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Dossiê

Ensino de jornalismo: o jornal
laboratório como recurso pedagógico

Por Nancy Ramadam*

"Como ensinar a escrever bem - isto é, com clareza e cada vez melhor? Há fórmulas e métodos de ensinar a escrever jornalismo? Ou isso é coisa que não se ensina? Basta ter talento, e cultivá-lo?". 1

Estas questões e tantas outras - mais que pertinentes, obrigatórias para quem ensina, são freqüentemente colocadas e discutidas por Chaparro, aqui e ali, em seus livros, no site que coordena, no bate-papo de corredor na universidade, nas aulas de pós-graduação...

Essa inquietação do professor, jornalista e cientista, já fala da sua importância para o ensino de jornalismo. São questões primordiais, obrigatórias para nós, que nos cursos de graduação e de pós-graduação, compartilhamos conceitos, métodos, práticas e, em última análise, maneiras de ver o mundo, o homem, a sociedade.

E são várias as correntes de pensamento que dão conta da Educação, do Ensino, da Pedagogia e da Didática em diferentes campos do conhecimento e em várias etapas da História. Há, também, muita confusão em torno destes termos, já que as definições são numerosas ao longo dos séculos.

De Platão, passando por Rousseau, Durkheim, Herbart, Kant, Piaget, Freinet, Rogers, Dewey, Illich, Vygotsky, Freire, vários estudiosos da Educação, de diferentes formações, revelam, em todas as etapas da História da Educação, a evolução de conceitos a partir da necessidade de ensinar e de conhecer.

É possível visualizar, no entanto, as concepções de educação a partir de duas grandes linhas, uma, que enfatiza a educação como forma de controle social, que tem em Skinner, um forte representante; e a que preza a liberdade, que tem, entre outros representantes, Carl Rogers e, entre os nossos, Paulo Freire.

Na verdade, são dois pontos de vista de "modelos" de homem. Assim, neste texto, sempre que eu me referir à educação, estarei tomando como referencial esta última concepção, porque minha referência para o processo educativo pressupõe a liberdade individual de expressão, a liberdade que pude experimentar, como aluna de Chaparro, em sala de aula.

Ensino e Pedagogia

"Ensino é uma atividade que emerge de alguma concepção sobre como ocorre aprendizagem". 2 Na antiga Grécia, Paidagogia, significava o acompanhamento e a vigilância do jovem. O paidagogo - o condutor - era o escravo que levava às crianças à escola, a didascaléia, de Didasco (ensinar) Didáxis (lição) onde recebiam as primeiras letras, ou ao gymnásion, um local de cultivo ao corpo.

Os conceitos evoluíram e, de acordo com Ghiraldelli Júnior, 3 temos três tradições de estudos educacionais que seriam responsáveis pelo que temos na atualidade:

A Francesa (linha de Durkheim, 1858-1917), na qual a pedagogia não é vista propriamente como uma teoria de educação, mas como uma "literatura de contestação da Educação em vigor, afeita ao pensamento utópico".

E a alemã e americana, segundo as filosofias e psicologias de Herbart (1776-1841) e Dewey (1859-1952), respectivamente. Herbart fundamenta a Pedagogia na Psicologia. Dewey, por sua vez, não separa Pedagogia e Filosofia: contesta a idéia tradicional de verdade - a verdade como correspondência - em favor da pragmática da verdade: a verdade é o útil.

O lugar para averiguar a validade de uma teoria para o conhecimento é a situação de ensino. A filosofia é, então, uma filosofia de educação. E aqui lembro, de passagem, que há poucos lugares tão apropriados para averiguar validades teóricas e articular teoria e prática como no jornal laboratório.

Assim, Pedagogia, Filosofia e Filosofia da Educação tornam-se, em certa medida, sinônimos. Para Ghiraldelli Júnior, nesse sentido, a Pedagogia, tomada como utopia educacional, ciência ou filosofia de educação, diz respeito, em geral, à Teoria da Educação, enquanto a Didática diz respeito aos procedimentos que visam fazer a Educação acontecer segundo os princípios extraídos da teoria. Podemos dizer que à Pedagogia Tradicional e à Pedagogia Nova correspondem uma didática tradicional e uma didática nova.

