Novembro de 2011
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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DOSSIÊ: TELEJORNALISMO

O desafio da edição
O telejornalismo na era bit

Por Florentina das Neves Souza e Patrícia Piveta*

RESUMO

O presente trabalho [1] investiga o processo na edição de telejornais no sistema digital e as consequentes mudanças na linguagem imagética. Discute de que maneira este percurso da edição digital vem sendo feito e como a tecnologia interfere no processo de construção do discurso.

O estudo foi desenvolvido por meio de bibliografia, observações e entrevistas com profissionais da TV Coroados, uma das pioneiras em edição digital no interior do país.

Reprodução

Considera que uma das principais mudanças proporcionadas pela evolução da edição foi a velocidade da imagem que provocou alteração da linguagem e do conteúdo informativo.

PALAVRAS-CHAVE: Edição / TV digital / TV Coroados

1. Introdução

A primeira transmissão em TV digital no Brasil ocorreu, há quatro anos, na cidade de São Paulo. O Brasil preferiu adotou um sistema de transmissão híbrido; uma junção da técnica desenvolvida por pesquisadores brasileiros da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Federal da Paraíba com o sistema japonês Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial [2] (ISDB-T).

Assim, o sistema adotado no Brasil é o ISDB-TB, também denominado SBTVD - Sistema Brasileiro de Televisão Digital [3]. É o sistema japonês de TVD (Televisão Digital) com acréscimos tecnológicos nacionais; conhecido como padrão nipo-brasileiro. Significa dizer, entre outras coisas, que o Brasil abriu mão de desenvolver sua própria tecnologia e, por conseqüência, deixou também de fomentar a indústria nacional, para beneficiar empresas japonesas como NHK, Sony, Sharp, diretamente envolvidas com a renovação dos televisores no Brasil.

O sistema digital japonês foi instituído no Brasil pelo Decreto 5.820/2006 que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital e estabelece diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógico para o sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão [4]. Segundo o Art. 6º, o SBTVD possibilitará transmissão digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV); transmissão digital simultânea para recepção fixa, móvel e portátil; e interatividade, permitindo aos usuários interagirem com os programas.
           
2. As características da TV Digital

A invenção da TV digital é uma das maiores, se não a maior, evolução tecnológica da televisão desde sua criação. Suplantou o invento do videoteipe, a chegada da cor à imagem, a substituição do filme pelo vídeo. Tanta prerrogativa se deve a algumas características interessantes que a diferenciam do modelo analógico. Ou seja, para entender que imagem é essa que chega à casa das pessoas pelo sinal digital é preciso compará-la com o sinal analógico, padrão de transmissão que reinou absoluto por várias décadas.

Toda a produção televisiva em filme e vídeo utilizou uma mesma tecnologia de transmissão: o sinal analógico. A denominação analógica diz respeito a uma freqüência que viaja no espaço através de uma onda eletromagnética, mas que pode sofrer interferência de outras freqüências já que a TV analógica forma a imagem e o som de modo contínuo.

Por isso é comum imagens com contornos borrados, fantasmas, chuviscos, ruídos, distorções na cor e até interferências provocadas por outros equipamentos ou veículos ligados que estejam próximos à TV. Outra característica do sinal analógico é que quanto mais ele for copiado, ou quanto maior for a distância de transmissão, mais perda de qualidade apresentará em relação ao sinal original.

O sinal digital, por sua vez, tem uma tecnologia bem diferente que o torna de melhor qualidade quando comparado com o analógico. O primeiro ponto a ser observado é que ele transforma cada elemento da cena, incluindo o som, em um número binário seqüencial formado por zeros (0) e uns (1); a mesma linguagem tecnológica dos computadores.

Essa sequência numérica, conhecida como Bit (binary digit – dígito binário) é interpretada pela máquina que calcula o que a fórmula representa e então gera uma imagem que pode ser vista somente na tela. Segundo Boni “sua matriz não pode ser visualizada, assim como acontece com os negativos das fotografias, ela só existe como imagem quando projetada no monitor, antes disso não passa de um conjunto numérico (2010, p. 92).

