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Opiniões - Comentários


A morte do duplo

Por
Cláudio Júlio Tognolli*

Está recorrente nas mais variegadas formas de expressão, da pintura à literatura, passando pela própria essência da psicanálise (ela mesma uma forma de expressão que se propõe interpetar expressões mil) e chega até na música, na física, na política: estaríamos vivendo uma atávica era de decadência e caos.

Nada de novo no front: afinal, lia-se nos vedas, há muitíssimos anos, que estaríamos prestes a entrar na Kali Yuga, ou Idade do Ferro, a mais triste das épocas, em que "o forte, o esperto, o atrevido e o negligente" governariam a todos.

Vamos bulindo com o tempo, saltamos alguns anos, chegamos aos anos 70 quando John Kenneth Galbraith começa com suas lamúrias em seu "A crise da demoracia norte-americana". E agora, santo deus: chegamos no maior paroxismo de todos. Um bufão, que seria barrado por qualquer ombudsman, posa de jornalista, mesmo que ao custo de editar fatos como se lhe dê na veneta, e vira a bola da vez. Trata-se de Michael Moore, o cineasta parlapatão.

Sua retórica está cheia de uma história contada mil vezes. Que, em vedade, já havia enchido o saco de muita gente no mundo cult, nos anos 80, quando Paul Kennedy, exatamente em 1987, vinha com o lero-lero da iminente queda dos EUA devido ao que chamava "hiperexpansão imperial".

Ok, dirão, Michael Moore é o fiel da balança. Mas não passa de um duplo. A vitória dos democratas matará Michael Moore. Da mesma forma que o fim da censura e a morte dos milicos no poder mataram Chico Buarque e suas metáforas ladinas, enviesadas.

O duplo foi lançado em 1796 por Jean-Paul Richter, sob a designação alemã de doppelganger, que pode ser traduzido como "aquele que tenho de lado" ou ainda "companheiro de estrada". Virou moda, em literatura: mas já estava no Plauto de Os menecmas (206 A.C.), no Shakespeare de Comédia de erros (1592), e veio para o Retrato de Dorian Gray, de Wilde (1891), e para o conto O outro, de Jorge Luís Borges (1975).

Bem, esperemos que os democratas vençam nos EUA. Mesmo que isso represente (e representará) a morte técnica de Michael Moore. Esse é o preço do "duplo" e das metáforas de que nosso mundo está por acabar, a qualquer momento: a vida prossegue, insistente. Ainda bem.

*Cláudio Júlio Tognolli é jornalista.

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