Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



DOSSIÊ:
RÁDIO - Vertentes
 

Um instrumento de consolidação da educação cidadã
O rádio como veículo emancipatório

Por Marcelino Recco e Eliane
Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira*

Reprodução

RESUMO

O presente texto pretende demonstrar a importância da inter-relação entre educação e comunicação. Aborda-se neste trabalho a educomunicação como um instrumento de intervenção social e prática pedagógica que pode se utilizar do rádio como instrumento de aprendizagem e desenvolvimento da cultura e cidadania entre os jovens. Este estudo permite aquilatar o poder do rádio na construção da identidade dos jovens, partindo do pressuposto de que este veículo é capaz de fornecer conhecimento e, assim, favorecer as mudanças sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Educomunicação / Rádio / Escola

A modernidade é a coexistência contraditória [...]. Ela é uma prisão,
uma
Stahlhartes Gehaüse, segundo a expressão de Weber, mas
também uma promessa de autonomia; ela é o reino da racionalidade
instrumental que submete o homem aos imperativos do sistema,
mas também a prefiguração de uma humanidade mais livre.

Sérgio Paulo Rouanet [2003:64]

1. Introdução

Este texto [1] tem por objetivo ressaltar a importância do rádio como meio de comunicação facilitador e disseminador da educação. Para tanto, apresenta-se os resultados obtidos em sua utilização com alunos de uma escola pública do município de Assis, do estado de São Paulo.

Justifica-se a escolha do rádio como meio de comunicação, tendo em vista sua inserção no convívio diário dos cidadãos, em especial, no dos jovens, público-alvo do trabalho. A eleição desse veículo também se deveu ao pressuposto de que ele cumpre um papel social, especialmente, no ambiente escolar, pois além de comunicar, permite aos alunos ativar seus conhecimentos, sua capacidade intelectual e cognitiva de produção de textos verbais escritos e de textos orais.

Durante o ano de 2008, pôde-se observar a importância da comunicação para a formação dos alunos da escola “Lourdes Pereira”. Visando elevar a sua auto-estima, propusemo-lhes a estruturação e dinamização de uma “Rádio Interna” com programação constituída pelas necessidades da escola e pelos anseios de seus alunos. Ao estruturar a programação da Rádio, notou-se que os discentes se reconheceram como atores sociais da comunidade, pois foram vistos como protagonistas do projeto.

Desse modo, com este trabalho se acentuou a participação de um meio de comunicação no desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes.

2. A interação entre comunicação e educação

Para tratar de Educomunicação, é preciso discorrer sobre a inter-relação existente entre a comunicação e a educação, e os desdobramentos dessa interação. Trata-se de uma matéria bastante recente em nosso universo educacional, sobre a qual os estudiosos e educadores brasileiros têm muito a refletir, repensando conceitos e metodologias a serem aplicados em prol do desenvolvimento da educação e formação dos educandos.

Faz-se necessário salientar que os objetivos desta aprendizagem precisam ser bem definidos e voltados para o desenvolvimento da cidadania plena do indivíduo e da comunidade na qual está inserido. Assim, o desafio atual das escolas e dos educadores está em criar processos de interação entre a educação e a comunicação, ou seja, entre os processos educativos formais e não formais. Neste sentido, a lição de Martín-Barbero é elucidativa:

Os meios de comunicação e as tecnologias da informação significam para a escola em primeiro lugar isto: um desafio cultural, que torna visível a distância cada dia maior entre a cultura ensinada pelos professores e aquela outra aprendida pelos alunos. Pois os meios não só descentram as formas de transmissão e circulação do saber como também constituem um decisivo âmbito de socialização através dos mecanismos de identificação/projeção de estilos de vida, comportamentos, padrões de gosto. É apenas a partir da compreensão da tecnicidade mediática como dimensão estratégica da cultura que a escola pode inserir-se nos processos de mudanças que atravessam a nossa sociedade. (Apud CITELLI, 2000:22).

Nesse contexto, o educador não visa apenas à educação, mas, à transformação do meio social e político, fazendo necessário que consiga se libertar das amaras do ensino formal. Assim, ele não se preocupa apenas em realizar a transferência do conhecimento de uma matéria específica, antes em se transformar num educador/comunicador que atua como uma ponte entre o conhecimento e toda a experiência de vida relevante a ser ensinada conjuntamente com o conteúdo programático.