Isso faz com que a transmissão não sofra interferência de outros sinais magnéticos e nem de outras freqüências, como é o caso da imagem analógica. Significa dizer também que a qualidade da imagem e do som permanece a mesma, ainda que haja cópias e reproduções. Mas é fato que se algum 0 ou 1 se perder e não chegar a ser transmitido todo o sinal é interrompido. Por conta disto convencionou-se dizer, acertadamente, que TV digital ou pega ou não pega.

A qualidade técnica está diretamente ligada à quantidade de linhas de vídeo que são responsáveis pela definição da imagem. A televisão foi inventada com apenas 30 linhas de vídeo. Alguns anos depois os aparelhos já apresentavam 240 linhas de vídeo. Os monitores analógicos podem chegar a 525 linhas. Já na televisão digital de alta definição chega-se a 1080 linhas (Almeida,1988).

A tecnologia digital também faz desaparecer os ‘fantasmas’ das imagens e as interferências de um canal sobre o outro. A sintonia do sinal é muito mais eficiente. E a tela ganha um novo formato para a imagem. Sai o 4:3 usado pelo sistema analógico, entra o 16:9 do sistema digital [5].

Em relação ao som, a alteração segue significativa. No início a televisão era ‘mono’, ou seja, tinha apenas um canal de áudio. Evoluiu para o ‘estéreo’, com dois canais de áudio. No sistema digital passa para seis canais, todos sem ruídos, “chiados” ou alterações bruscas de áudio. O som que chega à casa dos telespectadores é muito mais limpo e audível.

Ainda falando sobre questões técnicas, é importante ressaltar a forma de transmissão. Entre os meios de transmissão disponíveis (terrestre, satélite e cabo) a TVD no Brasil adotou o sistema Terrestre - os sinais digitais são transmitidos no ar por ondas de radiofrequência e necessitam de antenas e receptores apropriados para a sua recepção. Segundo os engenheiros de telecomunicações, esse tipo de transmissão permite aproveitar parte da infraestrutura existente. Bom para as cerca de 500 emissoras geradoras de TV e para as dez mil retransmissoras [6] que não precisarão trocar todos os equipamentos para transmitir o sinal digital.

A mobilidade é outra característica da TV digital. Do ponto de vista técnico, a capacidade de poder ver televisão por meio de um mini-televisor, de receptores USB [7] para micros ou de um celular, por exemplo, não é novidade. No sistema analógico isso também era possível. O diferencial é que agora a imagem tem alta qualidade e não sofre qualquer alteração, mesmo quando o aparelho receptor está em movimento – diferentemente do que ocorria com a imagem analógica. Para Sérgio Mattos o aparelho celular passa a fazer parte do grupo de portáteis da TV Digital:

Em princípio, o celular dotado de receptor apropriado permitirá ao usuário, receber o sinal digital direto das emissoras de canais abertos, sem ter que pagar por isso. Mas o usuário terá que assumir um custo maior para adquirir o celular capaz de receber o sinal de TV. O crescimento do número de usuários de celulares no Brasil indica que, num futuro bem próximo, o celular venha a ser não apenas um provedor de música, como já acontece, mas também um dos principais receptores de programas televisivos (Mattos, 2010, p. 56). 

Em relação à interatividade, em que o telespectador acessa outras informações sobre o programa que está assistindo quando quiser e se quiser, infelizmente, não se pode contar com ela no Brasil. Esta possibilidade ainda não está disponível para o usuário brasileiro, apesar do Decreto 5.820 assim propagandear.

É o que explica Lima Júnior (2009, p. 366): “se construiu um modelo de negócio, através de um marco regulatório, que privilegia a melhora da qualidade da imagem e do áudio, entretanto, permitindo uma baixa interatividade”. Arlindo Machado (2009, p. 223-224) também lamenta a ausência da interatividade e da convergência com a internet no modelo adotado no Brasil. Para ele, sem essas duas possibilidades não se pode falar em mudança significativa na maneira de ver TV no país.

