplares, e de 100 mil aos fins de semana.

No dia de lançamento, vendeu 100 mil exemplares, crescendo de 50 em 50 mil ao dia, e chegando rapidamente a mais de 250 mil exemplares/dia durante a semana. O que obrigou a empresa a reestruturar tabela publicitária, salários da redação e até mesmo a programação do parque gráfico. Com uma média de circulação consolidada em 270 mil exemplares nos dias úteis, o jornal chega a atingir 428 mil exemplares nos domingos [6], passando, com esta marca, a se configurar como jornal mais vendido do país aos finais de semana. A tabela do Instituto Verificador de Circulação (IVC), relativa a dezembro de 2006, apontou o Extra como o jornal de maior tiragem média mensal no Brasil a partir de novembro do ano passado.

Extra
Dia da semana
Novembro 2006
Dezembro 2006
Diferenças quant.
Percentual
Domingo
466.962
409.022
-57.940
-12,4%
2a feira
309.198
249.557
-59.641
-19,3%
3a feira
314.555
284.006
-30.549
-9,7%
4a feira
332.279
289.177
-43.102
-13,0%
5a feira
318.531
280.593
-37.938
11,9%
6a feira
315.473
295.863
-19.610
-6,2%
Sábado
330.197
298.395
-31.802
-9,6%
E.D. 2a-6a
-
-
0
0,0%
Média 2a-sáb
320.039
282.932
-37.107
-11,6%
Média 7 dias
341.028
300.945
-40.083
-11,8%
TOTAL MÊS
10.199.590
9.429.732
-769.858
7,5%
Tabela 1. Circulação de Extra (dez2006). Fonte: Instituto Verificador de Circulação (IVC).
Folha de S.Paulo
Dia da semana
Novembro 2006
Dezembro 2006
Diferenças quant.
Percentual
Domingo
368.329
348.060
-20.269
-5,5%
2a feira
300.131
290.400
-9.731
-3,2%
3a feira
290.160
283.239
-6.921
-2,4%
4a feira
294.879
285.334
-9.545
-3,2%
5a feira
295.410
284.176
-11.234
-3,8%
6a feira
310.700
300.319
-10.381
-3,3%
Sábado
324.064
314.936
-9.128
-2,8%
E.D. 2a-6a
274.851
267.514
-7.336
-2,7%
Média 2a-sáb
302.557
293.067
-9.490
-3,1%
Média 7 dias
311.953
300.923
-11.030
-3,5%
TOTAL MÊS
9.324.981
9.389.171
64.190
0,7%
Tabela 2. Circulação da Folha de SP (dez2006). Fonte: Instituto Verificador de Circulação (IVC).

O Globo
Dia da semana
Novembro 2006
Dezembro 2006
Diferenças quant.
Percentual
Domingo
378.023
359.710
-18.313
-4,8%
2a feira
270.968
267.510
-3.458
-1,3%
3a feira
255.715
251.477
-4.238
-1,7%
4a feira
260.107
259.149
-958
-0,4%
5a feira
261.763
259.625
-2.138
-0,8%
6a feira
278.657
269.718
-8.939
-3,2%
Sábado
289.438
286.152
-3.286
-1,1%
E.D. 2a-6a
237.804
236.327
-1.477
-0,6%
E.D. sáb-dom
250.461
248.765
-1.696
-0,7%
Média 2a-sáb
269.441
265.605
-3.836
-1,4%
Média 7 dias
284.953
279.049
-5.904
-2,1%
TOTAL MÊS
8.500.554
8.728.944
228.390
2,7%
Tabela 3. Circulação de O Globo (dez2006). Fonte: Instituto Verificador de Circulação (IVC).

