Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



DOSSIÊ:
RÁDIO - Vertentes
 

O caso da Rede Cidadã de Rádios
A integração de rádios
comerciais e comunitárias

Por Rosane da Silva Nunes*

Reprodução

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise da adesão de emissoras de natureza comercial, comunitária e educativa à Rede Cidadã de Rádios, encarregada de levar a temática da Convivência com o Semi-Árido às regiões onde atuou o P1MC – Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido, em sua fase piloto e de transição.

O objetivo principal foi analisar o fato de as emissoras comerciais terem aceitado veicular gratuitamente o programa Rádio Cidadão, sendo o mesmo oriundo de demandas de movimentos sociais representados pelo fórum Asa – Articulação no Semi-Árido. Para tanto, foi realizado um levantamento junto a emissoras da rede e analisados os resultados à luz de reflexões teóricas pertencentes aos estudos do veículo rádio, dos critérios de agendamento da mídia e do marketing social.

PALAVRAS-CHAVE: Rádio / Agendamento / Marketing Social

1. O ponto de partida da pesquisa

Essa pesquisa surgiu de um questionamento feito quando estávamos à frente da produção do programa Rádio Cidadão e da coordenação da Rede Cidadã de Rádios, encarregada de veiculá-lo. O programa, concebido e elaborado pela ONG Catavento Comunicação e Educação Ambiental, com sede em Fortaleza/CE, fazia parte do projeto de Comunicação e Mobilização Social do P1MC - Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido, criado e executado pela Asa – Articulação no Semi-Árido, um fórum que reúne atualmente mais de 700 entidades.

O Rádio Cidadão teve como objetivo levar a temática da Convivência no Semi-Árido aos onze estados componentes dessa região (todo o Nordeste, além do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo). Para tanto, foi formada uma rede com emissoras de todos esses estados, as quais se disponibilizavam a veicular o programa gratuitamente. A Rede Cidadã de Rádios começou com 2 emissoras e alcançou a marca de 115 rádios.

Surpreendeu-nos o fato de que a Rede possuía mais emissoras comerciais do que comunitárias e educativas. Era de se esperar que ocorresse o inverso, vez que o conteúdo do programa Rádio Cidadão possuía viés educativo, crítico e mobilizador, guardando em si, portanto, nuanças de uma comunicação de cunho alternativo.

Para tentar compreender esse fenômeno, decidimos verificar junto a um grupo de emissoras os motivos pelos quais decidiram veicular o programa. A abordagem foi feita durante o trabalho rotineiro de acompanhamento e manutenção da Rede Cidadã, a qual realizava consulta mensal de satisfação a todas as emissoras integrantes da Rede.

Paralelamente ao levantamento dessas informações, realizamos um apanhado conceitual que nos auxiliasse a elucidar essa questão: o que leva uma emissora de rádio comercial a apostar em um programa de conteúdo sócio-ambiental, de cunho crítico-mobilizador, oriundo de um fórum composto por organizações dos movimentos sociais? Buscaremos responder esse questionamento.

O programa Rádio Cidadão e a Rede Cidadã de Rádios foi pensado na fase piloto do P1MC (no primeiro semestre de 2001) e executado de junho de 2001 a agosto de 2002, período correspondente à fase de transição do programa. Sua experiência serviu de inspiração para a fase atual do componente de comunicação do P1MC.

Atualmente, a Asa produz o programa de rádio Riquezas da Caatinga, que é distribuído a cerca de 200 rádios comunitárias, principalmente, além de comerciais. De 2002 a 2008, foram produzidos 31 programas de 15 minutos do Riquezas da Caatinga, já o Rádio Cidadão produziu 65 programas de 30 minutos, com periodicidade regular.

Essa pesquisa foi realizada em 2002, como fase final de um estudo de pós-graduação latu sensu feito na Universidade Federal do Ceará, mas só vem a público nesse momento, através deste artigo, pois gostaríamos de retomar a análise sobre a presença, nos meios de comunicação de massa, de ações e ideias difundidas por entidades da sociedade civil organizada. Conheçamos um pouco agora dessa experiência.