Simões e Bittencourt também reconhecem que a TV Digital traz mudanças consideráveis no padrão de linguagem até agora vigente. “Faz se necessário dialogar sobre esse novo modo de pensar a TV, que vem a partir do movimento de convergência midiática. Assim, o que se está caracterizando como televisão é o formato do conteúdo televisivo, que consegue se despender do próprio televisor” (2010, p. 77).
 
3.  A edição digital

Dentro de muitas emissoras de televisão do Brasil foi preciso driblar crises econômicas para alcançar a tecnologia. A TV Coroados, afiliada à Rede Globo em Londrina, começou a transmitir o sinal digital em fevereiro de 2010, mas as alterações na forma de trabalho das equipes de jornalismo tiveram início cerca de dois anos e meio antes. 

No segundo semestre de 2007, ainda anteriormente à transmissão do sinal digital no país, os equipamentos de edição analógica foram substituídos por máquinas digitais, assim como as câmeras cinematográficas. Foi o primeiro contato direto, relacionado à operacionalização, dos editores da emissora com uma ilha não-linear. Outras mudanças significativas na infraestrutura da emissora também tiveram início neste mesmo ano:

Nós estamos iniciando os preparativos de toda a infraestrutura da emissora pra que em 2009 a gente possa transmitir em digital (...) Nós estamos mudando mais alguns equipamentos e também a parte de infraestrutura porque nós vamos ter que trocar transmissor, montar mais uma antena na torre, então isso exige uma série de modificações, uma série de adaptações dentro da emissora: reforço de torre, energia elétrica etc. [8]

As informações se confirmaram com exceção de uma, o ano da transmissão digital não foi 2009. A cerimônia oficial de inauguração da transmissão digital da TV Coroados foi realizada no dia 25 de fevereiro de 2010. Era a confirmação para uma série de mudanças na forma de trabalho do cinegrafista, do repórter e do editor que começava a ser normatizada.

Quando o desenvolvimento de uma tecnologia altera o equipamento, na maioria das vezes modifica-se também a forma de trabalho. O aparelho utilizado no sistema de edição em vídeo se constituía de duas máquinas de reprodução de vídeo interligadas que ocupavam uma sala de cerca de dois metros quadrados.

A fita bruta, com a produção das equipes de reportagem, era colocada em uma máquina. A fita de edição, que recebia o áudio do repórter, os trechos selecionados de entrevistas e as imagens escolhidas, ocupava o outro equipamento. Para executar a tarefa de editar havia sempre dois profissionais: o editor que comandava a edição e o editor de imagens que operava essas duas máquinas.

No sistema digital a edição toma outra dimensão física. O espaço de trabalho é bem menor, se concentra em uma tela de computador. Tudo o que o editor precisa está a ummouse de distância. E a execução do trabalho sofre mais uma baixa dentro das redações.

A tarefa desempenhada pelo editor de imagens não é mais necessária [9]. O editor de texto passa a ser responsável também pela edição de imagens. Na concepção de Chaiben [10], a perda deste profissional técnico aumentou a rotina de trabalho e a responsabilidade do jornalista. Para Volpini [11] embora o processo seja mais rápido e ágil, toma um tempo maior do profissional:

Como a gente é da época do gravador, do contagiro, isso assusta um pouco porque você não é da geração da informática. Aí eu acho que foi uma mudança mais radical, numa primeira impressão você achar que vai ser tudo muito complicado, não vai ser possível, não vou dar conta, ou aqueles medos naturais. Mas também não foi tanto assim.

Essa insegurança inicial tinha uma forte relação com entender a sequência do material bruto. No sistema analógico a imagem contava a sequência da história: o que aconteceu primeiro, o que veio depois, como foi a finalização. Era uma espécie de filme que surgia nas telas das ilhas de edição com um simples comando do play que deixava a fita ‘correr’ e apresentava a ordem gravada das cenas.

