Ensino
de jornalismo: o jornal
laboratório como recurso pedagógico
Por
Nancy Ramadam*
"Como
ensinar a escrever bem - isto é, com clareza e
cada vez melhor? Há fórmulas e métodos
de ensinar a escrever jornalismo? Ou isso é coisa
que não se ensina? Basta ter talento, e cultivá-lo?".
1
Estas
questões e tantas outras - mais que pertinentes,
obrigatórias para quem ensina, são freqüentemente
colocadas e discutidas por Chaparro, aqui e ali, em seus
livros, no site que coordena, no bate-papo de corredor
na universidade, nas aulas de pós-graduação...
Essa
inquietação do professor, jornalista e cientista,
já fala da sua importância para o ensino
de jornalismo. São questões primordiais,
obrigatórias para nós, que nos cursos de
graduação e de pós-graduação,
compartilhamos conceitos, métodos, práticas
e, em última análise, maneiras de ver o
mundo, o homem, a sociedade.
E
são várias as correntes de pensamento que
dão conta da Educação, do Ensino,
da Pedagogia e da Didática em diferentes campos
do conhecimento e em várias etapas da História.
Há, também, muita confusão em torno
destes termos, já que as definições
são numerosas ao longo dos séculos.
De
Platão, passando por Rousseau, Durkheim, Herbart,
Kant, Piaget, Freinet, Rogers, Dewey, Illich, Vygotsky,
Freire, vários estudiosos da Educação,
de diferentes formações, revelam, em todas
as etapas da História da Educação,
a evolução de conceitos a partir da necessidade
de ensinar e de conhecer.
É
possível visualizar, no entanto, as concepções
de educação a partir de duas grandes linhas,
uma, que enfatiza a educação como forma
de controle social, que tem em Skinner, um forte representante;
e a que preza a liberdade, que tem, entre outros representantes,
Carl Rogers e, entre os nossos, Paulo Freire.
Na
verdade, são dois pontos de vista de "modelos"
de homem. Assim, neste texto, sempre que eu me referir
à educação, estarei tomando como
referencial esta última concepção,
porque minha referência para o processo educativo
pressupõe a liberdade individual de expressão,
a liberdade que pude experimentar, como aluna de Chaparro,
em sala de aula.
Ensino
e Pedagogia
"Ensino
é uma atividade que emerge de alguma concepção
sobre como ocorre aprendizagem". 2 Na antiga
Grécia, Paidagogia, significava o acompanhamento
e a vigilância do jovem. O paidagogo - o
condutor - era o escravo que levava às crianças
à escola, a didascaléia, de Didasco
(ensinar) Didáxis (lição)
onde recebiam as primeiras letras, ou ao gymnásion,
um local de cultivo ao corpo.
Os
conceitos evoluíram e, de acordo com Ghiraldelli
Júnior, 3 temos três tradições
de estudos educacionais que seriam responsáveis
pelo que temos na atualidade:
A
Francesa (linha de Durkheim, 1858-1917), na qual a pedagogia
não é vista propriamente como uma teoria
de educação, mas como uma "literatura
de contestação da Educação
em vigor, afeita ao pensamento utópico".
E
a alemã e americana, segundo as filosofias e psicologias
de Herbart (1776-1841) e Dewey (1859-1952), respectivamente.
Herbart fundamenta a Pedagogia na Psicologia. Dewey, por
sua vez, não separa Pedagogia e Filosofia: contesta
a idéia tradicional de verdade - a verdade como
correspondência - em favor da pragmática
da verdade: a verdade é o útil.
O
lugar para averiguar a validade de uma teoria para o conhecimento
é a situação de ensino. A filosofia
é, então, uma filosofia de educação.
E aqui lembro, de passagem, que há poucos lugares
tão apropriados para averiguar validades teóricas
e articular teoria e prática como no jornal laboratório.
Assim,
Pedagogia, Filosofia e Filosofia da Educação
tornam-se, em certa medida, sinônimos. Para Ghiraldelli
Júnior, nesse sentido, a Pedagogia, tomada como
utopia educacional, ciência ou filosofia de educação,
diz respeito, em geral, à Teoria da Educação,
enquanto a Didática diz respeito aos procedimentos
que visam fazer a Educação acontecer segundo
os princípios extraídos da teoria. Podemos
dizer que à Pedagogia Tradicional e à Pedagogia
Nova correspondem uma didática tradicional e uma
didática nova.