"Boa parte dos manuais, no século XX, apresentam tais didáticas, batizando-as, respectivamente, das Pedagogias de Herbart e de Dewey". 4 A de Herbart, tradicional, postula que a aula seguiria cinco passos: preparação, apresentação, associação, generalização e aplicação. A de Dewey, associada à "Pedagogia Nova" (aprender a aprender), outros cinco: atividade, problema, coleta de dados, hipóteses e experimentação.

É essa última a situação mais próxima da proposta pelas disciplinas laboratoriais. A primeira é centrada no professor e a esta no estudante.

Mais recentemente, Moacir Gadotti, também apresenta algumas reflexões em torno da Pedagogia, que seria "uma noção inadequada, obsoleta, esdrúxula" que situa o pedagogo mais como "um policial da Educação do que um homem formado para criar a Educação".

Assim, Gadotti propõe a prática de uma Pedagogia que chamou "Pedagogia do Conflito". Ela deveria criar uma certa linguagem na Educação que leve o educador a "reassumir seu papel crítico dentro e diante da sociedade pela dúvida, pela suspeita, pela atenção, pela desobediência". 5

Como método, ele propõe a suspeita dialética, "tal qual a praticou Marx", sem esquecer de fundamentá-la uma "certa ética", porque entende que "a eficácia do discurso pedagógico deve-se menos à lógica interna do enunciado do que à coerência do que é afirmado com aquele que o afirma". 6

Chaparro, autor de "Linguagem dos Conflitos", 7 vive essa indispensável coerência. Para ele, o jornal (Notícias do Jardim São Remo) 8 "existe para o ensino, mas tem também o significado de extensão universitária, porque serve socialmente a uma comunidade carente e organizada, e a ela está incorporado".

O professor entende que, "escrevendo e editando o jornal Notícias do Jardim São Remo, os alunos ingressantes no curso de jornalismo aprendem a lidar, em nível de iniciação, com as técnicas e complicações éticas e estéticas do jornalismo. Mas a melhor contribuição que o jornal lhes dá é os levar à descoberta do mundo dos excluídos. O mundo sobre o qual têm de escrever, e que por isso deve ser compreendido, com tudo o que tem e com tudo o que lhe falta. O esforço pedagógico inicial concentra-se em duas preocupações prioritárias.

Uma, teórica, busca passar aos alunos um entendimento claro do conceito jornalístico de atualidade. É no tempo e no espaço da atualidade que o jornalismo atua e se realiza. Esse vínculo liga o jornalismo aos processos da vida humana. E o torna importante".

"A segunda prioridade pedagógica é a de ensinar que os protagonistas da atualidade, e portanto do relato jornalístico, não são os jornalistas, mas quem produz os fatos e as falas da transformação, e os que sofrem os efeitos das transformações.

A atualidade tem uma superfície organizada, sob a qual fervilha um mundo contraditório, imperfeito. E quem não percebe isso que visite uma favela (...). Andem pelas ruas da favela, olhem o que por lá se passa, dizia aos meus alunos, quando lhes dava aula nesse projeto. Sintam os sinais de um mundo que precisa ser transformado". 9 Está aí uma clara referência ao papel do jornalista e educador e de sua importância para o ensino de jornalismo.

