...................................................................... pjbr@eca.usp.br

 







...
...

Opiniões - Comentários


LULA & NY TIMES
A metafísica do verbo como fonte

Por Claudio Julio Tognolli*

Larry Rohter teria escapado da boutade em que se meteu com um trabalho elementar do jornalismo: verificar na agenda do presidente quantos compromissos Lula cancelou ou não, na undécima hora, para enviar em seu lugar representantes, ministros etc, no mister de arrumar a situação. Cercaria, depois, gente metida no aggiornamento do compromisso cancelado. Na tentativa e erro, poderia ter até comprovado, em letras garrafais, sorry o pleonasmo, que Lula estava "tomado pelo álcool". Ou não.

Raras vezes a imprensa envereda sem insucesso por esse terreno pantanoso em que assuntos particulares ganham nuances de assuntos de segurança nacional, digamos. Foi num caso de sucesso, por exemplo, que nos anos 1990 a Folha de S.Paulo publicou que o então presidente Fernando Collor, vexado e abatido pelo impeachment em curso, tinha de receber do coronel Agenor Homem de Mello, da Casa Militar, comprimidos de Olcadil, debaixo da língua, para poder atravessar o dia-a-dia sem adernar física e moralmente.

Quando Luiz Maklouf Carvalho, em 1989, deu em primeira mão que Lula tinha uma filha fora do casamento, foi inatural a reação petista. Que só se materializou mesmo, comme il faut a título de petismo, há dois anos, quando Maklouf foi impedido de participar de um programa Roda Viva, da TV Cultura, em que Lula seria sabatinado.

Meia verdade, verdade eterna

Durante a campanha presidencial, gente metida com o PSDB distribuía a torto e a direito que um vídeo, supostamente feito em Manaus, traria o então candidato Lula tomando tragos em situações incômodas. A versão era distribuída por delegados de Polícia Federal, a quem Serra teria prometido cargos caso vencesse as eleições. A reação de policiais federais conectados ao PT ia na contramão: Serra teria mandado um delegado grampear Lula e à metade do PT, empregando um aparelho que faz escuta em até mil celulares ao mesmo tempo, nos moldes daquele que um deputado mato-grossense empregara para grampear um deputado petista.

Obviamente nenhuma dessas situações foi para o papel, simplesmente porque, salvo melhor juízo, ainda temos editores com o mínimo de responsabilidade. Tais situações estiveram pulverizadas, com pitadas de muita maledicência, pela boca das fontes usadas por Rohter para elaborar o seu construto.

A mesma circunstância, em que meias-verdades ganham ares de verdade eterna, pela boca e estilo daquilo que os americanos chamam de witticisms, surgiu quando da morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, há dois anos e meio, num dia 18 de janeiro.

De onde menos se espera...

No ano passado, este repórter teve acesso a todas as escutas ilegais promovidas contra a cúpula do PT. Os witticisms, largados nas colunas pelo mesmo tipo de jornalista que Rohter empregou para a sua história da cachaça, referiam que nas fitas constariam falas comprometedoras do hoje ministro José Dirceu. Este repórter degravou estas fitas num trabalho insano de dois meses. Parte dele foi posta na web no dia 13 de janeiro passado, como se pode comprovar em:
(http://conjur.uol.com.br/textos/23905/).

Mesmo tendo-se comprovado que nas fitas não há nada contra José Dirceu, continuava a boataria, no mesmo estilo da que ora postula ser Lula um alcoólatra.

No mês de janeiro, ainda, e sobretudo fevereiro, este repórter manteve sete encontros na cadeia com o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, em São Paulo. Recebeu de João Carlos, dentro de um CD de Dizzy Gillespie, as cabais escutas feitas contra o PT no caso Celso Daniel. Sabe o que havia nelas? As mesmas conversas já degravadas, mas nenhuma voz de nenhum José Dirceu em nenhuma situação comprometedora.

Ao ter consultado colunistas que vivem de adjetivos (que como se sabe constituem a metafísica do verbo), o veterano Rohter deveria saber que estaria sujeito a esses witticisms – vocábulo que ele certamente aprendeu ao, na faculdade, ter estudado obrigatoriamente o tonitruante estilo de Henry Louis Mencken. Deveria saber que o Mencken brasileiro, o imortal Aparício Torelly, o Barão de Itararé, costumava falar que de onde menos se espera é que menos surgem coisas. Rohter esperou um caminhão de quem no máximo poderia ter-lhe oferecido um móbile Matchbox.

*Claudio Julio Tognolli é jornalista, autor de A Falácia Genética: a Ideologia do DNA na Imprensa, Editora Escrituras, 2004.

Fonte: Observatorio da Imprensa, 18.05.2004.

Voltar

www.eca.usp.br/prof/josemarques