A estrutura de rádio e televisão da InfoGlobo é apontada por alguns estudiosos como o sustentáculo para o sucesso de circulação do jornal, que desbancou no Rio de Janeiro o tradicional O Dia. Carvalho (2005) investiga exatamente as causas para a supremacia do Extra nesse mercado. Listando desde as mudanças editoriais ocorridas a partir de 1990, que transformaram as características principais de O Dia, marcadamente sensacionalista, e coincidiram com o lançamento do Extra, ela relaciona, todavia, principalmente a estrutura de divulgação e publicidade da Globo como fator preponderante para o sucesso do Extra.

No artigo, ela avalia a recontratação pelo O Dia, no início de 2005, do diretor Eucimar de Oliveira, chamado para recuperar o prestígio do jornal, que passou a acumular quedas sucessivas em circulação desde o lançamento do periódico da InfoGlobo. Responsável pelo lançamento do Extra, Eucimar foi também um dos fundadores de O Dia.

Um especialista em mercado midiático carioca avalia: Eucimar sabe fazer jornal popular, mas a tarefa é mais do que árdua. O Extra, que ele próprio construiu, está consolidado. E consolidou-se roubando público d'O Dia, que há cinco ou seis anos, quando decidiu partir para cima do Globo, vendia entre 250 mil e 300 mil exemplares diários. Segundo este especialista, a grande desvantagem d'O Dia em relação ao Extra é realmente a TV Globo. Para se promover na TV, o Extra não paga (eles juram que os anúncios do Globo e do Extra na TV Globo são pagos, mas na prática é uma operação contábil). E O Dia, se quiser sair na Globo, terá que pagar muito. (Cf. Carvalho, 2005, on-line).

Apesar de assumirem a disputa pela fatia de mercado onde predominava a leitura de O Dia, os diretores do Extra não reforçam a rivalidade, e reafirmam nunca ter sido objetivo da InfoGlobo monopolizar esse setor. Tanto o diretor de redação, quanto o de circulação, Jorge Cerqueira, insistem na idéia de que o Extra consolidou-se por méritos próprios, por ser um jornal de qualidade extremamente alinhado com o público a que se dirige, ao contrário de O Dia, que tentou realinhar-se, exatamente como observa Carvalho (2004), acabando por entrar em uma crise de identidade.

"A gente não tem nenhum complexo em ser popular: nossa essência é o nosso leitor. O Dia tentou reposicionar há nove anos, dar vôos mais altos, achando que a verba publicitária e a concorrência, estavam mais acima, tentando pegar uma fatia do O Globo. Mais recentemente tentaram baixar, depois tentaram reposicionar de novo. Isso confunde o leitor e vai perdendo gente, então eles tiveram uma crise de identidade que eu não sei se já passou. No início do ano eles tentaram novamente reposicionar o jornal, mais pra cima, longe do Extra, mas não basta você querer, ou fazer uma reforma gráfica. O Jornal da Tarde fez isso e não aconteceu nada. Vários jornais fizeram reformas gráficas: o Estado de S.Paulo fez reforma gráfica importante, mas não é só reforma cosmética. Tem de fazer uma abordagem maior". (Bruno Thys, 2007, entrevista à autora).

Mas as pesquisas sobre o mercado de leitores no Rio de Janeiro não só confirmam a disputa, como ratificam a perda expressiva de leitores de O Dia, após o lançamento do Extra. Os dois jornais circulam na mesma faixa sócio-cultural. Segundo a pesquisa encomendada pela InfoGlobo ao Instituto Marplan [7] sobre o mercado de jornais no Rio de Janeiro, ambos têm maior penetração na classe C, com ligeira vantagem para o Extra (44% do total), e a mesma incidência na classe D: 14%.

A escolaridade do leitor dos dois jornais é muito semelhante: 49% do total, nos dois casos, tem apenas o Ensino Fundamental, e O Dia tem uma fatia um pouco maior de leitores com Ensino Superior (19%, contra 16% do Extra). A grande maioria dos leitores do Extra (58%) e O Dia (59%) lêem o jornal no hábito da "carona", ou seja, não por compra pessoal, nem por assinatura, que não é feita pelo Extra. Na faixa de idade, ambos têm maioria entre 30 e 39 anos, estando o Extra com percentuais bastante equilibrados entre todas as faixas, e O Dia com uma concentração um pouco maior entre os mais jovens, até 29 anos. Pela área de abrangência da leitura no Rio de Janeiro, ambos também concorrem com muita proximidade, predominando na Baixada Fluminense e na zona Oeste do Rio de Janeiro.

