Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



DOSSIÊ
- Mídia Digital - Cenários
 

Agências de notícias alternativas na web

Por Laércio Torres de Góes*

Reprodução

RESUMO

Este artigo busca compreender o fenômeno das agências de notícias alternativas no contexto do ciberjornalismo com a análise da Adital, da Carta Maior e da IPS (Inter Press Service), que praticam um tipo de jornalismo comprometido com os valores dos movimentos sociais, tais como igualdade, justiça social e direitos humanos. O objetivo principal é a caracterização destas agências de notícias alternativas. Entre as características estudadas estão a seleção e o enquadramento das notícias, as fontes, o uso dos elementos do jornalismo digital e a organização de conteúdo.

PALAVRAS-CHAVE: Mídia Alternativa / Movimentos Sociais / Internet

1. Introdução

Com a crença de que os meios de comunicação tradicionais e hegemônicos contribuem para o recrudescimento dos problemas sociais causados pela globalização, difundindo e defendendo as idéias neoliberais e o discurso da inevitabilidade do fenômeno, várias formas de imprensa alternativa surgiram ao redor do mundo, principalmente no ciberespaço, inspiradas pelos movimentos antiglobalização, como o Fórum Social Mundial. 

Paralelamente à atuação dos movimentos sociais na Web na divulgação de suas idéias e causas, surgem também mídias alternativas em vários formatos que compartilham de seus valores, mas que funcionam de forma independente, muitas vezes cooperando na divulgação e distribuição de informações e aprofundando a reflexão de questões de seu interesse. Esses sistemas de comunicação alcançam aqueles capazes de aderir a suas idéias e, a partir daí, talvez atingir a consciência da sociedade como um todo. A Internet fornece a base material e facilita a difusão de idéias com baixo custo e rapidez (Moraes, 2004).

Dentre as várias mídias alternativas surgidas na Web que compartilham dos valores dos movimentos sociais, algumas seguiram o modelo das agências de notícias, pelo menos em sua nomenclatura. Deve-se deixar claro que os valores aqui mencionados são aqueles compartilhados, por exemplo, pelos denominados novos movimentos sociais (Melucci, 1980), nascidos no final dos anos 50 e início dos 60, que incluíam desde a luta pelos direitos civis até os movimentos feministas, pacifistas, ambientalistas, os grupos de defesa dos consumidores e de organização de comunidades (Cohen; Arato, 1992).

Já que existem infindáveis tipos de movimentos sociais, progressistas e reacionários, de direita e de esquerda. Os novos movimentos sociais, em princípio, não têm um caráter classista, relacionado aos movimentos sindicais operários em torno do mundo do trabalho, mas não significa que em determinados momentos históricos possam se opor ao sistema econômico e social vigente. 

Este artigo pretende compreender o fenômeno das agências de notícias alternativas no âmbito do jornalismo digital, analisando as características da Adital (Agência de Informação Frei Tito para a América Latina), Agência Carta Maior e IPS (Inter Press Service).

A Carta Maior foi lançada em fevereiro de 2001, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Seu objetivo declarado é participar do esforço pela reconstrução de uma imprensa ligada à transformação social no país. Mantém acordos e intercâmbios com outras agências independentes do exterior, que permitem a cobertura de eventos internacionais, como os Fóruns Sociais Mundiais.

A Adital é uma iniciativa de pessoas e de movimentos populares e de direitos humanos ligados à Igreja Católica. Coloca-se como canal de comunicação para a inserção da agenda social latino-americana e caribenha na mídia nacional e internacional, através de cobertura jornalística profissional. Sua produção destina-se, em primeiro lugar, a jornalistas da mídia mundial e outros setores da sociedade civil organizada na América Latina, Caribe e parte da Europa, Estados Unidos e Canadá.

Além de uma ampla rede de correspondentes, a Adital afirma relacionar-se com membros de ONGs e do Terceiro Setor; ativistas nos movimentos sociais e redes de Direitos Humanos, líderes sindicais, trabalhadores urbanos e rurais, docentes e discentes de universidades, minorias raciais e sexuais, portadores de deficiências, pessoas na terceira idade, grupos eclesiais e agentes das pastorais sociais de diferentes igrejas e tradições religiosas.

A agência foi criada a partir do interesse de três entidades italianas: a Fondazione Rispetto e Paritá (FRP), a Agenzia di Stampa (Adista), a Rete ‘Radiè Resch’ (RRR) que, em 1999, apresentaram a Frei Betto a proposta de organizar no Brasil uma agência de notícias que divulgasse ao mundo a vida e os acontecimentos da América Latina e Caribe. Em janeiro de 2000, uma equipe de trabalho começou a estruturar a Adital, escolhendo a cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, no Nordeste brasileiro, para sediar a agência. Em 22 de Fevereiro de 2000, lavrou-se a Ata de Fundação da Agência de Informação Frei Tito para América Latina. A Adital foi lançada oficialmente em 13 de março de 2001.

A IPS é precursora das agências de notícias alternativas. Surgiu em 1964, fundada pelo jornalista ítalo-argentino Roberto Sávio, com o objetivo de fazer um jornalismo de representação igualitária de gênero, diversidade étnica e distribuição geográfica e promover a participação democrática na vida econômica, social e política. Mas a ênfase na globalização é a fase mais recente na atuação da agência. A guerra fria e o crescimento do movimento dos países não-alinhados ampliaram seu foco dos problemas e prioridades das regiões desenvolvidas e promoveu a circulação de informações Sul-Sul para incentivar a integração regional e o desenvolvimento econômico, político e social (Boyd-Barrett; Rantanen, 1998).

A IPS é uma associação internacional sem fins lucrativos de jornalistas e de outros profissionais no campo das comunicações. Tem o status consultivo de ONG (Organização Não-Governamental) no Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organização das Nações Unidas. Conta com uma rede de jornalistas em cerca de 120 países e possui como clientes 3.000 meios de comunicação e milhares de grupos da sociedade civil, acadêmicos e outros usuários. O serviço mundial da IPS chega aos seus clientes via satélite e Internet, disponível em vários idiomas.

Quando se fala de jornalismo alternativo aqui não é apenas no sentido de alternativo aos grandes meios de comunicação de massa, sem a estrutura, poder e influência que eles possuem; mas também alternativo em relação ao enquadramento, fontes, seleção, filtragem e organização das notícias diferentes da grande imprensa ou do jornalismo tradicional. As agências de notícias alternativas digitais, nascidas dentro do processo de globalização na Web, funcionam como profetas dos fracos, oprimidos e excluídos do mundo. Profetas, não portadores da mensagem divina, mas que se impõem uma missão, neste caso, de exortar, advertir e denunciar as injustiças sociais e a concentração de riquezas da era globalizada.

2. Mídia alternativa, jornalismo e Internet

Diante da complexidade em definir mídia alternativa, sem cair na bipolaridade “alternativo e tradicional” e levando em conta as diversas nuances existentes nos meios, o conceito de mídia alternativa que interessa a este trabalho deve não apenas considerar a estrutura e formato dos meios, mas também os seus valores compartilhados com os movimentos sociais e as diferenças das características da prática do jornalismo, comparadas à da chamada mídia tradicional ou hegemônica, como a seleção de notícias, o enquadramento (framing) e as fontes.

O jornalismo realizado pela mídia alternativa, principalmente com o surgimento da Internet, tem trazido novos desafios e mudanças no processo de produção das notícias.

São formas de prática jornalística muitas vezes completamente diferenciadas daquelas da mídia tradicional. Os exemplos de mídia alternativa estudados nesta pesquisa se caracterizam por serem formados por jornalistas, militantes de esquerda e acadêmicos ou intelectuais. As normas jornalísticas são direcionadas pela ideologia, ativismo e compromisso com a comunidade (Rendeiro, 2003).

