Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



DOSSIÊ
- Mídia Digital II - Cenários
 

Imersão on-line
Uma análise das imagens de síntese do jornalismo visual

Por Diego Pontoglio Meneghetti*

Reprodução

RESUMO

Este texto estuda as imagens de síntese utilizadas no jornalismo on-line em paralelo ao conceito de imersão, empregado nos estudos sobre cinema, realidade virtual e outras mídias eletrônicas. No momento em que o jornalismo visual se configura como importante campo de estudo acadêmico, os recursos discursivos não-verbais aplicados nos sites jornalísticos, embora promissores, ainda carecem de análise e desenvolvimento. A partir disto, este artigo procura identificar quais as possibilidades de imersão participativa no jornalismo visual on-line a partir de pontos teóricos, com o intuito de aprimorar a produção de sentido na comunicação deste meio.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Visual / Imersão / Imagens

Na construção discursiva verbal, a organização dos elementos que compõem um texto jornalístico tem grande relevância na produção de sentido e conseqüente compreensão pelo leitor. É de consenso nas pesquisas acadêmicas, e também no mercado editorial, que, em uma notícia impressa, por exemplo, lead, entrevistas, análises e interpretações têm seu lugar próprio para a significação daquele texto. As teorias da comunicação dão conta de trabalhar essas variáveis, tratando-as sob diversos olhares, como a análise do discurso.

Porém, é harmônico afirmar que nas mídias tradicionais, como jornais e revistas, e também nas novas mídias, como a Internet e outros produtos multimídias, não são apenas formas verbais as responsáveis pela produção do sentido na comunicação. Outros elementos como as fotografias, ilustrações, formas, cores, espaços em branco, diagramação e tipografia são co-responsáveis pela expressão dos significados nas notícias.

Neste campo de análise de textos não-verbais, uma área de pesquisa que cada vez toma mais espaço nas discussões acadêmicas sobre a comunicação é o jornalismo visual. De acordo com Luciano Guimarães (2007), é necessária, inclusive, uma abordagem crítica da participação da imagem no jornalismo que a aproxime das teorias da mídia e da notícia. Para o pesquisador, na formação dos jornalistas, é preciso ampliar a idéia de que o trabalho com a imagem é uma habilidade limitada a uma prática distinta daquela exercida nas redações dos jornais. Tal afirmação encontra total suporte na atual formatação ocidental das novas mídias: a comunicação pela Internet torna-se quase onipresente no jornalismo e, neste meio, as imagens e os demais elementos não-verbais são protagonistas ao olhar do leitor.

É interessante destacar brevemente que o termo “imagem” pode ser utilizado atualmente com diversos significados: a imagem divina, decorrente da máxima bíblica “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança”; a imagem como lembrança mental de algo ou alguém; a imagem de uma empresa ou de um político frente à população; a imagem pictórica dos quadros renascentistas; a imagem chuviscada da televisão, que pode não estar corretamente sintonizada; a imagem na informática, como cópia idêntica dos arquivos de um disco; a imagem holográfica; a imagem platônica como centro de discussões filosóficas; a imagem fotográfica; a imagem como conjunto de função matemática etc.

Dentre tantos usos que misturam suporte e conteúdo, podemos resgatar uma característica que permeia a todos, que é o poder de representação de todas estas “imagens”. De forma geral, a imagem “indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e (...) depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece” (Cf. Joly, 1996, p. 13).

Contudo, o emprego contemporâneo mais utilizado do termo imagem remete à imagem da mídia. “A imagem invasora, a imagem onipresente, aquela que critica e que, ao mesmo tempo, faz parte da vida cotidiana de todos” (Cf. Joly, 1996, p. 14).

Dentre ainda as várias aplicações das imagens da mídia (publicidade, televisão, fotografia, cinema), nos interessam neste estudo as imagens de síntese, ou as “novas” imagens, as representações produzidas e exibidas por meio de computadores. Alguns autores, como Julio Plaza (1993), denominam ainda estas novas imagens como infografia, termo alusivo à criação de imagens com a colaboração da informática, numa acepção homônima ao recurso discursivo bastante presente no jornalismo, o qual, grosso modo, mistura texto e imagem em um espaço único.

