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Cremilda Medina

Cremilda Celeste de Araújo Medina, nasceu em Portugal e está radicada no Brasil. É jornalista, pesquisadora e professora de Comunicação Social. Formada em Jornalismo e Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atua na área jornalística há mais de 40 anos, tendo passado pelo "Jornal da Tarde" de São Paulo. Atualmente é professora da USP, onde fez mestrado (1975) e doutorado (1986). Iniciou suas atividades na Editora Globo, em Porto Alegre/RS, e trabalhou em vários órgãos de imprensa em São Paulo, bem como em telejornalismo.

Autora de dez livros sobre "Comunicação Social" e "Literatura da Língua Portuguesa", Cremilda Medina organizou também várias antologias ensaísticas sobre temas da atualidade. Como pesquisadora da USP - Universidade de São Paulo, coordena um projeto de livro-reportagem sobre a identidade cultural da população paulistana; e na pós-graduação coordena um outro projeto integrado de pesquisa, que já editou sete documentos na série "Novo pacto da ciência: a crise de paradigmas". O depoimento a seguir foi escrito por ela própria:

"Ao chegar à USP em janeiro de 1971, proveniente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul onde fora contratada como docente em 1967, trazia o repertório acadêmico e pedagógico da graduação em Jornalismo e Letras (1961-1964). Um forte acento humanístico se cruzava com a experiência profissional, desenvolvida ao longo da década de 60 em Porto Alegre. No entanto, o propósito da mudança para São Paulo girava em torno da pesquisa e do aperfeiçoamento na docência e nas práticas comunicacionais.

Havia a promessa, no início dos 1970, da implantação dos cursos de pós-graduação, uma política nacional à qual a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo aderiu imediatamente. Criado em 1972 (iniciara a docência na graduação da ECA em 1971), minha geração se envolveu intensamente com o primeiro pós da América Latina em Ciências da Comunicação e eu, por coincidência, sou a primeira mestre formada in loco (1975).

Por opção consciente, não aceitei a titulação direta de doutorado, privilégio a que minha situação de docente universitária desde 1967 me dava acesso. E essa escolha se deve ao reconhecimento de que era preciso estudar, pesquisar degrau a degrau, como, aliás, vinha fazendo desde antes de a pós-graduação ser legitimada na USP.

Tão logo pus o pé nesta universidade fui contaminada pela cultura da pesquisa. Isso se refletiu no Departamento de Jornalismo, ao ter de preparar um plano de curso e ao trabalhar no cotidiano da sala de aula. Comecei dedicando 24 horas à academia, porque na outra parte do dia atuava no mercado de comunicação social.

Mas jamais admiti levar para a sala de aula na USP ou em qualquer outra universidade, a caricatura ou a reprodução da minha experiência profissional enquanto matéria pedagógica, técnica ou teórica.

O que devo em grande parte ao aprendizado intuitivo e disciplinado de como se atua na USP. Bem mais tarde, por ocasião dos 50 anos da universidade, fiz um trabalho especial para o jornal O Estado de S. Paulo e, ouvindo professores históricos em 1984, compreendi melhor a identidade diferenciada desta instituição que se alimenta efetivamente de pesquisa, ensino e extensão.

Foi nesse espírito que comecei a trabalhar na graduação, auxiliando nos primeiros meses um professor-pesquisador já integrado à proposta inovadora que o casamento teoria e prática representa. Quando José Marques de Melo me fez acompanhar as pesquisas de Jornalismo Comparado (a primeira disciplina na ECA), me vi às voltas com o mundo maravilhoso das descobertas para além dos estudos bibliográficos. A tradição dos cursos de Jornalismo reproduzia os autores de manuais técnicos (quase sempre norte-americanos) ou levava os estudantes para as ciências sociais, a história, letras ou geografia.

Não se desenvolviam os estudos fenomenológicos - afinal a comunicação despontava como um campo sedutor para os pesquisadores de outras áreas e estava ausente naqueles que se preparavam para pôr a mão na massa. A ECA foi pioneira nesse sentido já na virada dos 60 para os 70 e era então a mais jovem instituição brasileira que pensava a comunicação social.