Os intelectuais ou acadêmicos que cooperam ou são diretamente responsáveis pela mídia alternativa fazem parte, segundo definição de Eyerman e Jamison (1995, apud Atton, 2005), de um movimento intelectual. São indivíduos que, através de suas atividades, articulam o interesse do conhecimento e a identidade cognitiva dos movimentos sociais, com o papel de facilitador, intérprete e sintetizador, contribuindo para a formação da identidade coletiva destes movimentos e fornecendo um mais amplo sistema de significado em que as ações individuais e coletivas podem ser entendidas (Eyerman; Jamison, 1991 apud Atton, 2005).

Nas agências alternativas Adital, Carta Maior e IPS, temos exemplos da atuação destes intelectuais, principalmente como colunistas colaboradores, analisando fatos econômicos, políticos e sociais da atualidade.

No jornalismo alternativo, uma parte dos pesquisadores se detém na relação híbrida existente entre o leitor e escritor. Em seu estudo sobre o Indymedia, Deuze e Platon (2003) enfatiza a relação próxima e não-hierárquica entre o leitor e o conteúdo, leitor e escritor, que resulta em formas híbridas tais como jornalista-ativista e repórter local. Atton (2003), ao citar Forde, Foxwell e Meadows, afirma que através das lentes do local poderíamos considerar jornalismo alternativo como um processo de fortalecimento cultural, onde a produção de conteúdo não é necessariamente a proposta principal, mas pode ser as formas em que a mídia comunitária facilita o processo de organização da comunidade.

Rodriguez (2001, apud Atton, 2003) tem chamado a mídia que pratica esse tipo de jornalismo de mídia cidadã, que faz parte da vida cotidiana dos cidadãos e o seu conteúdo é administrado e produzido por tais pessoas. É um jornalismo que privilegia a noção de responsabilidade social, não no sentido defendido pelo jornalismo tradicional, mas que troca a ideologia de “objetividade” pela defesa e prática de oposição ao status quo. É um jornalismo que privilegia as vozes locais, de baixo, já que o jornalismo tradicional seria porta-voz da elite da sociedade (Harcup, 2003).

2.1. Enquadramento

Além das fontes, o jornalismo alternativo também se caracteriza pela seleção de notícias e o enquadramento (framing) diferenciados. A primeira sistematização teórica do enquadramento foi feita por Erving Goffman (1986) em seu livro Frame Analysis.

Goffman define enquadramentos como os princípios de organização que orientam os eventos sociais, a construção de como as pessoas organizam a experiência.

São marcos interpretativos mais gerais, construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às situações (Porto, 2004). No desenvolvimento do conceito realizado por Entman (1993 apud Scheufele, 1999), enquadramento consiste em selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e destacá-los em um texto comunicativo, de tal forma que promova uma particular definição de problema, interpretação de causa, avaliação moral e/ou recomendação de tratamento. O enquadramento guia como as pessoas entendem o mundo e, assim, formam julgamentos (Brewer, Graf; Willnat, 2003).

Segundo pesquisas, ao menos cinco fatores podem potencialmente influenciar como jornalistas enquadram uma questão: normas sociais e valores, pressões e constrangimentos organizacionais, pressões de interesses de grupos, rotinas jornalísticas e orientações políticas e ideológicas dos jornalistas (Shoemaker; Reese, 1996; Tuchman, 1978 apud Scheufele, 1999). Deste modo, a formação do enquadramento pode ser explicada pela interação de normas e práticas jornalísticas e a influência de grupos de interesses (Gamson; Modigliani, 1987 apud Scheufele, 1999).

Certos tipos de interesses, incluindo fontes governamentais, são provavelmente os mais influentes na seleção da agenda e do enquadramento das questões. Mas a influência na construção da agenda da mídia e do processo de enquadramento é atenuando em parte pelas preferências dos jornalistas por narrativas dramáticas e pela intervenção do jornalista no lugar onde as notícias ocorrem (Pestalardo, 2006).

2.2. Seleção de notícias

Os jornalistas são porteiros (gatekeeper) ou vigias das notícias, responsáveis por selecionar dentre a grande quantidade de acontecimentos diários em todo o mundo aqueles que chegarão ao conhecimento dos leitores. Os processos de seleção de notícias podem ocorrer em diversos níveis e várias vezes, quer seja pelo repórter, pelo editor ou pelo empresário. A seleção equivale a restringir o volume de informações a assuntos que alguém acha que merecem ser publicados. Os “porteiros” decidem quais acontecimentos serão divulgados e quais não serão, contribuindo para moldar a imagem que o leitor tem da sociedade e do mundo (Kunczic, 2002).

A escolha é feita por critérios pessoais, processos organizacionais e padrões e condições estruturais (Serra, 2004). Um dos principais fatores no processo de seleção não é a avaliação das notícias, mas a compulsão para produzir um jornal, sendo assim fatores como a pressão do tempo e a falta de espaço influenciam também no comportamento dos seletores de notícias. Mas, em última análise, os valores informativos nada mais são que as suposições intuitivas dos jornalistas com referência àquilo que interessa a um publico determinado, àquilo que chama sua atenção (Kunczic, 2002).

Além disso, a política editorial influencia a disposição dos recursos da organização e a própria existência de espaços específicos dentro do produto jornalístico, pois a existência de tais espaços sobre certos assuntos ou temas estimula mais notícias sobre esses assuntos ou temas, porque tais espaços precisam ser preenchidos (Traquina, 2005).

Na web, com a facilidade de distribuição e a grande disponibilidade de notícias, o trabalho do gatekeeper aumenta e dificulta enormemente. Há uma mudança no papel do jornalista responsável por selecionar quais fatos serão publicados, de acordo com critérios de noticiabilidade. No ciberespaço, sua função é controlar a entrada e saída de dados e a resposta da audiência, sendo que a entrada seria o processo de produção e a saída, o trabalho editorial (Bruns, 2005). Segundo Bruns, os gatekeepers de notícias online podem também ser chamados de editores, moderadores ou guias da informação, mas também têm a responsabilidade de selecionar material supostamente de grande interesse de sua audiência específica.

Assim, Bruns (2005) formula o conceito de gatewatchers para aquele que observa o fluxo das notícias em determinados sites da Web e realiza a filtragem para uma comunidade específica.  A natureza de acesso aberto da mídia alternativa e da Web contribui para uma rede de produção, distribuição e compartilhamento de notícias entre vários grupos que possuem valores e interesses comuns, como os movimentos sociais.  Não é mais necessário descartar notícias devido à falta de espaço, porque todas podem ser publicadas, mas selecioná-las de acordo os interesses do grupo. O jornalista assume um papel semelhante ao de um bibliotecário, porém ainda precisa entrevistar as fontes e analisar dados.

A mídia alternativa divulga temas que a imprensa tradicional geralmente ignora, evita ou oculta. São assuntos emergentes que são cobertos antes de alcançarem a mídia ou a esfera pública tradicional. A idéia é dar voz a outros que geralmente não são ouvidos (Atton, 2005). Como observou Silva Jr. (2003), em sua pesquisa sobre as agências de notícias brasileiras on-line (Agência Estado, Folha Online e Jornal Último Segundo), há a presença dos mesmos assuntos na pauta diária das três agências, enquanto outros são parciais ou totalmente silenciados, tais como “dinâmicas de minorias (negros ou questão étnica, gays, presidiários, desabrigados etc.); questões públicas (saneamento, saúde pública, trabalhos de ONGs); cultura alternativa (música alternativa, filmes, religiões afro-brasileiras, cultura underground)”.

Por causa das relações com o poder político e social, o sistema midiático trata o consumismo, o mercado, a desigualdade de classe e o individualismo como natural ou de forma freqüentemente benevolente, enquanto a atividade política, os valores cívicos e as atividades antimercado tendem ser marginalizadas ou condenadas (Mcchesney, 2000 apud Harcup, 2003). À medida que a mídia tradicional tem uma tendência de privilegiar o poder, a mídia alternativa privilegia o fraco e o marginal, oferece a perspectiva de baixo e fala o “não-falado” (Harcup, 2003). A pauta desprezada ou esquecida dos grandes meios de comunicação.