"Boa
parte dos manuais, no século XX, apresentam tais
didáticas, batizando-as, respectivamente, das Pedagogias
de Herbart e de Dewey". 4 A de Herbart,
tradicional, postula que a aula seguiria cinco passos:
preparação, apresentação,
associação, generalização
e aplicação. A de Dewey, associada à
"Pedagogia Nova" (aprender a aprender), outros
cinco: atividade, problema, coleta de dados, hipóteses
e experimentação.
É
essa última a situação mais próxima
da proposta pelas disciplinas laboratoriais. A primeira
é centrada no professor e a esta no estudante.
Mais
recentemente, Moacir Gadotti, também apresenta
algumas reflexões em torno da Pedagogia, que seria
"uma noção inadequada, obsoleta, esdrúxula"
que situa o pedagogo mais como "um policial da Educação
do que um homem formado para criar a Educação".
Assim,
Gadotti propõe a prática de uma Pedagogia
que chamou "Pedagogia do Conflito". Ela deveria
criar uma certa linguagem na Educação que
leve o educador a "reassumir seu papel crítico
dentro e diante da sociedade pela dúvida, pela
suspeita, pela atenção, pela desobediência".
5
Como
método, ele propõe a suspeita dialética,
"tal qual a praticou Marx", sem esquecer de
fundamentá-la uma "certa ética",
porque entende que "a eficácia do discurso
pedagógico deve-se menos à lógica
interna do enunciado do que à coerência
do que é afirmado com aquele que o afirma".
6
Chaparro,
autor de "Linguagem dos Conflitos", 7
vive essa indispensável coerência. Para ele,
o jornal (Notícias do Jardim São Remo)
8 "existe para o ensino, mas tem também
o significado de extensão universitária,
porque serve socialmente a uma comunidade carente e organizada,
e a ela está incorporado".
O
professor entende que, "escrevendo e editando o jornal
Notícias do Jardim São Remo, os alunos
ingressantes no curso de jornalismo aprendem a lidar,
em nível de iniciação, com as técnicas
e complicações éticas e estéticas
do jornalismo. Mas a melhor contribuição
que o jornal lhes dá é os levar à
descoberta do mundo dos excluídos. O mundo sobre
o qual têm de escrever, e que por isso deve ser
compreendido, com tudo o que tem e com tudo o que lhe
falta. O esforço pedagógico inicial concentra-se
em duas preocupações prioritárias.
Uma,
teórica, busca passar aos alunos um entendimento
claro do conceito jornalístico de atualidade. É
no tempo e no espaço da atualidade que o jornalismo
atua e se realiza. Esse vínculo liga o jornalismo
aos processos da vida humana. E o torna importante".
"A
segunda prioridade pedagógica é a de ensinar
que os protagonistas da atualidade, e portanto do relato
jornalístico, não são os jornalistas,
mas quem produz os fatos e as falas da transformação,
e os que sofrem os efeitos das transformações.
A
atualidade tem uma superfície organizada, sob a
qual fervilha um mundo contraditório, imperfeito.
E quem não percebe isso que visite uma favela (...).
Andem pelas ruas da favela, olhem o que por lá
se passa, dizia aos meus alunos, quando lhes dava aula
nesse projeto. Sintam os sinais de um mundo que precisa
ser transformado". 9 Está aí
uma clara referência ao papel do jornalista e educador
e de sua importância para o ensino de jornalismo.
Projeto
Pedagógico
O
que é jornalismo? Repito com freqüência
a pergunta, a alunos, colegas e amigos. E ouço,
como respostas, frases que apenas traduzem particularidades
ou curiosidades da atividade que informa e interpreta,
para o mundo, o que de relevante acontece no próprio
mundo - e essa é apenas uma definição
acabada de criar, no fluir do texto.