Há uma pequena diferença, no entanto, com relação ao sexo dos leitores: no Extra predominam as mulheres (55%), e no O Dia, os homens (53%). Todavia, a pesquisa aponta um dado importante a ser considerado: tanto Extra quanto O Dia estão perdendo leitores, consecutivamente, para os modelos mais populares de ambas as empresas. Em resposta ao crescimento do Extra, a empresa jornalística O Dia lançou no Rio de Janeiro o Meia-Hora, radicalizando ainda mais o vínculo com o popular, através da colocação, por exemplo, entre os repórteres, de estudantes da Universidade Popular de Comunicação, do projeto ONG Observatório de Favelas, para redigir matérias supervisionadas retratando cotidiano das comunidades carentes.

Projeções recentes indicam que o Meia-Hora já teria faturado 11% dos leitores do Extra, principalmente na classe D. Já a InfoGlobo, buscando também inserção nesse mercado de leitores de classes abaixo das atingidas pelo Extra, lançou em 2006 o Expresso da Informação, que já começa a disputar mercado com o Meia-Hora. Notícias de uma guerra que parece estar num dos momentos mais disputados, e onde o novo público consumidor de jornais é o alvo. Segundo a pesquisa do Instituto Marplan, além dos 44% na classe C, o Extra tem 33% na classe B, 17% na D/E, e 6% na classe A. A identificação com esse perfil de leitura é buscada, segundo o próprio editor, através da ênfase a assuntos ligados à televisão, considerada principal atividade de lazer do público predominante, às notícias de serviço e à estruturação da notícia como uma história. O diretor de redação do Extra resume:

"O enfoque é diferente, a gente parte do particular para o geral, conta uma história: o leitor gosta muito de histórias. Há uma simbiose, uma identificação muito grande do leitor com o jornal. Se o leitor gosta de Chitãozinho e Xororó, não sou eu quem vou dizer pra não gostar. A gente não briga com o leitor". (Bruno Thys, 2007, entrevista à autora).

Somente com o lançamento do Meia-Hora, da editora de O Dia, ambos já haviam perdido cerca de 750 mil leitores exclusivos por dia, segundo os dados da pesquisa Marplan. Os números revelam que 52% dos leitores do Meia-Hora também lêem o Extra, e que o popular de O Dia angariou 819 mil leitores diários na classe C, significando uma superposição de leitura em que Extra está perdendo. Outra informação interessante da pesquisa é que o Extra ganhou leitores na classe A e na Zona Sul, o que significa que, embora dirigido prioritariamente às classes de menor poder aquisitivo, é um jornal que também está ganhando leitores que fazem parte do perfil habitual dos "quality papers". Entretanto, na disputa, declarada ou não, com O Dia, o jornal Extra abriu uma sólida vantagem, estando hoje na faixa dos 3,1 milhões de leitores diários, enquanto O Dia totaliza cerca de 1,8 milhão, mas em um movimento decrescente não só desde o lançamento do Extra, mas também do Expresso da Informação e do próprio Meia-Hora.

Com base nos resultados de pesquisas periódicas como a do Instituto Marplan, e em pesquisas diárias sobre a preferência dos leitores entre as notícias oferecidas pelo jornal, o Extra construiu um estilo de jornalismo próprio, que tem a identificação com os interesses do leitor como busca principal. O jornal é feito para o leitor de classe C, com Ensino Fundamental como base da escolaridade e que não tem dinheiro para bancar uma assinatura de jornal. Toda a informação é produzida considerando-se as limitações do universo de compreensão desse leitor, mas numa relação permanente com aquilo que o jornal nomeia como poder de intermediação entre as instituições públicas.

