Novembro de 2011
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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DOSSIÊ: TELEJORNALISMO

A influência do cinejornalismo e do rádio na primeira fase do telejornalismo brasileiro
As imagens do telejornal Imagens do Dia

Por Edna de Mello Silva*

RESUMO

A proposta do texto [1] é discutir as principais características da primeira fase do telejornalismo no Brasil.

O trabalho destaca a influência do cinejornalismo no que tange à captação das imagens produzidas para os telejornais, que nos anos 50 eram registradas em filme preto e branco por cinegrafistas com experiência em filmes de ficção e documentários.

Reprodução

Destaca também a forte influência do rádio nos primeiros anos do telejornalismo, especialmente no que se refere à forma de apresentar as notícias que valorizava a voz do locutor.

A pesquisa analisa oito filmes restaurados pela Cinemateca Brasileira, que são atribuídos ao Telejornal Imagens do Dia, considerado o primeiro telejornal brasileiro. É apresentada uma análise descritiva dos filmes na tentativa de inferir quais seriam os assuntos tratados no noticiário e de que forma as notícias eram apresentadas. 

O corpus da pesquisa foi formado tendo por base o acervo da Cinemateca Brasileira relacionado aos filmes restaurados da antiga TV Tupi de São Paulo. Com base na análise é possível afirmar que o Telejornal Imagens do Dia utilizava os filmes para ilustrar a narração feita pelo locutor, ao vivo, no momento da transmissão do programa e que as notícias versavam sobre assuntos de interesse geral como eventos de cultura, cotidiano e política

PALAVRAS-CHAVE: História do Telejornalismo / Telejornal Imagens do Dia / TV Tupi SP

1. Introdução

Quando foi inaugurada no Brasil, em setembro de 1950, a televisão motivou uma grande transformação nas relações das pessoas com o mundo que as cercavam. Ao permitir a tele visão, ou seja, a visão de algo que estava longe do olhar, dentro do ambiente doméstico, uma nova realidade de comunicação estava sendo instaurada. As imagens do cinema e o som do rádio foram sintetizados num único aparelho capaz de propiciar momentos de entretenimento e cultura para toda a família.

Uma característica marcante da TV brasileira é pautada por sua origem no modelo comercial. O empresário Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados - um dos mais importantes grupos de comunicação do país da época – investiu 5 milhões de dólares na compra de equipamentos da RCA Victor, empresa americana associada ao canal NBC. Em 18 de setembro de 1950, ocorreu a primeira transmissão da PRF-3-TV Tupi de São Paulo.

A televisão brasileira iniciava sua programação com uma importante vocação para o entretenimento. Devido à falta de condições técnicas e de pessoal especializado, a televisão herdou a tradição do espetáculo ao vivo, presente no rádio e no teatro. Segundo Avancini (2001, p. 318) o formato dos programas radiofônicos foram os primeiros modelos para a programação da TV: “o rádio era a forma mais importante de produção de entretenimento. Houve uma reciclagem da experiência radiofônica para as primeiras experiências na TV brasileira”.

Em 2010, a televisão comemorou 60 anos de presença na vida dos brasileiros. Ao longo das últimas seis décadas, novas tecnologias foram incorporadas, diversos formatos de programas foram criados, mas o jornalismo televisivo se manteve como sinônimo de legitimidade e credibilidade para as emissoras de TV.

As investigações desenvolvidas no âmbito do projeto “Reconfigurações do ciberespaço no jornalismo televisivo brasileiro” vêm dirigindo sua atenção para as transformações no telejornalismo que podem trazer indícios da influência da Internet e da cibercultura. No curso da pesquisa, percebeu-se a necessidade de um aprofundamento dos estudos no que se refere ao percurso histórico do telejornalismo, especialmente dos aspectos que se relacionam à utilização das tecnologias de cada época.   

A proposta deste artigo é discutir a primeira década do telejornalismo no Brasil, enfocando a influência do cinejornalismo e do rádio na forma de apresentar as notícias. O objetivo é demonstrar como o jornalismo televisivo construiu uma linguagem própria, ao mesmo tempo em que se instaurou num processo de constante renovação.

