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As Folhas de
Nabantino Ramos
(1945-1962)

Por Andréa de Araujo Nogueira*

As Folhas, e não a Folha. Adotamos a denominação popular da empresa jornalística, pois os jornais Folha da Noite, Folha da Tarde e Folha da Manhã englobam desde sua formação até 1960, aspectos editoriais e gráficos diferenciados, seguindo uma mesma orientação política.

Reprodução

Jornalistas das "Folhas", no antigo prédio
na rua do Carmo, São Paulo, anos 40

Para cada uma das três edições da empresa Folha da Manhã S.A., Nabantino Ramos, advogado do interior paulista, empreendeu uma linha própria, consolidando a base empresarial do grupo, segundo os autores Mota e Capelato (1981) e Taschner (1992).

Não é nossa intenção neste trabalho discorrer sobre a trajetória da publicação, tão bem dimensionada nas análises dos referidos pesquisadores, mas pontuar questões que envolveram a publicação, com um recorte sob o período da direção de Nabantino Ramos. O advogado implantou na estrutura jornalística, elementos considerados de interesse popular, num período de redemocratização política, marcado pelas atitudes populistas de personagens como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Getúlio Vargas.

1. Prólogo sobre As Folhas

Em São Paulo, a recém-criada empresa Folha da Manhã Ltda. inicia a publicação em fevereiro de 1921 do jornal Folha da Noite, nas oficinas do O Estado de S. Paulo. O jornal concentrava-se em temas populares e urbanos, sob a direção de Olival Costa (1921 a 1931), movida também pelo interesse na modernização da linguagem cotidiana.

Em 1925 Olival Costa cria um novo jornal, a Folha da Manhã, que retratava os grandes acontecimentos com ênfase no comentário pessoal -, como o jornal local, urbano onde imperava campanhas contra a carestia e o analfabetismo. Os dois jornais (1) apresentavam estruturas semelhantes, mas a Folha da Noite, desse período, possuía a clara intenção de atingir o público de imigrantes, em sua maioria formada por grupos de operários, um contingente que começava a se destacar no cenário urbano, contando com o noticiário de articulação política dos jornais operários.

Após o empastelamento em 1930, resultado do apoio de Olival ao governo e a candidatura de Júlio Prestes, prevalece uma atitude legalista atrelada aos interesses da oligarquia paulista. Olival Costa, sem condições físicas de sustentar o jornal, vende suas ações para Octaviano Alves de Lima, representante da economia agrária, que permanece seu proprietário durante os quinze anos do primeiro governo de Getúlio Vargas.

O movimento contrário ao Estado Novo se acirra em 1945. A primeira manifestação coletiva tem no 1°Congresso de Escritores aberto no Teatro Municipal em 22 de janeiro de 1945, um núcleo de contestação, que segundo Mario de Andrade, "resolverá os problemas instantes da inteligência brasileira e esta saberá defender sua dignidade." (2)

O Congresso seria encerrado com a convicção de seus integrantes pela necessidade urgente de ajustar-se aos princípios então enunciados. O cerco da censura seria rompido com as declarações para a imprensa de José Américo de Almeida em 22 de fevereiro. Nelas o escritor exigia eleições livres, além de promover a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes.

A preservação de uma atitude eqüidistante das Folhas ainda sob a direção de Octaviano Alves de Lima sobre o governo de Getúlio, se alterou com a promulgação da Lei Constitucional n°9, em 28 de fevereiro de 1945, que definiu a data das eleições para presidente da República e governadores dos Estados, assim como para o Parlamento e as Assembléias Legislativas por sufrágio direto, fixada ao prazo de 90 dias.

A aparente concessão de Vargas diante da ampliação da oposição ao regime instaurado, revelava a nítida intenção de sua permanência e dos interventores no poder, até a posse dos novos governadores. A Folha da Noite de Octaviano em 1° de março de 1945, anunciava a manchete: "Lutaremos contra o Catete", numa série de protestos contra o Ato Adicional, que, segundo o editorial do dia, não preservava o sistema federativo.

A passagem do regime autoritário do Estado Novo para um regime democrático associou a dinamização da economia que deixa de ter características agroexportadora, em parte devido a crise de 29 e o conseqüente favorecimento à industrialização, por meio de uma ação interventora e reguladora do Estado. No período de Octaviano Alves de Lima, acentuam-se as diferenças nas propostas e na apresentação gráfica da Folha da Noite e da Folha da Manhã, com as seções voltadas para a programação do rádio e cinema, especialmente na Folha da Noite.

