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Jornalismo e tecnologia:
pioneirismo e contradições

Um breve relato da chegada da
informatização nas redações catarinenses

Por Maria José Baldessar*

Reprodução

Resumo

A história do Jornalismo está diretamente ligada ao desenvolvimento de novas tecnologias e do uso delas no cotidiano. Desde a substituição das linotipos por máquinas off-set e, depois, das máquinas de escrever por computadores o cotidiano dos jornalistas tem mudado nas redações, bem como as características infra-estruturais dos locais de trabalho. Este artigo apresenta uma breve história da chegada dos computadores nas redações dos principais jornais de Santa Catarina e das mudanças ocorridas nas redações a partir desse evento.

Palavras-chave:

Jornalismo, tecnologia, Internet, formação profissional.

Os avanços da ciência e tecnologia vivenciados na atualidade se refletem em todos os segmentos da sociedade. A cada dia, a busca de informações, sejam elas noticiosas ou não, aumenta sobremaneira, pois a posse da informação caracteriza uma forma de poder.

No decorrer do século XX, a humanidade presenciou o surgimento de diversas inovações na área da comunicação. Entre elas destacam-se o telefone, o rádio, o cinema, a televisão, o computador e, por fim, a Internet. Cada uma dessas inovações teve grande impacto em sua época e todas, sem exceção, continuam a existir e a exercer forte papel no cotidiano das pessoas. Ao contrário do que muitos pensavam, nenhuma suplantou totalmente a outra, e a Internet com certeza não será exceção à regra e nem será a última invenção humana nessa área.

No entanto, se observarmos a linha de tempo de algumas invenções dos dois últimos séculos, verificaremos que o tempo de difusão da Internet é incomparavelmente menor que os demais. A eletricidade, inventada em 1873, atingiu 50 milhões de usuários depois de 46 anos de existência; o telefone (1876), 35 anos para atingir esta mesma marca; o automóvel (1886), 55 anos; o rádio (1906), 22 anos; a televisão (1926), 26 anos e o microcomputador (1975), 16 anos. A Internet, por sua vez, criada na década de 90, tem hoje 378 milhões de usuários. Estes números são motivo de reflexão e de impaciência: qual o próximo invento humano?

Embora um sem-número de jornalistas continue a afirmar que a profissão nada tem de tecnológica e que é movida pela criatividade e expressividade do profissional, a realidade que se apresenta é bem diversa. Desde sempre o Jornalismo esteve ligado à tecnologia. Por acaso os aparelhos de rádio, televisão, fotografia e os equipamentos para produzir materiais para estes suportes não estão diretamente ligados a ela? O que seriam o telefone, o fax, o velho telex e as máquinas de linotipia e clicheria senão formas de tecnologia?

Talvez o que se possa discutir é que, muitas vezes, um muro (literalmente) separou os jornalistas desses inventos maravilhosos. Carlos Sepetiba, revisor do extinto jornal A Gazeta, de Florianópolis, conta que na sede da Rua Conselheiro Mafra a redação ficava na frente e as Mergenthaler [1] atrás - separadas por meia parede de tijolos. Nessa meia parede havia uma passagem estreita por onde o aprendiz levava o material escrito a máquina ou a mão para a composição. E mais, "era na parte da frente que trabalhava a intelectualidade, atrás ficavam gráficos que contavam histórias engraçadas e que, diferentemente dos jornalistas, eram organizados, ideológicos e tinham os salários pagos sempre em dia".

As mudanças nas redações e no cotidiano profissional

Sem dúvida, as grandes mudanças no cotidiano profissional dos jornalistas começam com a informatização das redações dos jornais e revistas no Brasil, iniciada na década de oitenta. Com a introdução dos computadores, os jornalistas tiveram de se adaptar a uma realidade profissional que incluía a exigência de maior qualificação, a especialização crescente, as modificações nas condições de trabalho e, sobretudo, a intensificação do trabalho.