Por seu papel de denunciar a precariedade dos serviços públicos de Saúde, Educação e Transporte, e pela perseguição a resultados e esclarecimentos de processos judiciários em que o leitor está envolvido, principalmente trabalhistas e de direito do consumidor, o jornal assume um lugar de reivindicação e vigilância permanentes, ao mesmo tempo que exerce pressão sobre as instâncias de decisão. Uma definição interessante e bastante esclarecedora é usada pelo Chefe de Reportagem Giampaolo Braga, que considera o Extra o "amigo influente daqueles que não têm amigos influentes".

"Tem uma cultura no Brasil do apadrinhamento, de ter alguém pra falar por você, pra olhar por você, algum amigo influente que vai te resolver o problema: o seu processo só vai andar se você conhecer alguém, é aquela história do "sabe com quem está falando?", do carteiráço. Você, agente público, seja de saúde, de segurança ou de educação, olha, eu sou amigo de fulano, e me trate bem, se não vai dar problema pra você. A pessoa que não tem nada, que não tem ninguém que olhe por ela, não tem um padrinho, se socorre na gente". (Cf. Giampaolo Braga, 2007, em entrevista à autora).

É nessa relação truncada de prestação de serviços, que trabalha de certa forma a dependência do leitor em relação ao jornal, que pode ser discutida também a noção de cidadania para e do leitor do Extra. Há um consenso entre os profissionais da redação de que o jornalismo é uma profissão que trabalha como agente da cidadania, que publica, repercute, transforma e constrói diariamente fatos que incidirão sobre a formação da cidadania do seu público-leitor.

Os jornalistas do Extra reconhecem que o seu leitor-padrão, por pertencer a classes com menor poder aquisitivo e menor escolaridade, ainda está trilhando o caminho para se tornar cidadão na maioria dos aspectos relativos ao acesso à saúde, educação e segurança, por exemplo, porque, no caso específico desses leitores, essas são estruturas que dependem fundamentalmente de um poder público ineficiente.

Mas, ao mesmo tempo, são pessoas que estão cotidianamente ampliando seu conhecimento sobre os próprios direitos e sobre os meios que podem usar para conquistá-los, encontrando para isso, no jornal, um importante aliado.

"Como se qualificar profissionalmente, como conseguir emprego, as dez melhores escolas públicas do Rio: estamos mostrando um caminho, dentro da exigüidade de recursos, que ele pode escolher pra melhorar a vida do filho dele. Da cidadania plena, ele está longe, como o Brasil de maneira geral, nosso leitor não é exceção. Mas é uma batalha diuturna. A pessoa humilde sabe direitinho seus direitos. Eventualmente não sabe como chegar e fazer valer: a justiça gratuita é uma dificuldade, a gente mostra como funciona, o atendimento médico no hospital. O Extra é parceiro, uma das nossas frases era "Café, pão e Extra", para que o leitor usasse como instrumento pra melhoria da qualidade de vida dele. Estamos inaugurando uma seção que chama "Lição de Mestre", mostrando boas iniciativas fora do poder público. Então a gente não transfere tudo para o poder público, fazemos um esforço grande para que ele possa se sentir cidadão e exercer de fato sua cidadania." (Bruno Thys, 2007, em entrevista à autora).

Sem abandonar a perspectiva crítica, especialmente no que diz respeito à função do jornalista em defender o interesse público, evitando que o interesse do público sobreponha-se, transformando o noticiário em um festival de apelos às sensações e no predomínio da cultura, é impossível negar que o Extra alcançou um lugar de destaque no jornalismo brasileiro, tornando-se a principal referência do setor popular de qualidade.