Aparecem as primeiras tira de comics internacionais na década de 40 e as manchetes ganham espaço com letras garrafais. A notícia começa a preocupar-se com seu ritmo, que se relaciona ao da vivência urbana:

O jornalismo de hoje não comporta mais a tendência digressiva dos velhos doutrinadores. Tudo rápido, direto, por vezes brutal. E no entanto pode-se ser prolixo escrevendo pouco e conciso escrevendo muito. Ora a melhor forma de gravar alguma coisa no espírito da massa ledora, é a brevidade incisiva daquilo que se escreve. (3)

No período final de oposição ao Estado Novo, Octaviano Alves de Lima decide vender o jornal retirando-se definitivamente da "laboriosa" vida de jornalista, e passar a comandar seu empreendimento imobiliário Chapadão, em Campinas:

que fazer agora, repitamos, senão aguardar estoicamente os acontecimentos, em toda a brutalidade que eles sabem ter onde os homens são cegos e as multidões indiferentes. As multidões podem sofrer por largos anos as agruras da opressão em todos os aspectos. Mas elas são como os grandes e indomáveis fenômenos da natureza. Da calma mais profunda podem passar às agitações mais inconcebíveis, realizando num dia os sonhos de um milênio. (4)

Assume a direção do jornal, um "aglomerado político-industrial", sendo Alcides Ribeiro Meirelles seu diretor-presidente. Conhecido médico e lavrador em Santa Rita do Passa Quatro, Alcides ocupou a presidência da Associação Agro-Pecuária do Vale do Mogi-Guaçu, entidade que congrega os lavradores e criadores do Estado. Seria o representante do interventor Fernando Costa, diretamente ligado a Getúlio Vargas.

Clóvis Queiroga representava Francisco Matarazzo, que, embora naturalizado brasileiro, não poderia legalmente dirigir o jornal. O Conde resolveu investir nas Folhas para enfrentar as chantagens de Chateaubriand e seus Diários, adquirindo o jornal de uma forma inesperada, sob pressão de Vargas. Coordenando efetivamente o grupo estava José Nabantino Ramos, advogado atuante em Bauru, ligado a Costa Neto, ministro da Justiça do governo de Dutra. Com o correr do tempo, os jornalistas, Meirelles, Queiroga e Nabantino acabam se desvencilhando do papel secundário, definindo suas orientações políticas e com isso, dinamizando a atuação jornalística.

O valor da empresa passa de 17 mil cruzeiros, pagos pelo antigo proprietário, Octaviano Alves de Lima a Olival Costa, para 15 milhões e 2.500 em máquinas adquiridas por Nabantino. O período foi de grande crescimento de capital da empresa. De Limitada transforma-se em Sociedade Anônima em 1951, com a clara intenção de incorporar patrimônio.

Mas a política de Nabantino, alicerçando o espaço da empresa jornalística e defendendo o Estado liberal calcado nos valores do mundo burguês, teria ainda que se abalar com uma separação na equipe.

2. Jornal de S. Paulo (1945 - 1948)

O jornalista trotskista Hermínio Sacchetta, (5) secretário-geral das Folhas não concordou com a comercialização de toda a estrutura das Folhas, de "porteira fechada", isto é, incluindo, além do maquinário, os empregados da empresa como jornalistas e fotógrafos, apreensivo diante das relações entre Nabantino Ramos, o novo diretor do jornal, e o governo de Getúlio Vargas:

Certo dia o Octaviano Alves de Lima apareceu na redação para me comunicar um fato importante: havia vendido o jornal. Vendera para um grupo liderado por Costa Neto. O dr. Nabantino Ramos, iria assumir a direção da empresa. Respondi ao Octaviano que as Folhas, também naquele momento, acabava de perder seu secretário-geral. E eu repetiria esse gesto hoje, se o jornal em que trabalhasse fosse vendido, na minha opinião, para um governo ditatorial. O fato é que eu saí e comigo saíram mais de 50 companheiros. (6)

A reação do grupo oposicionista foi imediata, ao publicar nos jornais um manifesto motivado pela demissão de seu diretor, o escritor Guilherme de Almeida, em 7 de março de 1945. Os jornalistas consideravam a Folha da Manhã e a Folha da Noite títulos de honra, defendidos sem transigência durante anos a democracia, apesar das dificuldades impostas pelo Estado Novo, "nós fizemos das Folhas dois jornais que São Paulo inteiro se orgulhava." (7) A venda significava aos jornalistas, o assassinato das Folhas.

