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Dossiê

Ouvindo o jornalista e
professor e relembrando o MEB

Por Sonia Virgínia Moreira*

Para abordar o significado especial da sessão de homenagem ao Professor Manuel Carlos Chaparro, esta apresentação está divida em três breves tópicos: alguns comentários que incluem o Movimento de Educação de Base, Chaparro no Brasil (em Natal) e o jornalista, professor e amigo

É gratificante que uma sessão de homenagem como esta que a Intercom faz ao profissional e professor, ao tratar da sua contribuição ao jornalismo e ao ensino de jornalismo no Brasil, sirva também para resgatar algumas iniciativas que raramente são lembradas pela academia e seus pesquisadores, que estão a dever a recuperação de dados sobre inúmeras áreas da Comunicação, entre as quais um movimento educativo de grande importância para o Brasil.

Por isso, ao tratar do primeiro ponto, é natural destacar antes como um jornalista de qualidade, qual o Professor Chaparro, contribui para a geração de boas pautas. O Movimento de Educação de Base (MEB) é uma dessas pautas. As informações a seguir tiveram como fonte o próprio Chaparro que, com boa vontade, paciência e satisfação, recebeu a mim e a outros amigos em uma noite fria de maio de 2004 em São Paulo.

Reprodução

Chaparro, Marli dos Santos (esq.) e Sonia V. Moreira
 

A conversa aconteceu no seu escritório, depois de um belo jantar, característico de uma casa portuguesa com certeza, regado a Quinta da Bacalhoa e arrematado com um digestivo ainda mais especial - vinho do Porto original, pré-industrializado, daqueles que apenas os produtores, seus familiares e alguns amigos com sorte têm a chance de saborear o gosto original, que inevitavelmente remete às encostas do Douro.

Chaparro lembra que, na prática, o MEB começou em Natal em 1958, mas antes as escolas radiofônicas já transmitiam uma primeira versão de projeto voltado para a educação rural. As experiências que resultaram no Movimento de Educação de Base tiveram na sua origem as escolas radiofônicas e a CNBB; nasceram de grande cumplicidade e fraterna amizade entre dois bispos: Dom Eugênio Salles, em Natal, e Dom Helder Câmara, no Rio de Janeiro.

Em 1961, convênio assinado entre o Ministério da Educação e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil daria origem ao Movimento em nível nacional. No Rio Grande do norte, pólo irradiador da iniciativa e primeiro porto de Chaparro no Brasil, três Dioceses mantinham escolas radiofônicas: Natal, Caicó e Mosssoró.

O objetivo principal era alfabetizar alunos, com as emissoras mantidas pelas paróquias. Aqueles que tivessem interesse podiam continuar a estudar e completar o curso primário (hoje a fase de ensino fundamental). Um exame final avaliava o conhecimento do aluno, que poderia receber então o seu diploma.

A trajetória oficial do MEB foi curta. Em 1964, Dom Eugênio Salles deixa Natal e muda-se para Salvador; no mesmo ano acontece o golpe militar. A experiência do MEB começa a ser desmontada, ainda que tenha sobrevivido até 1970, com muitos professores e alunos deixando o curso pelo rádio aos poucos nos seis últimos anos.

No seu ápice, em 1962 - e isto também quem nos conta é o Professor Chaparro -, havia 1.327 escolas com cerca de 16 mil alunos apenas no estado do Rio Grande do Norte. Em 1964 eram 9 mil alunos em 944 escolas. A maior queda de programas e de alunos ouvintes aconteceu no período entre 1964 e 1970, quando o Movimento pela Educação de Base desaparece e, com ele, uma experiência inovadora, pioneira e ímpar na evolução do rádio, em especial do rádio educativo brasileiro.

Em seguida à sua chegada ao Brasil, Chaparro trabalhou na primeira Campanha da Fraternidade em Natal. O nosso amigo jornalista foi responsável pelo esquema de divulgação daquela campanha pioneira, que mais tarde se tornaria nacional, e que também nasceu da inspiração de Dom Eugênio Salles e Dom Helder Câmara.

Chaparro destaca, ainda, que no Rio Grande do Norte, no início da década de 1960, a sindicalização rural tinha mais força que as escolas radiofônicas. O rádio fazia parte da divulgação, na medida em que havia um esquema que formava a base da sindicalização rural, do cooperativismo, dos dirigentes. Nesse período, diz ele, participava 'do treinamento de vidas'. E a sua atuação mais direta deu-se por meio do jornal A Ordem, que deverá ser aqui abordado pelo Professor Antonio Fausto Neto.

O rádio serviria de ressonância das matérias publicadas no jornal dirigido por Chaparro. Natal era uma cidade estratégica, o ponto mais próximo da Europa na costa brasileira. O estilo de fazer jornalismo que o nosso homenageado introduz naquele momento em uma capital do Nordeste do Brasil baseava-se em "reportagens vivas, humanas", com os repórteres indo a campo para apurá-las.

Quando essas matérias provocavam confrontos, brigas ou mesmo crises políticas, as autoridades iam para o rádio responder. Como vemos, o rádio não passou ao largo da experiência de Chaparro em Natal.

Para terminar, um depoimento pessoal sobre o profissional e a figura humana que é Manuel Carlos Chaparro. Sou de uma geração para a qual ele é mestre. Tive a oportunidade de conviver com ele em diversas oportunidades - desde a sua gestão como presidente da Intercom, no departamento de Jornalismo da ECA-USP, em bancas de defesa de teses e de elaboração de provas.

Em todas as situações, sempre foi e continua sendo um aprendizado ouvir as ponderações do experiente profissional e do mestre inato. Chaparro gosta de compartilhar o seu conhecimento e esta, muitas vezes, é uma qualidade que ausente no mundo acadêmico.

Atualmente atravessa uma das fases mais ricas e interessantes da sua trajetória profissional: é profissional e pesquisador maduro, com tempo e disposição para produzir textos e análises sobre o jornalismo brasileiro. Da minha parte acompanho a cada semana a sua produção, os seus comentários, elaborados para o site Comunique-se. Aprendo sempre, pois cada leitura fatalmente nos remete à reflexão sobre os meandros da prática profissional e do exercício acadêmico.

Por esses pontos aqui relatados e por muito outros que ainda serão aqui abordados Chaparro merece esta homenagem. Sou grata à Professora Marli dos Santos, que organizou essa homenagem, pela chance de apresentar estas breves palavras.

Ao Chaparro, o meu carinho e o meu entusiasmo incondicionais: são sentimentos sinceros de alguém que se considera sempre aprendiz quando escuta as suas histórias ou lê os seus textos.


*Sonia Virginia Moreira é jornalista, professora do curso de pós-graduação em Comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ - e presidente da Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

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