Também antes e durante os cursos de pós-graduação (à época, 14) me vi motivada para criar os programas das disciplinas de graduação. Outra vez foi José Marques que me delegou essa responsabilidade. Jornalismo Informativo e Jornalismo Interpretativo, criações locais, vinham substituir a velha disciplina em que me iniciei como professora universitária em Porto Alegre, Técnica de Jornal e Periódico. Que diferença conceitual.

Me lancei aos estudos de interpretação, pesquisei junto com o professor que trabalhava comigo, Paulo Roberto Leandro, o jornalismo da prática brasileira e os contrapontos internacionais. Daí resultou meu primeiro trabalho autoral, A Arte de Tecer o Presente, publicado a quatro mãos na ECA em 1973.

Seria enfadonho descrever toda a caminhada do ponto de vista individual, mesmo porque desde sempre o itinerário é grupal e coletivo, uma estratégia obsessiva de minha parte.

Cremilda Medina em 85 Basta dizer que em cada etapa nestes 33 anos, há sempre várias cabeças pesquisando, várias intuições criadoras empurrando o gesto transformador e solidário perante dogmas e comportamentos conservadores. Infelizmente o contínuo dos afetos (afetos a essa identidade original) não tem nunca condições históricas sem os tropeços da vida e da morte. A vida interrompida no grupo dos 70, na ECA, em grande parte se deve à ditadura de 64 que cassou mentes brilhantes, entre elas a do professor Sinval Medina, motivo pelo qual Walter Sampaio, Paulo Roberto Leandro e eu pedimos demissão da USP em 1975. Em uma longa interrupção, que muito prejudicou a pesquisa originada naqueles anos de resistência, o grupo se dispersou e poucos puderam recomeçar nos anos da anistia.

De 1984 em diante, ao retomar a oficina acadêmica, encontram-se outros caminhos e outros grupos se sucedem no ritmo alucinante de tempos de esperança na reconstrução democrática, na busca da ciência transformadora e na solda cada vez mais lúcida dos produtores de novos significados sócio-culturais.

Surgiram então projetos como o SP de Perfil, o laboratório de Narrativas da Contemporaneidade, oferecido à graduação de várias áreas de conhecimento e ao Programa de 3a Idade, a série inter e transdisciplinar Novo Pacto da Ciência (sete volumes publicados), trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrados, teses de doutorado (muitas editadas em livro).
Aula de jornalismo (anos 70)

Ou seja, no cordão coeso de alunos, orientandos, colaboradores, pesquisadores nacionais e estrangeiros, não será difícil montar um mural (quase épico) de uma diáspora que a qualquer momento se reagrupa pela poética da comunhão.

As distâncias nunca foram problema, sobretudo nos tempos em que não existia Internet. Apesar da elegia à USP aqui implícita, a tribo que se manifesta nos projetos defende fronteiras abertas: o exemplo imediato é a parceria fundante no Projeto Plural e a Crise de Paradigmas. Milton Greco, professor e pesquisador da inter e transdisciplinaridade, vem de fora, de outras universidades, juntar esforços em um tempo arrancado pela generosidade. Egressos destes laboratórios se espalham pelo mundo, mas um contínuo cultural se manifesta tanto nas edições da série São Paulo de Perfil, quanto na coleção Novo Pacto da Ciência.

Nos 70 anos da USP, ao comemorar também 33 de pesquisa, ensino e extensão, está em curso o oitavo exemplar desta série do Projeto Plural que justamente reunirá relatos de experiências de professores e profissionais de comunicação social agregados à identidade do núcleo da ECA. Professores que se doutoraram no âmbito disciplinar e assumiram a inquietude inter e transdisciplinar estão implantando experiências inovadoras em várias regiões brasileiras e em outros países, sobretudo da América Latina.

Estes pesquisadores formados na USP, quase nunca encontraram oportunidade de ficar e contribuir para a renovação das linhas de atuação acadêmica ou profissional geradas no núcleo de epistemologia ou no fórum permanente interdisciplinar que coordeno na ECA. No entanto, mantêm, na diáspora, laços afetivos e intelectuais, cuja rede de comunicação resulta no diferencial de suas propostas nas instituições públicas ou particulares onde atuam.