2. Rádio Cidadão: o programa do semi-árido brasileiro

Antes de abordar o programa de rádio, convém apresentar brevemente o P1MC, já que o mesmo abrigou, em sua fase inicial, o Rádio Cidadão como principal produto de comunicação e mobilização social.

O P1MC teve o pontapé inicial para sua criação cerca de três meses após a delineação da ASA, em 26 de novembro de 1999, durante um fórum paralelo à COP-3 (terceira edição da Conferência das Partes das Nações Unidas da Convenção de Combate à Desertificação). Aquele era um momento em que as atenções de todo o mundo se voltavam para um problema grave, que afeta regiões áridas e semi-áridas de todo o globo terrestre, incluindo a maioria das 25 milhões de pessoas que vivem em regiões brasileiras desta natureza.

Os milhares de habitantes do semi-árido brasileiro - uma parte do Brasil com extensão territorial de aproximadamente 900 mil km2, compreendendo áreas em todos os Estados do Nordeste, além do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo – vivem as dificuldades advindas com a escassez de água potável. Tal problema resulta em uma série de complicadores que afetam, principalmente, a população feminina e infantil, visto que são estes dois grupos os que geralmente assumem a responsabilidade de suprir a família de água para beber, a qual na maioria das vezes não se apresenta em boas condições de consumo.

Os principais prejuízos da prática de obter água em locais geralmente afastados de casa, como barreiros e olhos d’água, são referentes à saúde e à educação. Esta realidade favorece a prática de trabalho infantil, pois o tempo despendido para conseguir água pelas mulheres adultas resulta em menos oportunidade de gerar algum tipo de renda. Para compensar esta lacuna, os filhos pequenos passam a trabalhar com os homens (pais e irmãos maiores), fato que também afasta as crianças da escola.

Provavelmente, o benefício a crianças e mulheres promovido pela captação de água de chuva através de cisternas foi o que despertou o interesse do Fundo das Nações Unidas pela Infância, Unicef, pelo P1MC. Já o bom uso da água, um dos recursos naturais com valor crescente nas últimas décadas, dado o risco de escassez, foi, possivelmente, o motivo do apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Águas (ANA). Ressalte-se que estas parcerias foram iniciadas quando da apresentação do projeto, durante o fórum paralelo à COP 3, fato que pode apontar para um bom nível de organização da sociedade civil representada pela ASA.

O P1MC foi concebido e está sendo executado pela sociedade civil organizada, representada pela ASA, um fórum que se iniciou com a participação de 60 entidades e que, à medida que avançava o processo de implementação do programa das cisternas, foi alcançando adesões de todas as partes das regiões semi-áridas do Brasil, até chegar a cerca de 700 entidades.

O Componente de Comunicação e Mobilização Social do P1MC foi concebido dentro dos princípios da sustentabilidade, dialogicidade, transdiciplinaridade, diversidade e solidariedade. Não por acaso, estes são também premissas para a construção de um processo de educação ambiental, poisum programa de comunicação educativa para a convivência com o semi-árido passa necessariamente por novos parâmetros de convivência com o meio ambiente (CATAVENTO, 2001).

De acordo com o projeto inicial de comunicação do P1MC, elaborado e executado por jornalistas da Catavento Comunicação e Educação Ambiental, ONG integrante da ASA, o princípio da transdiciplinaridade e diversidade vão ao encontro do propósito formativo e educativo da comunicação, pois o primeiro congrega num mesmo patamar as diferentes culturas e crenças inerentes ao homem do campo do saber científico dos tecnocratas, estabelecendo, nesse momento, o segundo princípio, o da diversidade de pensamentos convergidos em um só propósito: o de melhorar a vida no semi-árido.

Estas premissas, aliadas a noção de solidariedade com o outro – no sentido de agir conforme o bem-estar de si e da coletividade – e de sustentabilidade ambiental de forma a buscar geração de renda respeitando o meio ambiente, constituem a base de um modelo comunicativo permanente e capaz de alcançar mudanças significativas no imaginário social, o qual vê a região semi-árida com uma área inabitável, com vegetação e clima hostis, homens e mulheres esquálidos, animais sem raça e sem vigor.