10
Um
projeto pedagógico deve ser entendido como um conjunto
de pressupostos filosóficos e éticos que
definem o papel do docente e suas escolhas, a atividade
profissional que se tem em vista, o objetivo do curso
- o perfil do profissional que se pretende oferecer à
sociedade mediante a participação ativa
de seus setores nessa discussão - a articulação
de conteúdos e disciplinas em torno de instâncias
teóricas e práticas, abrindo a possibilidade
para os demais campos de conhecimento contribuírem.
11
Estes
pressupostos estão diretamente ligados à
Filosofia de Educação: "ela só
será mesmo indispensável à formação
do educador se for encarada (..) como uma reflexão
radical (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas
que a realidade educacional apresenta (..) Assim, a tarefa
da Filosofia da Educação será oferecer
aos educadores um método de reflexão que
lhes permita encarar os problemas educacionais penetrando
na sua complexidade e encaminhando a solução
de questões tais como o conflito entre 'filosofia
de vida' e 'ideologia' na atividade do educador; a necessidade
de opção ideológica e suas implicações
(..) a relação entre meios e fins na Educação;
a relação entre teoria e prática",
12 como enfatiza Chaparro que com seu trabalho
disponível em livros e sites (ele colabora
com o Comunique-se e coordena o Reescrita),
13 nos dá pistas e métodos nesta
direção.
Seu
pensamento parte da clareza em torno daquilo que ensina:
"(...) o ato de fala próprio do jornalismo
é o de asseverar (do latim asseverare -
afirmar com certeza, segurança). Sendo o jornalismo
um processo social de ações conscientes,
controladas ou controláveis, esse processo só
se concretiza se os fazeres jornalísticos (envolvendo
o uso de técnicas para a produção
de uma expressão estética) forem controlados
por intenções inspiradas nas razões
éticas que dão sentido social a esse processo".14
Estamos
vivendo uma etapa da história que coloca em discussão
conceitos que dizem respeito à prática,
pesquisa e ensino da Comunicação e, portanto,
do Jornalismo: "Enquanto objeto de estudo, a Comunicação
tem sido alvo de interesse de inúmeras disciplinas
científicas, que a refletem teoricamente e analisam
empiricamente, a partir dos seus respectivos paradigmas.
Mas
enquanto campo acadêmico, sua identidade tem se
caracterizado pelo delineamento de fronteiras, estabelecidas
em função dos suportes tecnológicos
(mídia) que asseguram a difusão dos bens
simbólicos e do universo populacional a que se
destinam (comunidades/coletividades)". 15
Ao
se discutir a Comunicação fala-se - e muito
se escreve, também - em interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transversalidade,
termos que dariam base, por vezes, ou justificariam, por
outras, a adoção de conceitos e métodos
de outras ciências para o ensino e para a pesquisa
na pós-graduação. Aqui e ali estes
termos são pinçados para justificar a adoção
desta ou daquela trilha conceitual ou metodológica
e, também, para a não adoção
de trilha alguma.
"A
sofisticação, hoje cada vez maior e visível,
chegou ao plano da inteligência artificial (computadores,
Internet, multimídia), mas parece em descenso no
tocante à inteligência emocional e criativa
da produção jornalística. Em certas
escolas, alguns vetustos jornalistas feitos professores
saltitam alegremente das técnicas do velho lead
para as dos novos equipamentos, sem se perguntarem sobre
o sentido do jornalismo hoje. Nas redações,
o jornalismo 'ágil e tecnológico', de matriz
norte-americana como sempre, limita-se a reiterar a hegemonia
da simplificação". 16
É
no seio dos diversos aportes para a área de Comunicação
(e como um apêndice da mesma) e no manancial de
informações que circulam pela Internet que
surge o seguinte questionamento: o que realmente é
o verdadeiro jornalismo? Haja vista um espaço onde
toda e qualquer informação - de qualidade
ou não - pode ser divulgada e as pessoas são
atraídas pelos assuntos de seu interesse, recebendo
mensagens segundo a sua própria vontade, diferente
da tirania que os grandes veículos de comunicação
de massa impuseram em nossa maneira de ver e interpretar
o mundo.