Projeto Pedagógico

O que é jornalismo? Repito com freqüência a pergunta, a alunos, colegas e amigos. E ouço, como respostas, frases que apenas traduzem particularidades ou curiosidades da atividade que informa e interpreta, para o mundo, o que de relevante acontece no próprio mundo - e essa é apenas uma definição acabada de criar, no fluir do texto. 10

Um projeto pedagógico deve ser entendido como um conjunto de pressupostos filosóficos e éticos que definem o papel do docente e suas escolhas, a atividade profissional que se tem em vista, o objetivo do curso - o perfil do profissional que se pretende oferecer à sociedade mediante a participação ativa de seus setores nessa discussão - a articulação de conteúdos e disciplinas em torno de instâncias teóricas e práticas, abrindo a possibilidade para os demais campos de conhecimento contribuírem. 11

Estes pressupostos estão diretamente ligados à Filosofia de Educação: "ela só será mesmo indispensável à formação do educador se for encarada (..) como uma reflexão radical (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade educacional apresenta (..) Assim, a tarefa da Filosofia da Educação será oferecer aos educadores um método de reflexão que lhes permita encarar os problemas educacionais penetrando na sua complexidade e encaminhando a solução de questões tais como o conflito entre 'filosofia de vida' e 'ideologia' na atividade do educador; a necessidade de opção ideológica e suas implicações (..) a relação entre meios e fins na Educação; a relação entre teoria e prática", 12 como enfatiza Chaparro que com seu trabalho disponível em livros e sites (ele colabora com o Comunique-se e coordena o Reescrita), 13 nos dá pistas e métodos nesta direção.

Seu pensamento parte da clareza em torno daquilo que ensina: "(...) o ato de fala próprio do jornalismo é o de asseverar (do latim asseverare - afirmar com certeza, segurança). Sendo o jornalismo um processo social de ações conscientes, controladas ou controláveis, esse processo só se concretiza se os fazeres jornalísticos (envolvendo o uso de técnicas para a produção de uma expressão estética) forem controlados por intenções inspiradas nas razões éticas que dão sentido social a esse processo".14

Estamos vivendo uma etapa da história que coloca em discussão conceitos que dizem respeito à prática, pesquisa e ensino da Comunicação e, portanto, do Jornalismo: "Enquanto objeto de estudo, a Comunicação tem sido alvo de interesse de inúmeras disciplinas científicas, que a refletem teoricamente e analisam empiricamente, a partir dos seus respectivos paradigmas.

Mas enquanto campo acadêmico, sua identidade tem se caracterizado pelo delineamento de fronteiras, estabelecidas em função dos suportes tecnológicos (mídia) que asseguram a difusão dos bens simbólicos e do universo populacional a que se destinam (comunidades/coletividades)". 15

Ao se discutir a Comunicação fala-se - e muito se escreve, também - em interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transversalidade, termos que dariam base, por vezes, ou justificariam, por outras, a adoção de conceitos e métodos de outras ciências para o ensino e para a pesquisa na pós-graduação. Aqui e ali estes termos são pinçados para justificar a adoção desta ou daquela trilha conceitual ou metodológica e, também, para a não adoção de trilha alguma.

"A sofisticação, hoje cada vez maior e visível, chegou ao plano da inteligência artificial (computadores, Internet, multimídia), mas parece em descenso no tocante à inteligência emocional e criativa da produção jornalística. Em certas escolas, alguns vetustos jornalistas feitos professores saltitam alegremente das técnicas do velho lead para as dos novos equipamentos, sem se perguntarem sobre o sentido do jornalismo hoje. Nas redações, o jornalismo 'ágil e tecnológico', de matriz norte-americana como sempre, limita-se a reiterar a hegemonia da simplificação". 16

É no seio dos diversos aportes para a área de Comunicação (e como um apêndice da mesma) e no manancial de informações que circulam pela Internet que surge o seguinte questionamento: o que realmente é o verdadeiro jornalismo? Haja vista um espaço onde toda e qualquer informação - de qualidade ou não - pode ser divulgada e as pessoas são atraídas pelos assuntos de seu interesse, recebendo mensagens segundo a sua própria vontade, diferente da tirania que os grandes veículos de comunicação de massa impuseram em nossa maneira de ver e interpretar o mundo.