Perante a enorme responsabilidade do investimento social na universidade pública e gratuita, responderam com pesquisas de ponta na estratégica área da Comunicação Social, mas ao fim e ao cabo saem mestres e hoje majoritariamente doutores que não devolverão à USP o capital simbólico que aqui acumularam. Em compensação expandem para outros territórios - praticamente os da universidade privada - o frescor de seus talentos e o rigor científico uspianos.

No núcleo de pesquisa e na USP, fica a amargura e a perigosa incerteza do futuro: o que acontecerá com a massa crítica acumulada nos 33 anos (apesar da interrupção da ditadura)? E hoje, por conta da crise orçamentária, a escassa abertura de claros ou as distorções na política departamental dos concursos de admissão, que riscos se assumem ao permitir o esgarçamento de recursos humanos tão valiosos para a universidade?

Em 1987, implantado o Trabalho de Conclusão de Curso no Departamento de Jornalismo e Editoração, comecei a orientar alunos de graduação junto aos mestres e doutores da pós-graduação. Numa sinergia de pesquisa, ensino e extensão, começava também o Projeto São Paulo de Perfil, um livro temático de narrativas sobre São Paulo, ora o inventário das migrações internas e externas que fazem o rosto brasileiro, ora os desafios de quem vive o cotidiano do espaço metropolitano e do Interior, bairros e regiões. Na essência, os temas citam a aventura humana no passado e no presente.
Longa trajetória no ensino

São, em 2004, vinte e seis títulos realizados e o 27º a caminho. Os alunos de Jornalismo até 1998 e alunos de uma disciplina optativa (Narrativas da Contemporaneidade) que ofereço no Fórum Permanente Interdisciplinar da ECA, criado em 1998, assinam a coleção e levam para sua vida profissional marcas inalienáveis do projeto abrangente de pesquisa - o diálogo social.

Quando o experiente jornalista colombiano Raul Osório Vargas veio para o Brasil com a louvável intenção de pesquisar a novas tendências do Jornalismo e ingressou no mestrado da ECA, pensava recortar o trabalho empírico nas revistas históricas e nas da atualidade. Trazia de sua viagem internacional os ecos da velha Realidade e o interesse de estudar a fundo as grandezas das semanais brasileiras. Ao ter contato com os livros já publicados até a década de 90, desviou o foco para a série São Paulo de Perfil e produziu o primeiro documento de pesquisa sobre a renovação dos jovens autores da ECA no jornalismo latino-americano.

Ao mestrado se sucedeu o doutorado e hoje o pesquisador coordena um curso de jornalismo numa universidade de Minas e mantém vínculos diretos com a USP e outras importantes universidades da América.

Os autores estudados na dissertação de mestrado de Raul Vargas (A reportagem literária no limiar do século XXI, o ato de reportar, os jovens narradores e o Projeto São Paulo de Perfil)formam um cast profissional que, em grande parte se destaca pela responsabilidade social e pelo rigor e criatividade de sua assinatura nos meios de comunicação ou, o que é crescente, em frentes de trabalho pioneiro autônomo, grupalizado ou cooperativado. Dos 36 TCCs (trabalhos de conclusão de curso) que orientei, é possível levantar marcas autorais espalhadas na malha comunicacional nacional e estrangeira.

Todos identificados com cultura uspiana da pesquisa. Uma boa parte deles engrossa a fileira de acesso à pós-graduação, um retorno de paixão declarada pelo ambiente acadêmico. Assim, entre os dezoito doutores e vinte e um mestres, contam-se os que ou foram alunos de graduação da USP ou de outras universidades onde cursaram especializações, freqüentaram seminários e oficinas, características da itinerância que a Universidade de São Paulo desencadeia em seus quadros de pesquisadores. Por todos os ângulos que se examinem estes 33 anos de militância na USP e por causa da USP, não há como desmembrar pesquisa de ensino e extensão.

A instituição nasceu para concretizar a plenitude da cultura universitária, atravessou as décadas sucessivas do século passado e chega aos 70 anos com o peso da legitimidade e, ao mesmo tempo, a angústia de cada vez mais acentuada: como preservar com zelo e ternura o patrimônio humano que agregou?"

Crédito: Osmar Mendes Júnior

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