Mas observa-se atualmente que as agendas alternativas e tradicionais coincidem, pelos menos em alguns temas, como o dos alimentos geneticamente modificados, aquecimento global, direitos das minorias, mas podem diferenciar-se pelo enquadramento dado. A explicação é que os valores-notícia não são imutáveis. Com as mudanças de costumes, culturais, sociais e políticas, mudam-se também as políticas editoriais e as definições do que é notícia (Traquina, 2005).

2.3. Fontes

Estudos sugerem que a cobertura das notícias é predominantemente determinada pela disponibilidade das fontes, que determinam a natureza básica das notícias e as diferenças de enquadramento (Fahmy, 2005). Na teoria do jornalismo, as fontes podem ser classificadas de diversas formas, a depender dos objetivos, perspectiva e contexto em que são analisadas.

Dentre as classificações há as fixas ou fora de rotina. Fixas são aquelas às quais se recorre para o noticiário de todos os dias, embora nem sempre forneçam assuntos de muito interesse, como polícia, prefeitura, câmara municipal, Congresso Nacional, Juízos e Tribunais, associações, sindicatos, hospitais etc.; as fora de rotina são as procuradas excepcionalmente, quando o esclarecimento de um fato o exige (Erbolato, 2004).

Há ainda a classificação em oficiais, oficiosas e independentes. As fontes oficiais são mantidas pelo Estado, por empresas e organizações como sindicatos ou associações.

As oficiosas são aquelas relacionadas de forma direta com uma instituição ou personalidade, mas sem poder formal de representação. Já as independentes são aquelas sem vínculos diretos com o evento tratado (Machado, 2003). As fontes de informação também podem ser diretas, indiretas e adicionais.

Classificam-se de diretas as pessoas envolvidas em um fato ou ocorrência e também os comunicados e notas oficiais a respeito. Indiretas são pessoas que, por dever profissional, sabem de um fato circunstancialmente. E adicionais são aquelas que fornecem informações suplementares ou ampliam a dimensão da história (Erbolato, 2004).

A tendência do jornalismo tradicional é tratar as fontes oficiais como mais confiáveis, mesmo sabendo de sua parcialidade e interesses. As fontes oficiais predominam nas redações dos grandes meios de comunicação, defendendo interesses particulares como se fossem a vontade coletiva. Os jornalistas cultivam contatos com pessoas de influência porque é mais provável que tomem parte em eventos notáveis e suas opiniões e ações interessem a outros indivíduos, ou seja, aos receptores. Além disso, há uma disposição de adotar os pontos de vista de suas fontes ao se emitir a informação que delas se obteve (Kunczic, 2002).

Com a Internet ampliam-se as possibilidades de fontes das notícias. A sua estrutura descentralizada complica o trabalho de apuração dos jornalistas nas redes devido à multiplicação de fontes sem tradição especializada no tratamento das notícias, espalhadas mundialmente (Machado, 2003). Agora são necessários critérios capazes de garantir a confiabilidade do sistema de apuração dentro da especificidade da Web, pois até os usuários também se tornam fontes.

Na rede, o jornalista trabalha com fontes primárias como entrevistas ou observações; pesquisa fontes secundárias como relatórios, artigos ou bancos de dados digitais; consulta a fontes como dicionários, enciclopédias, almanaques e glossários disponíveis; e participa de grupos ou listas de discussões, podendo acompanhar as opiniões de especialistas em esferas específicas e descobrir futuras fontes para reportagens (Machado, 2003).

O jornalismo alternativo busca dar voz aos que não têm voz, denunciar as injustiças, reivindicar direitos e combater o status quo, assim a Web torna-se essencial para construir redes de contatos com os movimentos sociais ou outros grupos militantes, onde todos são fontes potenciais. Machado (2003) avalia que no ciberespaço, pela primeira vez, os movimentos sociais, até então dependentes dos grandes meios de comunicação para obterem visibilidade na sociedade, podem contribuir para a constituição de um espaço público democrático.

3. Características das agências de notícias alternativas no suporte digital

As características da produção de conteúdos jornalísticos no suporte digital são classificadas como: Interatividade, Multimidialidade/Convergência, Hipertextualidade, Memória, Personalização e Atualização Contínua (Palácios, 2003; Mielniczuk, 2003; Pavlik, 2001; Bardoel; Deuze, 2000). Essas características não são necessariamente exploradas no jornalismo produzido na Web, quer por razões técnicas, de conveniência, adequação à natureza do produto oferecido ou por questões de aceitação do mercado consumidor, como no caso das agências alternativas. Mas são potenciais que podem ser utilizados em maior ou menor escala e de forma distinta (Palácios, 2003):

Multimidialidade/ConvergênciaRefere-se à convergência dos formatos das mídias tradicionais (imagem, texto e som) na narração do fato jornalístico. A convergência torna-se possível em função do processo de digitalização da informação e sua posterior circulação e/ou disponibilização em múltiplas plataformas e suportes.

Interatividade Bardoel e Deuze (2000) consideram que a notícia online possui a capacidade de fazer com que o leitor/usuário sinta-se mais diretamente parte do processo jornalístico. Isto pode acontecer de diversas maneiras: pela troca de e-mails entre leitores e jornalistas, através da disponibilização da opinião dos leitores, como é feito em sites que abrigam fóruns de discussões, através de chats com jornalistas etc.

HipertextualidadePossibilita a interconexão de textos através de links. Canavilhas (1999) e Bardoel & Deuze (2000) chamam a atenção para a possibilidade de, a partir do texto noticioso, apontar-se (através de links) para “várias pirâmides invertidas da notícia”, bem como para outros textos complementares (fotos, sons, vídeos, animações etc.), outros sites relacionados ao assunto, material de arquivo dos jornais ou textos jornalísticos.

Customização do Conteúdo/Personalização Opção oferecida ao usuário para configurar os produtos jornalísticos de acordo com os seus interesses individuais, tais como assuntos e hierarquização e escolha de formato de apresentação visual.

Memória A acumulação de informações na base de dados do site jornalístico, que é mais viável técnica e economicamente na Web do que em outras mídias.

Instantaneidade/Atualização Contínua A rapidez do acesso, facilidade de produção e de disponibilização de conteúdos permitem uma extrema agilidade de atualização do material nos jornais da Web, possibilitando o acompanhamento contínuo em torno do desenvolvimento dos assuntos jornalísticos de maior interesse.

Na análise das características do jornalismo digital nas agências de notícias Adital, Carta Maior e IPS, realizada no primeiro trimestre de 2008, observa-se que não há um uso pleno e sistemático dos recursos oferecidos pelo suporte na Web, que, como já mencionado, podem ser limitados pelo formato adotado de agência ou por restrição de recursos técnicos, financeiros ou profissionais. A multimidialidade nas agências se restringe a links específicos, não sendo utilizada em suas matérias ou artigos opinativos. Na Adital, há o link Rádio Ecosol com podcasts de notícias, datadas do mês de dezembro de 2007, sobre Economia Solidária e Ecologia patrocinado pelo Banco do Nordeste, empresa estatal. No link Programas de Rádio, na verdade, se limita a transcrever boletins informativos radiofônicos da parceira argentina Agência Pulsar.

Na Carta Maior, a Rádio Carta Maior disponibiliza 10 boletins de áudio sobre a Conferência Internacional sobre Reforma Agrária, no período de 7 a 13 de março de 2006, e um boletim sobre o Fórum Social Mundial em Caracas, de 24 de janeiro de 2006. Já no link TV Carta Maior disponibiliza cobertura audiovisual de eventos que se coadunam com a linha editorial ou que sejam promovidos pela própria agência: Seminário "Agricultura Familiar e Segurança Alimentar", IV Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária, Debates Carta Maior, IV Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciências Sociais, 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, IV Fórum Social Mundial 2004, Conferência Internacional sobre a Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, Posse do Presidente Tabaré Vázquez, Conferência União Européia e América do Sul: Processos de Integração, Seminário sobre Desenvolvimento, V Fórum Social Mundial 2005, Especial Agricultura Familiar, VI Fórum Social Mundial 2006, III Fórum Social Mundial 2003, Fórum Social Mediterrâneo e Fórum Internacional Mídia, Poder e Democracia. Ao contrário da experiência da rádio, foi dado continuidade ao uso do recurso audiovisual na Carta Maior.