Chaparro
foi um dos primeiros docentes no Brasil que se apropriou
dessa tecnologia criando a Reescrita, revista eletrônica
na época hospedada no site da Universidade
de São Paulo. Trata-se de um espaço que
discutiu e discute essas questões e, mais que isso,
funcionou (e ainda funciona, agora em novo endereço)
como um grande laboratório no qual os estudantes
podem disponibilizar e discutir os seus trabalhos.17
Atualmente
também ocupando espaço na Internet, o jornalismo
está presente na academia. Filho pobre das chamadas
ciências da comunicação, ele remete,
para alguns comunicólogos, à velha imagem
de pesquisadores cujas mãos estão sempre
sujas pela graxa das antigas oficinas ou contaminadas
pela imundice do mercado. Preconceitos ou vaidades acadêmicas
à parte, o jornalismo precisa ser discutido em
suas bases.
E
é uma discussão de difícil encaminhamento
já que, assim como a comunicação
- e quase sempre colocado como um apêndice dela
- carrega problemas de base quanto aos atributos científicos,
ou seja, quanto à possibilidade de ganhar o status
de objeto, disciplina ou ciência.
Chaparro
não se furtou a essa discussão. Em "Questão
de Método", 18 discute e aponta para
alguns caminhos fazendo uma analogia entre ciência
e jornalismo, artigo fundamental para estudantes de graduação,
pós-graduação e principalmente docentes
que buscam compreender a pedagogia de um jornal laboratório.
"O
jornalismo é uma das duas ou três mais importantes
profissões no mundo de hoje. Nós dependemos
mais e mais do conhecimento dos jornalistas", diz
Bollinger, 19 que também pergunta: "Há
algum corpo de conhecimentos sobre o mundo superior ao
produzido pelo trabalho dos jornalistas?"
O
anúncio de que Lee Bollinger, presidente da Universidade
de Colúmbia, suspendeu a busca por um novo reitor
da Escola de Jornalismo para repensar a missão
e o currículo da faculdade provocou reações
imediatas.
Bollinger,
20 favorável a uma proposta mais acadêmica,
não nomeou nenhum dos indicados pela comissão
planejando designar uma força-tarefa para estudar
o projeto da escola e dar um parecer. Lá, como
aqui, as dúvidas quanto ao campo permanecem. Vejamos:
"Ao
contrário do direito, o jornalismo não seria
um campo do conhecimento, e sim um processo de investigação
crítica. Não estou assim tão certo
disso. Acho que é uma questão aberta e muito
importante. Não estou convencido de que não
haja um campo de conhecimento a ser trabalhado nas escolas
de Jornalismo (grifo da autora), à semelhança
do ensino de Direito, Economia ou mesmo Arte, no sentido
de que os estudantes usem conhecimentos no processo de
aplicação das técnicas da profissão.
Certamente há grandes obras do jornalismo que podem
ser proficuamente revistas, desembrulhadas, examinadas
com olho crítico. E nesse processo desenvolvem-se
hábitos mentais que podem ser úteis quando
o jornalista for apurar novas matérias". 21
O
jornalismo, e mais especificamente seu ensino, não
pode prescindir desta importante discussão, especialmente
diante das as novas tecnologias da informação,
que afetam, primeiro e mais de perto, aqueles que atuam
nesta área, e os docentes que atuam nas disciplinas
laboratoriais.
Polêmicas
à parte, antes de discutirmos um currículo
adequado ou nos envolvermos apressadamente no embate -
aparentemente equivocado - entre "práticos"
e "teóricos", precisamos estar atentos
à importância de definir um projeto pedagógico
para estes cursos, o que significa analisar o papel da
Universidade e, principalmente, dos educadores. De acordo
com Mondin, 22 "seria temerário abandonar
a Educação exclusivamente ao instinto e
à tradição". Temos no trabalho
de Chaparro pistas seguras para encaminhar esta questão.
Respondendo
o que entendemos por jornalismo para depois explicitarmos
o que entendemos por um projeto pedagógico, currículo,
disciplinas e práticas laboratoriais, será
possível trabalhar as escolhas pedagógicas
em aula. Estas respostas constituem a base para uma reflexão
em torno de um projeto de curso, em qualquer área
ou habilitação, e devem ser o ponto principal
dos debates para os docentes dos cursos de jornalismo.