Para tanto, a escola deverá mudar sua postura didático-pedagógica, abrindo espaço para o diálogo entre educadores e educandos, sendo este o primeiro passo para inserir, na realidade escolar, a comunicação.

De acordo com a posição adotada por Paulo Freire, a educação deveria ser vista como um ato coletivo, solidário e libertador, que jamais seria imposto ao educando e, sim, construído sob uma base dialógica, comunicativa e libertadora. O clímax da operacionalidade deste conceito está na inversão dos papéis entre mestres e alunos, passando todos a ensinar e aprender pela troca de seus conhecimentos, histórias e perspectivas, formando assim o processo de construção do saber e do pensar.

Note-se que Freire não se encontra sozinho em suas idéias e concepções sobre a educação contemporânea, já que o conceito de um ensino dialógico é encampado por outros teóricos renomados da comunicação Latino-americana, como por exemplo: Mário Kaplún (Uruguai); Jesús Martín-Barbero (México); Guillermo Orozco Gomes (México); Ismar de Oliveira Soares (Brasil).

Ao analisar a concepção de Freire, observa-se que o educador parte de uma avaliação crítica que vislumbra cada ser humano como portador de um saber único. Esse saber vivificado é, na visão do educador, o ponto de partida para se estabelecer uma nova relação com a vida, através do conhecimento interligado à comunicação.

Pelo exposto, pode-se deduzir que a convergência entre a comunicação e a educação é fundamental, mesmo porque no mundo contemporâneo elas estão interligadas pelos avanços tecnológicos, sendo que, quanto mais a primeira se vale da segunda, melhor será a interação dos ambientes comunicativos e, por conseqüência, mais eficazes serão os métodos educativos.

Citelli [2000] assevera que a interação entre comunicação e educação amplia o processo de democratização da mensagem, possibilitando o acesso à informação, o que é fundamental para o desenvolvimento do contexto educacional proposto:

Assim, não perdemos a perspectiva segundo a qual as instituições comunicacionais e escolares tornaram-se lugares interdiscursivos que operam diálogos entre si, independentemente das possíveis assimetrias e desigualdades em suas condições de força. (Cf. CITELLI, 2000:146).

Desse modo, o que se espera desta revolução educacional, iniciada com a Comunicação, é a transformação da comunidade escolar em um centro de criação e recriação da cultura. Um centro no qual educandos e educadores estejam em constante troca social de sentidos e valores, democratizando o conhecimento e priorizando uma consciência transformadora e libertadora da sociedade na qual estão inseridos, trazendo aos alunos não só o saber, mas também a cidadania.

3. A educação formal e informal

Para melhor compreender o que seja a democratização do saber, como processo de construção do conhecimento, é necessário ter em mente que a aprendizagem não ocorre somente como conseqüência da educação formal (escolar). Ela depende de outro aprender que é resultante das experiências vivenciadas pelo educando com o mundo e com as pessoas dentro do ambiente em que está inserido.

Este saber é conhecido como mosaico ou Educação Informal. Nesse contexto, tem-se que o aprender empírico, informal, pode ser adquirido de diversas formas, no entanto, reconhecidamente são três os elementos de sua construção: a família, a cultura e as aprendizagens práticas do fazer.

Há séculos a sociedade atribui à escola e às instituições de ensino correlatas a responsabilidade de planejar, organizar e fornecer educação através da aprendizagem, legitimando seus métodos, normas e procedimentos, dando origem à estrutura formal da educação. Já na educação tida como informal, o saber se transmite de maneira quase imperceptível, sendo que o processo de conhecimento ocorre, por meio de atos da vida cotidiana, como por exemplo, pela aprendizagem da política dos direitos, da capacitação para o trabalho, da leitura crítica dos meios de comunicação, da educação ministrada pela família e de aprendizagens comunitárias.

Na educação informal destacam-se as organizações não-governamentais (ONG’s), as entidades religiosas (igreja católica e igrejas evangélicas), associações comunitárias (associação de moradores etc.) e grupos da sociedade civil cujo objetivo é o de democratizar a educação, como forma de lutar pela liberdade de expressão e pela igualdade de acesso a todos, corrigindo injustiças sociais, por meio de uma educação alternativa voltada para a emancipação de um povo, enfatizando e respeitando a pluralidade e a diversidade, criando, assim, um sistema de educação libertador.