Nos clipes digitais a primeira impressão é de total fragmentação. O editor pode ver o primeiro clipe, pular para uma das últimas cenas, retroceder ao início, ver uma imagem gravada no meio da produção. Ou seja, a lógica, a sequência do material, pode ser alterada. Ao mesmo tempo, se o editor não deixar a imagem ‘correr’ clipe por clipe na ordem em que foram produzidos, ele não terá a noção do todo, como tinha na edição analógica.

Tecnicamente mudaram-se também os termos. Quando a equipe de reportagem termina a produção e traz o material de volta para a redação não entrega uma fita e sim um disco, semelhante a um CD. Este disco não é colocado diretamente em uma máquina para ‘rodar’. Ele é ingestado. Significa dizer que ele é deixado nas mãos de um funcionário do departamento de engenharia da emissora; o responsável por disponibilizar toda a produção contida no disco para os computadores da redação.

Esta operação demora alguns minutos – tudo depende da quantidade de imagens e de entrevistas contidas nele. Na sequência o editor tem acesso a toda produção e começa a editar o material.

Na redação da fita magnética o processo de edição se resumia à edição em linha; cada trecho da reportagem precisava ser editado na ordem seqüencial. Uma entrevista, por exemplo, não poderia ser inserida na reportagem já editada a não ser que se fizesse uma cópia desta matéria para outra fita até o ponto em que se desejava colocar a entrevista. Depois da nova fala inserida era necessário copiar, para esta mesma fita, o restante da reportagem editada.

Nas redações que já estão digitalizadas ou em processo de digitalização a edição é a não-linear. Tudo é feito diretamente no computador e dá ao editor a possibilidade de inserir qualquer elemento da reportagem em qualquer ponto da matéria e a qualquer momento, sem que para isso precise fazer cópias desta reportagem ou haja perda de qualidade. Vantagens que são explicadas por Boni (2010, p. 101):

Mesmo que sejam feitas centenas de versões de edições da mesma matéria, usando o mesmo material bruto, a qualidade permanece intacta. O material original (bruto) representa uma combinação numérica para o computador que pode ser repetida a qualquer tempo. Quando necessário a máquina reproduzirá a cena memorizada e com as mesmas características de definição e de qualidade.

Ou seja, o princípio digital trouxe ao telejornalismo um dinamismo e uma versatilidade nunca antes experimentados. Como o próprio equipamento é mais ágil, já que os computadores têm processadores rápidos e é grande a capacidade de armazenamento de dados, a edição de uma reportagem também passou a ser mais veloz [12]. E rapidez para o telejornalismo é fator de sobrevivência.

Outra vantagem deste sistema é que o editor pode ter o auxílio de outros profissionais. No momento em que a produção da equipe de reportagem é ingestada pela engenharia e disponibilizada nos computadores a redação inteira pode ter acesso ao conteúdo do disco. Wilson Serra [13] apresenta como uma das vantagens do sistema de edição atual a facilidade para disponibilizar uma matéria que poderá ser usada em várias versões e para telejornais com perfis diferentes.

Antigamente, (...) era uma fita só. Os editores ficavam se estapeando pra ver quem pegava esta fita primeiro. ‘Eu preciso fechar o meu jornal, você não libera a fita e tal’. Hoje no sistema digital a imagem chega para um servidor e 200 pessoas podem estar editando aquela mesma imagem ao mesmo tempo. Então isso eu acho que é a grande vantagem.

A forma de edição atual ainda facilita pela diminuição de possibilidade de erros já que a edição pode ser acompanhada por vários editores ao mesmo tempo. Ou o material pode ser editado simultaneamente; um editando do meio para o fim, o outro editando o começo – situação comum nos dias de muita correria dentro de uma redação em que minutos fazem a diferença entre a reportagem ir ou não ao ar.