Sob
esse aporte, um projeto pedagógico envolve perguntas
que irão revelar a intenção da Universidade,
de setores representativos da sociedade e, mais especificamente,
dos educadores, coordenadores e professores dos cursos
de jornalismo. Senão, vejamos:
O
que entendemos por jornalismo? Por que escolhemos a docência
e qual o nosso papel? Qual o objetivo desses cursos (compromisso
social)? Qual o perfil do profissional que pretendemos
tomar como parâmetro? E finalmente, qual a função
do jornal laboratório e das demais práticas
laboratoriais? É preciso dimensionar conceitos
e objetivos para chegarmos a disciplinas e conteúdos
congruentes com o que entendemos por jornalismo e que,
mediante processo de aprendizagem, permitiriam que estudante
e docente refletissem - nas instâncias teóricas
e técnicas - sobre seu papel na sociedade.
Temos
que articular as disciplinas em torno dos princípios
escolhidos e verificar como os demais campos do conhecimento
poderiam contribuir ao longo de um projeto que implica
construção, desconstrução,
reconstrução e avaliação contínuas.
Estas
questões, que revelam a importância de um
projeto consistente, bem como a necessária articulação
entre teoria e prática no ensino de jornalismo,
são discutidas por esta autora na tese de doutorado
"Jornalismo na Era Digital: Construindo uma Filosofia
de Ensino", 23 dentro de um trabalho
de pesquisa mais vertical, no qual os conceitos formulados
pelo professor Chaparro foram basilares.
No
referido trabalho, busquei alguns princípios norteadores
que poderiam permear as discussões e respostas
(provisórias) para aquelas questões; princípios
distintos, por natureza, das famigeradas fórmulas
didáticas que atendem (e mesmo assim de maneira
deficiente) a demanda por mero adestramento técnico.
Em
última análise, são as respostas
àquelas indagações que dirão
a que vêm os cursos de Jornalismo e permitirão
as melhores escolhas para qualquer experiência de
jornal laboratório como recurso pedagógico.
Nós,
docentes, estamos dispostos para refletir sobre nosso
papel e encarar o aprendizado como um processo contínuo
- agora em ritmo acelerado - junto com os estudantes?
Somos capazes de compreender que o conhecimento também
não se acumulará de forma linear?
Chaparro vem fazendo essa discussão com propriedade,
no papel, na sala de aula e na Internet, em tempos que
pouco se discute (e se pesquisa) o ensino de jornalismo
tomando como eixo central de análise o preparo
do professor, seu referencial pedagógico. A resistência
a essa reflexão, por parte dos docentes, continua
forte.
As
transformações ocasionadas pelos avanços
da informática exigem do docente uma disposição
para revisão e atualização teórica
e metodológica sem precedentes na área,
mais fortemente daqueles que atuam em disciplinas laboratoriais,
nas quais é preciso articular teoria, técnica,
hardwares e softwares num mesmo espaço, semana
após semana, ao lado dos estudantes.
Não
estamos falando simplesmente de discussão em torno
de currículos, conteúdos, disciplinas: estamos
falando de uma reflexão permanente e aprofundada
sobre o jornalismo e sobre a prática do ensino
de Jornalismo num mundo onde espaço e tempo ganham
novos contornos.
Se
entendermos o jornalismo como atividade fundamental para
a construção da cidadania, é imperioso
analisar com olhar crítico os conceitos que atualmente
fundamentam a prática jornalística para
a adoção de uma filosofia de ensino que
coloque em relevo a função social da atividade
de informar.
O
jornal laboratório é um recurso pedagógico
sem igual para levar a cabo esta tarefa. Porém,
somente após redimensionarmos nossos conceitos
e a função desses cursos - a base de um
bom projeto pedagógico - é possível
discutir como se deve currículos e conteúdos
programáticos. O trabalho de Chaparro, sua trajetória
como jornalista, cientista e docente, é referência
para começarmos essa discussão.
Desde
o início dos anos 90, a universidade começou
a incorporar mais intensamente o novo aparato tecnológico
para o setor sem amadurecer um projeto educacional que
relacionasse nas instâncias práticas e teóricas
as mutações que a profissão - e o
ensino, de um modo geral - vem sofrendo. Aparentemente,
as "facilidades" técnicas para a produção
de material jornalístico e a velocidade, embutidas
nas novas tecnologias da comunicação, dariam
conta de tudo, dispensando uma discussão no campo
da filosofia da Educação.
