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Opiniões - Comentários


Os segredos do
telejornalismo americano

Por Antonio Brasil*

"This is WPBF, where you come first", "Esta é a WPBF, aonde você vem em primeiro lugar". Estou em West Palm Beach, na Flórida. Ganhei aquela bolsa da Radio-Television News Directors Foundation e participo do projeto "Professores de volta a redação” (ver coluna recente). Aproveito para observar as rotinas de produção dos telejornais locais americanos e acrescentar alguns capítulos curiosos para o meu "Antimanual de telejornalismo". Também aproveito para dar uma espiada no futuro do nosso próprio telejornalismo. Afinal, o que acontece nos EUA, mais cedo ou mais tarde, acaba sendo copiado pela televisão brasileira.

E a redação virou estúdio

Logo no primeiro dia, o primeiro choque. De repente, penumbra na redação. As luzes coloridas se acendem. Silêncio! O telejornal está no ar! Diretamente da redação. O reduto sagrado dos velhos jornalistas agora faz parte do cenário futurístico do novo jornalismo de TV. Somos figurantes silenciosos durante os telejornais.

Aqui na WPBF, temos que produzir 3 edições diárias de 30 minutos. Um telejornal às 5h, outro às 6h e uma edição noturna, às 11h. Não é fácil preencher 90 minutos de notícias todos os dias em uma região como Palm Beach. Os jornalistas locais fazem milagres. Tiram leite de pedra. Nada de muito importante acontece todos os dias. Mas a pequena emissora da Flórida tem muito orgulho do seu jornalismo.

No ano passado, eles receberam o prêmio "Walter Cronkite for Excellence in Political Journalism" pela cobertura das últimas eleições. Alguns jornalistas brasileiros devem se lembrar que a Flórida ainda é governada pelo irmão do presidente Bush, o Jeff Bush e área de Palm Beach foi palco de muita polêmica.

Mais choque cultural

West Palm Beach é uma cidade rica. Tem cerca de 1.2 milhões de habitantes. Na maioria, velhos casais americanos aposentados. A renda per capita é bem acima da média americana e a cidade fica pertinho de Miami. Por aqui, tudo parece uma grande Barra da Tijuca! O clima, para quem morava em Nova Jersey é hostil. Apesar da primavera, já faz um calor "carioquês" aqui na Flórida! Choque ambiental.

Os contrastes profissionais são ainda maiores. Para quem recentemente produzia um telejornal universitário na Internet em universidade pública brasileira, os choques culturais e profissionais também são inevitáveis. Fico imaginando o que faríamos no Brasil se tivéssemos pelo menos parte das facilidades técnicas da WPBF. Na UERJ, ganhamos prêmio nacional e estabelecemos novos paradigmas na produção de telejornais universitários com a nossa "Brasília amarela".

Recursos mínimos, mesmo para os padrões de uma universidade brasileira. Mínimos, mesmo! Mas os nossos alunos? Alto nível. No nosso laboratório de TV, só tem Schumacher pilotando a famigerada Brasília amarela.

Seguem algumas considerações sobre as rotinas profissionais do telejornalismo local americano. Estou trabalhando numa versão mais acadêmica dessa pesquisa. Mas, por enquanto, creio que esses comentários poderão ser úteis, principalmente, para os professores de jornalismo brasileiros.

TV do grupo Hearst

A WPBF está entre as 50 maiores emissoras americanas. Nível médio em termos de mercado. É afiliada tanto da rede ABC como da CNN. Seguindo as tendências de concentração de mídia, a WPBF hoje pertence ao grupo Hearst, - Quem diria! Estou trabalhando para os herdeiros do famoso Cidadão Kane, Rudolph Hearst. No passado, ele empregou alguns freelancers famosos. Para minha surpresa, Adolf Hitler e Mussolini escreveram artigos "polêmicos" para os jornais do grupo durante os conturbados anos 30. Mas, segundo os editores da época, eles tinham um problema sério em comum: não conseguiam jamais cumprir os deadlines. Faz sentido!