Essa característica onipresente e invasora tem sido premeditada por vários pesquisadores de distintas áreas do conhecimento. Philippe Queáu (1993), por exemplo, escreve sobre a “escalada” das imagens de síntese no tempo do virtual. Para ele, essas imagens de síntese são aquelas construídas e mediadas por meio de uma linguagem numérica e, ao contrário das imagens tradicionais como a fotográfica e a cinematográfica, não são formadas a partir da interação da luz com um suporte concreto e sensível, mas sim da programação matemática de dígitos que compõem uma unidade, o chamado pixel (abreviatura de picture element).

Portanto, as imagens de síntese são, antes de tudo, linguagem. Elas “formam uma nova escrita que modificará profundamente nossos métodos de representação, nossos hábitos visuais, nossos modos de trabalhar e de criar” (Cf. Parente, 1993, p. 91).

Pois bem, ao unirmos a questão da imagem ao estudo do jornalismo e adicionarmos a atual consolidação das novas mídias como importante veículo de comunicação e ferramenta de significação, temos um campo de estudo bastante inexplorado e instigante. Em boa parte dos escassos estudos sobre jornalismo visual on-line, encontramos análises sobre as chamadas infografias interativas, [1] que são fruto da técnica de justaposição de vários fotogramas (que é a base do cinema) aplicada a uma versão on-line dos infográficos utilizados no jornalismo impresso, através de um software próprio (na maioria das vezes, o Adobe Flash).

O leitor/usuário, assim, tem a possibilidade de controlar a informação exibida na tela do computador através de cliques na imagem, ao reproduzir uma animação, pausar, retroceder e ir além daquela informação através dos links. Este recurso narrativo começou a ser utilizado no jornalismo on-line em notícias de conflitos e guerras, na recriação de movimentos e estratégias difíceis de serem conjugados através de fotografias ou ilustrações.

Atualmente, podemos observar recursos semelhantes no jornalismo brasileiro para diversas pautas. O UOL, por exemplo, possui uma seção intitulada “Infográficos” em que veicula produções deste tipo (Fig. 1). O Estadão, por sua vez, disponibiliza recurso parecido na seção “Especiais”. Pouco mais desenvolvidos que os exemplos nacionais, jornais da Espanha, como o El País e o El Mundo, e dos Estados Unidos, como o New York Times, oferecem em seus sites recursos narrativos interativos há mais tempo que os representantes brasileiros.


Fig. 1. Infográfico: conflito em região indígena no Norte de Roraima.
Fonte: Disponível em: http://noticias.uol.com.br. Acesso em: 26 ago. 2008.

Ainda que relevantes, a maioria das produções infográficas on-line, contudo, não abarcam as distintas possibilidades de imersão e agenciamento que o meio digital permite, recursos que já são observados em outros campos como o cinema, a realidade virtual, ou os ambientes virtuais dos jogos de computador. Voltaremos a esta relação mais à frente.

A produção jornalística no meio on-line, desta forma, assim como sua posterior análise no meio acadêmico, fica restrita, muitas vezes, à reprodução do conteúdo de outros meios, como a televisão e o impresso. Nas infografias do jornalismo on-line, poucos são os exemplos de novas experimentações, conforme argumentam Marcelo Sabbatini e Betania Maciel (2004):

Em um primeiro momento existe a reprodução simples da informação da versão impressa. Em um segundo, há a criação de conteúdos originais, melhorados com hipervínculos e incrementados com certo grau de personalização para o leitor/usuário. Em último lugar, observa-se a geração de conteúdos específicos, especificamente projetados para o meio on-line e a experimentação com novas formas de narração. Esta última etapa, entretanto, ainda é algo raro (Cf. Sabbatini; Maciel, 2004, p. 4).

A afirmação é compartilhada por outros pesquisadores. Ducília Buitoni (2007), ao avaliar as potencialidades do visual, repara que os diferentes níveis de leitura e de interatividade não têm presença significativa nos produtos jornalísticos brasileiros da Internet. Em uma análise de diversos sites jornalísticos nacionais, a pesquisadora destaca que o conteúdo nestes veículos on-line “está bastante ‘com-formado’: o que prevalece é o modelo do texto linear (...) do jornal impresso. A visualidade das revistas, geralmente um pouco mais expressiva, parece não ter tido muita influência (Cf. Buitoni, 2007, p. 2).

Alberto Cairo, produtor e pesquisador de infografias interativas, articula essa questão no artigo “Interactividad: la nueva frontera de la visualización de información en prensa”. Para ele (2008), os gráficos jornalísticos on-line, em sua maioria, continuam lineares e estáticos, herdeiros na forma de narrar do meio impresso e da televisão. As poucas exceções tratam de exemplos esporádicos e não de uma tendência firme.