Dentro
dessa perspectiva, bastaria dominar o aparato técnico
e repassar, transmitir conteúdos aos estudantes.
É a chamada "McDonaldização
do Ensino", 24 lógica que encara
o aluno única e exclusivamente como um cliente
dentro do processo do negócio educação.
Encantados
com as novidades da era digital ou, em outra ponta, desprezando
a força dos avanços no setor, os docentes
pouco questionam a implantação e o uso do
novo instrumental técnico. Mais grave, acolhem
- muitas vezes sem a crítica necessária
- toda a ideologia embutida nas novas tecnologias, por
exemplo, o imediatismo das soluções editoriais
que já vêm prontas nos softwares disponíveis,
sem vislumbrar como fim a qualidade da informação.
Aparentemente,
não há tempo para se pensar em ensino sob
o prisma humanístico, que foge ao resultado ou
à eficiência imediatos, como quer a lógica
econômica que rege o planeta. Não há
tempo para se pensar no futuro jornalista como cidadão
responsável pela interpretação madura
dos acontecimentos, pelo relato veraz dos fatos produzidos
pela sociedade ou pelo comentário honesto desses
fatos. E aqui, novamente, nos deparamos com conceitos:
relato e comentário, mais uma contribuição
de Chaparro ao tratar dos gêneros jornalísticos.
25
No
entanto, para muitos docentes destes cursos, em especial
no ambiente do jornal-laboratório, seria suficiente
descarregar - como num download - conteúdos
e fórmulas "rápidas e eficientes"
sobre os estudantes em torno de como fazer um jornal.
Tal como Paulo Freire descreve ao abordar a "educação
bancária". 26
A
concepção "bancária" da
educação nos remete àquela aula tradicional
- bastante comum nos cursos de Jornalismo - na qual o
saber, assim como a tecnologia, é uma doação
daqueles que sabem aos que não sabem nada. O saber
é depositado como se faz um depósito num
banco, da mesma forma como os países ricos nos
doam a tecnologia.
Mudar
essa prática não é tarefa simples.
Além da dificuldade em levar o docente a pensar
sobre sua atividade, temos que nos apoiar em outros campos
de conhecimento para não cairmos numa abordagem
periférica dessa problemática.
Reformulação
curricular, fórmulas prontas da didática
que têm por objetivo o "depósito de
conhecimento" ou a ênfase dada ao manuseio
dos softwares e hardwares que se multiplicam com velocidade,
não vão solucionar, ainda que provisoriamente,
as dificuldades no ensino de jornalismo. Da mesma maneira,
a polarização das discussões nas
instâncias práticas e teóricas não
deve resolver os problemas que os estudantes destes cursos
enfrentam.
Para
conceber um projeto pedagógico para estes cursos,
bem como para a plena utilização pedagógica
do ambiente do jornal laboratório, é necessário
que os responsáveis pela formação
de jornalistas reflitam sobre sua atividade. Os professores
precisam se assumir como educadores e buscar parâmetros
teóricos e metodológicos para a prática
docente, como deve ser em qualquer outra área do
conhecimento. Como nos mostra Chaparro.
Notas
1
Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos,
ed. MinervaCoimbra, Coimbra, 2001. p. 193.
2
Milhollan, Frank and Forisha E. Skinner e Rogers. Maneiras
Contrastantes de Encarar a Educação,
Summus, São Paulo, 1978. p. 11.
3
Ghiraldelli Junior, Paulo. O que é Pedagogia,
ed. Brasiliense, São Paulo, 1996. p. 15.
4
IDEM.
5
Gadotti, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro,
ed. Ática, 5ª edição, São
Paulo, 1994. p. 71.
6
IDEM.
7
Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos,
ed. MinervaComibra, Coimbra, 2001.
8 A elaboração do jornal é parte
da disciplina Laboratório de Texto, que consta
no currículo das turmas de Jornalismo da Escola
de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo.
9
Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos,
ed. MinervaComibra, Coimbra, 2001. p. 25-26.
10
IDEM. p. 38.