Os tempos mudaram e o jornalismo está bem mais "profissional". Hoje, os jornalistas de TV são “escravos” dos deadlines.

O poder dos produtores

Na WPBF, as reuniões de pauta são os eventos mais importantes da rotina diária jornalismo local. Quase tudo é decidido nessa batalha de egos. De manhã, as matérias são anunciadas pela chefia de reportagem, responsável pela apuração das matérias. As pautas são discutidas e selecionadas. A oferta de matérias é variada e sempre bem acima da capacidade de produção das equipes. Mas o poder de decisão está nas mãos dos produtores.

No telejornalismo americano, ao contrário do Brasil, os produtores decidem tudo. Eles são os donos da festa. Os repórteres têm autonomia, mas seguem sempre as instruções dos produtores. Não existe uma equivalência muito clara nas redações das nossas TVs. Produtor no Brasil é confundido com pauteiro, quebra-galho de repórter ou mesmo secretário. Nos EUA, os produtores são responsáveis pelo conteúdo, paginação e estratégias de produção. São mais poderosos do que os nossos editores de texto. Essa é uma diferença fundamental do telejornalismo americano.

Guerra dos sexos

Na redação, o clima é jovem e descontraído. A média de idade está abaixo dos 30 anos. Mas talvez eu é que esteja ficando velho. Todos aproveitam as reuniões para colocar a conversa em dia. Contam as novidades, discutem jornalismo, mas também divulgam as últimas fofocas. Por volta das 3:30, outra reunião para confirmar as mudanças e preparar a edição noturna. Contagem regressiva. O telejornal já está quase pronto.

O poder feminino na redação é supremo e tende a crescer. Segundo o diretor de jornalismo da emissora, Joe Coscia, "está cada vez mais difícil arranjar homens para trabalhar em telejornalismo". Pelo menos no telejornalismo, estamos em processo acelerado de "extinção". No entanto, os homens ainda controlam as principais posições de chefia na maioria das emissoras americanas. Não por muito tempo!

Jacaré invade restaurante

É difícil produzir um telejornal local. Para mim, todas as notícias parecem pequenas e pouco importantes. Anos de cobertura internacional criam vícios e preconceitos. Mas, é exatamente com essas pequenas matéria que o público se identifica e quer ver nos telejornais locais. As matérias produzidas pela WPBF seguem essa linha.

Elas se parecem muito com as matérias produzidas no Brasil. E isso não é novidade. Há muitos anos, o telejornalismo brasileiro copia o modelo americano. As matérias são muito bem fotografadas e editadas. Os americanos acreditam no tal padrão de qualidade. Para mim, isso limita a experimentação e impede pautas menos bobinhas. O formato está sempre acima do conteúdo e impõe-se no telejornalismo. Não é a toa que a audiência dos telejornais diminui em todo o mundo, inclusive aqui nos EUA.

A tendência geral das matérias é a descontração. Sempre que possível, os repórteres fazem gracinhas no ar e mostram que estão de bem com a vida. Também, pudera! Todos estão empregados e recebem bons salários. Pelo menos, por enquanto.

E para a felicidade dos jornalistas locais, tem sempre alguns casos isolados de violência em Palm Beach. A prioridade da cobertura, como em todos os telejornais do mundo, é para as matérias sobre crime. Todos os dias têm matérias de assassinatos, assaltos, incêndios ou acidentes no trânsito da região. Igualzinho ao Brasil, só que menos trágico.

Mas outro dia, tivemos um furo de reportagem: um "jacaré" invadiu um restaurante. Foi notícia importante no telejornal. Se fosse no Brasil e correspondente internacional tivesse publicado no NYT, seria razão para expulsão. Aqui entre nós, espero que esse meu comentário sobre os jacarés em Palm Beach não cause nenhuma reação intempestiva por parte do presidente Bush. Nunca se sabe.

Mas também teve uma outra matéria bizarra. Uma casa foi invadida por "abelhas assassinas". Um horror! Essas matérias foram muito bem-vindas pelos produtores locais e fizeram o maior sucesso junto aos telespectadores. Público de TV é o mesmo em todos os lugares.