Mas esta mesma edição não-linear precisou e ainda precisa vencer algumas barreiras, principalmente com relação aos profissionais que estavam acostumados com a fita magnética, com a edição linear em que o editor via toda a sequência da produção adiantando ou retrocedendo a fita. Os indicadores para o editor agora estão em uma tela de computador. A câmera xdcam [14], utilizada na TV Coroados, gera thumbnails – versões reduzidas da imagem, quadros que representam a primeira imagem daquela cena. Todas estas imagens ficam dispostas na tela do computador, mas escondem o restante da cena.

A orientação para os repórteres cinematográficos é que, nas cenas mais importantes de uma reportagem, ele mostre em quatro ou cinco segundos a imagem mais significativa (imagem falsa) e depois abra um outro clipe e capte a imagem tal como ela deve ir ao ar.

Se ele não gravar os cinco segundos da “imagem falsa” o editor vai ter bastante dificuldade em encontrar este trecho da reportagem. Afinal de contas o thumbnail só mostra ao editor a primeira imagem da cena. E, na maioria das vezes, o editor não tem tempo de ver, integralmente, todos os clipes gravados.

Outra dificuldade a ser vencida pelos profissionais da redação digital é assimilação do formato de edição não-linear que lembra a montagem de um quebra-cabeças. O editor tem a possibilidade de editar uma reportagem por partes. Pode começar pelo meio, montar o início e depois acrescentar o final ou ainda inverter completamente esta ordem.

A ordem, aliás, não tem a menor importância. E não há perda de tempo neste processo. Importa agora que o editor compreenda a necessidade de pensar, de planejar uma edição em partes que se complementam no final. Por isso é ainda mais importante o envolvimento de todos os profissionais que estão produzindo aquela reportagem. E a compreensão das devidas tarefas de cada função facilita a obtenção de uma matéria que seja esclarecedora ao telespectador.

4. O trabalho das equipes e o treinamento dos profissionais

As mudanças, sejam tecnológicas ou na própria forma de trabalho, são comuns em praticamente todos os departamentos operacionais atuais de uma emissora de televisão. Mas a alteração, em especial, da fita magnética para o sistema digital, modificou bem mais o dia-a-dia dos profissionais, do que as mudanças anteriores. As causas são de fácil compreensão: esta nova tecnologia alterou todo o processo de produção da notícia e não uma área específica. Todo o trabalho técnico dentro de uma emissora de televisão precisou ser reaprendido. Para Rubens Vandresen, toda mudança em televisão é, ao mesmo tempo, boa e traumática:

Se você tem um equipamento com um botão é bom, você pode ligar e desligar. Se você tem com três é ótimo, mas tudo conspira contra você. Hoje por exemplo um menu de uma câmera xdcam tem 93 páginas. Então tudo que tem ali para te facilitar é o teu complicador, porque se você pegar a câmera e não souber o que você estiver fazendo vai te puxar para baixo.

O especialista em engenharia da televisão, Samuel Kobayashi entende que governo e empresas privadas precisam investir mais no treinamento dos profissionais para que eles aprendam a lidar com este novo sistema, o que vai muito além de dominar a tecnologia ou fazer belas imagens. Em relação ao comportamento do repórter cinematográfico Kobayashi [15] é bastante contundente:

Voltemos um pouco às origens da época do cinema porque antigamente, no 16 mm, nós saíamos com um rolinho de 100 pés, aproximadamente 3 minutos, e fazíamos as imagens, a entrevista e a passagem, porque o rolo de cinema era caro e o processamento era demorado. Hoje é o contrário, você tem uma mídia grande de captação (...) então você precisa obrigatoriamente saber o que você está trazendo. Por isso eu digo aos cinegrafistas, perguntem à pauta, à chefia de reportagem, ao teu repórter qual é o objetivo da matéria, qual o encaminhamento.