Outro ponto de destaque na inter-relação comunicação/educação é a necessidade da efetivação de projetos dentro do contexto escolar cuja função seja a de formar e socializar o educando para a mídia, estabelecendo, desse modo, a troca social de sentidos. A importância desse processo pode ser visualizada pelo poder de penetração e de influência que a mídia tem atualmente na sociedade. Com base nesta realidade irrefutável, Citelli (2000) afirma que a “educação para a mídia tornou-se imperativa”.

4. Educomunicação como campo de intervenção social

Muitas são as pesquisas realizadas por educadores que objetivam entender e explicar a interação entre comunicação e educação. Uma das mais significativas foi a desenvolvida pelo Núcleo de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (NCA-ECA/USP), realizada entre 1997 e 1999, envolvendo 178 coordenadores e pesquisadores de projetos relacionados à convergência destes campos, tendo tal estudo abrangência em toda a América Latina.

Resumidamente, a finalidade da pesquisa elaborada pelo Núcleo de Comunicação e Artes era a de fundamentar, desenvolver e solidificar um novo conceito de educação, denominado “Educomunicação”, por meio do qual se estabeleceu um novo paradigma discursivo, calcado numa nova ordem processual, mediática, transdisciplinar e interdiscursiva.

Destaca-se nesse paradigma o aprender, por meio da realidade fática dos educandos, buscando transformá-los em atores sociais, capazes de interagir e intervir na sociedade a que pertencem. Assim, a pesquisa foi além, já que buscou integrar ao binômio Educação e Comunicação também os conceitos de Cidadania e Cultura:

É a partir deste novo contexto que definimos a Educomunicação como um ‘campo de intervenção social’, e não apenas como o emprego educativo de tecnologias ou o cuidado seletivo na escolha de um canal de TV para nossos filhos ou alunos, ou mesmo como o uso dos meios de comunicação com finalidade educativa formal. O que milhares de agentes sociais fazem hoje é intervir através de uma ação positiva para que tenhamos um número cada vez maior de pessoas inter-relacionadas em verdadeiros ecossistemas comunicativos marcados pela liberdade, densidade e fluidez de suas expressões. (Cf. SOARES, 2008:32).

A educomunicação, na realidade, não é um conceito tão recente quanto se imagina. Observando a história recente, em especial da América Latina, verificar-se-á a existência de um grande número de atores sociais que usavam a comunicação como uma ponte para a libertação popular, a chamada “comunicação alternativa”. Em geral, se constituíam de agentes sociais que estavam em embate por uma causa específica, por exemplo, questões políticas e sociais de defesa do meio ambiente, de etnias, das minorias, dos indígenas.

De modo geral, pode-se observar que a grande revolução trazida pelo conceito de educomunicação repousa justamente no reconhecimento da importância da comunicação na vida da sociedade contemporânea, passando a transformá-la através dos meios midiáticos:

A Educomunicação, contudo, chega com a proposta de revolucionar esse espaço permitindo que toda comunidade se envolva com a comunicação e que haja sempre uma pergunta em qualquer planejamento educativo: como é que eu estou me comunicando? Como é que meu procedimento ajuda ou atrapalha os procedimentos comunicativos? Como transformar essas relações num espaço de abertura dialógica? (Cf. SOARES, 2004:34).

A educomunicação apresenta-se, portanto, como um novo campo de atividades socioculturais, desenvolvidas através de uma prática pedagógica emancipatória.

Essa tendência educacional objetiva clarear o universo midiático para o sujeito, ou seja, pretende democratizar o seu processo, trazendo subsídios para que o receptor da informação decodifique as suas etapas de construção e, a partir desse momento, passe a figurar como protagonista do ato de ler, de interpretar e de produzir.

A concretização desses objetivos propostos passa necessariamente pela preparação do educador que deverá buscar conhecimento para planejar os caminhos pedagógicos a serem seguidos, valendo-se das diversas linguagens da comunicação, ressaltando o diálogo e a troca de informações e saberes.

Atualmente, os educadores, em sua grande maioria, vivem na era da modernidade, no entanto, a escola, responsável por organizar o pensamento, distribuir seminários, informações e formar o cidadão, ainda se mantém dentro de um padrão rígido e delimitado.