O corpus da pesquisa foi formado pelas imagens de oito filmes atribuídos ao Telejornal Imagens do Dia, que fazem parte do acervo de filmes restaurados da antiga TV Tupi de São Paulo, disponibilizado pela Cinemateca Brasileira em seu site [2]. A análise descritiva do material pode oferecer a possibilidade de serem produzidas inferências sobre os assuntos tratados e de que forma as notícias eram apresentadas no primeiro telejornal brasileiro.

2. Anos 50:  a fase de implantação do telejornalismo

Não foi por acaso que a televisão nasceu em São Paulo. Reimão (1997, p. 22) entende que se o Rio de Janeiro era a capital política e cultural do país, na década de 50, São Paulo era então o maior mercado consumidor, onde vivia uma burguesia enriquecida pelo desenvolvimento industrial do estado paulista ao longo das décadas anteriores.

Foi essa burguesia que financiou esse boom cultural na cidade de São Paulo nos anos de 40 e 50. Diferentemente do Rio de Janeiro em que o poder público era o motor principal das iniciativas artísticas e culturais, em São Paulo essas iniciativas foram promovidas pelo capital privado. Nesse contexto, não é de se estranhar que a TV Tupi tenha sido também uma “aventura do capital privado.

A televisão de Chateaubriand encontrou desta forma um público ávido por novidades. A primeira transmissão trouxe espetáculos com os artistas do rádio já conhecidos pelo público. Morais (1994, p. 503) avalia que apesar de todo o improviso, a estréia da TV Tupi foi satisfatória:

Ao final de duas horas de programação, só um especialista familiarizado com o funcionamento de um canal de TV (e não havia ninguém assim no Brasil) poderia perceber que apenas duas, e não três câmeras, haviam focalizado Walter Forster, a rumbeira cubana Rayito de Sol e seu acompanhante bongozeiro, a orquestra de Georges Henri e tantas outras atrações. A noitada foi encerrada com os acordes da “Canção da TV”.

A primeira exibição de um telejornal no Brasil aconteceu no dia seguinte, em 19 de setembro de 1950, quando o telejornal Imagens do Dia noticiou o desfile cívico-militar pelas ruas de São Paulo.

O programa tinha notícias locais lidas pelo locutor Ruy Rezende, que era também produtor e redator do jornal.

As imagens eram produzidas em filme preto e branco pelos cinegrafistas Jorge Kurkjian, Paulo Salomão e Alfonso Zibas (REZENDE, 2000, p. 105).

Na época, a programação da TV Tupi de São Paulo iniciava-se a partir das 20 horas e o telejornal não tinha um horário certo para ser veiculado, pois dependia da programação a ser exibida antes dele.

Este fato pode ser constatado no anúncio publicado nos jornais do grupo Diários Associados, relativo à programação da PRF - 3 TV Tupi, de 20 de setembro de 1950 (Fig. 1). Todos os programas eram feitos ao vivo, pois não havia ainda o videoteipe.


Fig. 1.
Anúncio da Programação
PRF-3-TV- 20/9/50.
Rezende (2000, p. 106) avalia que os primeiros telejornais eram produzidos de forma precária e careciam de um nível aceitável de qualidade:

As falhas se originavam tanto das grandes deficiências técnicas quanto da inexperiência dos primeiros profissionais, a maioria procedente das emissoras de rádio. A repercussão dessas falhas na comunidade, no entanto, era muito pequena, pelo limitadíssimo número de pessoas que tinha acesso às imagens de TV. Possuir um televisor, naqueles tempos, simbolizava “regalia” e status, medido pelo número de televizinhos, cada vez mais crescente à medida que o hábito de ver televisão se espalhava.