11
Ramadan, Nancy Nuyen Ali. Jornalismo na Era Digital:
Construindo uma Filosofia de Ensino, tese de doutorado,
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, 2000, p. 116.
12
Saviani, Demerval. Educação: do senso
comum à consciência filosófica,
ed. Cortez, São Paulo, 1985, p. 164.
13
Comunique-se e Reescrita, respectivamente,
www.comunique-se.com.br
e
http://www.reescrita.com.br/produtos/saladeimprensa/chaparro/index.asp.
14
Chaparro, Carlos Manuel. Pragmática do Jornalismo,
buscas Práticas para uma Teoria da Ação
Jornalística. Summus Editorial, São
Paulo, 1993. p. 116.
15
Melo, José Marques de. "Ensino de Graduação
em Comunicação Social: paradigmas curriculares".
Revista Brasileira de Ciências da Comunicação,
Identidades Comunicacionais, ano XXI, número 01,
janeiro/Juno de 1998, Intercom, São Paulo. p. 17-18.
16
Muniz Sodré, jornalista, escritor e professor titular
da UFRJ. "Repensar o jornalismo, A premência
de reforma", artigo, Observatório da Imprensa,
maio de 2001. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd160520011.htm.
17
Reescrita, www.reescrita.com.br/produtos/saladeimprensa/chaparro/index.asp
.
18
Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos,
ed. MinervaComibra, Coimbra, 2001. p. 167-169.
19
Bollinger, Lee, diretor do curso de Graduação
em Jornalismo da Universidade de Columbia, in Gentille,
Victor, "Projeto para o jornalista do século
21", Observatório da Imprensa, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da190320032.htm
.
20
IDEM.
21
Idem, in "ENTREVISTA / LEE BOLLINGER - O jornalismo
na visão do reitor", Observatório
da Imprensa,
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da201120022.htm
.
22
Mondin, B. Introdução à Filosofia
- Problemas, Sistemas, Autores, Obras, edições
Paulinas, 5ª edição, São Paulo,
1985, p. 114.
23
Ramadan, Nancy Nuyen Ali. Jornalismo na Era Digital:
Construindo uma Filosofia de Ensino, tese de doutorado,
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, 2000.
24
Alcadipani, Rafael e Bresler, Ricardo. "McDonaldização
do Ensino", Carta Capital, São Paulo,
10 de maio de 2000, p. 20.
25
Chaparro, Manuel Carlos. Sotaques D'Aquém e
D'Além Mar. Jortejo edições,
Santarém, 2000.
26
Freire, Paulo in Gadotti, Moacir. Convite à
leitura de Paulo Freire, editora Scipione, São
Paulo, 1989, p. 69.
Bibliografia
ALCADIPANI,
Rafael e BRESLER, Ricardo. "McDonaldização
do Ensino", Carta Capital, São Paulo,
10 de maio de 2000.
FREIRE,
Paulo in GADOTTI, Moacir. Convite à Leitura
de Paulo Freire, editora Scipione, São Paulo,
1989.
GADOTTI,
Moacir, Pensamento Pedagógico Brasileiro,
ed Ática, 5a. Edição, São
Paulo, 1994.
GHIRALDELLI
Júnior, Paulo. O que é Pedagogia,
coleção Primeiros passos, Brasiliense, 3a.
Edição, São Paulo, 1996.
MILHOLLAN,
Frank and FORISHA E. Skinner e Rogers. Maneiras Contrastantes
de Encarar a Educação. Summus, São
Paulo, 1978.
MONDIN,
B. Introdução à Filosofia - Problemas,
Sistemas, Autores, Obras, edições Paulinas,
5ª edição, São Paulo, 1985.
RAMADAN,
Nancy Nuyen Ali. Jornalismo na Era Digital: Construindo
uma Filosofia de Ensino, tese de doutorado, Escola
de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, março de 2000.
SAVIANI,
Demerval. Educação: do Senso Comum à
Consciência Filosófica, editora Autores
Associados/Cortez, 6ª edição, São
Paulo, 1985.
*Nancy
Nuyen Ali Ramadan é jornalista, professora e pesquisadora
do Departamento de Jornalismo e Editoração
da ECA/USP, mestre e doutora em Ciências da Comunicação,
também pela Universidade de São Paulo.
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