No conceito da educomunicação, os docentes saem do papel estático no qual foram inseridos e passam a ser comunicadores e multiplicadores do conhecimento. Eles são classificados por muitos estudiosos como da era educacional pós-moderna, já que se caracterizam por pregarem o diálogo e a liberdade de expressão como forma de aprendizagem, sendo, também o conceito de aprendizagem mais amplo, não se restringindo à grade curricular convencional.

A nova ordem educacional tem exigido das instituições de ensino uma evolução, aliás, uma revolução, com objetivo de resgatá-las da letargia do ensino “tradicional” e trazê-las para a era do aprender, do saber, da comunicação, da sociabilização, da cidadania, da democratização da cultural, ou seja, da educação alternativa e livre.

Esse processo de inserção da educomunicação dentro das instituições escolares já tem sendo discutido em fóruns e congressos. Observa-se que, embora ainda sejam tímidas as iniciativas de inclusão desse novo modelo educacional, a educação para os meios vem se tornando uma prática constante na realidade vivenciada por educadores e educandos, sendo, pouco a pouco, inserida nas atividades pedagógicas e didáticas das instituições de ensino.

5. A importância do rádio para a educomunicação

O presente estudo objetiva destacar as possibilidades de utilização do rádio como meio de comunicação aliado à educação. Justifica-se emprego desse meio pelo potencial de comunicação de massa que atinge indistintamente todas as camadas da sociedade, podendo ser utilizado como fator transformador, levando aos seus ouvintes não só informação, como também cultura, educação e cidadania.

Conforme Lima e Pinheiro [2008], o rádio é um meio de comunicação de massa que atinge uma acessibilidade de 98% da população. Pode-se notar, então, a importância da radiodifusão que, embora concorrente com a televisão, vem posicionando-se como meio eficaz de comunicação devido às novas tecnologias, passando a ter com a internet dimensão mundial graças a modelos de emissoras criadas especialmente para a rede, com transmissão global e em tempo real.

Outro ponto que pesa a favor do rádio como meio de transformação social e cultural é a capacidade de acesso da população à radiodifusão. Isso ocorre porque o rádio não é um equipamento considerado de alto custo, podendo, dessa forma, ser adquirido por todas as classes sociais indistintamente, ao contrário das demais tecnologias existentes no mercado que, ainda, são inacessíveis a grande parte da população, como é o caso do computador e da Internet.

Por conta dessa facilidade de acessibilidade, o rádio é, entre todos os meios de comunicação, aquele com o qual se tem mais cumplicidade. Segundo Citelli (2000:155), dirigir, ler, trabalhar, tomar banho, exercitar-se, descansar, enfim, quase todas essas atividades diárias e outras tantas são feitas ao som do rádio.

A diversidade de programação também é notória neste meio de comunicação, variando do clássico ao popular, do jornalismo ao humor, atingindo todos os gostos e classes etárias e sociais, permitindo, ainda, em algumas grades de jornalismo ou entretenimento, a interação com o ouvinte.

Tais fatores fazem do rádio um meio de comunicação de massa eficiente, razão pela qual é tido por Lima e Pinheiro (2008), como o mais adequado para o desenvolvimento de projetos educacionais com propósitos de mudanças sociais.

Em que pese as teorias educacionais mais conservadoras, atualmente, é inadmissível a manutenção da postura adotada pela maioria das escolas, em especial as da rede pública de ensino, que, apesar de representarem o espaço comunicacional e de formação educacional de maior abrangência, continuam a restringir a integração entre os educandos e o sistema massivo dos meios de comunicação.

6. Interação rádio/escola

Neste texto, parte-se do pressuposto de que a comunicação só se efetiva pela interação. Assim, o papel do rádio dentro da escola é fundamental como fator de aprimoramento de conhecimento e aprendizagem, além de transformador do indivíduo e da comunidade na qual ele está inserido. Esta concepção encontra guarida em Citelli (2000:158) que defende a inclusão do rádio dentro da escola ao descrever com entusiasmo um projeto radiofônico implantado numa escola pública da Capital do Estado:

[...] foram convidados para participar da experiência alguns alunos que apresentavam problemas de relacionamento com os colegas e professores e o envolvimento desses alunos foi tão positivo que eles se tornaram referência dentro do grupo e hoje participam, oferecem sugestões e auxiliam no cotidiano da escola. (Cf. CITELLI, 2000:158-160).