Um artigo publicado na revista Imprensa sobre a informatização do jornal O Globo descreve as mudanças no ambiente da redação, estabelecendo um paralelo entre a redação do passado e a atual: "uma louca sinfonia de gritos, gargalhadas, telefones, campainhas reverberavam impunemente (...) as Olivetti e Remington que não sofriam de arritmia eram disputadas no tapa (...) e o impiedoso papel carbono tingia mesas, paletós, mangas de camisa, dedos, mãos e rostos menos atentos (...) montanhas de laudas se formavam para qualquer lado que se olhasse (...) hoje as persianas amarrotadas foram substituídas por um moderno sistema de iluminação que inclui um requinte inimaginável: calhas especialmente desenhadas, cujos focos de luz só iluminam as mesas dos terminais, sem reflexos nos olhos ou nas telas (...) um sistema de ar condicionado central acabou com o clima tropical que sufocava (...) e a sinfonia das pretinhas deu lugar a um silêncio cibernético, propiciado pelos 140 terminais e suas 138 teclas (...) e a limpeza, nada de montanhas de papel". [2]

As mudanças são percebidas não só no ambiente e na estrutura física, mas também numa nova relação com o texto. O fazer texto através do computador, com suas possibilidades de processamento e arquivo de texto, ganha mobilidade e rapidez: "(...) mas é no terminal que se escondem as mais saborosas novidades para qualquer jornalista (...) para começar o usuário fica dispensado da preocupação com o fim de cada linha, o computador hifeniza (...) a tela pode ser dividida em duas, de um lado a matéria do repórter e do outro a do redator (...) o computador também permite a inserção de qualquer informação, em qualquer ponto." [3]

No espaço físico das redações a tecnologia introduziu limpeza - desapareceram as centenas de laudas amassadas no chão, sumiram as caixas de papel carbono para as cópias necessárias para a linha de produção. Até mesmo o cafezinho e o cigarro se renderam à tecnologia, uma vez que os terminais ficam prejudicados com farelos e ambientes poluídos. Mudou também a iluminação e a temperatura do ar. Se antes do computador era inimaginável uma redação com ar condicionado e persiana nas janelas, hoje isso é rotina e já está incorporado ao dia-a-dia.

Mas, sem dúvida nenhuma, é na linha de produção de um jornal ou revista que se percebem as mudanças mais óbvias: o diagramador, que antes não vivia sem a régua de paicas, as cartelas de letras set e a caneta nanquim, aderiu aos softwares de edição de texto e trabalha com precisão. A mesma sorte não tiveram os revisores e copy-desks que, simplesmente, um a um, foram desaparecendo da redação. Avaliar se o jornal ficou melhor ou pior sem esses dois profissionais, numa linha de produção ordenada, é tarefa que cabe a nós jornalistas, como profissionais e categoria laboral, fazer.

Jornalismo e a Internet

A cada década do último século surgiram mídias e se desenvolveram ferramentas capazes de torná-las massivas e populares em poucos anos. Com a Internet não foi diferente. Criada originalmente pelos militares americanos no final dos anos 60, começou interconectando dez computadores. Hoje, trinta anos mais tarde, reúne, segundo o Instituto de Pesquisa NEC, ligado à Universidade de Princeton, aproximadamente 300 milhões de computadores em 150 países do mundo.

Em 2002 a Internet recebeu mais de 130 milhões de novos usuários e o número global atingiu mais de 620 milhões - 9,9% da população mundial. O número de usuários nos países em desenvolvimento aumentou 40%, três vezes mais que nos países desenvolvidos. Na China, o número aumentou 75% em 2002, no Brasil, 78,5% e na Índia, 136%. Mesmo no Oriente Médio, uma das regiões menos conectadas do mundo, o uso da Internet cresceu 116%, em 2002.

Os EUA, segundo o American Journalism Review News, [4] lideram o número de publicações online: são 4.925 sites de notícias existentes até setembro de 1998; destes, 3.622 pertencem a empresas de comunicação. Embora no Brasil não se tenham estatísticas sobre o número de publicações online, o Ibope fez um levantamento sobre a audiência desses veículos. De acordo com a pesquisa realizada em 1999, 50% dos 25 mil internautas entrevistados afirmaram que navegam na Internet em busca de informações. [5]

Apesar destes números, a Internet vive a sua pré-história como meio de comunicação - ainda sem uma linguagem definida, apropriando-se da linguagem de outros veículos para a difusão de textos, sons e imagens.

Não restam dúvidas, no entanto, que essa linguagem se estabelecerá a partir da convergência das mídias e da união dos recursos infinitos de arquivo com a transmissão de informação em tempo real e com as possibilidades inéditas de interatividade e customização. No entanto, para Simone (2001), "(...) só poderemos desenvolver o verdadeiro jornalismo online quando todos nós tivermos possibilidade de usar a banda larga e todos os benefícios que vêm do vídeo, áudio, animação - e não esboços destas ferramentas".