A imagem, formada no imaginário popular e reforçada pela abordagem muitas vezes caricaturizada dos meios de comunicação de massa, só poderá mudar, segundo a ASA, quando se promover uma comunicação que transpareça a heterogeneidade do semi-árido brasileiro, sua diversidade cultural e geográfica. Tais realidades diversas e coexistentes na região poderão ser vistas e entendidas, de acordo com o projeto de comunicação do P1MC, através da descentralização da comunicação.

Essa descentralização vai ao encontro de uma perspectiva de desmonte deste imaginário, porque coloca o homem à frente de sua realidade (CATAVENTO, 2001). Partindo dessa concepção, foi pensada o programa de radio, um dos três produtos do componente de Comunicação e Mobilização Social do P1MC em sua fase inicial (os demais produtos eram o impresso quinzenal Notícias do Semi-Árido e o boletim eletrônico diário Correio do P1MC).

O Rádio Cidadão estreou com o slogan “o programa do semi-árido brasileiro” em 17 de junho de 2001, data marcada pelas reflexões advindas com o Dia Mundial de Combate à Desertificação. Naquele momento, três emissoras veicularam o programa, as FMs Universitárias de Recife e de Fortaleza e a Rádio Pioneira, no município de Delmiro Gouveia, Alagoas.

Em seguida, as demais edições do Rádio Cidadão passaram a apresentar reportagens, entrevistas, informações e músicas acerca da cultura popular, além de esquetes de readioteatro com roteiros ligados aos temas abordados.  O programa possuía seis quadros. São eles:

1) reportagem principal;

2) entrevista, ou “dois dedos de prosa”, como foi denominado o quadro (esta geralmente aprofunda o assunto abordado na primeira);

3) uma segunda reportagem na linha de “serviço”, quadro denominado internamente de “convivendo”, no qual se apresentam as experiências concretas de alternativas de convivência com o semi-árido;

4) o quadro de cultura, momento em que se aborda as manifestações culturais do semi-árido, lendas e crenças do homem do campo, através de comentários, entrevistas e músicas;

5) a esquete de radioteatro, utilizada para aprofundar um aspecto abordado em uma das reportagens; e

6) o quadro de notícias, denominado de “últimas”, no qual se informa algum fato relevante ocorrido na semana em que o programa é veiculado, estes  acontecimentos devem ser ligados aos movimentos sociais de defesa de um semi-árido viável.

O formato pensado para o programa buscou atender os objetivos e público-alvo do mesmo, definidos à luz dos princípios da Asa. Desta forma, o Rádio Cidadão objetivou mostrar à sociedade rural (principalmente) e urbana (em segundo plano) um semi-árido rico e diverso, cuja população é detentora de vigor e sabedoria suficientes para tomar seu destino em suas próprias mãos, buscando alternativas de convivência que sejam embriões de políticas públicas.

O P1MC, enquanto defensor desta idéia, foi assunto recorrente no programa, mas não o mote, pois não se tratava de um produto de divulgação estrita do programa das cisternas. Por isso, eram também apresentadas outras experiências (em áreas como agricultura, pecuária, energia alternativa, gerenciamento de água etc.), a maioria delas capitaneadas por entidades integrantes da ASA.

Seguindo a linha editorial voltada para temas positivos, sem desprezar os problemas que permeiam a região há séculos, o programa teve como fontes prioritárias as pessoas que acompanham de perto a mobilização social ocorrida nos rincões do semi-árido, além, é claro, dos homens e mulheres do campo, que freqüentemente participavam das matérias. Também figuraram como interlocutores, técnicos e estudiosos dos assuntos referentes aos temas em questão, buscando-se uma linguagem horizontalmente nivelada.

Quanto ao aspecto cultural, o Rádio Cidadão manteve, além do quadro de cultura, programas especiais sobre a vida e a obra de compositores símbolos da cultura do semi-árido brasileiro, como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e João do Vale. Estes especiais são produzidos em formato de documentário, contendo informações intercaladas com entrevistas e músicas. O objetivo foi ressaltar o trabalho de artistas que se projetaram a partir da valorização de suas origens, numa tentativa de estimular a auto-estima do público, composto em sua maioria por habitantes do interior dos estados, onde a submissão cultural advinda dos grandes centros – tidos como modelos de civilização humana – se espalha rapidamente.

