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Mídia
e Ética
Por
Murilo César Ramos*
Quando estabelecemos a relação entre mídia
e ética, nos vem à mente questões como
o comportamento do jornalista diante dos fatos, o abuso de sexo
e violência na televisão, ou o uso publicitário
de testemunhos obtidos à custa de altos cachês.
Instado a refletir sobre a relação entre mídia
e ética neste artigo de estréia, desgarrei desses
enfoques usuais, embora importantes, movido por lembrança
recente de professor.
Corria a tarde da votação, em primeiro turno,
na Câmara dos Deputados, da emenda que alteraria o Artigo
222 da Constituição, para permitir pessoas jurídicas,
inclusive estrangeiras estas limitadas a 30% do capital
votante na propriedade e controle de jornais, revistas,
rádios e televisões. Atento ao assunto, estava
em meu escritório quando o celular tocou e reconheci
o número de um ex-aluno, jovem ainda, que trabalha na
imprensa especializada em comunicações. De certo
ele quer me dar o resultado da votação, pensei.
Mas, estava enganado.
"Professor", e ele soava indignado com alguma coisa.
"O senhor não vai acreditar! Mas, tem um lobista
de uma empresa de televisão dentro do plenário
comandando a votação".
Como dizer ao jovem profissional que sua indignação
não me causava surpresa? Como dizer que aquele comportamento
era usual em uma empresa, no caso a Globo, habituada a exercer
privilégios em Brasília, para o que sempre contribuiu
a complacência das autoridades?
A ética não é atributo exclusivo dos indivíduos
nas suas relações sociais. E nem é, no
caso das instituições, atributo que se deva cobrar
apenas dos poderes públicos. A ética permeia todas
as relações sociais, políticas, econômicas
e culturais, e abarca todas as instituições, do
Estado aos governos, às organizações públicas
e privadas com ou sem caráter comercial. Infelizmente,
porém, no mundo das instituições de comunicação,
nas suas relações com a sociedade, impera ainda,
em larga escala, a força sobre o convencimento, a coerção
sobre o consenso.
Imaginemos que um setor econômico entra em crise financeira
e decide recorrer ao governo para que se monte, por meio do
BNDES um pacote de salvamento. Quantas páginas de jornal
e revista, quantos minutos de rádio e televisão,
quantos bits nos portais, não seriam gastos para esmiuçar,
justamente, diga-se, um tal processo de socorro público
a empresas privadas? Foi assim recentemente no caso do Programa
de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), como
seria no caso do setor automobilístico, siderúrgico,
elétrico, ou de telecomunicações, e assim
por diante. E ao fazer isso, a mídia estaria cumprindo
o relevante papel, que lhe é inerente, de esclarecimento
da opinião pública.
Mas, então, não seria o caso de se perguntar:
existe hoje em gestação um programa de socorro
a empresas de mídia no BNDES? Se existe, qual tem sido
seu impacto nos jornais, revistas, rádios, televisões
e portais? O quanto a opinião pública estaria
bem informada sobre as implicações desse programa
para o Tesouro? A opinião pública está
suficientemente informada de que o referido programa não
é consenso mesmo entre os seus supostos beneficiários?
A empresa que mais teria a ganhar com ele, porque a mais endividada,
no caso novamente a Globo, tem tratado com desembaraço
e isenção o assunto em seus noticiários
de jornal, revista, rádio e televisão?
Sim, o programa existe; não, a opinião pública
não está e jamais estará bem informada
sobre ele, exceto aquela minoria que tem acesso aos noticiários
especializados. E este é o maior poder que a mídia
tem sobre a sociedade: o controle de sua própria agenda
pública, ela que tem o direito e o dever de expor publicamente
as agendas públicas dos indivíduos e das instituições.
E
aqui seu comportamento ético é deplorável.
Seja o da Globo quando invade espaços parlamentares que
lhes são legalmente vedados ou quando omite nos seus
noticiários um tema público da maior relevância
social, política e econômica, seja o da Record
quando, até com justas razões, decide expor as
táticas empresariais pouco éticas da concorrente,
mas o faz de modo panfletário, que mais confunde do que
esclarece o público sobre o que de fato está ocorrendo.
A democracia é um valor universal absoluto, que só
existe, ainda, no mundo, em formas relativas. No Brasil, a democracia
vem sendo feita com profundas diferenças sociais, mas
institucionalmente ela avança, e isto é bom. Mas,
para que ela de fato amadureça e se consolide entre nós,
um pré-requisito fundamental é a sua existência
nas instituições de comunicação,
internamente, nas redações, e externamente nas
relações com a sociedade.
Isto não se fará, porém, sem que se ponha
fim aos maus exemplos dos acessos indevidos aos plenários
legislativos e à censura dos próprios assuntos
de relevante interesse público. Pensar e fazer sua própria
democratização é, pois, o maior desafio
ético posto diante da mídia brasileira hoje.
*Murilo
César Ramos é Professor da Faculdade de Comunicação
da Universidade de Brasília. Sócio da ECCO \ Consultoria
em Comunicações.
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