Os relatos de memória dos pioneiros da televisão brasileira dão conta de que o telejornal Imagens do Dia reproduzia em grande parte o modelo de noticiar herdado do rádio. O locutor lia as notícias em quadro e as reportagens seguiam o formato do que chamamos hoje de nota ao vivo, ou seja, eram exibidas as imagens filmadas pelos cinegrafistas e o locutor, ao vivo, narrava os acontecimentos. (ALVES, 2008; LORÊDO, 2000)

3. A influência do cinejornalismo e do rádio na fase inicial do telejornalismo

É possível deduzir que a influência do cinejornal pode ter sido marcante, na forma de reportar os acontecimentos, nos primeiros anos do jornalismo de televisão. Os cinejornais eram noticiários exibidos nos cinemas antes do filme principal, e apresentavam imagens dos acontecimentos da semana, notícias esportivas e na maioria das vezes informações ligadas à agenda dos governantes. O formato tradicional do cinejornal continha a exibição das imagens em planos abertos, com poucos cortes, acompanhados pela narração de um locutor (off).

Para Luporini (2007, p. 22) a influência do cinejornal já podia ser percebida no Telejornal Imagens do Dia

O que se sabe é que o Imagens do Dia era feito de maneira bastante rudimentar, apresentando as notícias através de um locutor que as lia em estúdio para a câmera com postura e linguagens formais. As imagens, a exemplo do que já ocorria nos cinejornais, apareciam de maneira ilustrativa através de pequenos filmes produzidos em 16 mm para o próprio telejornal e projeção de fotos. Para serem transmitidas, as imagens eram projetadas em um anteparo e capturadas diretamente pelas câmeras da emissora, tudo ao vivo. A maior parte das notícias era vinda do noticiário de jornais impressos, pois não havia ainda uma equipe especializada para fazer a cobertura de acontecimentos e a produção apoiava-se no corpo jornalístico dos jornais Diário de São Paulo e Diário da Noite.

Outro importante dado no que refere à influência da linguagem do cinema nos primórdios do telejornalismo se dá pela presença de cinegrafistas experientes (na produção de filmes de ficção e de documentários) nas primeiras equipes responsáveis pela captação de imagens para os telejornais.

É o caso dos cinegrafistas da equipe do Telejornal Imagens do Dia:  Jorge Kurkjian, Paulo Salomão e Alfonso Zibas.  Kurkjian trabalhou como diretor de fotografia e cinegrafista em produções da cinematografia nacional, como o filme Quase Céu, de Oduvaldo Viana, produzido pelos Estúdios Tupy, com a participação dos artistas do Diários Associados (fig. 2), e o filme A testemunha ocular, de Abram Jagle (1941), entre outros. (ALVES, 2008; CINEMATECA, 2011).

Se em relação às imagens, a influência do cinema pode ser detectada no incipiente telejornalismo brasileiro, o rádio vai ditar o modelo de apresentação de notícias, principalmente no que se refere à valorização da voz, do timbre e do ritmo de narrar as notícias levado em curso pelos locutores, que por sua vez, também eram nomes tradicionais do rádio.


Fig. 2. Cartaz de Divulgação
do
Filme Quase no Céu.

O locutor Gontijo Teodoro, que foi diretor do Departamento de Telejornalismo da TV Tupi do Rio de Janeiro e apresentador do telejornal Repórter Esso, publicou, em 1980, o livro intitulado “Jornalismo na TV” em que destaca o papel do que ele chama de “locutor de notícias”:

Ao locutor de notícias exige-se uma leitura marcial, quase descritiva, como se o relator estivesse vendo o desenrolar do acontecimento que narra. Ele não pode ser impessoal, amorfo, sem ritmo, para não transformar a leitura de uma notícia num relato insípido e apático, como querem os ortodoxos do telejornalismo (TEODORO, 1980, p. 112).

Dando sequência ao seu relato, Teodoro (1980, p. 113) enfatiza qual é o timbre de voz mais apropriado para o locutor de notícias:

Embora a voz grave se mostre mais suave e, por isso mesmo, impressionando melhor, não é a indicada para a leitura de notícias. A voz aguda, mais metálica e menos  suave, é mais inteligível e alcança com mais facilidade o centro auditivo do ser humano. Os sons graves se perdem e se confundem, por mais perfeita que seja a aparelhagem que esteja transmitindo a voz humana e a sua consequente recepção. Acresce ainda, que ninguém assiste televisão com cem por cento de atenção. Os ruídos circunstantes, a poluição sonora, tudo colabora para dificultar a audição dos textos lidos diante de câmeras e microfones. É preferível que o locutor de notícias tenha uma voz aguda, clara, ao invés de voz grave.           