Em relação ao conteúdo multimídia, a IPS está trabalhando para expandir seus produtos de áudio e vídeo. Tem produzido um vídeo institucional (em inglês, italiano, português e espanhol), hospedado atualmente no YouTube. O vídeo da cobertura de cerimônia de condecoração de Kofi Annan, ex-secretário da ONU (Organização das Nações Unidas) pelos serviços prestados à agência está também disponível na página dos eventos.

Além dos vídeos, a IPS produz podcasts semanais sobre os Objetivos do Milênio (em espanhol e em português). Um podcast semanal é produzido também para Tierramerica em espanhol, durando seis ou sete minutos, com quatro edições relacionadas ao meio-ambiente e ao desenvolvimento nas Américas.

O podcast da Tierramérica é transmitido semanalmente para centenas de estações comunitárias, comerciais e culturais. Finalmente, as matérias da IPS são reformuladas para o rádio diariamente ou semanalmente e distribuídas pelas estações de rádio e pelas redes de rádio dos parceiros, principalmente na África do Sul e América Latina.

Por se considerarem mídia alternativa, que pretendem dar voz àqueles que não têm voz, o recurso da interatividade, proporcionado pela tecnologia digital, com o leitor/usuário sentindo-se mais diretamente parte do processo de produção da notícia, deveria ser utilizado intensamente e de forma sistemática. Porém, só a Carta Maior permite uma melhor interação do usuário através de comentários que podem ser feitos ao final de cada matéria ou artigo publicado ou no Blog do Emir, de autoria do cientista político Emir Sader.

Além disso, oferece o link Carta dos Leitores, para que o usuário possa expressar sua opinião. Na Adital e IPS (inglês), a interatividade fica restrita ao link Contato, onde se acessa os emails, telefones e endereço para envio de correspondência, notícias, pedido de assinatura, comentários ou sugestões. No link Opiniões dos Leitores da IPS, são publicadas as mensagens enviadas aos editores. O diferencial da IPS está em oferecer um email para envio de matérias de possíveis colaboradores. Para isso, disponibiliza um Manual do Escritor com orientações sobre as características do material jornalístico aceito pela agência.

As possibilidades oferecidas pelo hipertexto no material jornalístico na Web não são exploradas pelas três agências. No conteúdo analisado, os hiperlinks não são utilizados como um elemento narrativo nos textos noticiosos, relacionando-os a outros textos complementares (fotos, sons, vídeo, animações etc.), sites ou material de arquivo. É como se num texto jornalístico no ciberespaço não existisse a possibilidade da utilização de links internos ou externos para enriquecimento da notícia.

Sobre a personalização dos produtos jornalísticos, há única oferecida pela Adital, Carta Maior e IPS refere-se ao idioma. No caso da Adital, o usuário pode escolher entre o português e o espanhol. Na Carta Maior, entre o português, inglês e espanhol, sendo que o conteúdo em inglês e espanhol está desatualizado desde início de 2006, certamente por falta de profissionais para a tradução. Na IPS, por ser uma agência realmente internacional, são vários idiomas oferecidos: inglês, espanhol, francês, finlandês, italiano, alemão, swahili (dialeto africano), holandês, árabe, sérvio, turco, português e japonês.

O valor-notícia da redução do tempo entre o fato ocorrido e a sua publicação, caracterizado pela cobertura intermitente de determinados fatos, não é considerado pelas agências de notícias pesquisadas. A atualização das notícias é condicionada pela linha editorial e por um maior aprofundamento de certos temas do conteúdo produzido, que tem como público-alvo principal os formadores de opinião. Além disso, há limitações técnicas, financeiras e de pessoal. O intuito da Adital, Carta Maior e IPS não é competir com as agências tradicionais ou jornais on-line através da atualização em tempo real das notícias, mas disponibilizar material jornalístico diferenciado sobre determinados assuntos.

A pesquisa realizada durante o mês de agosto de 2007, nos sites em português da Adital, Carta Maior, IPS e Reuters, demonstra uma grande diferença na média diária de publicação de notícias entre as agências alternativas e a tradicional. A média de publicação da Reuters é de 18,8; da Adital, 10,38; da IPS, 3,77; e da Carta Maior, 1,35. A maior média da Adital entre as agências alternativas explica-se por ter uma pauta mais ampla, que envolve as atividades dos movimentos sociais em toda América Latina. A menor média da Carta Maior deve-se a uma linha editorial que privilegia o tratamento aprofundado de alguns temas e aos recursos financeiros e de pessoal reduzidos.

Reuters

Adital

Carta Maior

IPS

Média diária

18,8

10,38

1,35

3,77

Total de notícias

583

322

42

117

Tab. 1. Média diária de publicação de notícias nos sites em português.

A característica de Memória (Palácios, 2003) colabora com a hipótese principal desta pesquisa, de que os conteúdos das agências de notícias alternativas Adital, Carta Maior e IPS são organizados segundo valores dos movimentos sociais. A “quebra dos limites físicos” na Web possibilita a utilização de um espaço praticamente ilimitado para disponibilização e armazenamento de material noticioso dos mais variados formatos, recuperados e indexados através de motores de busca (search engines) que permitem múltiplos cruzamentos de palavras-chaves e datas (indexação).

Através dos motores de busca, na Adital, Carta Maior e IPS o conteúdo pode ser recuperado através de palavra-chave, desde o início do funcionamento das agências na Web.  Na Adital, está disponível material informativo a partir de 2001, podendo ainda refinar a pesquisa por data, autor, canais, país e ano de publicação. Na IPS, o conteúdo pode ser pesquisado desde 1995, com a possibilidade de refinar a busca por data e canais. Na Carta Maior, também a partir de 2001, sem refinamento da pesquisa. Tanto na Carta Maior e IPS o resultado da pesquisa é organizado por ordem cronológica. 

3.1. Organização dos conteúdos das agências digitais alternativas

O banco de dados para o jornalismo digital permite a gestão interna dos produtos, estruturação das informações, configuração e apresentação da notícia, assim como a recuperação das informações (Barbosa, 2007). Para Machado (2004a), as coleções de itens disponibilizadas na forma de banco de dados possibilitam aos usuários uma diversidade de operações como ver, navegar, buscar ou armazenar informações, emergindo como uma forma cultural típica para estruturar as informações sobre o mundo/realidade na cultura dos computadores.

António Fidalgo (2003) considera que as notícias podem ser classificadas como objetos, entrarem na categoria de dados e organizadas em base dados. No próprio jornal impresso, encontram-se organizadas por seções (política nacional, política internacional, economia, esportes, educação, ciência etc.), páginas ou cadernos. Na Web, a organização e divisão de um jornal têm inúmeras possibilidades de classificações, não havendo limites ao número de campos em que as notícias podem ser classificadas.

No jornal digital, na página inicial há o índice das notícias de destaque e os links das seções temáticas. As notícias podem ser listadas em ordem cronológica, ocupando as mais recentes o topo da lista, ou então a mais recente substituindo a anterior, mas contendo em si os links para as anteriores. Como salienta Fidalgo (2003) com o conceito de sintaxe, é a estrutura da base de dados que determina a forma como as diferentes notícias aparecem conjugadas na apresentação on-line. A coerência sintática não se limita a uma edição, mas a todas as notícias, presentes e passadas relacionadas direta ou indiretamente com o assunto em questão, interligadas por links.

Fidalgo (2004) avalia que a notícia pode ser classificada sob diversos pontos de vista e que depende dos seus diferentes contextos, temporal, geográfico, histórico, cultural, social, econômico e espiritual. Segundo Barbosa (2007), no banco de dados o processo de classificação interna proporciona também mudanças na classificação externa, ou seja, na forma como as notícias serão apresentadas, favorecendo novas possibilidades de tematizações, incorporando também vários contextos.