Chaparro foi um dos primeiros docentes no Brasil que se apropriou dessa tecnologia criando a Reescrita, revista eletrônica na época hospedada no site da Universidade de São Paulo. Trata-se de um espaço que discutiu e discute essas questões e, mais que isso, funcionou (e ainda funciona, agora em novo endereço) como um grande laboratório no qual os estudantes podem disponibilizar e discutir os seus trabalhos.17

Atualmente também ocupando espaço na Internet, o jornalismo está presente na academia. Filho pobre das chamadas ciências da comunicação, ele remete, para alguns comunicólogos, à velha imagem de pesquisadores cujas mãos estão sempre sujas pela graxa das antigas oficinas ou contaminadas pela imundice do mercado. Preconceitos ou vaidades acadêmicas à parte, o jornalismo precisa ser discutido em suas bases.

E é uma discussão de difícil encaminhamento já que, assim como a comunicação - e quase sempre colocado como um apêndice dela - carrega problemas de base quanto aos atributos científicos, ou seja, quanto à possibilidade de ganhar o status de objeto, disciplina ou ciência.

Chaparro não se furtou a essa discussão. Em "Questão de Método", 18 discute e aponta para alguns caminhos fazendo uma analogia entre ciência e jornalismo, artigo fundamental para estudantes de graduação, pós-graduação e principalmente docentes que buscam compreender a pedagogia de um jornal laboratório.

"O jornalismo é uma das duas ou três mais importantes profissões no mundo de hoje. Nós dependemos mais e mais do conhecimento dos jornalistas", diz Bollinger, 19 que também pergunta: "Há algum corpo de conhecimentos sobre o mundo superior ao produzido pelo trabalho dos jornalistas?"

O anúncio de que Lee Bollinger, presidente da Universidade de Colúmbia, suspendeu a busca por um novo reitor da Escola de Jornalismo para repensar a missão e o currículo da faculdade provocou reações imediatas.

Bollinger, 20 favorável a uma proposta mais acadêmica, não nomeou nenhum dos indicados pela comissão planejando designar uma força-tarefa para estudar o projeto da escola e dar um parecer. Lá, como aqui, as dúvidas quanto ao campo permanecem. Vejamos:

"Ao contrário do direito, o jornalismo não seria um campo do conhecimento, e sim um processo de investigação crítica. Não estou assim tão certo disso. Acho que é uma questão aberta e muito importante. Não estou convencido de que não haja um campo de conhecimento a ser trabalhado nas escolas de Jornalismo (grifo da autora), à semelhança do ensino de Direito, Economia ou mesmo Arte, no sentido de que os estudantes usem conhecimentos no processo de aplicação das técnicas da profissão. Certamente há grandes obras do jornalismo que podem ser proficuamente revistas, desembrulhadas, examinadas com olho crítico. E nesse processo desenvolvem-se hábitos mentais que podem ser úteis quando o jornalista for apurar novas matérias". 21

O jornalismo, e mais especificamente seu ensino, não pode prescindir desta importante discussão, especialmente diante das as novas tecnologias da informação, que afetam, primeiro e mais de perto, aqueles que atuam nesta área, e os docentes que atuam nas disciplinas laboratoriais.

Polêmicas à parte, antes de discutirmos um currículo adequado ou nos envolvermos apressadamente no embate - aparentemente equivocado - entre "práticos" e "teóricos", precisamos estar atentos à importância de definir um projeto pedagógico para estes cursos, o que significa analisar o papel da Universidade e, principalmente, dos educadores. De acordo com Mondin, 22 "seria temerário abandonar a Educação exclusivamente ao instinto e à tradição". Temos no trabalho de Chaparro pistas seguras para encaminhar esta questão.

Respondendo o que entendemos por jornalismo para depois explicitarmos o que entendemos por um projeto pedagógico, currículo, disciplinas e práticas laboratoriais, será possível trabalhar as escolhas pedagógicas em aula. Estas respostas constituem a base para uma reflexão em torno de um projeto de curso, em qualquer área ou habilitação, e devem ser o ponto principal dos debates para os docentes dos cursos de jornalismo.