O protesto tornava pública a revolta contra os procedimentos de transferência do jornal. Em resposta, a nova direção das Folhas proclama a manutenção dos jornais seguindo o programa estabelecido na entrada dos novos diretores, preservando uma linha voltada aos interesses dos pecuaristas e grandes agricultores.

Ao desligarem das Folhas, os jornalistas dissidentes iniciaram de imediato a publicação de um novo periódico: o Jornal de S. Paulo, sob a direção de Guilherme de Almeida. Segundo o prontuário de Sacchetta, "o referido jornal estava congregando em seu corpo redatorial, todos os jornalistas comunistas que haviam sido dispensados das Folhas, tais como Abguar Bastos, José Stachini e outros". (8)

O Jornal de S. Paulo, de abril de 1946 a fevereiro de 1948 sob a direção de Morel Marcondes e Francisco Souza Netto, estabeleceu uma oposição ao governo de Dutra. Contava com escritores como Orígenes Lessa, Afonso Schmidt, Rubens do Amaral e o então jovem sociólogo Florestan Fernandes para a coluna Homem e Sociedade Era a primeira vez que um jornal no Brasil organizava um plano sistemático de colaboração, oferecendo um lugar definido às ciências sociais.

Em fevereiro de 1948, pressionados pelo alto preço da importação do papel, fruto do controle cambial empreendido pela política econômica de Gaspar Dutra, o Jornal de S. Paulo fecha suas portas. Muitos de seus jornalistas voltam para as Folhas, como foi o caso de Morel Marcondes, que iria chefiar a redação da Folha da Noite.

3. A redemocratização nas Folhas

A pressão contra o Estado Novo aumentava, levando Getúlio Vargas estrategicamente a renunciar e retirar-se para São Borja. De sua estância articulou a criação do Partido Social Democrático - PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB em 1945.

Dutra foi o primeiro presidente após o fim do Estado Novo em outubro de 1945. Seu governo, situado dentro de um quadro internacional do pós-guerra, sempre foi considerado pela historiografia como um interregno permeado de equívocos na administração pública bem como na gestão da vida política e econômica, em relação aos dois momentos do governo de Vargas, conforme Saretta (2000). A marca do liberalismo econômico presente na Constituição de 1946, que favoreceu empreendimentos como das Folhas, rapidamente esgotaram as reservas brasileiras de divisas, em razão dos repetidos déficits orçamentários.

A direção do advogado José Nabantino Ramos nas Folhas, já afinada com a nova estrutura e com as demandas comerciais, redimensionou aspectos do jornal, tanto no aspecto político, quanto gráfico. Importou novos maquinários, como a poderosa rotativa Goss Headliner, montada para ser impressa no Vale do Anhangabaú, à frente de um muro que delimitava os fundos do Colégio São Bento em 1946. Só em 1953 seriam centralizadas a redação, administração, publicidade e composição na atual R. Barão de Limeira. O tempo entra como importante aliado, já que as rotativas conseguem imprimir 100 jornais por segundo, permitindo fechar cada edição com a velocidade de uma hora e meia:

Desse modo, seus jornais serão os únicos na América Latina aparelhados para apresentar notícias de última hora, recebidas do mundo inteiro durante 90' que precedem cada edição. Este o objetivo - o de melhor informar os leitores. (9)

A alteração do projeto gráfico do jornal seguia a tendência de transformação da linguagem da imprensa, após o término da Segunda Guerra, do modelo europeu de jornalismo para o norte-americano: emprego de fotos, ilustrações e char-ges, manchetes e matérias "cortadas pelo pé", com um espaço predeter-minado, em formato standart. (10)

A relação organizacional proposta por Nabantino também se formou na rigidez de critérios e na defesa à isenção, ao apresentar o "Programa de Ação das Folhas," (11) que pautava a sua atuação em quatro tópicos: informação, opinião, colaboração e fontes de receita.

Nabantino Ramos organizou, com o apoio dos jornalistas as "Ordens de Serviço", decorrência das reuniões diárias com os jornalistas.

Reprodução

Fig. 1. Folha da Noite.
SP, 6 out. 1948, p. 10.