As orientações de Teodoro (1980) reforçam a importância que o som desempenhava para a cultura vivenciada na época.  Ao denominar o profissional de “locutor”, Teodoro já circunscreve a área de atuação de quem era responsável pela apresentação do telejornal. A análise que o autor faz sobre o timbre de voz adequado para a apresentação das notícias direciona para o áudio a preocupação principal do telejornal. Teodoro (1980, p. 113) confirma essa visão ao afirmar que a aparência do locutor não é tão importante:

O bom locutor de notícias é aquele que deixa a notícia brilhar e não aquele que procura ofuscar com o fulgor da sua atuação o impacto da informação. O que se quer de um bom locutor de notícias, vai além da sua figura física ou de seu procedimento particular. Sua leitura deve traduzir, para quem ouve, toda a intenção contida nas linhas e entrelinhas do que foi redigido, e sobretudo, deixar na mente de quem escuta, a impressão exata dos sinais gráficos de pontuação.  

Diante do exposto, é possível afirmar que a primeira fase do telejornalismo brasileiro foi marcada pela forte influência do cinejornalismo, no que se refere à captação de imagens em filmes preto e branco operadas por cinegrafistas, e do rádio, em relação à valorização da voz e do ritmo dada à apresentação das notícias proporcionada pelos locutores. Essas apreciações podem ser aplicadas ao Telejornal Imagens do Dia que também era apresentado por um locutor com experiência no rádio.         
                                   
4. As imagens do Telejornal Imagens do Dia 

Muitos registros dos primeiros telejornais brasileirosse perderam ao longo do tempo. No site da Cinemateca Brasileira há um acervo de filmes, remanescentes das produções da antiga TV Tupi de São Paulo, em que é possível ter uma ideia das imagens que os telespectadores assistiam em suas casas nas décadas de 50 e 60. As películas foram recuperadas e digitalizadas, porém algumas não possuem áudio.

Luporini (2007, p. 13) que analisou cinejornais registrados em filme, dos quais não se tinha a captação do áudio, acredita não ser possível afirmar com segurança o motivo do áudio direto não acompanhar os filmes:

Muito raramente era utilizado o áudio direto, uma vez que o deslocamento de equipamentos para este tipo de captação tornava a produção cara e pouco ágil. Podemos inferir que foi em conseqüência disso que grande parte dos cinejornais foi composta basicamente de imagens acompanhadas de música e de uma voz over. Este tipo de produção possibilita a sincronização do áudio apenas na pós-produção, facilitando tanto a captação quanto a montagem. Há ainda a possibilidade deste tipo de estética ter sido herdada da consolidação da linguagem dos primeiros cinejornais que se desenvolveram ainda na fase do cinema mudo, mas não encontrei nenhuma entrevista ou material de pesquisa que pudesse corroborar uma hipótese como esta.

Essa explicação de Luporini (2007) talvez possa também se aplicar à ausência de áudio nos filmes catalogados pela Cinemateca, como pertencentes ao acervo do Telejornal Imagens do Dia. No acervo de filmes da extinta TV Tupi de São Paulo, recuperados e catalogados pela Cinemateca Brasileira, é possível localizar até o momento 08 (oito) filmes atribuídos às edições do Telejornal Imagens do Dia.

TELEJORNAL IMAGENS DO DIA

Retranca:
“Situação no Maranhão - Crise política no Maranhão com incêndio e saques após a posse do governador Eugênio de Barros”

Edição de 10/10/1951

O filme tem a duração de 3m e 08s e traz o registro de uma manifestação popular. Filme P/B.
Retranca:
“Crianças em creche”

Edição de 09/10/1951

O filme tem a duração de 1m e 41 s e traz imagens de algumas mulheres com uniformes cuidando de crianças. Filme P/B.