Sob esse aporte, um projeto pedagógico envolve perguntas que irão revelar a intenção da Universidade, de setores representativos da sociedade e, mais especificamente, dos educadores, coordenadores e professores dos cursos de jornalismo. Senão, vejamos:

O que entendemos por jornalismo? Por que escolhemos a docência e qual o nosso papel? Qual o objetivo desses cursos (compromisso social)? Qual o perfil do profissional que pretendemos tomar como parâmetro? E finalmente, qual a função do jornal laboratório e das demais práticas laboratoriais? É preciso dimensionar conceitos e objetivos para chegarmos a disciplinas e conteúdos congruentes com o que entendemos por jornalismo e que, mediante processo de aprendizagem, permitiriam que estudante e docente refletissem - nas instâncias teóricas e técnicas - sobre seu papel na sociedade.

Temos que articular as disciplinas em torno dos princípios escolhidos e verificar como os demais campos do conhecimento poderiam contribuir ao longo de um projeto que implica construção, desconstrução, reconstrução e avaliação contínuas.

Estas questões, que revelam a importância de um projeto consistente, bem como a necessária articulação entre teoria e prática no ensino de jornalismo, são discutidas por esta autora na tese de doutorado "Jornalismo na Era Digital: Construindo uma Filosofia de Ensino", 23 dentro de um trabalho de pesquisa mais vertical, no qual os conceitos formulados pelo professor Chaparro foram basilares.

No referido trabalho, busquei alguns princípios norteadores que poderiam permear as discussões e respostas (provisórias) para aquelas questões; princípios distintos, por natureza, das famigeradas fórmulas didáticas que atendem (e mesmo assim de maneira deficiente) a demanda por mero adestramento técnico.

Em última análise, são as respostas àquelas indagações que dirão a que vêm os cursos de Jornalismo e permitirão as melhores escolhas para qualquer experiência de jornal laboratório como recurso pedagógico.

Nós, docentes, estamos dispostos para refletir sobre nosso papel e encarar o aprendizado como um processo contínuo - agora em ritmo acelerado - junto com os estudantes? Somos capazes de compreender que o conhecimento também não se acumulará de forma linear?

Chaparro vem fazendo essa discussão com propriedade, no papel, na sala de aula e na Internet, em tempos que pouco se discute (e se pesquisa) o ensino de jornalismo tomando como eixo central de análise o preparo do professor, seu referencial pedagógico. A resistência a essa reflexão, por parte dos docentes, continua forte.

As transformações ocasionadas pelos avanços da informática exigem do docente uma disposição para revisão e atualização teórica e metodológica sem precedentes na área, mais fortemente daqueles que atuam em disciplinas laboratoriais, nas quais é preciso articular teoria, técnica, hardwares e softwares num mesmo espaço, semana após semana, ao lado dos estudantes.

Não estamos falando simplesmente de discussão em torno de currículos, conteúdos, disciplinas: estamos falando de uma reflexão permanente e aprofundada sobre o jornalismo e sobre a prática do ensino de Jornalismo num mundo onde espaço e tempo ganham novos contornos.

Se entendermos o jornalismo como atividade fundamental para a construção da cidadania, é imperioso analisar com olhar crítico os conceitos que atualmente fundamentam a prática jornalística para a adoção de uma filosofia de ensino que coloque em relevo a função social da atividade de informar.

O jornal laboratório é um recurso pedagógico sem igual para levar a cabo esta tarefa. Porém, somente após redimensionarmos nossos conceitos e a função desses cursos - a base de um bom projeto pedagógico - é possível discutir como se deve currículos e conteúdos programáticos. O trabalho de Chaparro, sua trajetória como jornalista, cientista e docente, é referência para começarmos essa discussão.

Desde o início dos anos 90, a universidade começou a incorporar mais intensamente o novo aparato tecnológico para o setor sem amadurecer um projeto educacional que relacionasse nas instâncias práticas e teóricas as mutações que a profissão - e o ensino, de um modo geral - vem sofrendo. Aparentemente, as "facilidades" técnicas para a produção de material jornalístico e a velocidade, embutidas nas novas tecnologias da comunicação, dariam conta de tudo, dispensando uma discussão no campo da filosofia da Educação.

