Destaques
EVENTO
FUNDADOR
Imprensa no foco da cidadania
Por
José Marques de Melo*
Prefácio
de A imprensa em questão, Alberto Dines, Carlos Vogt
e José Marques de Melo (orgs.), 181 pp., Editora da Unicamp,
Campinas, 1997; título da Redação do OI
A
Universidade Estadual de Campinas vem se destacando no panorama
acadêmico pela inovatividade e vanguardismo. Principal
centro brasileiro de pesquisa aplicada, busca através
da cooperação com as empresas e o governo reduzir
a distância entre o ensino superior e o cotidiano da nossa
sociedade.
Evidência
dessa vocação modernizante da Unicamp é
a criação do Laboratório de Estudos Avançados
em Jornalismo, iniciativa do então reitor Carlos Vogt,
que pretende contribuir para a melhoria da informação
de atualidades, nesta conjuntura em que a imprensa protagoniza
seu mais célebre papel.
Na
verdade, a nossa imprensa sempre esteve no foco das atenções
da cidadania, captando as tendências emergentes da opinião
pública e quase sempre legitimando-as. Não se
pode compreender a história recente do país sem
levar em consideração o comportamento dos jornais
diários. O brazilianist Alfred Stepan (The military in
politics changing patterns in Brazil, Princeton University
Press, 19871, p. 85-121) já havia notado, por exemplo,
a frustração de todas as tentativas de golpes
de Estados que não contaram com o apoio da mídia,
na segunda metade deste século.
Da
mesma maneira que a corporação militar precisou
conquistar a adesão da imprensa para mobilizar o sentimento
civil, empalmando o poder em 1964, a transição
"lenta, gradual e segura" só emplacaria depois
do término da censura, permitindo que jornais e revistas
ecoassem as aspirações democráticas da
sociedade. Evidências sobre tais fenômenos foram
percebidas com argúcia pelo pesquisador francês
André de Seguin des Hons (Le Brésil presse
et historie 1930-1985, Paris, L´Hartmattan, 1985).
Até
então atribuía-se à imprensa o papel de
suporte das mudanças institucionais. Recentemente eclodiu
a tese de que a sua função tem sido muito mais
de alavanca histórica. O impeachment de Collor e a desarticulação
da "máfia do orçamento" teriam resultado
da ação investigativa de intrépidos repórteres
e da ousadia editorial de modernas empresas noticiosas. Boa
parte da corporação jornalística assume
tal postura ufanista. Para compreender suas nuances, vale a
pena acompanhar o raciocínio dos historiadores Fernando
Lattman- Weltman, José Alan Dias Carneiro e Plínio
de Abreu Ramos (A imprensa se faz e desfaz um presidente, Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1994).
É
possível demonstrar essa hipótese? A pergunta
está no cerne dos debates que se realizaram em Campinas,
São Paulo, no período de 12 a 14 de abril
de 1994, durante o seminário-fundador do Labjor
"A imprensa em questão". Este volume reproduz
na íntegra as exposições e debates daquele
evento histórico.
O
encontro reuniu lideranças jornalísticas de todo
o país, que discutiram a performance do jornalismo brasileiro
com empresários, anunciantes, consultores gerenciais,
políticos e educadores, fazendo um profundo diagnóstico
das suas diretrizes ético-profissionais e das suas motivações
socioculturais.
Vale
a pena sublinhar as questões marcantes do seminário,
abrindo o apetite do leitor para os diferentes capítulos
desta coletânea:
-
Em que medida os novos contingentes incorporados ao mercado
consumidor de jornais diários, nas principais metrópoles
brasileiras, são efetivamente leitores (cidadãos
conscientes de que o produto jornalístico constitui
um bem indispensável à sua educação
permanente) ou meros usuários (fruidores eventuais
de informações utilitárias)?
-
Por que a mídia impressa ou eletrônica vem reduzindo
substancialmente o noticiário internacional, estabelecendo
um paradoxo em relação à atual conjuntura
histórica, caracterizada pela globalização
econômica e transnacionalização cultural?
- Quais
as conseqüências da transformação
do jornalismo cultural em mero apêndice mercadológico
do show business?
- Estão
as empresas jornalísticas nacionais absorvendo adequadamente
as novas tecnologias, de modo a potencializá-las para
melhor servir aos consumidores de informações
cotidianas?
- De
que forma a sucessão familiar vem interferindo no bom
desempenho gerencial das empresas informativas?
- Podem
as escolas de jornalismo ser responsabilizadas pelas deficiências
dos serviços noticiosos oferecidos à nossa população?
-
Persiste entre os anunciantes a convicção de
que a qualidade jornalística constitui fator decisivo
para a programação publicitária de um
veículo?
- Como
preservar a credibilidade de um jornal ou revista, quando
a fronteira entre a informação e a opinião
torna-se ambígua ou imperceptível para o leitor?
E
também a questão mais importante do momento:
- Até
que ponto o denuncismo obsessivo da imprensa, nem sempre fundado
em apuração rigorosa dos fatos, vem atemorizando
os cidadãos e minando a sua confiança na democracia
e na liberdade de expressão?
Se
não foram construídas respostas prontas e acabadas
para estas e outras indagações, o seminário
suscitou pistas elucidativas para redimensionar o perfil da
nossa imprensa neste final de século. Elas passam a constituir
uma plataforma de idéias e ao mesmo tempo um acervo de
experiências destinados a embasar a reflexão profissional
e a investigação científica da equipe de
pesquisadores do Labjor.
Trata-se
de um exercício intelectual que o Labjor pretende estimular
bienalmente. Espera-se que brotem daí produtos e serviços
a serem devolvidos à comunidade jornalística,
sob a forma de cursos, simpósios, consultoria e publicações.
Desta
maneira, a Unicamp preenche uma lacuna no seu repertório
acadêmico, não apenas atuando como fonte privilegiada
de notícias, mas convertendo-se alternativa-mente em
produtora de novos conhecimentos jornalísticos.
*José
Marques de Melo é Professor titular de Jornalismo (USP
e Umesp), coordenador nacional da Rede Alfredo de Carvalho;
pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados
em Jornalismo da Unicamp (Labjor).
Fonte:
Observatório da Imprensa, 04.05.2004.
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