A ausência de esforços nesta área jornalística pode ser resultado de duas razões principais: primeiro, a falta de conhecimentos técnicos e teóricos das equipes de produção, geralmente formadas por ilustradores e desenhistas e sem a presença de jornalistas e de algum profissional da área técnica, como um programador; segundo, o mito nas empresas de que a interação nas infografias é sinônimo de algo caro e difícil de implementar (Cairo, 2008).
 
Como estudar e avaliar, portanto, as possibilidades de produção de sentido que as imagens de síntese podem trazer ao jornalismo? Nesta primeira aproximação, aglutinamos no termo imagens de síntese tanto as infografias produzidas em Flash, quanto as fotografias e as ilustrações em formato digital.

Uma saída possível é abordar as imagens de forma teórica, como já feito em outros campos de estudo, como o audiovisual. Neste formato, que sabe utilizar como poucos o poder de representação do real, diversos conceitos são constantemente estudados no meio acadêmico e aplicados na linguagem comercial, como a imersão.

Aplicada paralelamente nos jogos multimídias e ambientes virtuais, a participação imersiva tem tido sucesso nos experimentos e, seus conceitos, ênfase nas pesquisas acadêmicas, como veremos adiante.

2. Mergulho na teoria

Quando assistimos a algum filme nos cinemas brasileiros, vemos freqüentemente, antes da película começar, algumas publicidades e avisos. Por aproximadamente 15 minutos, são exibidos comerciais de carros, propagandas governamentais, inaugurações de lotes residenciais e avisos em geral. Depois, há ainda os trailers de futuros lançamentos cinematográficos e, só então, o filme pode começar.

Na rede Cinemark, por exemplo, um dos avisos que precede o início do filme exibe as orientações para a sessão: desligue o celular, não entre com comida exceto aquela comercializada no próprio cinema, atenção às saídas de emergência etc. Na atual versão produzida pela empresa, uma animação mostra um estereótipo de galã que, prestes a beijar a dama, é interrompido por uma campainha de celular em off. A partir daí, a personagem saí do universo romântico criado e começa o diálogo com os espectadores. O cenário, que antes era um barco à noite, é agora uma sala de cinema, mesmo local de seus ouvintes reais e palco das demonstrações do personagem que se apresenta com uma nova roupa a cada plano e informação dada.

Ao falar sobre brigada de incêndio, o galã está caracterizado como bombeiro; ao ser surpreendido com flashes, ele fica irritado e adverte que é proibido filmar ou fotografar. Quando terminam todas as informações do aviso, o galã, sentado na platéia da sala de exibição reproduzida na animação diz: “Já está na hora do filme começar”. Ele se levanta e salta para a tela do cinema, para terminar a cena inicial do beijo.

Embora curto (1min 47s) e em meio a outras propagandas comerciais, a produção capta a atenção dos espectadores através de diversos recursos, como a própria animação gráfica, som, ritmo de montagem e a representação do real. Mesmo que as transformações do espaço diegético e da caracterização da personagem ocorram plano a plano, o breve efeito imersivo que os espectadores estão submetidos não é quebrado e a comunicação, fruto principal daquele produto audiovisual, é amplificada.

Aqui entramos num conceito fundamental neste estudo: a imersão. Arlindo Machado o define como o “modo peculiar como o sujeito entra ou mergulha dentro das imagens e sons virtuais gerados pelo computador” (Cf. Machado, 2007, p. 163). Criar a sensação no espectador de se sentir parte integrante daquela produção é um dos recursos narrativos próprios do cinema ocidental, predominantemente hollywoodiano.

O exemplo do spot do Cinemark, ainda que singelo, faz uma alusão ligeiramente metalingüística a este efeito imersivo: a personagem do filme, após explicar “pessoalmente” as orientações da sessão aos espectadores, tem a capacidade de saltar para dentro da tela, de volta à diegese fílmica. Machado diz que:

Entrar dentro do filme, atravessar a fronteira entre o atual e o virtual, passar para o lado de lá, escapar para dentro do universo de pura ficção do cinema, esse talvez tenha sido o sonho maior de toda aventura cinematográfica, o sonho de um cinema permeável ao espectador, um cinema capaz de transformar o espectador em protagonista e mergulhá-lo inteiramente dentro da história (Cf. Machado, 2007, p. 164).