Além do sucesso de circulação, em 2005, com a reportagem sobre a Dona Vitória [8], o jornal da InfoGlobo arrematou os principais prêmios do jornalismo brasileiro: Esso de Reportagem, Embratel, Direitos Humanos, Associação de Magistrados, Tim Lopes e Vladimir Herzog. No Prêmio Esso, o Extra já foi campeão em dois anos consecutivos: também em 2006, o Prêmio Esso de Reportagem e de Primeira Página foi para o Extra, com uma matéria sobre os motivos do alto índice de evasão escolar no Rio de Janeiro, e pela capa da cobertura da invasão do Movimento pela Libertação dos Sem-terra (MLST) no Congresso Nacional ("Eles são sem-terra, sem respeito, sem educação e sem vergonha").

Notas

[1] Dados apresentados no artigo de Flizikowsky (2007), com base em informações fornecidas pelo Instituto de Verificação da Circulação (IVC).

[2] Denominação usada para definir os jornais do segmento de referência, já reconhecidos tradicionalmente como formadores de opinião.

[3] A dissonância entre os conceitos de interesse público e interesse do público compactua aqui da proposta defendida por Silva (2004), que delimita a primeira noção como relacionada a fatos que tratem do dinheiro público e/ ou da vida pública, comumente circunscritos à temática das editorias de Política e Economia, enquanto o conceito de interesse do público prioriza a curiosidade em torno da vida privada de celebridades e personalidades em geral, o voyeurismo, e a recorrência a temas que tratem de entretenimento e variedades.

[4] Não há um indicador preciso da faixa salarial das classes sociais, considerando-se hoje por classe C as famílias que têm um rendimento médio mensal de até R$ 2 mil, e mínimo de R$ 800,00.

[5] Declarações feitas durante entrevistas concedidas à autora, na redação do jornal Extra, 22-23jan2007.

[6] Dados do Instituto de Verificação da Circulação (IVC), repassados pela InfoGlobo à pesquisadora.

[7] O relatório detalhado dos resultados da pesquisa, que faz um comparativo entre o terceiro trimestre de 2005 e o terceiro trimestre de 2006, foi repassado à autora da dissertação pela direção do jornal Extra.

[8] Dona Vitória foi assim identificada pelo jornal (o nome é fictício, pelo fato de ser uma testemunha protegida pelo Estado) nas reportagens que descreveram as filmagens feitas por ela, uma senhora de 80 anos, a partir da sacada de seu prédio, revelando detalhes do tráfico de drogas e da ação dos traficantes na Ladeira dos Tabajaras, Rio de Janeiro. A reportagem foi feita originalmente pelo Extra e ganhou em seguida repercussão nacional.

Referências bibliográficas

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ANGRIMANI, D. Espreme que sai sangue. São Paulo: Summus, 1995.

BERNARDES, C. "As condições de produção no jornalismo popular: o caso do Diário Gaúcho". Dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

BRAGA, G. Entrevista concedida à autora. Rio de Janeiro: 22jan.2007.

CARVALHO, M. "O futuro está no passado". Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=318IMQ002>. Acesso em: 03nov2005.

FLIZIKOWSKY, M. R. "As tendências do jornalismo impress". Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=421IMQ003>.
Acesso em> 01mar2007.

GOLDENSTEIN, G. T. Do jornalismo político à indústria cultural. São Paulo: Summus, 1987.

MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones. Barcelona: Gustavo Gili, 1987.

OLIVEIRA, P. "Jornais populares, um mercado em ebulição". Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=355SAI001>. Acesso em: 08abr2006.

PRAZERES, S. "Os populares, o jornal e o papel". Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=384IMQ004>. Acesso em: 06ago2006.

SILVA, L. M. Jornalismo público. Brasília: Casa das Musas, 2006.

THYS, B. Entrevista concedida à autora. Rio de Janeiro: 22-23jan2007.

*Carine Felkl Prevedello é jornalista graduada pela Universidade Federal de Santa Maria, especialista em Direitos Humanos pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) e pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe) e mestranda em Comunicação Midiática pela UFS.

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®Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]