Opiniões
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Caubóis
da liberdade de imprensa
Por Mino Carta - Carta
Capital
Como
não podia deixar de ser, os rapazes do bando agem a mando
do dono da manada.
Voltam
a desembainhar suas espadas, perdão, suas penas, os paladinos
da liberdade de imprensa. E não se trata apenas de penas,
também de vozes, a denunciar, pelo rádio e pela
tevê, aqui acompanhadas pelo gestual adequado à
gravidade do momento, a tentativa autoritária em marcha.
Vozes de quem sabe usar o timbre certo na hora certa.
Do
assunto, que agita diversas arenas, trata a reportagem de capa
desta edição, desdobrada em vários capítulos.
Nesta
sede, o acima assinado permite-se inquirir seus botões
veteranos. Que vem a ser essa liberdade de imprensa reclamada
pelos donos da mídia nativa e seus solertes porta-vozes?
Eis
a pergunta preliminar, respondida, em cauteloso sussurro, com
outra questão (ousada? irreverente?): não viria
a ser a liberdade dos próprios patrões de cuidarem
exclusivamente dos seus interesses, e dos interesses do poder,
os quais não coincidem necessariamente com aqueles dos
seus leitores e da nação verde-amarela em geral?
Talvez
os meus botões sejam mesmo impertinentes. Causa, porém,
alguma estranheza o debate a favor da liberdade de uma mídia
que careceu, e carece, de diversidade em matéria de opinião.
Já escrevi, e me cito: "Nossa imprensa serve ao
poder porque o integra compactamente, mesmo quando, no dia-a-dia,
toma posições contra o governo, ou contra um ou
outro poderoso. As conveniências de todos aqueles que
têm direito a assento à mesa do poder entrelaçam-se
indissoluvelmente".
No
dia D, a mídia fecha com a elite feroz que levou o País
à deriva. Ou seja, fecha consigo mesma. E se os patrões
foram desastrados na condução dos seus negócios,
é preciso reconhecer-lhes a competência na operação,
extraordinariamente bem-sucedida, de confundir a opinião
pública e obscurecer as consciências. Imbatíveis
na demolição de quaisquer esboços, por
mais pálidos, de sociedade civil. Com a inestimável
colaboração das penas e das vozes acima evocadas.
Meus
venenosos botões se entregam a outra suposição.
Registro-a por dever de ofício: não valeria considerar
a hipótese de que as tais penas e vozes, depois de tanto
escrever e dizer, não acabem por acreditar cegamente
no que escrevem e dizem? Assim como seriam tão pobres
no emprego do vernáculo por terem sido, eles próprios,
vítimas da manobra embrutecedora posta em prática
com patriótico denodo.
De
todo modo, apanhemos exemplos recentes da unanimidade midiática,
salvo honrosas exceções. Um: na campanha eleitoral
de 2002, contra o candidato Lula e a favor do candidato Serra.
Dois: na crescente euforia causada pela pronta adesão
do novo governo aos ditames do FMI. Aliás, ocorre-me
que nestes dias o ex-presidente Fernando Henrique, timoneiro
de inolvidáveis naufrágios, acusa o governo atual
de vender ilusões. Se for, o atual governo teve com quem
aprender.
Nem
tudo se resume, contudo, na obediência às regras
impostas pelo Império. O desapontamento de 2002 transforma-se
em eterna desconfiança em relação a Lula.
Em alerta constante. Transparecem, desconfiança e alerta,
na escrita e na fala dos patrões da mídia, neste
exato instante, para bons entendedores. E até para maus.
Desde
seu nascimento, há dez anos, CartaCapital manifesta-se
contra a concentração do poder midiático
e a favor de uma lei destinada a limitar os alcances de quem,
por ora, pode-se espalhar à vontade em todas as latitudes
e longitudes do setor. Não é digno da contemporaneidade,
ou, por outra, próprio de um país ainda ancorado,
de muitos pontos de vista, à Idade Média, que
empresas de comunicação estejam habilitadas a
anexar jornais, revistas, rádios, canais de tevê,
portais e por aí afora.
Presente
faz pouco mais de dois meses à mesa da comissão
do Senado proposta pelo BNDES para examinar as demandas de financiamento
por parte dos endividados, ou seja, em bloco, os graúdos
senhores da área, CartaCapital insistiu na idéia
da lei capaz de modernizar e, portanto, de democratizar o sistema.
Ficou
claro na ocasião que o BNDES presidido por Carlos Lessa
não se dispõe, com raro acerto, a tapar buracos.
Nem por isso, esvaiu-se a oportunidade de conter a prepotência
de uns poucos manipuladores da informação (informação?),
heróis de um tardio faroeste. Quanto aos paladinos da
liberdade de imprensa, mais se assemelham aos caubóis
das manadas dos filmes western.
Certos
debates só terão sentido quando à liberdade
de opinião corresponder a consciência da cidadania
de cada um, o direito efetivo à independência das
idéias e ao exercício do espírito crítico,
o acesso indiscriminado às mais diversas penas e vozes,
elas próprias livres das pressões, quando não
dos vetos, do poder. Mesmo porque, se não for assim,
não há diálogo, há monólogo.
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