Nota-se que o projeto de uma Rádio Escolar, quando bem desenvolvido, converte-se em um meio eficaz de disseminação de educação, possibilitando a educadores e educandos troca de conhecimentos, aprendizagem em conjunto, e o despertar do gosto nos jovens pelo aprender, emancipando-os, assim, para a vida como cidadãos capazes e conscientes de sua posição social e política.

No entanto, é válido destacar que todo projeto, embora se destaque pelos resultados favoráveis, ainda, pode encontrar pontos de resistência, muitas vezes dentro das próprias instituições de ensino, tais como: falta de apoio dos dirigentes, de recursos financeiros, de equipamentos etc. Contudo, o sucesso de tais iniciativas de implantação de práticas educomunicativas demonstra que a educação pelos meios veio para colaborar com toda a produção pedagógica das instituições de ensino, agregando conhecimento e aprendizagem em favor de educandos e educadores.

Nesse sentido, é o entendimento de Soares ao afirmar:

[...] o que nós tentamos dialogar com a Educação é que a Educomunicação não vem para combater a Educação, mas vem para associar. E se ela é um campo autônomo, é porque ela tem referenciais teóricos próprios, metodologias próprias, porém, que não colidem com a Educação. Ao contrário, a Educomunicação vem colaborar. (Apud DEDONÉ, 2006:38).

Além da experiência citada de implantação de uma Rádio Comunitária, tem-se conhecimento da existência de vários outros projetos similares espalhados pelo país, operacionalizados em instituições de ensino ou em Organizações Não-Governamentais (ONG’s). Esses projetos, apesar de terem sido iniciados como uma “brincadeira” entre as crianças e jovens, acabaram por tomar vulto.

E, atualmente, atuam como referenciais de troca de conhecimentos e cultura, permitindo uma  conscientização política e social, por meio da melhoria de vida e inclusão social que favorece, não só para os membros ativos do projeto, mas para toda a comunidade atingida pela Rádio Escolar/Comunitária.

Aliás, o projeto de implantação de Rádios em instituições de ensino (fundamental, médio ou superior) não é uma novidade ou exclusividade brasileira, já que a sua utilização, como meio agregador do processo de formação educacional de crianças e jovens, vem também sendo adotada por outros países, como é o caso de Portugal, que conforme Cordeiro, iniciou um trabalho pioneiro em 1986, com a Rádio Universidade do Marão (Cf. CORDEIRO, 2008:1).

A autora discorre em seu estudo que, das inúmeras Rádios Universitárias existentes em Portugal atualmente, a maioria já se estruturou, sendo consideradas pelas comunidades beneficiadas com as transmissões como disseminadoras de conhecimento e informações relevantes a toda a sociedade (Cf. CORDEIRO, 2008:9).

Em que pese a alegria e satisfação do avanço já atingido com o desenvolvimento dos primeiros projetos de inserção dos meios midiáticos na realidade cotidiana de jovens alunos, é certo que muito ainda há para ser feito para que se possa implementar, em âmbito nacional, um sistema de educação pelos meios, já que a maioria dos educadores esbarra em problemas de viabilização. Nesse sentido, as principais dificuldades a serem superadas pelos educadores, conforme Dedoné (2006: 45), são:

    • A falta de equipamentos necessários;
    • A falta de um gestor de comunicação, dentro da instituição, que reúna habilidades sobre os meios;
    • A falta de conhecimento epistemológico por parte dos educadores sobre a educomunicação e suas interfaces;
    • A falta de material de referência para planejamento de aulas;
    • A necessidade de reuniões internas contínuas para discutir a temática;
    • A necessidade de colocar no plano pedagógico da instituição a abordagem referente ao tema.

O sistema educacional proposto neste artigo ainda esbarra em sua implantação, devido aos obstáculos impostos pelas atuais conjunturas escolares, porém todos os autores estudados, com base em experiências já realizadas e bem sucedidas em outros países, possuem a convicção de que a educomunicação é um processo sem volta e que os educadores e gestores públicos se mobilizarão para promovê-lo.

Assim, diante dessa nova realidade que se afigura, pela interação entre a educação e a comunicação, cria-se no ambiente escolar a inter-relação e co-dependência entre os sistemas que se completam e, em um processo de modificação de estruturas, acabam propiciando a consolidação de sujeitos midiáticos, os quais buscam sistemas comunicativos mediante uma criativa mediação tecnológica, cujo resultado deverá ser a gestão democrática da comunicação nos espaços educativos.