O formato e conteúdo presentes no programa obtiveram o respaldo da classe jornalística cearense ao conquistar o prêmio ACI de Jornalismo 2001 – categoria rádio. A rede transmissora do programa, denominada Rede Cidadã de Rádios, começou com duas emissoras e terminou com 115. Dessas, 13,4 % eram rádios educativas, 37,8 % eram emissoras comunitárias e 48,8 % rádios comerciais. Como se vê, a quantidade de empresas que transmitem gratuitamente o Rádio Cidadão supera a quantidade de emissoras educativas e comunitárias. Para tentar compreender este fenômeno, há que se iniciar sobre a análise do processo de formação da rede.

3. A Convivência com o Semi-Árido na rede 

Para formar a Rede Cidadã de Rádios, os critérios de abordagem das emissoras atenderam a três aspectos principais: localização próxima a comunidades envolvidas no P1MC, regiões mais afetadas nos períodos de estiagem e rádios instaladas em grandes centros urbanos.

O primeiro critério justifica-se pelo objetivo central do produto, o de divulgar o programa das cisternas – daí este assunto permear todos as edições –, o segundo aspecto buscou incentivar as populações das localidades mais afetadas com a seca a aderirem ao P1MC e também a buscarem alternativas de convivência com este fenômeno natural. Já o terceiro critério objetivou divulgar o programa e a imagem de um semi-árido viável aos públicos urbanos, entre eles, os chamados “formadores de opinião”.

Na maioria das vezes, foi a equipe do programa quem abordou os diretores das emissoras. Esta tarefa foi delegada a um profissional de jornalismo, que utilizou os seguintes argumentos para convidar as emissoras a integrar a Rede:

1) trata-se de um programa voltado para a solução de problemas que afetam a população local, entre eles, a falta de água para beber, fato que atinge grande fatia do público ouvinte da maioria das emissoras;

2) o programa é produzido por uma equipe especializada em jornalismo radiofônico, utilizando tecnologia de ponta na gravação; e

3) o Rádio Cidadão faz parte do componente de mobilização e comunicação do P1MC, um projeto apoiado por instituições de alta credibilidade junto á sociedade como o Unicef, além de organismos governamentais (Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas).

Em reuniões de avaliação e monitoramento do projeto, feitas pela equipe jornalística do Catavento Comunicação e Educação Ambiental, percebemos que os principais motivos apresentados pelos representantes das emissoras para veicular o programa eram a qualidade de produção (formato, conteúdo e técnica) e o apelo social do programa, seguido, em bem menor proporção, ao fato de que outras emissoras da região veiculavam o programa também. Estas impressões foram registradas no questionário de controle da rede, material preparado para o acompanhamento das emissoras.

Estes também foram os motivos alegados pela maioria dos diretores de rádios que procuraram a ONG Catavento na expectativa de transmitir o Rádio Cidadão. O sentido inverso da formação da rede foi pequeno diante do número de abordagens efetuadas pela equipe produtora. Somente sete rádios manifestaram espontaneamente o interesse em integrar a rede, sendo duas cearenses e cinco baianas. Dessas emissoras, duas eram comerciais e as demais, comunitárias.

Seis delas alegaram que o motivo da procura foi a escuta do programa em outra emissora, fato que despertou o interesse em também oferecer o produto aos ouvintes, dado o compromisso social das rádios com o seu público. A única voz dissonante neste caso, de acordo com o acompanhamento da rede feito pelo Catavento Comunicação e Educação Ambiental, partiu de uma emissora comercial baiana, a qual apresentou a concorrência como principal motivo, pois o programa estava sendo transmitido por outra emissora do município. [1]

Percebe-se, nesse momento, indícios de vinculação entre adesão à rede e ganho de audiência, uma preocupação legítima em se tratando de emissora comercial. O oposto - uma rádio indicar outra para veicular o programa - também ocorre. Há registros de que uma emissora do município de Rubim/MG, integrante da Rede Cidadã, indicou uma emissora do município de Rio Prado/MG (ambas eram comunitárias). A demanda espontânea pelo Rádio Cidadão, apesar de demonstrar baixa incidência, pode servir como um dos indicadores para a análise da formação da Rede.

