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Opiniões - Comentários


Prêmio para que te quero - I

Por Ivson Alves

"Aquilo que eu queria acreditar ser apenas mais uma manifestação de minha paranóia infelizmente é realidade: boa parte da categoria dos jornalistas está enlouquecendo. Para mim, a prova cabal dessa triste verdade foi vista durante a cerimônia de entrega do Prêmio Esso, quando o colega Antônio Werneck, do Globo, ao subir ao palco para receber o Esso de Jornalismo, foi vaiado por um grupo que, segundo vários testemunhos, era formado em sua maioria por jornalistas de O Dia e da Folha de São Paulo.

A desculpa para o comportamento digno das piores torcidas organizadas de futebol é que a série assinada por Werneck - ‘Traficantes nos quartéis’ - não estava indicada para o Esso de Reportagem, grupo de onde sempre saiu a escolhida para o prêmio de Jornalismo - A reportagem do Globo disputava apenas o Regional Sudeste. Essa explicação foi esposada por pelo menos três próceres que participaram da comissão que distribuiu as matérias entre as categorias. Ela, porém, cai por terra para quem lê o regulamento do concurso com um mínimo de atenção, especialmente o item 4.4:

4.4. O PRÊMIO ESSO DE JORNALISMO será conferido pela Comissão de Premiação ao trabalho considerado de melhor qualidade dentre todos os indicados pela Comissão de Seleção, incluindo-se entre eles a foto escolhida como vencedora do Prêmio Esso de Fotografia pela Comissão Especial. (Grifo meu)

Assim, das duas uma: ou os próceres não leram o regulamento do concurso que julgavam - o que denotaria incontestável e clamorosa incompetência -, ou leram e foram tomados de loucura ao vaiarem Werneck e tentarem tirar-lhe o prêmio das mãos. Incompetência não se discute, lamenta-se, mas é possível analisar o porquê do ensandecimento. (Na verdade, há uma terceira hipótese, a má-fé pura e simples, mas como estou numa fase de crença no ser humano, vou deixá-la de lado).

Como se sabe, as empresas de todos os setores tentam há anos fazer com que seus empregados ‘vistam a camisa’ delas. Gastam milhões em concessões de benefícios e em salários de gênios em Recursos Humanos para chegar a este objetivo. Quando ele é atingido, o empregado perde o senso crítico e passa a acreditar que a empresa em que trabalha é a melhor do mundo, num processo que, em casos patológicos, acaba levando o indivíduo a ser identificar totalmente com a companhia e ver como um ataque pessoal qualquer dúvida sobre a sua proeminência em qualquer campo. Esse processo de mimetismo psicológico é ruim em profissionais de quaisquer carreiras, mas se torna simplesmente fatal no que se refere a jornalistas. Afinal, senso crítico é mais essencial para o bom desempenho de nossa função do que papel e caneta.

Na melhor das hipóteses, foi este tipo de loucura que tomou conta daqueles que vaiaram Antônio Werneck (aliás, para os off-Rio e os daqui que não o conhecem, Werneck é da estirpe de Paulinho da Viola: um negro espigado com a elegância natural de um príncipe banto). Quem quiser se prevenir e manter-se longe das trevas da sandice corporativa deve sempre ter em mente três premissas tão básicas na sociedade em que vivemos quanto a Lei da Gravidade é na Física:

1. No regime capitalista, há duas classes: uma tem a propriedade dos meios de produção; outra não a tem, possuindo apenas a sua força de trabalho para vender e obter os meios para sua subsistência e de sua família. A primeira classe é a dos patrões; a segunda, a dos trabalhadores.

2. As duas classes são antagônicas e inconciliáveis. Patrões são patrões e trabalhadores são trabalhadores; como água e azeite, não se misturam.

3. Da mesma maneira que patrões concorrem entre si, mas jamais se hostilizam a ponto de pôr em risco a unidade do sistema como um todo, os trabalhadores também podem concorrer entre si, mas jamais, em tempo algum, de forma alguma, podem pôr os interesses da empresa, do patrão, acima do respeito e da solidariedade devidos a um outro trabalhador.

Muita gente tenta nos convencer de que o mundo mudou tanto que as três premissas acima não são mais válidas. Não caia nessa. Se cair, arrisca-se não só a ter um triste e desiludido fim, como, no caminho, pagar micos vergonhosos como aquele pago pelos que vaiaram Antônio Werneck na entrega do Esso.

Propostas (I) - ‘Quer dizer que não pode protestar contra resultado de prêmio?’.

Bem, não disse nada disso. Claro que pode protestar, mas não vaiando quem recebeu o prêmio de maneira limpa. Aqui vão algumas propostas para quem não aceitar resultados de premiações:

1. Publicar na edição seguinte ao resultado que o veículo está abrindo mão de participar do tal concurso por considerá-lo incorreto (o prazo fica a critério do freguês). Mas é para fazer isso abertamente e não como um revista importante que mandou a dupla de repórteres retirar a candidatura de uma matéria que tinha inscrito, mas não assumiu a ordem;

2. Ir com carro de som e faixas para a porta da empresa que dá nome ao prêmio e gritar palavras-de-ordem contra o resultado;

3. Prender a respiração até ficar roxo.

4. Fazer greve de fome.

Propostas (II) - Como duvido que a loucura demonstrada na edição deste ano seja revertida, ficam aqui duas propostas - uma moderada; outra radical - para os organizadores do Esso pensarem:

1. A moderada é de um Conselheiro lá do blog. Consiste em que o júri explique o porquê da concessão dos prêmios (todos, não só os de Reportagem e de Jornalismo, este adendo é meu);

2. A radical é de minha lavra mesmo. Os jornalistas seriam chamados para a indicação das matérias concorrentes ao prêmio, mas a escolha dos vencedores seria feita por funcionários da própria Esso (se serão escolhidos por indicação, sorteio ou avanço, a empresa decide). Afinal, a teoria diz que fazemos matérias para o distinto público, não é? Assim, ele, representado pelos funcionários da Esso, teria autoridade para escolher aquela que mais lhe agradou, não? (É claro que é mentira esse negócio de fazermos matérias pensando no público. Fazemos é para os outros coleguinhas se rasgarem de inveja de nossa competência. Mas não precisamos contar isso pra todo mundo, né?).

Kazan - Lembra quando a Academia resolveu conceder o Oscar para Elia Kazan? Foi um deus-nos-acuda, com protestos lembrando o passado de dedo-duro do cineasta e de como ele prejudicou muito, quando não destruiu, a vida profissional e mesmo familiar de um monte de gente durante a caça às bruxas do marcartismo. Na hora da entrega do prêmio, lembro de Nick Nolte com as mãos ostensivamente enfiadas nas axilas, de um outro (acho que Tim Robbins) sentado em cima delas e da maioria do auditório olhando para o palco com cara de bunda. Vaias não foram ouvidas no Shrine Theatre.

Prêmios - Há mais coisas a serem ditas sobre estes prêmios que deram de aparecer de tudo quanto é lado nos últimos anos, mas fica para outra ocasião.

Livros - Não deu para fazer a indicação dos livros jornalísticos e de jornalistas para o Natal. Fica para o Ano Novo. No mais, é desejar um Natal pleno de saúde e paz para você e toda a sua família."

Fonte: "De prêmios, vaias e loucura", copyright Comunique-se, 22.12.03. <www.comuniquese.com.br>

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