7. Pesquisa de campo

Durante o desenvolvimento do trabalho que embasa este artigo, realizou-se uma pesquisa de campo com alunos das três séries do Ensino Médio, da Escola Estadual “Lourdes Pereira”, situada na cidade de Assis, no estado de São Paulo.
Nessa pesquisa, 74 alunos de ambos os sexos foram entrevistados, com idades entre 14 e 17 anos de idade. Destes, 48% eram do sexo feminino e 52%, do masculino.

Pelas respostas acerca do hábito de ouvir o rádio, observou-se que a maioria era ouvinte habitual (93,2%), mas cinco dos entrevistados não eram (6,8%). Estes alunos estabeleciam contato com as emissoras, provavelmente, de forma eventual.

Dessa forma, pode-se afirmar, pela observância do estudo de campo, que o rádio era ouvido pela maioria dos jovens devido à sua acessibilidade e pela informalidade da sua linguagem. Essas características o aproximavam desse público ouvinte e tornavam-no um poderoso meio de democratização do conhecimento.

Nesse cenário, buscou-se, então, implantar uma Rádio Escolar, para tanto perguntou-se aos alunos como deveria ser elaborada a sua programação e que tipos de conteúdos deveriam ser transmitidos. Dos entrevistados, 86% afirmaram que a Rádio Escolar deveria apresentar uma programação voltada para a informação em geral (esporte, atualidades, jornalismo, utilidade pública etc.), com uma agenda cultural e de eventos da escola, do bairro, da cidade e da região. Desses entrevistados que opinaram, 14% ressaltaram a necessidade de incluir uma grade humorística.

Outro ponto destacado entre os entrevistados (92%) foi a inclusão de um espaço que visasse à integração dos membros da unidade escolar, através da divulgação de recados em geral, bem como das datas dos aniversariantes. Por último, pediram a criação de uma programação musical de gêneros variados, sem interrupção por propagandas (88,5%).

No que diz respeito ao estilo musical de cada aluno, as respostas foram variadas, compreendendo todos os tipos de música, estando entre as mais lembradas: o pagode (27%), o sertanejo (22%), o pop (29%) e o rock (14%).

A pesquisa permitiu observar que os educandos estão conscientes em relação ao foco da programação que escolheram para o projeto, ou seja, buscaram uma grade que visa ao desenvolvimento da cultura e cidadania que, mesmo de maneira informal, é voltada para a disseminação de conhecimentos da comunidade na qual estão inseridos, o que representa o início de uma ação de cunho social transformadora.

Pela pesquisa, pôde-se deduzir que os alunos da Escola Estadual “Lourdes Pereira” mostravam-se receptivos ao desenvolvimento de um projeto voltado para a otimização de uma Rádio Escolar. Desse modo, deu-se início ao planejamento de criação de uma Rádio, e sua implantação ocorreu com a criação da “Rádio Jovem”, que lhes permitiu o aprendizado técnico inerente aos trabalhos de uma emissora.

Durante a implementação da Rádio, pôde-se notar a transformação dos jovens de sujeitos ouvintes e passivos em agentes ativos, pois agregadores e disseminadores do saber, capazes de democratizar conhecimentos e emancipar-se, atuando como cidadãos livres e conscientes de sua função social dentro da sociedade à qual pertencem.

8. Conclusão 

O processo educacional, nos últimos tempos, vem sofrendo interferência dos meios de comunicação de massa (TV, Rádio, Internet etc.) que têm levado para dentro das salas de aula questões e realidades até então inexistentes dentro do campo da educação formal.

Para integrar a educação e a comunicação, como forma de democratização do saber, surgiu o conceito da educomunicação que converge entre estes dois pólos com o objetivo de disseminar a cultura e a cidadania, por meio da intervenção social.

Nesse processo, educadores e educandos passam a figurar como atores do conhecimento, buscando desenvolver ações que, através da participação de todos os cidadãos, transformem o cenário social.

Pelo exposto, pode-se concluir que a educomunicação possibilita o desenvolvimento de projetos como a inserção do rádio na escola com o objetivo de consolidação de um caminho emancipatório, no qual prevaleça a liberdade de expressão e de transformação do educando, já que este passa a ser um membro ativo e envolvido com o cenário no qual está inserido.

