...................................................................... pjbr@eca.usp.br

 







...
...

Opiniões - Comentários


Sou viciada em jornalismo

Por Eliane Cantanhêde

Eliane Cantanhêde, diretora da Sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília desde junho de 1997, falou, durante o "Papo na Redação" do Site Comunique-se, na quarta-feira (21/01/2004), sobre vários assuntos, entre eles o relacionamento do jornalista com o poder e a forma como a política é tratada na comunicação.

"Depois de décadas trabalhando como jornalista em Brasília, perto do poder (ou dos vários "poderes" que se sucederam) não me deslumbrei nem com palácios, nem com o poder nem com os poderosos. Você consegue, sim, estar perto o suficiente para ter informação e capacidade de crítica e longe o suficiente para não ter promiscuidade".

A jornalista afirmou também que foi duro o caminho para alcançar o cargo que ocupa. "Foi um longo percurso, com muito, muito, muito trabalho. Mas também com muita vontade. Sou viciada em jornalismo".

Sobre a experiência de ter participado do "Papo na Redação", Eliane disse que gostou muito, principalmente por ter ajudado a debater o jornalismo. "O chat foi supergostoso. As perguntas estavam muito boas e adorei ajudar a debater o jornalismo".

Leia na íntegra o "Papo na Redação" com Eliane Cantanhêde:

Alexandre Campbell (Estagiário - Cia. Siderúrgica Nacional - RJ) - Boa Tarde, Eliane! Qual a perspectiva para os recém-formados em jornalismo no atual mercado?

EC - Epa! Antes de mais nada, boa tarde, Alexandre. Sinto muito, mas as coisas não estão muito boas, não. Mas isso não é só para jornalismo, é para todas as profissões. O pessoal que tá saindo das universidades ta tendo problema para arranjar emprego. Bem, no jornalismo, você tem um sorte: o leque de possibilidades é grande. Digo: de tipo de emprego. São redações (de jornais, revistas, TV, rádio...), mais assessorias, ONGs, consultorias, iniciativa privada, setor público. Então, leia muito, se informe e meta a cara. Boa sorte!

Márcio Kroehn (Repórter - CardNews Magazine - SP) - Eliane, este é um ano de eleição e muitos jornalistas migram para assessoria de políticos. Como você vê essa situação?

EC - É uma situação delicada. Em geral, os jornalistas vão e não voltam. Optam por um novo rumo na carreira. Mas há outros que voltam, sim, e é sempre bom que haja uma espécie de quarentena.

Ana Paula Parolo (Chefe - Redação - Lucano Editores Associados) - Olá Eliane, é um prazer falar novamente com você, pois certa vez tive o privilégio de assistir a uma palestra sua na FIAM (faculdade de SP) e foi o máximo, fiquei até o final para poder falar pessoalmente com você. Sou leitora assídua de sua coluna e minha pergunta é: você nunca pensou em migrar para TV (além do jornal)? Pois você tem uma forma bastante didática de discursar sobre política, coisa que o povo brasileiro precisa para se interessar pelo assunto.

EC - Oi, Ana Paula. Olha, logo no início da carreira, quando eu era da Veja, recebi um convite para a TV Globo. Achei muito legal, mas eu gostava mesmo era das "pretinhas", ou seja, de escrever. Além disso, era muito timida. Agora, acho que o melhor é acumular. Continuo com a mesma paixão pelo jornalismo impresso do início da carreira, mas perdi a timidez e gosto também de vídeo. Quem sabe não aparece um convite, hein, hein??? Beijão.

Marcela Gomide (Estudante - Host Informática) - Eliane, Boa Tarde! Como você se diferencia dos outros colunistas da Folha como o Cony, o Clóvis Rossi, etc... em termos de escrita? Qual a diferença na hora de redigir entre vocês? Você conseguiria diferenciar?

EC - Marcela, cada um tem seu estilo, não é? O Rossi tem aquele estilão de repórter, que eu gosto muito. Vai atrás das fontes, tem informação, tem um texto direto, objetivo e forte. Já o Cony é um escritor, um literato, tem uma cultura geral que é o máximo. Você já leu os livros dele? Eu adoro.

Bem, e eu... eu também tenho uma alma de repórter, como o Rossi, e tenho um estilo mais feminino. A Marta Suplicy, na sua poção psicanalista, já me disse que, mesmo sem ler meu nome, saberia que a minha coluna é escrita por uma mulher. Alma de repórter, alma de mulher. É isso.

Luiz Felipe Setten Fustaino (Freelancer - Freelancers) - O caminho até a direção da Sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo foi longo, levou muitos anos, mas lá está você. Hoje temos Lula no poder, e muitos dos seus fiéis companheiros acusam a Folha de ter se voltado para a direita. Extrema direita. Como você, uma repórter que busca a imparcialidade, mas é sempre concisa quanto aos fatos que ocorrem a cada dia, vê essas críticas que estão sendo feitas à Folha?

EC - Luiz Felipe, realmente foi um longo percurso, com muito, muito, muito trabalho. Mas também com muita vontade. Sou viciada em jornalismo. Quanto ao PT: a reclamação é injusta. Sempre que os tucanos queriam desqualificar o jornalismo e a crítica, acusavam a gente de ser petista. Agora, a coisa muda de figura. Quando os petistas querem a mesma coisa, acusam a gente de tucano, de direitista. Não é nada disso. É que os poderosos sempre querem uma convivência amiguinha com jornalistas, mas muitos de nós prefere manter a independência. Cada um na sua.