Retranca:
Objetos achados são encaminhados às delegacias especializadas”

Edição de 16/10/1951

O filme tem a duração de 2m e 21s e traz imagens de objetos que ficam expostos em uma sala.
Retranca:
“Robustez escolar - I Concurso de Robustez da Criança Escolar”

Edição de 17/10/1951

O filme tem a duração de 1m e 15s e registra o atendimento a crianças por uma equipe, que aparenta ser de médicos e enfermeiros, que pesa e mede as crianças.
Retranca:
“Primeira Bienal de Arte de São Paulo”

Edição de 24/10/1951

O filme tem a duração de 2m e 27 s e traz o registro de detalhes de várias obras expostas na Bienal. Não há presença de personalidades, somente quadros e esculturas. Movimentos bruscos da câmera sinalizam que o cinegrafista não estava utilizando tripé.
Retranca:
Avião Jahú”

Edição de 03/11/1951

O Filme tem a duração de 59seg e traz imagens de um avião desmontado em um galpão. Uma das cenas enfoca uma placa que indica o Avião Jahú encontra-se em reforma pelos monitores técnicos da Escola de Especialistas da Aeronáutica.  

Retranca:
“Primeira Bienal de Arte de São Paulo: representações do Japão e da Suíça”

Edição de
03/11/1951

O filme tem a duração de 7m e 37s e traz imagens da fachada externa do prédio da  Bienal e num primeiro momento registra a chegada de uma personalidade feminina no evento, acompanhando sua visitação. Em seguida o filme apresenta vários planos fechados das obras exibidas na Bienal.

Retranca:
“Era uma vez o circo”

Edição de 03/11/1951

O filme tem a duração de 52 seg e traz imagens de um circo sendo montado e dos animais soltos e em jaulas. A principal tomada do filme é uma panorâmica de 180° mostrando a arquibancada e o picadeiro do circo.

5. Principais inferências

Todos os filmes têm duração variável e retratam em sua maioria acontecimentos referentes à cidade de São Paulo. A ausência do áudio conduzindo a narrativa limita um pouco a possibilidade da análise, porém tentaremos descrever as cenas e inferir informações que podem ser delineadas a partir das imagens dos filmes.

O filme catalogado como pertencente à edição de 09/10/1951 apresenta cenas do que parece ser uma creche com várias crianças e da presença de mulheres uniformizadas como enfermeiras. Duas salas contíguas são mostradas nas imagens que apresentam várias etapas do tratamento das crianças como o banho, a troca de roupa e a alimentação. As imagens são insuficientes para se afirmar com certeza qual seria o enfoque da notícia, no entanto, é possível se deduzir que a presença de crianças na creche, ao invés de estarem em casa com suas mães, pode retratar o processo de trabalho assalariado da mulher urbana, relacionado ao cenário de industrialização de São Paulo nos anos 50.  

Outro filme que se refere a crianças foi veiculado em 17/10/1951 e foi catalogado com o título “Robustez Escolar - I Concurso de Robustez da Criança Escolar” e traz imagens de crianças com uniforme escolar sendo atendidas por uma equipe de médicos e enfermeiras. As crianças eram pesadas, medidas e examinadas no que parece ser um concurso de beleza para premiar aquelas que apresentassem melhor desenvolvimento físico em relação à sua idade. Não é possível identificar em que escola as cenas foram gravadas. Há outro filme disponível no acervo da Cinemateca Brasileira que traz outra edição do Concurso de Robustez Escolar em que aparece uma criança portando uma faixa de “Criança Robusta”.   

O único filme que não retrata imagens de São Paulo é o que foi catalogado como sendo o registro de uma crise política no Maranhão, com ocorrência de incêndio e saques, após a posse do governador Eugênio de Barros. Essas informações constam da catalogação do arquivo da Cinemateca, porém não é possível identificar nas cenas do filme imagens que retratem fielmente essa situação de conflito ou de incêndio.

As imagens mostram várias pessoas que gesticulam e sorriem para a câmera no que parece ser uma rua central, sem asfalto. Há crianças neste grupo de pessoas. É possível visualizar um homem, que é focalizado pela câmera, que se traja diferente dos demais, porém não é possível identificá-lo. A situação de protesto pode ser confirmada pela presença de alguns cartazes entre as pessoas exibidas no filme.  A data atribuída à exibição é 10/10/1951.