Estas se transformaram nas "Normas de Trabalho da Divisão de Redação, para a elaboração da Folha da Manhã, da Folha da Tarde e da Folha da Noite" organizadas em 1959, que permaneceram durante muito tempo como manual na redação.

O terceiro período de existência do jornal Folhas traduz o clima da época, ao voltar-se para a apropriação de um conjunto de idéias pertencentes ao universo da cultura liberal burguesa e para a diversificação máxima de seu conteúdo. A esta tendência relacionamos a teoria de Martín-Barbero (2003) ao apontar o movimento da imprensa, embora massificada, em refletir as diferenças culturais e políticas, e isto não somente graças à necessidade de "distinção" (dos outros meios, como a TV e o rádio), mas também por corresponder ao modelo liberal em sua busca de expressão para a pluralidade que compõe a sociedade civil. (12)

A mudança da função social da cultura, compreendendo o significado da presença das massas na cidade, era pressentida pelo jornal no sentido de sua integração, antes da subversão. A intenção das Folhas ao valorizar o aspecto imaginário era ampliar o seu alcance no mercado, de uma forma a ressemantizar as demandas e expressões sociais, garantindo sua hegemonia no mercado.

A publicação, em especial, da Folha da Noite, era moldada com elementos considerados populares, compreendidos por sua heterogeneidade, diversidade de colunismo, aproximação dos problemas que perpassavam o ambiente público, uso da linguagem coloquial, amplamente adotada nas charges, volume maior das coberturas esportivas e de imagens registrando o evento, seja desenhos, seja fotografias, especialmente sobre o turfe, futebol e as grandes competições que iniciam nesta época, como a Mil Milhas de Interlagos e a 1a.Volta Ciclística do Atlântico.

Embora as manchetes pretendessem criar impacto sobre a opinião pública, sobre assassinatos, grandes campanhas e desastres, preparava-se um espaço no qual iria se desenvolver o Notícias Populares, sem espreitar os clichês e radicalismos adotados por este jornal que estaria ligado em março de 1990 às Folhas.

Na relação estabelecida por Martín-Barbero (2003) sobre o populismo, considerado pelo autor como uma forma de organização do poder que se relaciona a um novo modo de existência popular. (13) Sua ambigüidade se apresenta pelos limites do discurso personalista, que diz fundar sua legitimidade na ascensão das aspirações populares e que, mais do que uma estratégia a partir do poder resulta em uma organização do poder que dá forma ao compromisso entre massas e Estado.

A busca pelo significado dos meios da comunicação nos processos políticos, especialmente sobre o populismo, definido como uma tentativa de "manipulação das massas populares principalmente do setor urbano, com a intenção de dissimular os insucessos sociais de quase duas décadas de governos militares", (14) desencadeou a análise de seu resgate, no início dos anos 80, desenvolvida por José Marques de Melo. A atuação dos meios de comunicação, nesse relacionamento é considerada definitiva pelo professor na tentativa dos meios de popularizar líderes políticos, buscando estabelecer entre eles e seu público uma relação mais direta e pessoal. (15)

O fluxo humano resultante do processo migratório aliado ao crescimento das comunicações e especialmente da propaganda, incorpora valores de uma sociedade de consumo, criando desejos e expectativas que exigiam pronta satisfação. A vivência urbana foi se reestruturando com a presença da massa, em um novo modo de morar na cidade, andar pelas ruas e comportar-se.

Entretanto, o crescimento da participação eleitoral, intensificada pelo processo de urbanização foi também acompanhada por uma notável expansão das comunicações: se em 1920 possuíamos 35,1 % alfabetizados sobre a população com 15 anos ou mais, com o número de eleitores no patamar de 3,7% sobre a população total, em 1950 teremos 49,3% alfabetizados, com 22,0 % eleitores (51.944). (16)

Em 3 de outubro de 1950 aconteceram as primeiras eleições gerais realizadas no Brasil, para os cargos de presidente, vice-presidente, governador, vice-governador, senador e deputados estaduais. Com o decisivo apoio do populismo de Adhemar de Barros, Getúlio foi eleito. A oposição novamente de Eduardo Gomes, com todo recurso da propaganda e das rádios, perdeu para os caminhões equipados com alto-falantes e folhetos impressos utilizados por Getúlio Vargas que obteve 48,7% da votação total.

Definido o quadro político Nabantino Ramos, consciente do poder econômico e de influência na opinião pública, inicia o processo de atualização do jornal na própria estrutura interna do empreendimento.