Outra pauta constante e inevitável é o tempo. Em terra de furacões, o espaço dedicado às previsões meteorológicas é enorme. Impressiona o profissionalismo e os recursos tecnológicos para prever o imprevisível.

Os repórteres saem da redação para produzir as matérias, editam no local e geram por microonda. Eles também ficam no local disponíveis para as passagens ao vivo durante a transmissão dos telejornais. Um trabalho intenso e estressante em condições difíceis. O calor é intenso e a umidade tende a "humilhar" a elegância dos repórteres. Perdão. Não pude evitar.

Na redação, os "âncoras" são facilmente reconhecíveis. Chamam a atenção pelo visual exagerado e pelo comportamento extravagante. Falam mais alto, com um tom sempre estranho e empostado. São muito disputados no mercado, recebem altos salários, e recebem tratamento de estrelas do cinema. Eles são jornalistas, produzem boas histórias e garantem a audiência dos telejornais.

Competição feroz

Na redação, ninguém costuma sair para almoçar. É tudo "delivery" e come-se no local de trabalho. O trabalho é duro e a competição diária entre as emissoras locais é intensa. A área de Palm Beach tem pelo menos 3 emissoras de TV importantes disputando o mercado. Não há uma supremacia absoluta de uma única rede como no Brasil. E essa é uma diferença fundamental. Todos os telejornais lutam por frações do Ibope. Os resultados diários são sempre comparados e cobrados dos produtores pela direção do jornalismo. Exigem resultados imediatos que justifiquem as receitas publicitárias milionárias.

Não é a toa que existe tanta rotatividade e mobilidade no emprego. Jornalista de TV americano está sempre atento a oportunidades profissionais em outras emissoras. Nunca se sabe. Hoje aqui, amanha, acolá.

Chefia de reportagem. De maluco e jornalista...

A chefia de reportagem, o "assignments desk", é o lugar mais importante da redação. A “central de comando” do jornalismo. Aqui, só trabalha “cobra criada”, jornalistas veteranos. Eles sabem tudo o que acontece, estão sempre ligados com a rede nacional e controlam todas as reportagens. Trabalham sob enorme tensão. Eles acumulam as funções de apuração de notícias, rádio-escuta e acompanhamento das equipes de reportagem. É o lugar mais emocionante da redação. É onde trabalho. Gosto de sentir a pressão do jornalismo de verdade.

Tudo acontece em tempo real! As decisões são tomadas em questão de segundos. Os telefones não param de tocar. Fluxo constante de notícias. Mas também tem muitos malucos que ligam o tempo todo. Eles oferecem histórias mirabolantes e divulgam teorias conspiratórias. Faz parte da cultura. De maluco e jornalista, todos nós temos um pouco!

Que diferença do ambiente universitário. O jornalismo é sem duvida, a antítese da vida acadêmica. Como é difícil ensinar a importância dos deadlines, as pressões do tempo e a responsabilidade de decisões importantes aos estudantes de jornalismo. No tal "mundo real dos telejornalismo", o tempo é soberano. Prevalece uma cultura profissional que privilegia a rapidez. Trabalho em televisão é rima pobre: mistura de pressão com muita emoção.

Mas por aqui também há muitos críticas em relação ao ensino de jornalismo. Não faltam comentários preconceituosos. “Aqui, no mundo real, tudo é muito diferente”. Como se as universidades fossem de um outro mundo! Já estou acostumado. Eles devem ter as suas razões. Mas também não faltaram recomendações preciosas sobre as prioridades no ensino de jornalismo: “você pode até não gostar. Mas os jornalistas têm que aprender tudo. Ou pelo menos a teoria. É melhor do que nada e certamente garante o emprego". Dica de jornalista experiente.

Guerra de egos

No telejornalismo americano, persiste a rivalidade entre os repórteres e os produtores. Segundo os produtores, "ele aparecem, nós mandamos."

Mas as estrelas do telejornalismo não se intimidam com o pretenso intelectualismo dos produtores. "Never in doubt. Always on air". "Nunca em dúvida. Sempre no ar"! Novamente, tudo a ver.