Os filmes “Avião Jahú” e “Era uma vez o circo” foram apresentados em 03/11/1951 e têm menos de um minuto de duração. O primeiro filme faz referência à reforma de um avião de madeira, apresentado num galpão, que parece estar sendo reformado. Há um plano fechado no filme que enfoca uma placa atribuindo a responsabilidade pela reforma a uma escola técnica de Aeronáutica. O Jahú foi o primeiro hidroavião brasileiro a cruzar o Oceano Atlântico, em 1927.

A notícia pode ter feito referência à restauração e preservação deste importante exemplar da história da aviação nacional que chegou até nossos dias e encontra-se em exposição no Museu da Aeronáutica em São Paulo. O segundo filme trouxe imagens de um circo bem simples, dando destaque à presença de alguns animais como um pônei, alguns cavalos e leões. O circo parece estar sendo montado, pois apresenta alguns operários trabalhando numa instalação próxima ao picadeiro. A notícia, neste caso, poderia ser a chegada deste circo na cidade.

Ainda com a data de 03/11/1951 há o registro de um filme intitulado “Primeira Bienal de Arte de São Paulo: representações do Japão e da Suíça” que apresenta cenas de uma exposição de Arte. É possível perceber a presença de personalidades no evento, uma vez que a câmera acompanha duas senhoras e mostra a todo tempo a movimentação delas pelas salas. Num segundo momento, o filme retrata detalhadamente muitas obras expostas no evento.

Em certos momentos, a câmera se fixa por mais de 20 segundos em cada uma das obras. É bastante plausível que se trate de um evento importante para a cidade, que contou a presença de pessoas conhecidas no circuito social da época. O filme é o mais longo do acervo e possui 7 minutos e meio de duração. Há outro filme que também faz referência à Bienal, exibido pelo telejornal Imagens do Dia em 24/10/1951. As imagens retratam também detalhes das obras expostas nas galerias.

O filme catalogado com o título “Objetos são encaminhados a delegacias especializadas” tem a duração de 2 minutos e 21 segundos e retrata uma sala simples, repleta de objetos de toda natureza. Em alguns momentos, a câmera focaliza com detalhes alguns objetos como carteiras de trabalho e guarda-chuvas. Há uma pessoa presente no ambiente, porém parece não interessar muito ao fato noticiado. A notícia provavelmente fez referência a um local onde são depositados os objetos perdidos pelos moradores da cidade. O filme teria sido exibido em 16/10/1951.

É interessante notar que a maioria dos filmes traz cenas com caráter mais ilustrativo do que documental. A exceção aparece nos filmes sobre a “Primeira Bienal de Arte de São Paulo” em que é possível perceber a intenção do cinegrafista de registrar com detalhes e documentar quais eram as obras expostas no evento.  

6. Em tempo de conclusão

O Telejornal Imagens do Dia ficou no ar por mais de um ano, de setembro de 1950 a dezembro de 1951. Em janeiro de 1952, foi substituído pelo Telenotícias Panair, apresentado por Toledo Pereira, às 21 horas. Um ano e meio depois este telejornal saiu do ar e foi substituído pelo Repórter Esso que foi líder de audiência até o final de 1971.  

Apesar de sua curta existência, o Telejornal Imagens do Dia já indicava uma tendência que seria dominante no telejornalismo até o início dos anos 70. Era marcado por uma forte influência do rádio, tanto no que refere à presença de locutores de notícia, quanto na formação da equipe técnica da emissora de televisão. O telejornal trazia imagens de filmes produzidos por cinegrafistas com experiência na área do cinema, o que permite a inferência de que a linguagem do cinejornalismo também contribuiu de forma decisiva para a linguagem jornalística de TV.

A apresentação do telejornal ao vivo é uma característica que se perpetua no telejornalismo até hoje. Embora a figura do chamado “locutor de notícias” não tenha mais espaço no telejornal contemporâneo, é relativamente recente a presença do apresentador jornalista nas bancadas. Somente em março de 1996, é que o locutor Cid Moreira - que apresentava o Jornal Nacional desde 1969 - foi substituído pelos jornalistas Willian Bonner e Lillian Witte Fibe, no principal telejornal da Rede Globo de Televisão.