Kobayashi quer dizer que esta tecnologia específica precisa ser amplamente compreendida para que não seja subutilizada – orientação que também cabia no período da fita magnética, mas que agora toma uma dimensão ainda maior por conta da qualidade da imagem. Se o cinegrafista não souber o exato encaminhamento da reportagem vai captar imagens que não serão aproveitadas e perder minutos preciosos com isso.

Ao mesmo tempo, se o editor não tiver a informação completa do que tem no disco ou prazo suficiente para verificar as cenas gravadas em todos os clipes a reportagem vai, fatalmente, ficar menos informativa.  Essas são condições essenciais para a transmissão eficiente da notícia. No sistema digital o agravante é que a imagem está muito mais próxima do referente do que a analógica. Parecendo mais com o real a imagem digital é portadora de muito mais informações, comparando com sua antecessora. E uma falha em qualquer uma das etapas de produção compromete consideravelmente a notícia.

Samuel Kobayashi afirma que isto ainda não foi percebido por muitos repórteres cinematográficos que insistem na produção de imagens pouco informativas. Para o consultor, como o equipamento digital é sintético, é preciso captar menos imagens e mais objetivamente. E ele é radical neste ponto: “Nós não temos profissionais no mercado que saibam trabalhar com esse equipamento. (...) Não é só quem está operando, mas quem acompanha o processo jornalístico, ele tem que também, necessariamente, desenvolver uma técnica de narrativa muito melhor” (IDEM).

Dentro deste atual processo jornalístico é fundamental analisar também o comportamento do editor. Agora, no trabalho dele, não basta encadear uma seqüência lógica de imagens para transmitir a mensagem. É preciso entender algumas mudanças, entre elas, que o tempo de exibição da imagem não poderá ser o mesmo. Como a tecnologia digital propicia mais informação em uma imagem, o telespectador também vai precisar de mais tempo para absorvê-la.

Com o aumento da definição da imagem proporcionando a visualização de uma quantidade maior de informação é prudente que o telespectador tenha tempo pra assimilar o que lhe é mostrado, então os “quadros” ou frames devem permanecer mais tempo na tela. Um close no rosto de uma pessoa, por exemplo, apresenta agora, muito mais detalhes do que antes. É o caso de uma cicatriz, rugas do tempo, textura da pele, cores mais nítidas etc., por isso se considera inoportuno no novo formato de edição a aplicabilidade de videoclipe como um produto de telejornal.

5. Considerações finais

Se antes as mídias estavam separadas agora elas têm a possibilidade de interagirem umas com as outras. No caso da televisão digital, por exemplo, o telespectador pode assisti-la em outras plataformas. A transmissão de imagem e som não é mais exclusividade do grande aparelho que ao longo dos anos ocupou local de destaque na sala de estar.

O sinal da TV foi para a tela do computador e também para outras telas bem menores como a do telefone celular ou da TV portátil que cabe na palma da mão, porém, no que diz respeito a produção e montagem no telejornalismo, o profissional tem tido contato com outras ferramentas que mudaram a linguagem e a rotina da ilha de edição.

No entanto, estas mudanças não podem alterar, seja qual for a tecnologia empregada, a ética profissional. Uma imagem, no telejornalismo, por exemplo, não pode ser modificada correndo o risco de transformar o material informativo em ficção. Não significa, portanto que os profissionais que trabalham em TV fazem leituras exatamente iguais sobre a imagem.

Se dois editores editarem a mesma matéria, fatalmente, a sequência imagética para contar aquela história vai ser diferente. E mais, o próprio cinegrafista que captou as imagens pode achar que não foram utilizadas as melhores cenas. Independentemente das preferências por esta ou aquela imagem, cada profissional tem uma leitura muito particular do que ‘diz’ uma cena, mas tem que saber que o ponto em comum entre elas é a informação. Duas imagens diferentes podem ‘dizer’ a mesma coisa. Vai para o ar a que se adequar mais aos referenciais teóricos, práticos e éticos do editor.