Silva Jr. (2002) afirma que a organização dos conteúdos dos jornais segue uma lógica próxima dos problemas que o jornal trata, ou seja, são condicionadas socialmente. Na Web, a organização editorial visa também orientar o modelo de exploração do leitor segundo uma ordem de problemas relacionados ao ambiente urbano e mundial. As seções de política, internacional, cidade, meio ambiente, cultura, turismo, são definidas não apenas por possibilidades tecnológicas, mas por uma dinâmica social (Silva Jr., 2002).

Para Machado (2004b), ao usuário é permitido então explorar, compor, recuperar e interagir com as narrativas nos itens organizados na forma de banco de dados. Ao acessar uma página jornalística na Web, pode escolher como território de exploração as muitas seções ou canais disponíveis, optando por um, entre os vários caminhos propostos, desenvolvendo uma ação que interfere no curso da narrativa. O caráter narrativo no ciberespaço transforma os deslocamentos pelo espaço navegável como um instrumento central da observação, exploração, narração e da composição da narrativa (Machado, 2004b).

A base de banco de dados colabora com a compreensão da organização dos conteúdos feita pelas agências de notícias alternativas analisadas neste trabalho. Como será demonstrado adiante, as notícias são classificadas segundo valores e crenças dos movimentos sociais, que buscam dar visibilidade àquilo que consideram silenciados ou pouco tratados na mídia tradicional. As tematizações formam um quadro social onde prevalecem questões relacionadas aos direitos humanos, igualdade, desenvolvimento econômico, social e ambiental, política e a luta pela dignidade humana e justiça social.

Revelam assim uma visão de mundo alternativa, colocando em evidência alguns aspectos ou facetas da realidade pouco consideradas pela mídia tradicional. Interessante notar, que o enquadramento (framing) diferenciado das notícias não ocorre apenas no âmbito da estrutura do discurso textual, mas também na classificação dos conteúdos. Assim, a escolha do leitor/usuário, sua navegação e composição de narrativa, diante da organização de conteúdo dada, podem ser caracterizadas por uma navegação ideológica, de afinidade com os valores dos movimentos sociais.

Na IPS (em inglês), os conteúdos são organizados pelas editorias/canais: Questões Globais, África, Ásia-Pacífico: Afeganistão, Irã; Caribe: Haiti; Europa: União na Diversidade; América Latina, Oriente Médio e Mediterrâneo: Iraque, Israel/Palestina; América do Norte: Neoconservadores, Bush na guerra;  Desenvolvimento: Objetivos do Milênio (programa da ONU), Vozes da Cidade, Corrupção; Sociedade Civil, Globalização, Meio Ambiente:  Energia, Mudança Climática, Tierramérica; Direitos Humanos, Saúde: HIV/AIDS; Povos Indígenas, Economia & Comércio, Trabalho, População: Direitos Reprodutivos, Migração & Refugiados; Artes & Divertimento, Educação, Liberdade de Expressão, No Foco (reportagens diversas), Opiniões dos Leitores. No site em português, os canais são: América Latina, África, Mundo, Economia, Direitos Humanos, Saúde, Ambiente, Globalização, Arte e Cultura, Energia, Política, Desenvolvimento e Colunistas.

Na Carta Maior, são distribuídos nos Canais: Colunistas, Análise & Opinião, Arte & Cultura, Direitos Humanos, Economia, Educação, Humor, Internacional, Meio Ambiente, Movimentos Sociais e Política. Em Especiais, há um conjunto de artigos, crônicas, resenhas e reportagens sobre temas ou eventos específicos. Os canais são: TXT (resenhas de livros), Venezuela do Século XXI, Agricultura Familiar e Reforma Agrária, Arqueólogo do Futuro (crônicas), Arquivos da Ditadura, Arte e Educação, Astral Maior – 2007 (Astrologia), Bionergia, Claquete (resenhas de filmes), Conferência Reforma Agrária 2006, Crônicas – Acervo 2007, Culturas Populares, Diversidade Social e Biológica, Diálogos da Bacia do Prata, Diário da Nova Bolívia, Diários do Xingu, Eleições na América Latina – 2006, Em Estado de Arte (museus), Estradas do Brasil, Exploração e Abuso Sexual, Febem, Futuro da Esquerda, Golpe Militar 40 anos, IV Feira Internacional de Agricultura, Índios na Cidade, Latinautas (reportagens sobre América Latina), Lusofonia (resenhas de livros de autores de língua portuguesa), MOP-COP (Conferência sobre Meio Ambiente). Em Fórum Social Mundial, há reportagens sobre os eventos relacionados ou semelhantes ao Fórum Social Mundial. Os canais são: 3° FSM 2003, 4° FSM 2004, 5° FSM 2005, 6° FSM 2006, 7° FS 2007, Fórum Cultural Mundial 2004, Fórum Cultural Mundial 2006, Fórum das Águas 2003, Fórum das Águas 2005, Mediterrâneo 2005, Nordestino 2004, Preparatórios e Temáticos 2005 e Reforma Agrária 2005.           

Na Adital, as editorias são mais abrangentes, com subdivisões específicas, talvez por ter um envolvimento mais direto e fazer uma maior cobertura dos movimentos sociais (conforme Tab. 1). Por sua relação com a Igreja Católica e pela militância de pastorais com os movimentos sociais, a questão religiosa e teológica faz parte da organização de conteúdos da agência. As seções são: Movimentos Sociais: Cultura, Diversidade Sexual, Educação, Gênero, Haiti, Migrantes, Movimentos Sociais, Mulher, Negros, Portadores de Necessidades Especiais, Povos Indígenas, Saúde, Trabalhadores, Turismo, Crianças e Adolescentes e Jovens; Igrejas – Religiões: Bíblia, Conferência de Aparecida – Celam, Diálogo inter-religioso, Igrejas – Religiões, Teologia; Artigos – Opinião, CF-2008 (Campanha da Fraternidade), Direitos Humanos, Economia, Economia Solidária, Meio Ambiente, Mídia, Política, Questão Agrária, Charges, Programas de Rádio.    

Nas agências tradicionais, a organização dos conteúdos em seus sites demonstra uma visão de mundo sem contrastes ou nuances. As notícias são classificadas em tópicos gerais, seguindo uma lógica mais simples e funcional, apesar de, a partir das possibilidades combinatórias e do cruzamento entre as informações inseridas num banco de dados, a apresentação dos conteúdos pode contemplar novas tematizações, incorporando os contextos temporal, geográfico, histórico, cultural, econômico, religioso, entre outros (Barbosa, 2007). Como os jornais buscam a universalidade, os campos do banco de dados deveriam ser tantos e tão diversos como a realidade, mas há a possibilidade de sempre acrescentar mais um campo, que terminaria levando ao infinito (Fidalgo, 2004). Deste modo, a classificação feita pelas agências tradicionais busca a simplificação, reduzindo a realidade a alguns poucos tópicos.  

No site da Reuters (inglês), os conteúdos são organizados pelas seções Mercados, Negócios, Indústrias, Estoques, Estados Unidos, Política, Internacional, Tecnologia, Entretenimento, Estilo de Vida, Exótico, Meio Ambiente, Saúde, Ciência, Cobertura Especial, Vídeo, Fotos, Seu Testemunho, Blogs, Feedback do Leitor. No site em português: Notícias, Manchetes, Mundo, Negócios, Esportes, Cultura, Brasil e Internet.

3.2. Seleção de notícias e enquadramento das agências de notícias alternativas

Para verificar as diferenças na seleção de notícias e framing entre as agências de notícias tradicionais e as alternativas, foram pesquisados e comparados os temas e os enquadramentos, através da análise de conteúdo, das notícias e artigos opinativos veiculados nos sites da Reuters (português), Adital, Carta Maior e IPS (português), no período de um mês (agosto de 2007). Na análise dos temas, foi levado em conta se as notícias nas agências alternativas realmente são organizadas e pautadas segundos valores dos movimentos sociais.