Considera necessário evitar "os abusos que tão freqüentemente nela se cometem (...). Autodisciplina intelectual moral e formal, dada previamente ao conhecimento público, para sanar a inevitável ausência de disciplina legal". (17) Centralizando o trabalho ao seu ver num "sincero esforço, enfim, para abrir as cortinas que vedam o funcionamento da Redação". (18)

A marca de Nabantino Ramos ficaria na formação da empresa industrial-burocrática possuindo uma relação de trabalho voltado para o mercado, dessa forma o jornalista era tratado como trabalhador com graus de produtividade conforme sua produção e êxito evidenciada na repercussão da matéria. Os descontentamentos gerados pelo sistema de trabalho abalaram a relação entre Nabantino e os jornalistas cresceram desencadeando a greve de 1961. Era o limite para Nabantino que não conseguiu controlar os protestos no próprio jornal. Em agosto de 1962 venderia o jornal.

O trato com a Folha da Noite nos revelou um jornal dinâmico, com algumas diferenças da Folha da Manhã, especialmente quanto às primeiras páginas de ambos. A ênfase permanecia nas seções de política e economia. Imagens fotográficas se avolumam, publicadas nas duas edições. Os jornais recebem subtítulos e cores diferenciadas em seus logos a partir de 1951, como uma estratégia de orientação do público a que se destinam. A Folha da Manhã, "o matutino de maior circulação" era identificado pela cor preta, a Folha da Noite, "o vespertino dos lares", era na cor azul e posteriormente a Folha da Tarde, "o vespertino das multidões" recebeu a cor vermelha.

Sem uma política definida para o aspecto da diagramação gráfica, as mudanças ficavam atreladas ao ritmo tecnológico e econômico. m 1958, a impressão volta a ser feita nas cores originais de 1951, branco, preto e azul. Surge o suplemento Folha Ilustrada, uma agenda que reunia as discussões sobre a produção cultural, com textos de especialistas e aliada à vocação ao colunismo social presente nas páginas do jornal. O jornal transforma-se numa empresa, ampliando seus negócios com a formação da gráfica Impres e por pouco tempo com a Rádio Excelsior, de 1948 a 1952. (19)

Não possuímos dados precisos quanto o volume de suas vendas. (20) Taschner aponta as referências que podemos recorrer percebendo suas diferenciações. (21) Na análise da média da venda dos jornais por banca encontrados pela pesquisadora, aferimos que a Folha da Noite supera o número da Folha da Manhã de 1958 a 1961, com a média de 8,45 de vendas diária por banca, embora o sucesso de vendas no mesmo período tenha permanecido com o jornal Folha da Tarde, que vendia em média 68,25 a mais que a terceira edição do jornal. Nabantino conseguiu dar uma dimensão empresarial ao jornal, mas o consumo dos jornais pelo público ocorreu de maneira diferenciada.

Os temas voltam-se aos interesses das camadas médias, público-alvo da publicação, priorizando seu discurso fiscalista. As críticas a política de Vargas eram cada vez mais contundentes no jornal, especialmente em "Imprensa em Revista", coluna de Gondin da Fonseca, a primeira na história das Folhas a tratar a abordagem dos acontecimentos em diversos jornais e revistas. O suicídio do presidente ecoou nas Folhas em sua dimensão social, embora após o acontecimento, a coluna de Gondin deixou de circular.

Jânio Quadros - a partir de sua eleição em 1953 como prefeito de São Paulo - tornou-se centro de ataque do periódico, evidenciando a opção do jornal que via com certa desconfiança e receio o crescimento eleitoral do político. As eloqüentes atitudes nas campanhas e aura de intratável de Jânio, desestabilizando qualquer sinal de equilíbrio do oponente e desafiando a estrutura partidária, rompeu com a preconizada "ordem social" defendida pelo jornal. Para as Folhas a utilização das táticas próprias do discurso populista nas campanhas era um artifício para a exclusão das efetivas propostas sociais dos políticos.

Na transição do governo para Juscelino Kubitschek, as Folhas defenderam a legalidade, incentiva por sua campanha pela utilização da cédula única.

Embora tivesse simpatia com o discurso da UDN, ao assumir posições políticas claras de apoio aos políticos que garantiriam a "ordem" pelo continuísmo no poder, como Prestes Maia, as Folhas divergiam do partido no reconhecimento do potencial da massa urbana, consideradas pela UDN como uma ameaça à estabilidade política.