Outro ponto a destacar são os projetos desencadeados pela veiculação do programa. Dois casos são emblemáticos: o da Rádio Integração do Brejo, em Bananeiras/PB, promoveu, em seu aniversário, um concurso de propostas alternativas de captação de água. O prêmio concedido ao vencedor, uma comunidade ribeirinha do município que represava a água através da construção de lajedos, foi uma cisterna de placa doada pela ASA. De acordo com o diretor da Rádio, Padre Jandeílson Rodrigues, a participação dos ouvintes foi considerável, fato que ele atribuiu ao interesse em ganhar a cisterna.

A ideia da cisterna como premiação, segundo os organizadores, adveio com a veiculação do Rádio Cidadão. O segundo exemplo veio da Rádio Independência, localizada no município homônimo, interior do Ceará. Durante as comemorações do aniversário da Rádio, um dos prêmios sorteados aos ouvintes foram camisetas do programa Rádio Cidadão. A participação do programa, neste caso, embora secundária, pode demonstrar o grau de inserção do produto junto ao público.

Além destas manifestações deflagradas pela adesão de emissoras à rede, novos produtos surgiram desta parceria. É o caso de uma coletânea de esquetes produzidos para o programa, que foi gravada em um CD, a pedido da Cáritas em Limoeiro do Norte (CE), entidade integrante da ASA.

O material foi utilizado como instrumento de arte-educação nas escolas do município e foi colocado à disposição pelo Catavento a toda a Rede, além das entidades da Articulação. Outro produto não previsto no projeto inicial de comunicação foi o Jornal da Rede Cidadã (JRC). Um periódico mensal, criado com o objetivo de promover a integração entre as rádios transmissoras do programa.

4. Aliados do movimento sócio-ambiental 

No caso da Rede Cidadã de Rádios, percebemos que a linguagem jornalística adaptada ao viés popular do radio, quando se valem dos ditames do marketing social e até da disputa pela audiência entre emissoras concorrentes, podem configurar um quadro favorável à divulgação de mensagens produzidas pelo movimento sócio-ambiental brasileiro.

Analisar o fato de a Rede ter conseguido integrar mais de 100 emissoras de rádio em 11 estados brasileiros, sendo estas emissoras de porte e natureza diversas nos levou a inferir podemos inter-relacionar esses fatores (radio, jornalismo, agendamento e marketing social) para incluir nos meios de comunicação de massa o discurso de mudança social encampado por entidades da sociedade civil organizada.

O rádio detém expressiva popularidade e alcance de público. As qualidades deste meio estão representadas, principalmente, pelo tipo de linguagem utilizada, pela mobilidade e o baixo custo investido na transmissão e na recepção.
No tocante à linguagem, destaque-se a oralidade midiatizada (SILVA, 1999).

A mensagem é transmitida através da linguagem da fala acrescida dos demais elementos da linguagem radiofônica – musica, silêncio e ruídos – e mediada por um meio de comunicação eletrônico, permitindo que o público analfabeto possa decodificá-la sem problemas, uma vez que a linguagem do rádio possibilita a aplicação da performance vocal sobre a mensagem textual, formando um texto verbal-oral que gera identificação com o ouvinte.

Esta é uma grande vantagem perante o meio impresso e também uma facilidade frente à televisão, a qual várias vezes se utiliza de caracteres para complementar a mensagem, inclusive com legenda de entrevistados e apresentação de dados (o uso de texto lido – off - como suporte aos caracteres nem sempre é suficiente porque não apresenta o fato de forma coloquial, dificultando a compreensão por parte dos não letrados).

Devido às características que conferem mais fácil acesso ao radio, esse veículo tem sido largamente utilizado pelos promotores da comunicação alternativa, [2] ganhando, nestes casos, denominações como rádio popular, rádio participativa, rádio alternativa ou comunitária (ORTRIWANO, 1985). Mas, o espaço para a “voz do povo” pode não ser exclusividade das rádios comunitárias.