No desenvolvimento da linguagem cinematográfica, a busca por uma imersão cada vez maior do leitor no texto audiovisual pode ser vista nas atuais salas IMAX. [2] Contudo, experimentos em ambientes imersivos não são exatamente uma novidade.

As primeiras tentativas partem da época da invenção do próprio cinema: em 1895, mesmo ano da primeira sessão pública cinematográfica promovida pelos irmãos Lumière, o escritor H. G. Wells (autor de A Guerra dos Mundos e A máquina do tempo) e o inventor britânico Robert Paul patentearam um dispositivo móvel que tentava simular uma viagem no tempo e no espaço. “Na simulação, o público se sentaria sobre uma plataforma capaz de se mover (...) de acordo com as imagens que estariam sendo exibidas numa tela de cinema à frente” (Cf. Machado, 2007, p. 168).

Esta seria talvez uma das primeiras tentativas de imersão em um ambiente audiovisual.

Por outro lado, as experiências imersivas não são exclusividade do cinema. Janet Murray, em seu Hamlet no Holodeck (2003), atualiza este conceito e o expande para diversos suportes, desde a literatura às novas mídias. A pesquisadora começa por citar Don Quixote de La Mancha que, de tanto querer vivenciar as aventuras lidas nos livros, impregnou sua mente com fatos imaginários que lera e passou a acreditar serem reais. “A experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é prazerosa em si mesma (...). Referimo-nos a essa experiência como imersão” (Cf. Murray, 2003, p. 102).

Para Murray, a imersão necessita de um inundar da mente com informações e estímulos sensoriais que pode ser alcançado através das narrativas, das imagens, das músicas e, também, dos dispositivos tecnológicos, como o computador. O termo é uma derivação metafórica da experiência física de estar submerso em água, estar envolto completamente por algum ambiente distinto. Nas revistas impressas, por exemplo, o prazer de ler uma reportagem sobre turismo e iniciar a narrativa através de uma imagem que ocupa todo o espaço de uma dupla de páginas, convida o leitor a crer, por um momento, naquele ambiente recriado pela imagem no papel. A reportagem passa a ser mais crível e, o processo de comunicação, mais ativo.

Atribuindo a este exemplo um dos pontos essenciais para a imersão, o receptor utiliza-se de uma “visita” àquele ambiente retratado na página: por um momento e espaço delimitados, o leitor crê que está naquele ambiente e retém de forma mais apurada as informações que o texto oferece.

No caso dos meios digitais e com as premissas de interatividade das novas mídias, a imersão “implica aprender a nadar, a fazer as coisas que o novo ambiente torna possíveis” (Cf. Murray, 2003, p. 102). Embora o computador seja freqüentemente acusado de fragmentar informações e de ter “um efeito avassalador sobre as pessoas”, essa percepção decorre de seu estado ainda “não domesticado” (Cf. Murray, 2003, p. 22). Ou seja, quanto mais o computador for aplicado como ferramenta para pesquisas sérias, mais ele se oferecerá como um meio analítico e sintético.

O aprender a nadar a que se refere Murray serve como ponto de partida para nossa aproximação às imagens de síntese utilizadas no jornalismo on-line. Uma vez que, como abordado no início, as imagens utilizadas nos sites jornalísticos não dispõem ainda de uma linguagem própria (bem como todo o jornalismo visual) e, ao mesmo tempo, residem num ambiente promissor em relação aos meios tradicionais no que se refere à interação e aplicações realmente multimídias do leitor frente ao meio, o emprego de recursos imersivos nestes veículos pode ser um caminho a trilhar para o aumento da eficácia da comunicação. As chamadas infografias interativas principiam esta idéia, mas, como veremos, ainda não contemplam todas as possibilidades de participação.

Longe de pretender ser um guia prático de aplicações imersivas, Hamlet no Holodeck (2003) sugere alguns pontos que ajudam a compreender a trajetória para o transe imersivo: ter um lugar encantado, definir limites, fazer uma visita, ter crença, possuir uma máscara, aceitar convenções para manter a excitação e, o mais importante, criar o sentimento de agência.