Em janeiro de 1960 a maior modificação ficou com a união nominativa das edições - Manhã, Tarde e Noite - que permaneceriam sob a denominação Folha de S. Paulo, garantindo, segundo Nabantino, uma agilidade e identificação maior por parte do público.

O jornal torna-se mais sóbrio, seguindo o antigo padrão da Folha da Manhã. Em abril de 1962 alcançava a circulação média, diária de 177.061 exemplares, segundo o próprio Nabantino, modelo da moderna empresa jornalística. (22) Em janeiro do mesmo ano Nabantino redefine as edições, unindo-as à antiga Folha da Manhã, mas manteve até o final de sua direção, um conservadorismo sem grandes arrojos financeiros, num mercado cada vez mais competitivo aberto aos empreendimentos.

Bibliografia

MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2003. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. 2a e.

MARQUES DE MELO, José. (Org.) Populismo e comunicação. São Paulo: Cortez, 1981.

MOTA, C. G.; CAPELATO, M. H. História da Folha de S.Paulo (1921-1981). São Paulo:
IMPRES, 1981.

NOGUEIRA, A. A. Um Juca na cidade: representatividade do personagem de Belmonte, na imprensa paulistana (Folha da Manhã, 1925-1927). Dissertação (Mestrado), São Paulo, I.A., UNESP, 1999.

Prontuário Deops.

RAMOS, J. N. Jornalismo: Dicionário Enciclopédico. São Paulo: Ibrasa, 1970.

SARETTA, F. Política econômica brasileira: 1946-1951. Araraquara: FCL/Laboratório Editorial/UNESP. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2000.

TASCHNER. G. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

WEFFORT, F. O populismo na política brasileira. In: FURTADO, Celso. Brasil: tempos modernos. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1979.

Acervos: Folha de S. Paulo, Diário da Noite, Diário Popular e Jornal de S. Paulo.

Notas

[1] Por um curto período durante a Revolução de 1924, na tentativa de burlar a repressão ao movimento tenentista, a Folha da Noite passou a ser chamada Folha da Tarde.

[2] DIÁRIO POPULAR. São Paulo, 22 jan. 1945, p. 16.

[3] FOLHA DA NOITE. Seja breve. São Paulo, 16 jun. 1944, p. 3.

[4] LIMA, Octaviano Alves. Folha da Noite. São Paulo, 10 mar. 1945, p. 1.

[5] Considerado um mestre do jornalismo, Sacchetta (1909-1982) colaborou na formação de inúmeros profissionais e na associação da imprensa diária e a divulgação política. Foi preso político durante o Estado Novo e depois detido em 1968. Cf. DEOPS. Prontuário n° 3196 de Hermínio Sacchetta.

[6] GERTEL, Noé. Depoimento de Hermínio Sacchetta. Folha de S. Paulo. São Paulo, 10 jan. 1979, p. 2. Série Jornalistas Contam a História, v. 6.

[7] A mensagem dos jornalistas das Folhas foi publicada no Diário de São Paulo, 13 mar. 1945, p. 1. Lembramos que este jornal era de propriedade do inimigo de Matarazzo, Assis Chateaubriand.

[8] Cf. DEOPS. Prontuário n° 3196 de Hermínio Sacchetta.

[9] FOLHA DA NOITE. São Paulo, 6 out. 1948, p. 10.

[10] TASCHNER, G. p. 93.

[11] Aprovado pela Assembléia Geral Extraordinária, em 3 de maio de 1948, e publicada na Folha da Noite. São Paulo, 14 jun. 1948, p. 7

[12] MARTÍN-BARBERO, J. p. 232.

[13] MARTÍN-BARBERO, J. p. 232.

[14] MELO, J. M., p.13 -14.

[15] Idem, ibidem.

[16] WEFFORT, F. p. 72.

[17] RAMOS, J. N. p. 15.

[18] Idem, ibidem.

[19] TASCHNER, G. p. 66.

[20] Não existem dados anteriores sobre a tiragem dos jornais, só uma pequena amostragem das vendas na década de 20, especificamente sobre os anos de 1926 e 1927, quando constatamos o grande impulso financeiro originado das vendas avulsas das Folhas. Cf. NOGUEIRA, A. A., p. 15.

[21] TASCHNER. G. p. 77.

[22] RAMOS, J. N. p. 14.


*Andréa de Araujo Nogueira é Doutoranda na ECA/USP.

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