É por isso que nesta época em que a imagem domina, praticamente, todos os espaços humanos as mais informativas são as preferidas dos jornalistas que trabalham em televisão. São elas que dão mais realismo à notícia, que provam que os fatos aconteceram. São as primeiras a serem selecionadas. E se neste novo percurso da imagem, que é digital, não houver muita parcimônia no seu uso o resultado final pode não ser o esperado. Até porque o telespectador pode julgar mais o que está vendo já que a imagem está mais próxima do seu referente.

NOTAS

[1] Artigo apresentado no 8º Encontro Nacional de História da Mídia, em Guarapuava de 28 a 30 de abril de 2011.

[2] Serviços Integrados de Radiodifusão Digital Terrestre.

[3] Disponíveis em: http://www.dtv.org.br. Acesso em> 13/09/2010.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5820.htm. Acesso em: 22/07/2009.

[5] Esses números representam a proporção entre largura e altura da tela. O sistema analógico pressupõe quatro unidades de largura por três de altura (4:3). No sistema digital a área é muito maior (16:9). Esta tela no sistema digital é também conhecida como Widescreen.

[6] Disponível em: http://www.anatel.gov.br. Acesso em: 23/07/2009.

[7] USB é uma sigla que vem do inglês Universal Serial Bus. Designa um tipo de conector universal que liga ao computador aparelhos e dispositivos periféricos.

[8] Ênio Jacomino; Superintendente de Engenharia da Rede Paranaense de Comunicação, da qual faz parte a TV Coroados. Entrevista  concedida em 11/12/2007.

[9] Com a chegada do sistema digital o trabalho do editor de imagem/operador de VT se torna dispensável. Dos quatro funcionários da TV Coroados apenas dois conseguiram ficar nesta função que ganhou novas especificações. Hoje o editor de imagens é responsável pela edição de imagens de reportagens mais trabalhadas, como as de uma série, por exemplo.

[10] Entrevista com Eugênia Chaiben concedida em 12/08/2010.

[11] Entrevista com Maria José Volpini concedida em 12/08/2010.

[12] Não é possível calcular o tempo médio de trabalho para uma edição em fita magnética ou no sistema digital porque cada reportagem tem suas próprias especificidades. Tudo depende do assunto, do tempo que se levou para produzir aquela reportagem e do tempo que se tem para editá-la. Mas, é fato, que a edição digital é mais rápida do que a analógica.

[13] Entrevista com Wilson Serra concedia em 25/02/2010.

[14] A câmera xdcam é um modelo digital da Sony utilizado pelos repórteres cinematográficos na TV Coroados em Londrina desde o segundo semestre de 2007.

[15] Entrevista com Samuel Kobayashi concedida às jornalistas Fernanda Boni e Patrícia Piveta em 30 de julho de 2009.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, CANDIDO José Mendes. Uma nova Ordem Audiovisual. São Paulo: Summus, 1988.

BONI, Fernanda Aiex Boni. TV Digital: O aparelho de representação do Real na Edição de Imagens  no Telejornalismo, 2009. Mestrado em Comunicação – Universidade Estadual de Londrina.

JÚNIOR, Walter Teixeira Lima. Televisão Digital: Desafios para a Comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2009.

MACHADO, Arlindo. Televisão Digital: Desafios para a Comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2009.

MATTOS, Sérgio. A Televisão Digital, a convergência, a produção e a distribuição de conteúdos para celulares e receptores móveis. In:Brittos, Valério Cruz. TV Digital, Economia Política e Democracia. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2010.

SIMÕES, Denis. BITTENCOURT, Maíra. A Televisão Brasileira no Processo de Digitalização. In:Brittos, Valério Cruz. TV Digital, Economia Política e Democracia. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2010.

*Florentina das Neves Souza é docente adjunto do departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina. Patrícia Piveta é mestre em Comunicação Visual pela Universidade Estadual de Londrina, 2010 e editora da TV Coroados de Londrina.

 

 







Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 14 | Novembro | 2011
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