O primeiro ponto para a imersão como atividade participativa é a necessidade de haver um “lugar encantado” para a relação entre o leitor e o ambiente. “O encantamento do computador cria para nós um espaço público que também parece bastante privado e íntimo” (Cf. Murray, 2003, p. 102). Há, neste espaço encantado, a possibilidade de relação entre o mundo real (aquele que não é midiatizado ou fantasiado) e o mundo ficcional, no qual os leitores podem manter suas ações independentes do outro lado. Em termos antropológicos, para o efeito de imersão, existe a necessidade de haver uma relação no limiar entre o mundo que pensamos ser real e externo e os pensamentos criados em nossa mente, que tomamos por fantasias.

O espaço do computador, a página web, o site, funcionam como este espaço encantado. Sabemos que entramos naquele mundo de representações, mas temos o ponto seguro de que, ao sair daquele espaço, voltamos à “realidade”. Há, portanto, uma relação de segurança entre as duas pontas dessa comunicação. No entanto, uma vez participante do ambiente imersivo, é necessário conhecer seus limites para aprender o caminho de volta.

Murray indica que o próprio computador serve como um objeto liminar, ou seja, um aporte mental que delimita os espaços de cada um dos lados. Ao utilizarmos um computador, sabemos que basta desligá-lo e sair de sua frente para que a relação seja rompida; ao brincarmos com um jogo eletrônico ou ao lermos uma narrativa, sabemos que existe um limite entre nós e as informações que recebemos.

Trata-se da mesma idéia da quarta parede do teatro: além das três paredes físicas de um palco onde se exibe o espetáculo, há uma quarta barreira, imaginária, entre o palco e a platéia, que funciona como delimitadora entre os espaços e as funções. Ao acessar um site ou participar de um jogo eletrônico, a dinâmica é semelhante. “Aqui, a própria tela é a tranqüilizadora quarta parede e o controlador [como o teclado ou mouse] é o objeto liminar que lhe permite entrar e sair da experiência” (Cf. Murray, 2003, p. 110).

Por conseqüência, somos levados ao terceiro ponto para a participação imersiva: a metáfora da vista. Ao visitarmos algo, temos claramente definido que existe uma fronteira espacial e temporal que regula aquela ação. Quando visitamos algum amigo, entramos em sua casa, por um determinado tempo; quando visitamos um brinquedo num parque de diversões, sabemos que estamos naquele espaço por um tempo definido. Quando acessamos uma página na Internet, visitamos aquele espaço por um tempo próprio. O mesmo termo visita, inclusive, é adotado nos servidores da web para quantificar as vezes que determinada página foi acessada e reflete exatamente o sentido que se quer criar como recurso imersivo.

A crença é outro integrante para a criação de realidades imersivas. Os estudos sobre recepção identificam que o leitor não recebe passivamente as informações das mídias, mas sim possuem uma posição ativa sobre aquilo que lhe é enviado.

Para Murray, ao entrarmos num mundo ficcional, exercemos uma faculdade criativa, ao “concentrarmos nossa atenção no mundo que nos envolve e usarmos nossa inteligência mais para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência” (Cf. Murray, 2003, p. 111). Dessa forma, ao recebermos uma mensagem, as informações culturais que possuímos sobre determinada questão são integrantes na manutenção daquela realidade. “Aplicamos nossos próprios modelos cognitivos, culturais e psicológicos para cada história, enquanto avaliamos os personagens e antecipamos como o enredo tende a se desenvolver” (Cf. Murray, 2003, p. 112). No jornalismo ocorre ação semelhante: ao visualizarmos um texto, verbal ou não-verbal, temos uma posição ativa em relação àquela informação.

Os jogos de videogame são exemplo rotineiro nas análises sobre interatividade e imersão, como pode ser visto nas obras de Murray (2003) e Cairo (2008). Nos games, a dinâmica costumeira é o jogador assumir a vida de uma personagem numa determinada missão, seja destruir oponentes, conquistar territórios ou vencer corridas. A função de entrar no papel de uma personagem é constante: sempre temos que usar uma máscara, assumir um papel naquela narrativa. Nos jogos on-line, isto se amplifica com os avatares, que são imagens gráficas de personagens utilizadas pelos usuários.

Este recurso tem sido utilizado também como representação icônica de usuários em comunidades de jogos, fóruns de discussão e, recentemente, opiniões postadas em notícias jornalísticas. Esse “uso de máscara” é outro tópico abordado em textos imersivos: em ambientes digitais, podemos usar uma máscara quando atuamos por meio de avatares. Eles funcionam como uma fantasia social dentro do sistema imersivo.