O jornalismo na Internet ou jornalismo online vive seus primórdios. No Brasil, e em boa parte do mundo, ainda está "agarrado" aos velhos paradigmas do jornal impresso e se aproxima do rádio, de forma paradoxal, quando se trata de conteúdo e forma textual. Os portais de ou com conteúdo jornalístico, mesmo os que dispõem de links para últimas notícias, continuam com características de jornal e revista impressa. [6]

A maioria dos sites de notícia ainda são divididos em editorias (índice à vista), com capa, manchetes principais e chamadas para notícias secundárias, banners comerciais e links para negócios. Assim, não é sem propósito que todos nós navegamos ou folheamos os sites jornalísticos com uma certa facilidade. O mesmo não acontece com o restante do conteúdo da rede, bastando verificar a dependência que temos dos instrumentos de busca e, muitas vezes, a incapacidade de chegar a resultados satisfatórios quando temos que ousar em hiperlinks múltiplos.

Para Pavlick (1997) o modelo transpositivo - shovelware, "é integrante dos três estágios do desenvolvimento de conteúdos para Web, a saber:

(1) transpositivo - transposição do conteúdo analógico para o digital - com pequenas ou nenhuma modificação;

(2) adaptativo, que tem como característica a integração das linguagens dos meios tradicionais com as novas possibilidades da rede e

(3) onde "um original conteúdo noticioso, desenhado especificamente para a Web como um novo meio de comunicação", vai fluir. Esse terceiro estágio seria caracterizado também pela "aceitação de repensar a natureza de uma comunidade online, mais, aceitação de experimentar novas formas de contar uma história".

E os jornalistas, como ficam?

Muitos pesquisadores afirmam que a ascensão e consolidação do jornalismo on-line vai alterar aspectos importantes de produção, redação, edição e publicação da notícia, além da circulação, audiência e relação com os receptores.

A constatação de que o jornalismo está passando por transformações profundas e se encontra em processo de renovação de muitas de suas práticas pode ser aferida se aceitarmos que o mundo online está reconfigurando as redações e as práticas profissionais, alterando as rotinas de coleta, processamento e difusão da informação. Podemos enumerar estas mudanças e mesmo as avaliarmos como positivas:

(1) acesso às fontes;

(2) aumento na produtividade dos repórteres;

(3) diminuição do custo de obtenção de informações em todos os níveis e em todos os assuntos;

(4) qualidade na análise das informações;

(5) menor dependência das fontes para interpretação daquelas informações;

(6) aumento do acesso à informação;

(7) incremento da confiança técnica e maior exatidão das informações;

(8) melhores formas de arquivo e busca das informações;

(9) maior agilidade e facilidades de deslocamento.

"É consensual a idéia de que a Internet evoluirá de forma a garantir uma mais rápida circulação da informação na rede, a aumentar a informação disponível e a sofisticar a metodologia de identificação e acesso às informações". (Bastos, 2000:83)

Para estudiosos como Garrison (1993) e Reddick/King (1995), o próprio conceito de jornalismo poderá modificar-se devido a vários fatores, entre eles (1) a possibilidade de cada um atuar como jornalista, disponibilizando conteúdos na Internet, (2) a usurpação ao jornalista da função de gatekeeper privilegiado do espaço público informativo, (3) as características próprias da Internet, que permitem o aproveitamento do hipermedia (a confluência de "várias mídias numa só" e das hiperligações (os links que permitem a navegação na Internet).

Outros como Koch (1991), Pavlik (1996) e Dizard (1997) afirmam que, em função dessas mudanças, o perfil profissional também mudará. A cronomentalidade dos jornalistas poderá acentuar-se, uma vez que, devido à possibilidade de atualização constante do noticiário, as deadlines tendem a concretizar-se no imediatismo. As normas que norteiam o jornalismo poderão alterar-se, seja por força de novas políticas editoriais das organizações noticiosas, seja por força da própria natureza da Internet, que possibilita a diluição das responsabilidades e até o anonimato, se não mesmo a clandestinidade. Campos (2001) compartilha dessa visão e vai além.

Ele afirma que a Internet permite uma forma diferente de fazer jornalismo e aponta as possibilidades do profissional de contextualizar cotidianos e fatos através dos hiperlinks e de como o receptor pode interagir como essa nova notícia. "(...) Na Internet, além das imagens atualizadas e até do som se for o caso, o receptor conta com várias "camadas" de texto que formam o hiperlink, possibilitando acesso a todo tipo de detalhe, a edições anteriores, a bancos de dados, a pesquisas de todo tipo, inclusive em outras línguas, de modo a poder confrontar a informação recebida da mesma maneira que o bom jornalista confronta, isto é, "checa" a informação recebida de suas fontes".