Os jornalistas da WPBF não costumam produzir matérias para a rede ABC. Ao contrário das "afiliadas" brasileiras, as equipes locais não participam da edição nacional do telejornal da ABC.

As ameaças digitais

Por aqui, não falta dinheiro para a tecnologia de ponta. Todos os equipamentos são ultramodernos. Mas, para minha surpresa, a WPBF ainda não mergulhou na era digital. A emissora ainda reluta em aceitar a convergência de mídias e as promessas da Internet! O site da WPBF é bastante simples. Já disponibiliza alguns vídeos, mas ainda não transmite os telejornais ao vivo pela rede. As questões legais têm precedência sobre a tecnologia.

Nos EUA, os mercados são muito bem definidos e as mudanças exigem negociações complicadas. Todos reconhecem os riscos dessa atitude para o futuro do jornalismo de televisão. Apesar das críticas e temores, a convergência na Internet é, sem duvida, o futuro do jornalismo.

Esta é a minha principal linha de pesquisa aqui nos EUA. Estou investigando as conseqüências dessa migração da televisão para a Internet em relação ao jornalismo do futuro, E pelo jeito, apesar das criticas, o futuro já chegou. Segundo artigo da Media Life publicado esta semana nos EUA, os anunciantes já estão redirecionando seus investimentos publicitários da televisão para a Internet (ver aqui). Ou seja, as agencias de propaganda já perceberam que o futuro está na rede. A WPBF, assim como tantas emissoras de TV, ainda não sabe como enfrentar essas mudanças ou ameaças.

Mas de qualquer maneira, a digitalização avança nas redações. Os produtores americanos já editam matérias nos seus próprios computadores e tem acesso livre aos arquivos digitais via internet. Esse foi o principal tema da minha tese de doutorado. O jornalismo de TV recupera a sua própria memória e revoluciona todas as pautas. Até mesmo as mais simples matérias passam a ter referência no passado. A era digital indica o futuro e recupera o passado.

A maioria da matérias de um telejornal local, no entanto, ainda são editadas de maneira simples e rápida. Os repórteres editam suas histórias na rua e transmitem o produto final para emissora. Em breve, essas mesmas matérias serão transmitidas para a emissora via videofones e Internet. É só uma questão de tempo.

Outra mudança importante na rotina profissional dos jornalistas na era digital é o acesso fácil e imediato a esses arquivos, que está mudando as rotinas profissionais dos jornalistas de TV.

Mesmos preconceitos

Os cinegrafistas ou repórteres cinematográficos aqui são chamados News Photographers ou fotógrafos de notícias. Também mudaram a nomenclatura, mas o preconceito persiste. Não são mais "news cameramen". No dia-a-dia, ainda são chamados de "shooters"! Os produtores contam com 6 equipes por turno. São 10 cinegrafistas que também editam suas matérias e 6 repórteres.

Ao todo, o departamento de jornalismo tem uns 30 profissionais que trabalham na redação. Não existe a exigência do diploma, mas quase todos os jornalistas são bem experientes e formados em diversos cursos universitários. Emprego, hoje em dia nos EUA, é algo precioso e muito disputado.

Por aqui, os cinegrafistas também são discriminados! Eles não participam das reuniões de pauta. Os eventos mais importantes do dia! Mas tem um chefe de cinegrafistas, profissional veterano que sabe tudo de jornalismo local. Também pudera, é o jornalista que está há mais tempo na empresa. Igualzinho ao Brasil.

Mas de todas as frases que ouvi até agora, nada foi mais "educativo" do que essa "pérola" da chefia de reportagem em momento de crise: "Isso aqui não é jornalismo. Isso é Televisão!" Corta. Risada geral. WPBF, "where you come first".

Mas essa viagem ao telejornalismo americano está só começando. Desvendo mais "segredos" nas próximas semanas.

*Antonio Brasil é Professor de Telejornalismo da UERJ, atualmente realizando programa de pós-doutorado nos EUA.

Fonte: Site Comunique-se, 14.06.2004.

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