Um serviço recente, o Gravatar (globally recognized avatar, www.gravatar.com), oferece a possibilidade de cada pessoa utilizar a mesma imagem de identificação em vários sites: ao comentar uma notícia em um jornal on-line ou postar um tópico em um fórum de discussões, o usuário pode manter o mesmo avatar, com eventuais alterações dinâmicas em todos os sites.

A premissa de um ambiente imersivo é que o leitor/usuário tenha sensações como se estivesse em determinado ambiente. Contudo, as sensações não devem ser excessivamente reais, ou seja, “os objetos do mundo imaginário não devem ser demasiadamente sedutores, assustadores ou reais a fim de que o transe imersivo não se rompa” (Cf. Murray, 2003, p. 119). O intuito é que o foco de atenção do leitor continue sobre o discurso e não se perca através das sensações. Mais ligada às interações em ambientes de realidade virtual, a regulação da excitação busca também manter a imersão através de convenções narrativas, como por exemplo, interações tácteis, gustativas e olfativas.

Como os ambientes virtuais (ainda) não dispõem de tais possibilidades, o ideal é que se crie convenções narrativas para estas interações, a fim de que o leitor não se frustre ao tentar tocar, cheirar ou sentir o paladar de algo que não pode ser reproduzido. Dessa forma, buscam-se soluções discursivas para atenuar e reproduzir estes sentidos: numa reportagem sobre gastronomia, por exemplo, o leitor não pode, efetivamente, sentir o gosto dos alimentos, mas as cores, formas e disposições não-verbais da reportagem ajudam a manter o transe imersivo daquele ambiente ao ponto, inclusive, do leitor, com água na boca, sentir fome ou vontade de provar aquilo que está representado na imagem.

Este nível de interação discursiva nos direciona ao tópico que Murray indica ser o principal nos ambientes imersivos: o sentido de agência, ou seja, a capacidade de realizar ações e perceber resultados significativos naquele ambiente. O termo agência, nesta acepção, deriva-se da “capacidade de agir”, função de agente. Ao darmos um clique duplo com o mouse sobre um arquivo no computador, por exemplo, esperamos que ele abra para podemos utilizá-lo de alguma forma; nos jogos de ação em primeira pessoa, cujo objetivo é destruir os oponentes, a agência é o prazer em atirar e perceber que o adversário morreu etc.

O sentimento de agência aparece também nos ambientes virtuais de alguns games, nos quais é possível se movimentar em diversas direções, sem um roteiro definido. O próprio sentido de navegação, tanto espacialmente (no mundo real, em poder ir e vir) quanto virtualmente (na Internet podemos acessar diferentes sites, contanto que eles estejam disponíveis), é uma premissa para o sentimento de agência. Por outro lado, o agenciamento é algo não possível nas narrativas tradicionais, como o jornal impresso, o livro ou cinema: por mais que nos identifiquemos com o enredo ou queiramos agir sobre ele, nada podemos fazer nestes discursos lineares. Daí nasce uma das possibilidades de interação exclusiva aos ambientes digitais e também on-line.

3. Retorno às imagens de síntese

O desafio para as novas narrativas jornalísticas e, principalmente, para os recursos discursivos visuais, é saber como utilizar as potencialidades do meio on-line de forma a oferecer, de fato, um veículo interativo e participativo.

Devido ao uso vago e difundido do termo “interatividade”, o prazer da agência em ambientes eletrônicos é freqüentemente confundido com a mera habilidade de movimentar um joystick ou de clicar com um mouse. Mas a atividade por si só não é agência. (...) A agência vai além da participação e da atividade (Cf. Murray, 2003, p. 128).

Cairo (2008) dialoga com Murray (2003) ao destacar que boa parte das infografias produzidas atualmente pelos veículos de comunicação não é, de fato, interativa. Ou melhor, não possui um sentido de agenciamento, o qual pode ser utilizado com significativo sucesso para a comunicação. Alguns exemplos caminham por este rumo, ao possibilitar que o leitor influencie, realmente, a informação exibida na tela.

Um infográfico produzido em abril de 2005 pelo jornal El Mundo, por exemplo, complementa uma notícia sobre o plano do governo espanhol em impulsionar a construção de apartamentos de 25m2 para jovens casais que, de outra forma, não poderiam entrar no mercado imobiliário do país naquele momento. Segundo Cairo (2008), os críticos do governo rechaçaram o projeto, argumentando ser difícil uma família viver comodamente em um apartamento tão pequeno, mas nenhum texto opinativo ou imagem da imprensa deixou tão evidente essa informação quanto o infográfico (Fig. 2).