Já em 1996 Lage discutia essas modificações na profissão e apontava a necessidade permanente de reciclagem para o enfrentamento do cotidiano profissional. "(...) Uma reciclagem que nos permita a inclusão entre nossas atividades de boa parte das tarefas outrora exercidas pelos trabalhadores gráficos. Nem repórteres, nem repórteres fotográficos, redatores, editores ou mesmo projetistas gráficos têm seus empregos ameaçados pela tecnologia, a curto e médio prazos. Ampliou-se, sem dúvida, o âmbito de suas atribuições. A reciclagem necessária para isso é do tipo inclusiva - isto é, nos obriga a acrescentar às nossas habilidades o manuseio de sistemas informatizados e o conhecimento de processos de telemática, afora, é claro, uma percepção mais aguda do cotidiano."

Um profissional capaz e com qualificação adequada pode servir de mediador entre as diversas "tribos" do mundo globalizado. Assim sendo, outro aspecto que pode ser considerado é a expansão do mercado de trabalho. A indústria farmacêutica internacional, por exemplo, está contratando jornalistas e publicitários para traduzirem a linguagem médica das bulas de medicamentos, de modo a torná-las acessíveis ao grande público, e assim evitar os erros de interpretação e conseqüentemente, os processos judiciais. O mesmo procedimento está sendo adotado pela indústria de eletrodomésticos da Europa e Ásia, que está montando escritórios de jornalismo e relações públicas para a produção dos manuais de instrução. Finalmente, a explosão das chamadas novas mídias tende a exigir, cada vez mais, um profissional qualificado para a produção de cd-rom, enciclopédias virtuais e banco de dados, a exemplo do que já acontece hoje.

Mas como formar esse profissional? Essa talvez seja a principal discussão que permeia o cotidiano das escolas de Comunicação e Jornalismo país afora. Como formar um jornalista que saiba aliar a capacidade técnica de produção com um olhar crítico da realidade? Para muitos essa parceria é inviável. Talvez devamos considerar questões como:

(1) as novas tecnologias da informação desencadearam uma discussão sobre a identidade e a sobrevivência das profissões que eram responsáveis pela mediação simbólica. Nesse contexto, o que é ser jornalista na atualidade?

(2) sendo as ciências da Comunicação e Jornalismo - e os estudos teóricos relacionados a ambas, como os estudos culturais - um dos contextos em que se procede uma reflexão multifacetada e transdisciplinar sobre o mundo de hoje, como deveria ser a formação de um profissional que dê conta dessa realidade, levando em conta questões éticas, estéticas e de linguagem que as especificidades do jornalismo exigem?

(3) considerando o jornalismo online como transposição de uma certa forma de olhar a realidade (o olhar jornalístico) para o suporte informático, será possível afirmar que a especificidade do meio não altera a especificidade da mensagem?

(4) até onde a construção desse profissional deve aprofundar saberes específicos ou mesclá-los com generalidades e saberes localizados?

As respostas a estas questões talvez possam ser facilitadas se tivermos claro que o jornalismo sempre teve seu fazer cotidiano ligado à tecnologia. A cada novo invento a profissão modifica suas práticas, desenvolve linguagens, cria novas formas de mostrar o mundo através da informação. A assimilação desse fato facilita o vislumbre do profissional necessário para a atualidade: um profissional que cumpre as atividades jornalísticas tradicionais, mas que utiliza a Internet e o mundo em rede como ferramenta cotidiana.

A informatização nas redações catarinenses: pioneirismo e contradições

Em todo o Brasil a modernização nas empresas de comunicação começou pelas áreas gráfica e gerencial, na década de 70. Já nas redações o processo foi iniciado na década de 80, com a chegada dos computadores. O jornal Folha de São Paulo foi um dos pioneiros na adoção e criação de uma rede informatizada. O processo, no país inteiro, apesar de lento, sempre foi incentivado pela Associação Nacional dos Jornais, que via com bons olhos "a modernização da infra-estrutura física e administrativa das empresas de comunicação", como forma de racionalizar custos e de preparar para uma "possibilidade de ampliação de mercado e de internacionalização da comunicação, através do advento da Internet. [7]

Em Santa Catarina, o processo não foi diferente. A reforma dos parques gráficos começou no jornal O Estado em 1971, seguido pelo Jornal de Santa Catarina, em 1972, e, finalmente, por A Notícia, que só em 1980 adotou a off-set. No interior, a adoção de novas formas de imprimir deu-se aos poucos, sendo que até 1992 o jornal O Município, de Brusque, ainda tirava suas edições em linotipia. Compreensivelmente, o processo de modernização das redações apresentou surpresas e veio acompanhado de pioneirismo e contradição.