O projeto da Rádio Escolar, apresentado neste artigo, buscou a democratização da comunicação e, justamente por isso, concretizou-se como um espaço permeável e criativo na busca pela emancipação de uma comunidade. Essa ação social só foi possível graças à fácil acessibilidade que o rádio possui, chegando aos indivíduos de maneira quase imperceptível, porém, eficaz.

Justifica-se, então, que muitos educomunicadores o considerem como um dos melhores meios de transformação social, entendimento com o qual este estudo comunga.

NOTAS

[1] O presente texto é resultante das reflexões iniciadas com o Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado O Rádio como veículo emancipatório: instrumento de consolidação da educação cidadã, realizado em 2008, como requisito parcial de aprovação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBEIRO, H; LIMA, P. R. Manual de radiojornalismo: produção, ética e internet. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

BRAGA, J. L.; CALAZANS, R. Comunicação & educação. São Paulo: Hacker Editores, 2001.

CAMOLEZE, N. L. “A utilização dos recursos de produção audiovisual por estudantes do Ensino Fundamental e Médio: Análise comparativa de experiências realizadas em três instituições educacionais de Assis-SP”. Monografia apresentada à Instituição Municipal de Ensino Superior de Assis (IMESA), Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA), Assis, 2005.

CHANTLER, P.; HARRIS, S. Radiojornalismo. São Paulo: Summus, 1998.

CITELLI, A. Aprender e ensinar com textos não escolares. São Paulo: Cortez, 1999. Vol. 3.

________. Comunicação e educação: a linguagem em movimento. São Paulo: SENAC, 1999.

________. Aprender e ensinar com textos: outras linguagens na escola. São Paulo: Cortez, 2000. Vol. 6.

________. “Comunicação, educação e linguagem”. In: Caminhos da Educomunicação 1, São Paulo: Salesiana, 2001. p. 63-68.

CORDEIRO, P. Experiência de rádio produzidas para e por jovensO panorama português das rádios universitárias. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt. Acesso em: 6 jun. 2008.

DEDONÉ, T. S. “Leitura crítica da mídia: a decodificação do universo midiático”. Trabalho apresentado no III Fórum Regional de Educomunicação, Bandeirantes/PR, 2006.

FERRARETO, L. A. Rádio no ar: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2001. 2ª Ed.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

________. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1978.

GATTÁS, C. L. M. E.; SOARES, M. S. P. “Projeto Educom. Geração cidadã – Cidadania, comunicação e educação – Educomunicação: a educomunicação em ação”. Endecom, Fórum Nacional em Defesa da qualidade do Ensino de Comunicação, Universidade de São Paulo, Escola Paulista de Comunicação e Artes, 11-13 maio 2006. Disponível em: http://www.usp.br. Acesso em: 17 jul. 2008.

LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

LIMA, N.; PINHEIRO, A. “Rádio e desenvolvimento infantil Análise de estratégias de comunicação e educação para a cidadania”. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belo Horizonte, 2-6 set. 2003. Disponível em: http://www.catavento.org.br/regiocom/gts/radio_e_desenvolvimento_infantil.doc. Acesso em: 21 jul. 2008.

ORTRIWANO, G. S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.

ROUANET, S. P. “Do fim da cultura ao fim do livro”. In: PORTELLA, E. (Org.). Reflexões sobre os caminhos do livro. São Paulo: UNESCO/Moderna, 2003. p. 57-77.

SCHAUM, A. Educomunicação: reflexões e princípios. Rio de Janeiro/São Paulo: MAUAD/FAPESP, 2002.

SOARES, I. O. “Comunicação/educação: a emergência de um novo campo e o perfil dos profissionais”. In: Contato – Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação, nº 2, p. 19-74, Brasília, Senado Federal, 1999. Disponível em: http://www.usp.br. Acesso em: 14 jun. 2008.

_________. “Educommunication”. S/r, Banglok, 2004. Disponível em: http://www.usp.br. Acesso em: 14 jun. 2008.

VIEIRA, A. A.; PAIÃO, S. “Memórias da rádio difusora de Assis”. Monografia apresentada à Instituição Municipal de Ensino Superior de Assis (IMESA), Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA), Assis, 2002.

*Marcelino Recco é jornalista pela Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA) e pós-graduando em Comunicação e Educação pela Faculdade Cristo Rei (FACCREI). Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira é doutoranda pela UNESP-Assis e professora da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA).


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]