Dentro dessa perspectiva, bastaria dominar o aparato técnico e repassar, transmitir conteúdos aos estudantes. É a chamada "McDonaldização do Ensino", 24 lógica que encara o aluno única e exclusivamente como um cliente dentro do processo do negócio educação.

Encantados com as novidades da era digital ou, em outra ponta, desprezando a força dos avanços no setor, os docentes pouco questionam a implantação e o uso do novo instrumental técnico. Mais grave, acolhem - muitas vezes sem a crítica necessária - toda a ideologia embutida nas novas tecnologias, por exemplo, o imediatismo das soluções editoriais que já vêm prontas nos softwares disponíveis, sem vislumbrar como fim a qualidade da informação.

Aparentemente, não há tempo para se pensar em ensino sob o prisma humanístico, que foge ao resultado ou à eficiência imediatos, como quer a lógica econômica que rege o planeta. Não há tempo para se pensar no futuro jornalista como cidadão responsável pela interpretação madura dos acontecimentos, pelo relato veraz dos fatos produzidos pela sociedade ou pelo comentário honesto desses fatos. E aqui, novamente, nos deparamos com conceitos: relato e comentário, mais uma contribuição de Chaparro ao tratar dos gêneros jornalísticos. 25

No entanto, para muitos docentes destes cursos, em especial no ambiente do jornal-laboratório, seria suficiente descarregar - como num download - conteúdos e fórmulas "rápidas e eficientes" sobre os estudantes em torno de como fazer um jornal. Tal como Paulo Freire descreve ao abordar a "educação bancária". 26

A concepção "bancária" da educação nos remete àquela aula tradicional - bastante comum nos cursos de Jornalismo - na qual o saber, assim como a tecnologia, é uma doação daqueles que sabem aos que não sabem nada. O saber é depositado como se faz um depósito num banco, da mesma forma como os países ricos nos doam a tecnologia.

Mudar essa prática não é tarefa simples. Além da dificuldade em levar o docente a pensar sobre sua atividade, temos que nos apoiar em outros campos de conhecimento para não cairmos numa abordagem periférica dessa problemática.

Reformulação curricular, fórmulas prontas da didática que têm por objetivo o "depósito de conhecimento" ou a ênfase dada ao manuseio dos softwares e hardwares que se multiplicam com velocidade, não vão solucionar, ainda que provisoriamente, as dificuldades no ensino de jornalismo. Da mesma maneira, a polarização das discussões nas instâncias práticas e teóricas não deve resolver os problemas que os estudantes destes cursos enfrentam.

Para conceber um projeto pedagógico para estes cursos, bem como para a plena utilização pedagógica do ambiente do jornal laboratório, é necessário que os responsáveis pela formação de jornalistas reflitam sobre sua atividade. Os professores precisam se assumir como educadores e buscar parâmetros teóricos e metodológicos para a prática docente, como deve ser em qualquer outra área do conhecimento. Como nos mostra Chaparro.

Notas

1 Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos, ed. MinervaCoimbra, Coimbra, 2001. p. 193.

2 Milhollan, Frank and Forisha E. Skinner e Rogers. Maneiras Contrastantes de Encarar a Educação, Summus, São Paulo, 1978. p. 11.

3 Ghiraldelli Junior, Paulo. O que é Pedagogia, ed. Brasiliense, São Paulo, 1996. p. 15.

4 IDEM.

5 Gadotti, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro, ed. Ática, 5ª edição, São Paulo, 1994. p. 71.

6 IDEM.

7 Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos, ed. MinervaComibra, Coimbra, 2001.

8 A elaboração do jornal é parte da disciplina Laboratório de Texto, que consta no currículo das turmas de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

9 Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos, ed. MinervaComibra, Coimbra, 2001. p. 25-26.