Pioneirismo por conta da implantação do Diário Catarinense, do grupo RBS, o primeiro jornal a "nascer" informatizado na América Latina. A criação do DC, em maio de 1986, mostrou aos jornalistas catarinenses uma nova realidade, que mesclava necessidade de reciclagem profissional e adaptação a novas ferramentas de trabalho. No ano de sua implantação, o DC atingia 166 municípios, com uma circulação média de 26 mil exemplares, considerando-se assinaturas e venda avulsa. Sua redação era composta por 126 jornalistas, entre repórteres, redatores, editores, fotógrafos e diagramadores.

Contradição gerada por relações de trabalho truculentas, marcadas pelo desrespeito a jornada profissional de cinco horas, demissões arbitrárias e até o enquadramento dos profissionais em outras categorias, como forma de burlar as leis trabalhistas e do piso salarial vigente. No final da década de 80 e início de 90 uma série de greves, paralisações e protestos mostraram a organização dos jornalistas catarinense e o resultado desse processo foi o fortalecimento do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e da categoria profissional.

Mas onde está a diferença?

A estrutura da redação do DC era diferente de tudo o que era conhecido no jornalismo catarinense até então. Cada editoria ficava em uma sala e em cada uma delas havia diversos monitores ligados a uma única CPU - eram os chamados computadores burros, já que serviam exclusivamente para escrever. Simplesmente substituíam as máquinas de datilografia.

Cada profissional dispunha de uma senha para abrir sua "máquina" e modificar o texto. Na diagramação e fotografia, as novidades se misturavam com a tradição: embora os terminais permitissem um pré-cálculo do tamanho da matéria, os diagramadores continuaram a usar as réguas de paica e os diagramas. Isso só mudaria anos mais tarde com o aperfeiçoamento dos processadores de texto. No fotojornalismo, por sua vez, o processo de digitalização só começaria no final da década seguinte.

Ainda dentro da experiência pioneira do DC, outra novidade foram as estações móveis de trabalho. Eram uma prerrogativa dos repórteres especiais, que não precisavam se deslocar até a redação para terminar a matéria. Para os jornalistas, isso implicava a possibilidade de cobrir assuntos com mais rapidez e agilidade. No entanto, a experiência durou menos de dois anos e as estações móveis foram desativadas por implicarem "gastos excessivos", que incluíam horas-extras, hospedagem, alimentação e outros.

Depois do DC, os demais jornais catarinenses seguiram a tendência de informatização das redações. A Notícia iniciou o processo em 1994, num investimento aproximado de U$$ 500 mil, depois o Jornal de Santa Catarina e, mais recentemente, o jornal O Estado. No interior, o processo acompanhou a evolução regional, tendo começado pelos semanários de Criciúma e Chapecó, e se espalhado até mesmo aos jornais de pequeno porte.

A informatização mudou as redações. A limpeza e o silêncio contrastavam com tudo o que se conhecia. As normas rígidas de acesso e uso das máquinas eram complementadas pelos avisos de "proibido fazer lanche", "proibido fumar" e outros, que não se coadunavam com o cotidiano profissional até então estabelecido, já que a produção do texto para muitos jornalistas começava com o ritual do cigarro e do café.

Nessa primeira fase, os jornalistas tinham outras preocupações. Em todos os acordos e dissídios coletivos do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina, a partir de 1986, aparecem cláusulas de proteção ao jornalista em virtude da adoção das novas tecnologias, como, por exemplo, a das horas de sobreaviso. [8] Estas cláusulas foram muito discutidas, uma vez que todos estavam a par do que ocorrera na Folha de São Paulo, em 1980, quando a informatização da redação deixou pelo menos 200 desempregados.

Além do desemprego, os jornalistas logo perceberam outras ameaças: as mudanças na nomenclatura de contratação. Os diagramadores passaram a ser "paginadores eletrônicos", tendo como resultado o enquadramento em outra categoria profissional, em que o salário era menor e a jornada de trabalho maior que o limite de cinco horas de trabalho estabelecido pela CLT para os jornalistas. Em conseqüência, mudaram a representação sindical - de jornalistas passaram a gráficos.

