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Opiniões - Comentários


Prêmio pra que te quero - III

Por Ivson Alves

"Esta é a terceira - e espero a última por longo tempo - coluna sobre os prêmios de jornalismo que de uns tempos para cá surgiram de todos os lados. Nos dois primeiros textos, falei sobre o que ganham os jornalistas e as empresas, sejam patrocinadoras, sejam as de comunicação. Agora, vamos ver o que perdemos nosotros e os leitores, telespectadores e ouvintes.

A primeira perda é uma decorrência da tendência marquetização das conquistas dos prêmios por partes das empresas. Como ganhar prêmio de jornalismo tornou-se parte da estratégia de valoração do ‘produto’ veículo de comunicação, as pautas passaram a ser orientadas de maneira a não ferir os interesses das empresas patrocinadoras, direta ou indiretamente.

Assim, a primeira perda por parte dos jornalistas é a da própria idéia de independência da profissão. Você e eu não somos bobos e sabemos muito bem que a independência jornalística é, na melhor das hipóteses, uma utopia e, no dia-a-dia das redações, ‘palavreado flácido para bovídeo dormitar’. Ainda assim, o fim de uma idéia bonita como essa, mesmo que sem muita valia no mundo real, é uma perda que nós, jornalistas, não poderíamos nos dar ao luxo de deixar ocorrer.

Mas tem mais. Algumas instituições deram um passo à frente e não só direcionam as pautas como praticamente as escrevem. O exemplo é um instituto dedicado à infância e à adolescência que, no regulamento do prêmio que distribui anualmente, exige que a matéria concorrente não só descreva um problema ou faça uma denúncia, mas também apresente soluções, ouça crianças, adolescentes e outros membros das famílias; organizações governamentais e não-governamentais; empresas, comunidade (empresa não faz parte da comunidade?); meio acadêmico (Academia também não faz parte da comunidade?); escola (escola etc...?) e por aí vai.

Em outras palavras: o instituto, certamente na melhor das boas intenções, cabresteia o jornalista na hora de ele fazer a matéria, acabando com sua independência em dirigi-la da melhor lhe aprouver. Claro que o coleguinha não é obrigado a concorrer ao prêmio, mas e se ele fizer uma tremenda matéria, mas não ouvir nenhum membro da Academia por não ter achado necessário? Ou levantar uma denúncia fundamental para os adolescentes brasileiros, mas não apontar soluções, até por serem complexas demais para o escopo de uma reportagem? E se a matéria cumprir todo monte de exigências, mas, na hora de editar, não tiver um grande destaque por qualquer motivo (um dos quesitos é a ‘qualidade da edição e do texto’)? Nas três hipóteses, o colega será injustiçado e o prêmio perde a razão de ser por não ter julgado os melhores, pois sua matéria será desconsiderada, apesar da boa qualidade jornalística.

As perdas do público são conseqüência do dito até aqui. O direcionamento das pautas, a marquetização dos conteúdos e a perda de independência dos jornalistas estão fazendo com que a sociedade brasileira, que já não é lá muito bem servida de liberdade de imprensa, a veja ainda mais cerceada e diminuída. O público pode nem perceber, mas, aos poucos, vai aumentar as dúvidas em relação à imprensa de modo geral - que hoje já atinge sete em cada dez pessoas, segundo pesquisas dos próprios órgãos representativos das empresas. Nesse momento, o que hoje é uma confraria de contentes se tornará um clube de lamentações."

Fonte: Portal Comunique-se, 19/01/04.
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