Neste caso, um locutor de notícias ficou a frente de um telejornal tradicional, líder de audiência no país por quase 25 anos!

É importante destacar que neste tipo de telejornal, em que o apuro técnico não supre todas as exigências para se traduzir com boas imagens os acontecimentos elencados para serem noticiados, o apresentador ocupa um lugar de destaque no noticiário. Ele é o principal elemento legitimador do telejornal, é ele quem mostra seu rosto e sua voz, que empresta seu reconhecimento profissional para dar validade ao discurso das notícias. A imagem do locutor de notícias, e principalmente sua voz, são utilizados como recurso retórico e funcionam como ferramentas de persuasão que convencem o telespectador de que a notícia é verdadeira.

Em relação às notícias apresentadas no Telejornal Imagens do Dia é possível inferir que suas pautas versaram por matérias de interesse geral como a cobertura de eventos culturais (Bienal de Artes e a chegada do circo), temas do cotidiano relacionados à família (crianças na creche e concurso criança robusta), fatos diversos (objetos perdidos e reforma do hidroavião Jahú), além de notícias de outros estados, como a manifestação no Maranhão.

Tratava-se de um telejornal que era apresentado de forma bem simples: uma bancada com um locutor de notícias em quadro, que lia as notícias ao vivo e que trazia às vezes imagens do fato noticiado. Do ponto de vista técnico, no Telejornal Imagens do Dia, as notícias eram apresentadas no formato de nota ao vivo (nota seca) e nota coberta (voz do locutor narrando as imagens). Resguardadas as devidas proporções e limitações técnicas é algo bem parecido do que podemos encontrar ainda hoje em telejornais locais com poucos recursos.

Em síntese, podemos propor que o Telejornal Imagens do Dia ofereceu uma relevante contribuição para o telejornalismo. Diferente dos telejornais que o sucederam que traziam já no título o compromisso com seus anunciantes (Telenotícias Panair, Repórter Esso, Jornal Ultranotícias, Telejornal Brahma etc.), o Imagens do Dia se preocupava com as notícias da cidade, com o relato informativo. A influência do rádio e do cinejornalismo contribuíram para dar forma a uma prática jornalística que diariamente se faz presente na vida de milhares de brasileiros: o jornalismo de televisão.

NOTAS

[1] Artigo apresentado no 8º Encontro Nacional de História da Mídia, em Guarapuava de 28 a 30 de abril de 2011.

[2] O acervo pode ser consultado via Internet no site: www.cinemateca.com.br no link (Base de Dados): Acervo Jornalístico TV Tupi.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACERVO Jornalístico TV Tupi de São Paulo. Disponível em: http://www.cinemateca.com.br. Acesso em: 3 março 2011.

ALVES, Vida. TV Tupi: uma linda história de amor. São Paulo: IMESP, 2008.

AVANCINI, Walter. A marca do diretor. In: SILVA JÚNIOR, Gonçalo. País da TV: a história da
televisão brasileira por. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2001.

GRESPAN, Gilmar. A televisão brasileira chega aos 60 anos. Disponível em:
http://emtemporeal.blogspot.com/2010/09/televisao-brasileira-chega-aos-60-anos.html.Acesso em: 03 março 2011.

LORÊDO, João. Era uma vez... a televisão. São Paulo: Allegro, 2000.

LUPORINI, Marcos Patrizzi. O uso da música no telejornalismo: análise dos quatro telejornais transmitidos em rede pela TV Globo. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, 2007.

MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.

REIMÃO, Sandra (org.). Em instantes: notas sobre a programação na TV brasileira (1965-1995). São Paulo: Faculdades Salesianas: Cabral, 1997.

REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo: Summus, 2000.

TEODORO, Gontijo. Jornalismo na TV. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 1980.

*Edna de Mello Silva é doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e professora Adjunta da Universidade Federal do Tocantins.

 

 







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