Já para os enquadramentos, foi escolhida a cobertura feita pelas agências do VII Fórum Social Mundial (FSM), que aconteceu em Nairóbi no Quênia, de 20 a 25 de janeiro de 2007. O Fórum Social, pela sua influência e importância para os movimentos sociais, é um estudo de caso esclarecedor para estabelecer diferenças de visões entre a mídia alternativa e tradicional. As análises foram feitas observando as palavras-chaves, termos freqüentes ou qualificadores nas matérias, mesmo reconhecendo as debilidades que caracterizam os métodos de estudos feitos nesta área (Porto, 2004).

O FSM foi realizado pela primeira vez em 2001 em Porto Alegre, onde aconteceu até 2004, quando teve por sede a cidade indiana de Mumbai. Em 2005, voltou à capital do Rio Grande do Sul e em 2006 aconteceu como “fórum policêntrico”, em três cidades: Bamako (19 a 23 de janeiro), Caracas (24 a 29 de janeiro) e Carachi (de 24 a 29 de março). Criado como alternativa ao Fórum Econômico Mundial, a reunião anual na localidade suíça de Davos que atrai a elite empresarial e política do mundo, o FSM reúne uma série de grupos e indivíduos, principalmente da sociedade civil, que se opõem à globalização em seu modelo atual. O FSM de Nairóbi foi o primeiro realizado em um país africano.

Os resultados da pesquisa foram classificados por categorias da seguinte forma: temas - segundo canais/editorias dos sites das agências de notícias; enquadramentos noticiosos ou interpretativos (por palavras-chaves) da cobertura do Fórum Social Mundial. As matérias e artigos opinativos foram pesquisados diariamente durante o mês de agosto de 2007 nas homepages dos sites das agências. Já as matérias sobre o Fórum Social Mundial foram recuperadas através de pesquisa utilizando o instrumento de busca dos sites. As matérias da Reuters sobre o Fórum Social foram pesquisadas no site em inglês, pois não estão disponíveis em português.

3.2.1. Seleção de notícias

Conforme os resultados da pesquisa (Tabela 1), a seleção de notícias e a organização dos conteúdos das agências de notícias alternativas Adital, Carta Maior e IPS são diferentes da agência tradicional Reuters. Além de seus conteúdos serem organizados segundo alguns valores dos movimentos sociais, a seleção de notícias indica realmente que buscam divulgar temas poucos tratados nas agências tradicionais, como Direitos Humanos (Adital – 9,0%; IPS – 9,0%; Reuters – 0%), Meio Ambiente (Adital – 10,5%; Carta Maior – 9,5%; IPS – 40,0%; Reuters – 1,0%) e Movimentos Sociais (Adital – 38,0%; Carta Maior – 7,0%; IPS – 7,0%; Reuters – 0%).

Em contrapartida, a Reuters lidera as notícias sobre Política (52,0%) e Geral (24,5%). Já sobre Economia, Carta Maior lidera com 21,5%, seguida da Reuters (19,0%), IPS (11,0%) e Adital (10,5%). Como a Carta Maior desempenha um papel de observatório crítico da mídia, 17,0% de suas matérias são sobre este tema, seguida da Adital (2,5%). Vale salientar que a maior quantidade de matérias da Reuters se deve a sua estrutura profissional de grande empresa de comunicação do mundo e, da Adital, por ter colaboradores em toda América Latina e Caribe.

a) Temas publicados

Segundo Conceição Rosa, coordenadora da Adital, e a editora Ana Rogéria Mendes, a elaboração da pauta da agência segue os critérios da urgência das demandas recebidas (denúncias, declarações) e de temas importantes dentro do panorama dos movimentos sociais. Categorias como: questões indígenas, questões agrárias, migração, meio ambiente, economia solidária, crianças e adolescentes, mulheres, diversidade sexual, manifestações populares, são algumas das que ganham destaque no boletim eletrônico da agência.

Categoria

Reuters

Adital

Carta Maior

IPS

Reuters

Adital

Carta Maior

IPS

Educação

7

0,0

2,0

0,0

0,0

Saúde

3

3

0,0

1,0

0,0

3,0

Economia

113

34

9

13

19,0

10,5

21,5

11,0

Política

301

52

14

33

52,0

16,0

33,0

28,0

Direitos Hum.

28

11

0,0

9,0

0,0

9,0

Meio Ambiente

8

33

4

47

1,0

10,5

9,5

40,0

Arte e Cultura

3

3

5

1

0,5

1,0

12,0

1,0

Mov. Sociais

123

3

8

0,0

38,0

7,0

7,0

Esportes

17

3,0

0,0

0,0

0,0

Igrejas – Rel.

20

0,0

6,0

0,0

0,0

Mídia

8

7

0,0

2,5

17,0

0,0

Geral

142

11

1

24,5

3,5

0,0

1,0

Total

584

322

42

117

100,0

100,0

100,0

100,0

Tab. 2. Temas X Percentual.

Na Carta Maior, a pauta é discutida coletivamente e definida de acordo com sua relevância no cenário político, social, ambiental, econômico e cultural do país, segundo a linha editorial da agência. A escolha das matérias segue os critérios de impacto na área específica de cada editoria e na importância que o fato tem no debate conjuntural sobre modelo de desenvolvimento nacional e global socialmente justo e ambientalmente sustentável defendido pelo veículo.

A pauta da IPS é baseada nos temas mais ou menos já definidos, que devem servir de diretriz para os seus correspondentes em cada país: meio ambiente, direitos humanos, macroeconomia internacional e questões sociais, com foco nas mulheres e crianças.

Chamados pela agência de temas de desenvolvimento. Dentro dos temas pré-definidos o correspondente tem a liberdade de fazer a sua pauta, utilizando como critérios básicos a atualidade e a relevância internacional, já que seu público-alvo é mundial. Mas também há na IPS uma seleção de pauta que gira em torno de projetos feitos com parceiros institucionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), ONGs e governos, que seguem a linha editorial da agência.

3.2.2. Enquadramento

Sobre a pesquisa de enquadramento (Tab. 3), revela-se válido a aplicação da teoria do framing para estabelecer diferenças entre a mídia alternativa e a tradicional. Mesmo quando há uma coincidência de pauta ou agenda, o enquadramento dado pelo jornalismo alternativo é diferente do chamado jornalismo tradicional. Na análise realizada foram levados em conta os dois tipos principais de enquadramentos: noticiosos e interpretativos. Os noticiosos são padrões de apresentação, seleção e destaque utilizados por jornalistas em seus relatos, o ângulo da notícia. Já os interpretativos são padrões de interpretação que promovem uma avaliação particular de temas e/ou eventos (Porto, 2004).

A Reuters enquadra a cobertura do VII Fórum Social Mundial (FSM) segundo valores das nações desenvolvidas ou do capital, selecionando e destacando aspectos econômicos, comerciais e das relações internacionais. Chama a atenção a pouca quantidade de matéria da Reuters sobre o FSM encontrada através da ferramenta de busca do site em inglês. Fica a dúvida se a agência realmente deu pouca atenção ao Fórum ou sua ferramenta de busca não encontrou todo o material sobre o assunto, já que a Reuters teria condições por sua estrutura e importância de fazer uma melhor e maior cobertura.

Sobre as características do Fórum em si, destaca as falas de protesto, o clima festivo e o antiamericanismo. Em comparação às outras agências, a cobertura da Reuters foi pequena, com apenas três matérias. As agências Adital, Carta Maior e IPS realizam enquadramentos quase coincidentes, sempre levando em conta os valores e os interesses dos movimentos sociais. A Carta Maior, por ter realizado uma cobertura mais ampla e variada (30 matérias), realiza outros enquadramentos, como concentração da mídia, neocolonização, precarização do trabalho, religiosidade etc.

Agências

Enquadramentos  principais e secundários


Reuters

Economia; Comércio Exterior; Protestos; Combate à Pobreza; Relações Internacionais; Clima festivo; Lideranças internacionais; Antiamericanismo.