Outro aspecto relevante foi a juvenização da profissão. As escolas de comunicação lançam no mercado cerca de três mil profissionais/ano - em Santa Catarina esse número chega a quase 300. Esse exército de reserva numeroso, qualificado e jovem tem permitido ao empresariado a opção pela contratação de profissionais recém formados, em detrimento de outros com mais idade e experiência. Esse procedimento acirra a rotatividade e reforça a manutenção de salários baixos.

Some-se ainda a estes problemas a questão da saúde. Uma pesquisa da Organização Mundial do Trabalho, feita em 1984, identificou as doenças cardiovasculares, as neuroses e as doenças do aparelho digestivo como sendo as enfermidades mais freqüentes na profissão de jornalista. Onze anos depois, a OIT refaz a pesquisa e acrescenta outros problemas causados pelo computador: deficiências na visão e no sistema reprodutor, lesões permanentes nos tendões, alergias, epilepsia, estresse, bronquite crônica devido ao ar refrigerado, além de problemas de ergonomia.

Além da deterioração das condições de saúde, a evidência de precarização no trabalho é observada nos chamados procedimentos flexibilizados. Em 1995, o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina deflagrou uma campanha contra o exercício irregular da profissão. Os laudos da Delegacia Regional do Trabalho, responsável pela fiscalização, não só mostram o desrespeito à legislação profissional como evidenciam a precarização do trabalho. Das trinta empresas fiscalizadas - entre elas os jornais Diário Catarinense, A Notícia, O Estado e Jornal de Santa Catarina - em seis é constatada a existência de contratos temporários de trabalho, em quinze a abolição do controle de ponto através de livro ou máquina, em vinte e duas o não depósito de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e em catorze o não pagamento do salário normativo.

Assim, apesar das mudanças físicas nas redações e algumas alterações nos procedimentos cotidianos de coleta da informação, no uso da Internet como fonte de dados e do computador como banco de informações, pode-se afirmar que a introdução dos computadores nas redações catarinenses, assim como em todo o país, não alterou a condição social do jornalista.

A tecnologia não mudou a relação do jornalista com seu fazer profissional ou com as ferramentas de trabalho necessárias a ele. Da mesma forma, não mudou a relação entre o empresariado de comunicação e os profissionais, essa continua sendo mediada pelo capital e pela apropriação do trabalho.

Referências bibliográficas

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__________________. The future of Online Journalismo. Journalism: a guide to who's doing what. Columbia Rewiew, jun/ago, 1997.

Notas

[1] - Máquina de linotipia inventada pelo alemão Ottmar Mergenthaler em 1879. O princípio da Linotype consiste em juntar, com a ajuda de um teclado, não letras mas matrizes de letras que formam um molde/bloco em linha. Por isso estas máquinas se chamam "linhas bloco" em oposição às máquinas que compõem linhas letra por letra (ex: Monotype). É esta particularidade de fundir num só bloco de chumbo uma linha de matrizes (type em inglês), ou seja "line of type" (linha de matrizes), que está na origem do seu nome.

[2] Artigo publicado na revista Imprensa em setembro de 1987, assinado por Astrid Fontenelle e Débora Chaves. Neste artigo são descritas as condições da redação do jornal O Globo antes e depois da informatização.

[3] Idem.

[4] Disponível em www.ccp.ucla.edu. Acessado em 24 de junho de 2003.

[5] Disponível em www.folha.com.br/informacao. Acessado 18 de junho de 2003.

[6] As empresas brasileiras de mídia se utilizam, em alguma medida, do que os americanos conceituam como "shovelware", ou seja, a transposição do conteúdo analógico para o digital - com pequenas ou nenhuma modificação.

[7] Ver, BALDESSAR, Maria José. Estudo sobre a Associação Nacional dos Jornais. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC. Mimeo, 1997.

[8] Horas de sobreaviso: "As empresas que exigirem a utilização de aparelhos eletrônicos de localização, do tipo bip ou telefone portátil, celular ou qualquer forma de plantão permanente, pagarão adicional de 30% sobre o salário mensal". Adoção de novas tecnologias: "Na hipótese de adoção de novas tecnologias que possam implicar redução do quadro funcional, as empresas ficam obrigadas a desenvolver, junto com o Sindicato, estudos de reaproveitamento em outras atividades dos jornalistas atingidos. Os não aproveitados farão jus a um aviso prévio de, no mínimo, 90 dias. Para os que tenham mais de 35 anos de idade, o aviso será de 180 dias."


*Maria José Baldessar é professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, doutorando da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, mestre em Sociologia política pelo programa de pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.

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