Nas rádios comerciais pode ser também possível encontrar alguma abertura para a participação popular, embora esta participação aconteça de forma limitada - o mais comum é que o espaço às comunidades se dê na forma de utilidade pública ou denúncias de problemas envolvendo negligência governamental em bairros pobres. Estes espaços constituem oportunidades indispensáveis para as comunidades, vez que a abrangência das rádios comerciais é maior que a das comunitárias, que operam com potência reduzida. [3]

Mais apropriado que se opor a estas emissoras seria buscar formas de estar presente nelas, pois “em plena era eletrônica, as forças progressivas não poderiam desprezar a oportunidade de se comunicar simultaneamente com milhares de pessoas” (PERUZZO, 1998).

Vê-se, portanto, que tais oportunidades são mais freqüentes no meio radiofônico, devido ao seu caráter popular. Saber utilizar, portanto, a linguagem coloquial, o longo alcance, a alta mobilidade e o baixo custo que garantem a proximidade do rádio com as comunidades, é tarefa dos que fazem comunicação de cunho alternativo. Um indício de que o programa Rádio Cidadão pode ter seguido esse raciocínio foi a apresentação da qualidade do programa como um dos motivos de adesão à rede. [4]

– Porque o  programa é bom, bem elaborado e isso é bom para a rádio (emissora de Itaberaba, Bahia);

– Porque o programa é bem elaborado e vai ao encontro do nosso trabalho (emissora de Independência, Ceará);

– Porque o programa é leve, tem informações importantes, é gostoso de ouvir e tem a ver com região pois essa parte de Minas é parecida como Nordeste (emissora de Capelinha, Minas Gerais).

Uma vez observada a adequação às características do rádio da linguagem jornalística utilizada na construção da mensagem, outro ponto a considerar é a pertinência do assunto abordado ao interesse da mídia. Convivência com o semi-árido refere-se à solução de problemas seculares na região brasileira situada no Polígono das Secas, portanto, trata-se de um assunto de interesse público com o qual concordam os dirigentes dos meios de comunicação. Logo, trata-se de um tema que atende às exigências de “consonância” (diferentes veículos concordam sobre o que noticiar) e “relevância” (avaliada pelo grau de consonância do tema) ambos importantes critérios de agendamento da mídia.

Aquele que não estiver em consonância com o tema, seja pertencente ao público ou aos meios de comunicação, corre o risco de se ver isolado (HOHLFELDT, 1997 e 1998). Nesse ponto, vislumbra-se um motivo para a adesão de emissoras à Rede Cidadã: o receio de ser voz dissonante, de cair no silêncio e no ostracismo, pode fazer com que a emissora agende a temática da Convivência com semi-árido na sua pauta.

Não é propósito desse artigo debruçar-se sobre os estudos dos critérios de agendamento da mídia, no entanto, queremos apenas ressaltar que percebemos, no trabalho de acompanhamento da Rede Cidadã, que eles influenciaram a postura de algumas rádios, que se propuseram a veicular o programa Rádio Cidadão após escutá-lo em outra emissora.

Esse fato é compreensível se levarmos em conta que os meios de comunicação de massa detêm-se mais nos critérios que tornam vendável a notícia, ou mesmo a imagem destes meios. Para isso, escolhem o que é agradável a quem for do seu interesse no momento – receptor, proprietário do veículo de comunicação ou anunciante. Trata-se de visão despida de idealismos românticos e também de concepções pessimistas.

Notícia ou imagem à venda, o que importa aos meios de comunicação é agradar ao público e/ou anunciante. Sendo assim, podem também adotar assuntos e atitudes que não promovem lucro financeiro imediato, retorno contábil, mas que alavancam institucionalmente a empresa de comunicação. Nesse sentido, os veículos adotam princípios do marketing institucional, cuja uma das vertentes é o marketing social.

Definido como uma estratégia de mudança de comportamento (KOTLER, 1992) ou ainda como uma ferramenta estratégica de marketing e de posicionamento que associa uma empresa ou marca a uma questão social relevante (PRINGLE; THOMPSON, 2000), o marketing social é reflexo de uma preocupação do consumidor com o bem-estar social e com o compromisso de uma empresa com as questões que envolvem a qualidade de vida.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a prática de marketing social pelas empresas é diretamente proporcional ao grau de organização de uma sociedade – entenda-se por organização a capacidade de identificar o que se deseja e reivindicar a satisfação destas demandas, por meio comprometimento de toda a sociedade na busca desta meta.  Desta forma, o marketing social surgiu da necessidade de atender a um apelo do consumidor-cidadão. No caso em análise, algumas emissoras vincularam sua adesão à Rede à preocupação com o consumidor-ouvinte-cidadão.