10 IDEM. p. 38.

11 Ramadan, Nancy Nuyen Ali. Jornalismo na Era Digital: Construindo uma Filosofia de Ensino, tese de doutorado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2000, p. 116.

12 Saviani, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica, ed. Cortez, São Paulo, 1985, p. 164.

13 Comunique-se e Reescrita, respectivamente, www.comunique-se.com.br e
http://www.reescrita.com.br/produtos/saladeimprensa/chaparro/index.asp.

14 Chaparro, Carlos Manuel. Pragmática do Jornalismo, buscas Práticas para uma Teoria da Ação Jornalística. Summus Editorial, São Paulo, 1993. p. 116.

15 Melo, José Marques de. "Ensino de Graduação em Comunicação Social: paradigmas curriculares". Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, Identidades Comunicacionais, ano XXI, número 01, janeiro/Juno de 1998, Intercom, São Paulo. p. 17-18.

16 Muniz Sodré, jornalista, escritor e professor titular da UFRJ. "Repensar o jornalismo, A premência de reforma", artigo, Observatório da Imprensa, maio de 2001. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd160520011.htm.

17 Reescrita, www.reescrita.com.br/produtos/saladeimprensa/chaparro/index.asp .

18 Chaparro, Manuel Carlos. Linguagem dos Conflitos, ed. MinervaComibra, Coimbra, 2001. p. 167-169.

19 Bollinger, Lee, diretor do curso de Graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia, in Gentille, Victor, "Projeto para o jornalista do século 21", Observatório da Imprensa, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da190320032.htm .

20 IDEM.

21 Idem, in "ENTREVISTA / LEE BOLLINGER - O jornalismo na visão do reitor", Observatório da Imprensa,
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da201120022.htm
.

22 Mondin, B. Introdução à Filosofia - Problemas, Sistemas, Autores, Obras, edições Paulinas, 5ª edição, São Paulo, 1985, p. 114.

23 Ramadan, Nancy Nuyen Ali. Jornalismo na Era Digital: Construindo uma Filosofia de Ensino, tese de doutorado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2000.

24 Alcadipani, Rafael e Bresler, Ricardo. "McDonaldização do Ensino", Carta Capital, São Paulo, 10 de maio de 2000, p. 20.

25 Chaparro, Manuel Carlos. Sotaques D'Aquém e D'Além Mar. Jortejo edições, Santarém, 2000.

26 Freire, Paulo in Gadotti, Moacir. Convite à leitura de Paulo Freire, editora Scipione, São Paulo, 1989, p. 69.

Bibliografia

ALCADIPANI, Rafael e BRESLER, Ricardo. "McDonaldização do Ensino", Carta Capital, São Paulo, 10 de maio de 2000.

FREIRE, Paulo in GADOTTI, Moacir. Convite à Leitura de Paulo Freire, editora Scipione, São Paulo, 1989.

GADOTTI, Moacir, Pensamento Pedagógico Brasileiro, ed Ática, 5a. Edição, São Paulo, 1994.

GHIRALDELLI Júnior, Paulo. O que é Pedagogia, coleção Primeiros passos, Brasiliense, 3a. Edição, São Paulo, 1996.

MILHOLLAN, Frank and FORISHA E. Skinner e Rogers. Maneiras Contrastantes de Encarar a Educação. Summus, São Paulo, 1978.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia - Problemas, Sistemas, Autores, Obras, edições Paulinas, 5ª edição, São Paulo, 1985.

RAMADAN, Nancy Nuyen Ali. Jornalismo na Era Digital: Construindo uma Filosofia de Ensino, tese de doutorado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, março de 2000.

SAVIANI, Demerval. Educação: do Senso Comum à Consciência Filosófica, editora Autores Associados/Cortez, 6ª edição, São Paulo, 1985.


*Nancy Nuyen Ali Ramadan é jornalista, professora e pesquisadora do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, mestre e doutora em Ciências da Comunicação, também pela Universidade de São Paulo.

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