Adital

 

Movimentos sociais; Discussão; Análise; Direitos; Direitos Humanos; Estratégias; Ativistas; Luta; Organizações; Intercâmbio; Sociedade Civil; Social; Mobilização; Integração cultural; ONGs; Norte e Sul; Desafio; Denúncias; Crítica; Consciência; Povos; Autocrítica; Construção; Diferenças; Diversidade; Espaço; Reivindicações; Mudanças.



Carta Maior

Desigualdade social; Movimentos sociais; Autocrítica; Mudanças nos organismos internacionais; Governos de esquerda; Questão de Gênero; Relação entre Governos, partidos políticos e movimentos sociais; Concentração da mídia; Dívidas dos países pobres; Luta contra as multinacionais; Precarização do trabalho; Protesto antiglobalização; Imigração dos pobres; Globalização; Questão africana; Interesses americanos; Combate à Aids; Neocolonialismo; Política de esquerda; Celebração; Religiosidade; Depoimento pessoal.



IPS

Combate à pobreza; Desigualdade social; Celebração; Combate à Aids; Questão africana; Globalização; Cooperação entre países subdesenvolvidos; Mudanças nos organismos internacionais; Multiculturalismo; Questão de gênero; Dívidas dos países pobres; Autocrítica; Movimentos sociais.

Tab. 3. Enquadramento: VII Fórum Social Mundial.

3.2.3. Fontes

Um dos objetivos principais e características das agências de notícias alternativas Adital, Carta Maior e IPS é darem voz àqueles que não têm voz, já que acreditam que alguns atores sociais não são ouvidos pela mídia tradicional ou de massa, principalmente, os ligados aos movimentos sociais. Assim, diferenciam-se ao utilizar fontes distintas daquelas dos grandes meios de comunicação.

Fala-se em fontes aqui não apenas em relação aos representantes de instituições governamentais, de empresas, dos movimentos sociais ou personalidades, mas naquelas presentes no contexto do jornalismo produzido com a colaboração das novas tecnologias e no âmbito do ciberespaço, onde acontece a pesquisa, coleta de dados e apuração das notícias, através de páginas da Web de instituições e movimentos sociais, bancos de dados eletrônicos, usuários, emails, chats, grupos de discussão etc.

Na Adital, segundo a coordenadora Conceição Rosa e a editora Ana Rogéria Mendes, a fonte do material jornalístico de terceiros recebido para publicação é checada para atestar sua origem. Em geral, trabalham com fontes que freqüentemente já enviam material para a agência há muitos anos e que são reconhecidas dentro dos movimentos sociais. Recebem também material de fontes oficiais (governos, secretarias, imprensa presidencial de vários países da América Latina), que são utilizadas esporadicamente.

A Adital tem como fonte principal os movimentos sociais, mesmo daqueles que não contam com um jornalista ou assessoria de imprensa. Por conta de todo um relacionamento construído desde o início da agência, quando foram realizadas viagens para contatar movimentos de vários estados brasileiros e vários países da América Latina e Caribe, o veículo é bastante procurado por entidades ligadas aos movimentos sociais.

A Web é utilizada com freqüência para a elaboração e checagem das informações que são enviadas para Adital, uma média de 400 mensagens diárias de várias partes do mundo. Desse total, é feita uma triagem do que pode se constituir, potencialmente, em matérias para veiculação. O conteúdo dessas mensagens passa por um processo de pesquisa junto a outros meios independentes e procura-se também alguma repercussão nos grandes meios de comunicação. Na seqüência, o material decupado vai para o repórter que elabora o texto. Em casos de entrevista, as perguntas são enviadas por email ou gravadas pelo telefone.

Segundo a jornalista da Carta Maior Verena Glass, geralmente nas matérias da agência os entrevistados são especialistas, ideólogos ou lideranças de reconhecida credibilidade no tema em questão, cujo posicionamento colabore com a compreensão do assunto de uma perspectiva de esquerda. Em especial, são ouvidos os diretamente relacionados aos fatos e os responsáveis governamentais da área, além de analistas que possam aprofundar o debate.

As fontes governamentais são procuradas geralmente para posicionamentos sobre políticas e ações adotadas pelo Estado. Já os movimentos sociais têm um posicionamento definido sobre temas de relevância em quaisquer das áreas tratadas no veículo e são fontes essenciais das matérias. Grande parte do fluxo de informações que chega à agência é através das vias eletrônicas de comunicação, com a Internet sendo utilizada na busca de dados.

Na IPS, conforme o jornalista Mário Osava, correspondente da IPS no Brasil, há o objetivo de sempre ouvir fontes reconhecidas, qualificadas, mas com espaço para fontes da sociedade civil, priorizando o terceiro setor (ONGs) e os movimentos sociais.

Outra preocupação é equilibrar a questão de gênero, não ouvindo somente homens. A orientação geral é ouvir todos os setores. A Web, para o processo de produção da IPS, é uma fonte mais para pesquisa, contextualização das matérias e comparação de dados internacionais.

Para Osava, a Internet coopera muito para a atuação descentralizada da IPS. Os correspondentes regionais da agência enviam suas matérias por email para o escritório regional, que edita e disponibiliza na rede. Depois disso, tem o corpo de tradutores que atuam também como editores, podendo adicionar novos dados nos conteúdos informativos. Cada escritório parceiro nos países seleciona as matérias, traduz para o seu idioma e disponibiliza na Web. Como apenas um terço do conteúdo da IPS é pago, o restante pode ser acessado livremente em suas páginas eletrônicas. Hoje, está em discussão na IPS, como usar a Web melhor, com mais interatividade, tornando o leitor mais colaborativo, permitindo que seja também fonte.

4. Conclusão

As agências de notícias alternativas Adital, Carta Maior e IPS não têm a pretensão de competir com a audiência dos grandes meios de comunicação, mas de produzir conteúdo para um público formador de opinião, que faz parte de uma demanda na sociedade civil que busca um tratamento diferenciado e aprofundamento de temas poucos tratados na mídia tradicional.

Fica clara a relação existente dessas agências com os movimentos sociais, apesar de atuarem de forma independente e autônoma e terem origens distintas. Esses veículos alternativos compartilham valores de justiça social, igualdade, defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, desenvolvimento social e econômico sustentável dos movimentos sociais, que criam um vínculo solidário e uma rede de troca de informações. Assim, os valores compartilhados terminam por influenciar o fazer jornalístico dessas agências, seu processo de produção, construção de pauta, organização de conteúdos e estrutura hierárquica.

Apesar de manterem uma estrutura administrativa semelhante a outros veículos de comunicação, os jornalistas das agências alternativas possuem certa autonomia de ação. À exceção da Carta Maior, que mantém uma estrutura baseada mais na iniciativa individual de algumas pessoas, a Adital e IPS são associações coletivas, que seguem diretrizes e orientações compartilhadas entre os seus membros. Não aparenta haver entre os membros dessas agências uma preocupação em diferenciar-se da mídia tradicional tornando sua estrutura administrativa mais democrática, porém isto parece ser uma realidade por questões culturais e pelo modelo de produção específico praticado.

Na análise das características do jornalismo digital (multimidialidade, interatividade, memória, hipertextualidade, personalização e atualização contínua) nas agências de notícias pesquisadas, observa-se que não há um uso pleno e sistemático dos recursos oferecidos pela na Web. A causa para isto pode ser a utilização do formato de agência de notícias baseada mais na linguagem textual ou pela restrição de recursos técnicos, financeiros ou profissionais. As agências Adital, Carta Maior e IPS têm ainda muito a explorar e desenvolver as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias no ciberespaço.

Fica evidente, a partir do conceito de banco de dados (Machado, 2004a), que na organização dos conteúdos feita pelas agências de notícias alternativas analisadas neste trabalho, as notícias são classificadas segundo valores e crenças dos movimentos sociais. As seções ou canais formam um quadro social onde prevalecem questões relacionadas aos direitos humanos, igualdade, desenvolvimento econômico, social e ambiental, política e a luta pela dignidade humana e justiça social. Destacam-se aspectos da realidade que são considerados esquecidos ou pouco lembrados pela mídia tradicional.