Em vez de oferecer quatro ou cinco possíveis distribuições de mobília, a infografia permite que cada leitor desenhe a sua própria, explore múltiplas possibilidades e, como conseqüência, descubra por si só o que realmente significa habitar em um espaço de dimensões tão reduzidas (Cf. Cairo, 2008, p. 4). (Tradução do autor).


Fig. 2. Infográfico: “Qué se puede hacer con 25m2”. Fonte: Disponível em: http://www.elmundo.es/elmundo/2005/graficos/abr/s2/casa_25.html.
Acesso em: 10 ago. 2008.

Outro exemplo apontado por Cairo é a versão on-line do jornal The New York Times, a qual oferece um infográfico produzido em abril de 2007 que simula a variação imobiliária do país e indica ao leitor se é melhor alugar ou comprar um imóvel, de acordo com as informações que ele insere no gráfico, como sua renda e juros mensais (Fig. 3). Dinamicamente, a imagem (um gráfico) muda de acordo com as informações inseridas e sugere a estratégia que o usuário deve ter frente ao mercado.

Além de um jornalismo interativo, o leitor é convidado a imergir em uma informação personalizada. Em uma visita à imagem de síntese, ele tem uma ação (de inserir os dados) com claro sentimento de agência, ao perceber a modificação imediata daquela imagem. Ao final da comunicação, é possível ainda uma ação do leitor no mundo real, ao adotar ou não a sugestão econômica do gráfico.


Fig. 3. Infográfico: “Is it better to buy or rent?”. Fonte: Disponível em: http://www.nytimes.com/2007/04/10/business/2007_BUYRENT_GRAPHIC.html.
Acesso em: 12 ago. 2008.

Claramente mais interativas que outras infografias lineares que permitem ao usuário apenas controlar sua exibição, estes exemplos de imagens de síntese oferecem um sentimento de agência ao usuário. Cairo comenta que adicionar interatividade implica em compreender os gráficos on-line como “ferramentas de software, e não como apresentações estáticas; o leitor se transforma em usuário e a infografia, em aplicação” (Cf. Cairo, 2008, p. 4). (Tradução do autor).

Esta pequena mudança de esquema mental ajuda a entender melhor até onde avançar: em um mundo em que o software se faz cada dia mais sofisticado e, ao mesmo tempo, simples de usar, as expectativas de qualidade e capacidade de controle sobre os programas do leitor/usuário se incrementam. Como jornalistas, devemos satisfazer estas exigências (Cf. Cairo, 2008, p. 4). (Tradução do autor).

O destaque das aplicações exemplificadas reside no fato de não apenas apresentar as informações, mas permitir ao usuário explorar, de acordo com sua curiosidade, as diversas possibilidades de um ambiente imersivo.

Contudo, as infografias não devem ser donas de toda a significação no jornalismo visual. Os meios impressos e eletrônicos, tanto no jornalismo como em outras áreas, podem exportar conceitos e idéias para efetivar o potencial do on-line. Resta-nos estudar outros caminhos e ações possíveis a partir do que a imersão e o agenciamento em ambientes on-line possibilitam. Além dos arquivos em swf, os jpg [3] também são passíveis de produção de sentido, como provam as tantas experimentações no jornalismo impresso.

NOTAS

[1] Também utilizado com diversos conceitos na atualidade, o termo “interação” neste estudo segue o proposto por Cairo (2008), como intercâmbio de informações entre um leitor e um sistema artificial.

[2] As salas IMAX são projetadas com telas retangulares de cerca de 24 metros de altura, maior potência de som e disposição diferenciada dos assentos, a fim de ampliar o efeito imersivo nos filmes. A primeira sala deste tipo no Brasil deve ser inaugurada no segundo semestre de 2008, em São Paulo.

[3] Arquivos com extensão swf, acrônimo de “Shockwave Flash”, são aqueles gerados no Adobe Flash; jpg, sigla para “Joint Photographic Experts Group”, comitê que criou este padrão de arquivo, é o formato mais difundido atualmente para as imagens estáticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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*Diego Pontoglio Meneghetti é mestrando do programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Bauru).


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]