– Porque o programa traz benefícios para as pessoas da região (emissora de Pão de Açúcar, Alagoas);

– Porque não tem custo para a rádio, é um programa de qualidade e que traz benefícios para o Nordeste e há espaço na programação. Então, por que não veicular? (emissora de Teresina, Piuaí);

– Porque as pessoas da região precisam das informações que o programa traz (emissora de Ouricuri, Pernambuco);

– Porque o programa tem importância para a região e a rádio não vive só de ganhar dinheiro, também pode prestar esse serviço (emissora de Cajazeiras, Paraíba).

Ressalte-se que o fato de o programa Rádio Cidadão ser apoiado por instituições de credibilidade (Unicef, Agência Nacional de Águas - ANA e Ministério do Meio Ambiente - MMA) também pode ter influenciado as emissoras a integrarem a rede, pois a assimilação da ideia presente no “produto social” deste tipo de marketing depende, em grande parte, do trabalho de comunicação feito em torno deste produto. Além do esforço de composição da equipe de marketing, no sentido de estabelecer parcerias capazes de dar “alma” ao produto. Estes dois componentes, comunicação e composição estão presentes no plano de mobilização social do Programa Um Milhão de Cisternas Rurais, P1MC, do qual faz parte o programa Rádio Cidadão.

5. Considerações finais

Feita essa análise do componente de comunicação do P1MC e do programa Rádio Cidadão e sua rede transmissora, completam-se os elementos necessários para estabelecer relações no sentido de se chegar a um pensamento conclusivo acerca da inserção do produto na programação das emissoras da Rede Cidadã, especialmente as rádios comerciais.

Propagar uma temática presente na agenda atual dos meios de comunicação, aliar a marca da empresa ao trabalho social, elevar o padrão de qualidade técnica da emissora. Estes são alguns incentivos que tornam possível a aliança entre uma rádio comercial e um produto de comunicação de cunho alternativo e transformador. Uma parceria aparentemente antagônica, mas coerente quando se objetiva trabalhar uma comunicação educativa e formativa despindo-se de ideias preconcebidas, mas sem perder de vista a identidade ideológica.

NOTAS

[1] Optamos neste artigo por não identificar as rádios pesquisadas, pois a adesão de emissoras à rede faz parte da estratégia empresarial das mesmas.

[2] Nesse trabalho concebemos comunicação alternativa como aquela cuja característica essencial é a questão participativa e de conteúdo antiautoritário (PERUZZO, 1999).

[3] Segundo a Lei 9.612 de 19 de fevereiro de 1998, a radiodifusão comunitária é definida como radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita. Ver site Ministério das Comunicações. Disponível em: www.mc.gov.br.

[4] Todas as declarações de representantes das rádios citadas neste artigo são de emissoras comerciais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CATAVENTO. “Comunicação e Educação Ambiental. Componente de Comunicação e Mobilização Social”. Projeto, Fortaleza, 2001.

HOHLFELDT, A. “Os estudos sobre a hipótese de agendamento”. Revista Famecos, Porto Alegre, 7, p. 42-51, nov. 1997.

___________. “Espiral do silêncio”. Revista Famecos, Porto Alegre, 8, p. 36-46, jul. 1998.

KOTLER, P. Marketing social: estratégias para alterar o comportamento do público. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

ORTRIWANO, G. S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação de conteúdo. São Paulo: Summus, 1985.

PRINGLE, H.; THOMPSON, M. Marketing social: marketing para causas sociais e a construção das marcas. São Paulo: Makron Books, 2000.

PERUZZO, C. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1999. 2ª Ed.

SILVA, J. L. O. A. Rádio: oralidade mediatizada. São Paulo: Annablume, 1999.

*Rosane da Silva Nunes é jornalista, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFC e professora de Rádio e Assessoria de Imprensa da Faculdade Integrada do Ceará (FIC).


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]