Este trabalho indica que é possível aplicar a teoria do framing na análise da mídia alternativa. Tanto o enquadramento como a seleção de notícias são elementos do jornalismo que estabelecem diferenças e colaboram na definição da mídia alternativa.

Fica demonstrado que o jornalismo alternativo é um jornalismo engajado, que defende valores e interesses dos menos favorecidos e busca, se possível, conscientizar e arregimentar novos aliados. No desenvolvimento da pesquisa, para resultados mais precisos, se faz necessária uma análise mais sistemática de conteúdo, diferenciando o enquadramento noticioso e o interpretativo, somada a uma análise de conteúdo também quantitativa.

Também foi possível identificar na atuação dos meios de comunicação como privilegiam certos temas e certos enquadramentos na produção de notícias. As agências de notícias tradicionais ao desempenharem um papel importante na difusão de conteúdos, operando globalmente na produção, venda e distribuição de material jornalístico, atuando como selecionadores (gatekeeper) de notícias mundiais, termina por impor de certa forma uma agenda única e homogênea e, o que é pior, a hegemonia de certos enquadramentos, mesmo no ciberespaço.

As pautas das agências de notícias alternativas não são determinadas apenas pelos fatos noticiosos, mas sim pelos fatos noticiosos relacionados com valores sociais, econômicos, políticos e culturais que compartilham com os movimentos sociais. Este é o critério de seleção e filtragem das notícias.

Além disso, para confirmar empiricamente se realmente essas agências dão voz àqueles que não têm voz e se são realmente independentes dos governos de esquerda, é necessária futuramente uma pesquisa de análise de conteúdo e quantitativa sobre as fontes utilizadas. Outra questão a ser pesquisada em relação às agências alternativas é se realmente e de que forma seus conteúdos são compartilhados na Web entre os vários grupos que possuem valores e interesses comuns, como os movimentos sociais. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATTON, C. Alternative media. Londres: Sage Publications, 2005.

_______. “What is ‘alternative’ journalism?”. Journalism: Theory, Practice and Criticism, Londres, Vol. 4, n° 3, 2003, p. 267-272.

BARBOSA, S. “Sistematizando conceitos e características sobre o jornalismo digital em base de dados”. In: BARBOSA, S. (Org.). Jornalismo digital de terceira geração. Covilhã-Portugal: LabCom, 2007. Disponível em: http://www.labcom.ubi.pt/livroslabcom/fichas/ficha_barbosa_jornalismo_online.html.

BARDOEL, J.; DEUZE, M. “Network journalism: converging competences of old and new media professionals”. Australian Journalism Review, Vol. 23, n° 2, 2001, p. 91-103.

BOYD-BARRETT, O; RANTANEN, T. “The globalization news”. In: BOYD-BARRETT, O.; RANTANEN, T. (Org.). The globalization of news. Londres: Sage Publications, 1998. p. 1-14.

BREWER, P. R.; GRAF, J.; WILLNAT, L. “Priming or framing: media influence on attitudes toward foreign countries”. The International Journal for Communication Studies, Londres, Vol. 65, n° 6, dez. 2003, p. 493-508.

BRUNS, A. Gatewatching – Collaborative online news production. Nova Iorque: Peter Lang, 2005.

CANAVILHAS, J. M. WebJornalismo: considerações gerais sobre jornalismo na web. Covilhã, Portugal: BOCC, 2001. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornal.pdf.

COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge: MIT Press, 1992.

ERBOLATO, M. Técnicas de codificação em jornalismo: redação, captação e edição no jornal diário. São Paulo: Editora Ática, 2004.

FAHMY, S. “Emerging or traditional news gates: which news sources were used to picture the 9/11 attack and afghan war?”. International Communication Gazette. Londres, Vol. 67, 2005, p. 381-398.

FIDALGO, A. “Do poliedro à esfera: os campos de classificação. A resolução semântica no jornalismo online”. In: Anais do II SBPJor, Salvador-BA, Brasil, 2004.

__________. Sintaxe e semântica das notícias on-line. Para um jornalismo assente em base de dados. Covilhã, Portugal: BOCC, 2004. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-jornalismo-base-dados.pdf.

GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience. Boston: University of Califórnia Press, 1986.

HARCUP, T. “The unspoken - said - The journalism of alternative media”. Journalism: Theory, Practice and Criticism, Londres, Vol. 4, 2003, p. 356-376.

KUNCZIK, M. Conceitos de jornalismo norte e sul. São Paulo: Edusp, 2002.

MACHADO, E. “Banco de dados como formato no jornalismo digital”. In: Anais VI Lusocom (CD-ROM), Covilhã, Portugal, abr. 2004a. 

__________. “O banco de dados como espaço de composição de narrativas multimídia”. In: Anais do II SBPJor (CD-ROM), Salvador-BA, Brasil, 2004b.

MACHADO, E. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Salvador: Calandra, 2003.

MELUCCI, A. “The new social movements: a theoretical Approach”. Social Science Information, n° 19, 1980.

MIELNICZUK, L. “Sistematizando alguns conhecimentos sobre jornalismo na web”. In: MACHADO, E.; PALÁCIOS, M. Modelos de jornalismo digital. Salvador: Calandra, 2003.

MORAES, D. de. “A lógica da mídia no sistema de poder mundial”. Eptic, Vol. VI, n° 2, p. 16-36, maio-ago. 2004. Disponível em: http://www2.eptic.com.br/arquivos/Revistas/Vol.VI,n.2,2004/ADenis.pdf.

PALÁCIOS, M. “Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo on-line: o lugar da memória”. In: MACHADO, E.; PALÁCIOS, M. Modelos de jornalismo digital. Salvador: Calandra, 2003.

PAVLIK, J. V. Journalism and new media. New York, Columbia University Press, 2001.

PLATON, S.; DEUZE, M. “Indymedia journalism: a radical way of making, selecting and sharing news?”. In: Journalism, Londres, Vol. 4, n° 3, 2003, p. 336-355.

PORTO, M. “Enquadramentos da mídia e política”. In: RUBIM, A. A. C. Comunicação e Política – Conceitos e abordagens. Salvador: Edufba/Unesp, 2004. p. 74-104.

RENDEIRO, M. F. “Defining alternativess: the meaning alternative journalists give to their work”. 2003. 54 f. Dissertação de mestrado em Comunicação, Universiteit van Amsterdam, Amsterdã, 2003. Disponível em: http://www.bicyclemark.org/rendeiro-mastersthesis.pdf.

SCHEUFELE, D. A. “Framing as a theory of media effects”. Journal of Communication, Vol. 49, n° 1, mar. 1999, p. 103-122.

SILVA JR., J. A. “Déja-vu onipresente: repetição, previsibilidade e homogeneidade nas agências de notícias on-line brasileiras”. In: MACHADO, E.; PALÁCIOS, M. Modelos de jornalismo digital. Salvador: Calandra, 2003.

____________. “A relação das interfaces enquanto mediadoras de conteúdo do jornalismo contemporâneo: agências de notícias como estudo de caso”. Covilhã, Portugal: BOCC, 2002. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/junior-jose-afonso-interfaces-mediadoras.html.

TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística. Florianópolis: Insular Pósjor UFSC, 2005.  Vol. 2.

 Sites consultados:

Adital
http://www.Adital.com.br/site/index.asp?lang=PT&.

Carta Maior
http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/index.cfm?boletim_id=293.

IPS em português
http://www.mwglobal.org/IPSbrasil.net/index.php.

IPS em ingles
http://IPSnews.net.

Reuters em português
http://br.Reuters.com.

Reuters em inglês
http://www.Reuters.com/.

*Laércio Torres de Góes é mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de jornalismo digital da Faculdade Anísio Teixeira (FAT), em Feira de Santana/BA.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]