Luiz Felipe Setten Fustaino (Freelancer - Freelancers) - Ainda quanto a pergunta da Ana Paula, você acredita que o jornal pode atingir cada vez mais pessoas, que a informação de verdade pode chegar ao povo brasileiro num futuro não muito distante? Ou nunca vamos ver o povo tendo o devido acesso à informação nua e crua, ou, pelo menos, à informação imparcial e inteligente?

EC - Puxa, era o que nós todos gostaríamos: o Brasil inteiro lendo jornal! O nosso jornal, claro! Mas o que acontece é o inverso: os leitores de jornais diminuíram, na proporção da própria estagnação econômica brasileira. Falta emprego, falta salário? Cortam-se os jornais!

João José Martins Batista (Freelancer - Freelancers) - Olá Eliane! A questão que gostaria de colocar diz respeito ao relacionamento do jornalista com o poder e a forma como a política é tratada na comunicação. Há a ideia de que os jornalistas, no convívio com os governantes, ficam deslubrados com os "palácios do poder" e esquecem o cidadão comum que é o principal interessado no trabalho do jornalista, numa sociedade democrática. Como vê esta questão e qual o posicionamento do jornalista no aperfeiçoamento da democracia?

EC - Oba, João José. Adorei sua pergunta. Sabe por quê? Porque sou uma boa pessoa para falar sobre o assunto, depois de décadas trabalhando como jornalista em Brasília, perto do poder (ou dos vários "poderes" que se sucederam). E fiz isso sem me deslumbrar nem com palácios, nem com o poder nem com os poderosos. Você consegue, sim, estar perto o suficiente para ter informação e capacidade de crítica e longe o suficiente para não ter promiscuidade. É possível e, modéstia à parte, eu sou um bom exemplo disso. Abração.

Anna Karolina Bezerra (Repórter - Notabilis Comunicação e Marketing - DF) - Eliane, como é o processo da Folha para contratar jornalistas (focas) ou estagiários, principalmente aqui na sucursal de Brasília?

EC - Oi, brasiliense Anna Karolina. A melhor porta de entrada para a Folha é o concurso de trainees. O concurso em si já é um barato. A experiência, já na Folha, é imperdível. Tente! Há formulários nas universidades e na internet. Boa sorte!

Márcio Kroehn (Repórter - CardNews Magazine - SP) - Eliane, hoje vai acontecer a reunião do Copom para definir sobre os juros. O mercado está dando muita importância nos últimos tempos para decisões econômicas, e há motivos para isso. Não seria o caso, então, do presidente do Banco Central passar a ser eleito pelo povo, também?

EC - Oi, Márcio. Não acho, não. Sabe por quê? Porque esse é um cargo essencialmente técnico, não pode se confundir nem com o proselitismo político nem com compromissos assumidos durante uma campanha. Quanto mais longe o presidente do BC estiver da política (e do próprio Planalto), melhor para o país.

Alexandre Campbell (Estagiário - Cia. Siderúrgica Nacional - RJ) - Aproveitando o gancho da pergunta do Márcio, como fica a cobertura em Brasília, com as eleições municipais e os congressistas se dedicando às eleções em seus redutos?

EC - Alexandre, a cobertura de Brasília não pára nunca, acredite. Às vezes pode ser mais intensa, virar madrugadas, mas mesmo quando está calminha você tem muito a apurar: há o Planalto, todos os ministérios, as estatais, os tribunais, as embaixadas, além do Congresso. Os candidatos passam mais tempo nos Estados, sim, mas tem muita gente ainda para ir tocando o barco por aqui.

Luiz Felipe Setten Fustaino (Freelancer - Freelancers) - Como importante formadora de opinião, principalmente para os leitores da Folha, você já escreveu alguma coisa e voltou atrás, alguma opinião sua mudou depois de ter escrito algum artigo?

EC - Luiz Felipe, acho a coerência importantíssima na questão de princípios, mas acho que manter um ponto de vista ou uma informação errada em nome da "coerência" pode ser burrice ou até mesmo má-fé. Já mudei de opinião muitas vezes ao longo da minha carreira e sempre tenho muito cuidado para não ter certeza sobre tudo e todos. Trabalho com opinião, sou obrigada a abrir a cabeça ao máximo de opiniões possíveis.

Márcio Kroehn (Repórter - CardNews Magazine - SP) - Eliane, você vê um amadurecimento político dos partidos brasileiros, após a redemocratização?

EC - Márcio, apesar de tudo o que a gente (e eu, especificamente) critica todo santo dia no governo, na política, nos partidos, acho que o avanço e o amadurecimento da política brasileira é fantástico, imenso. Se alguém me dissesse, em 1980, por exemplo, que o Fernando Henrique Cardoso iria ser presidente e que seria sucedido pelo Lula, eu riria na cara dele. E isso aconteceu. Sinal de amadurecimento. O que não significa que os partidos estejam bem. É preciso muita pressão sobre eles e sobre o Congresso para fazer a reforma política. Arregace as mangas!

Lorena Pires Rostirolla (Assessor de Imprensa - Prefeitura Municipal de Londrina - PR - Londrina) - Eliane, prazer falar com você. Como um complemento ao João José. Tenho notado que, a cada eleição, o perfil do jornalista que parte para campanhas mudou. Antes tínhamos jornalistas envolvidos com os políticos e a política. O que vejo hoje são jornalistas que estão mais preocupados com a possibilidade de lucrar em anos como esse. As campanhas e assessorias de imprensa ficam lotadas de redatores(as) sem preocupação com o que acontece ao seu redor.

EC - Oi, Lorena, o prazer está sendo todo meu. E vou aproveitar para inverter o ângulo da sua pergunta: antes, na ditadura, por exemplo, os jornalistas cooptados pela dita cuja iam trabalhar para ela, e os jornalistas favoráveis à abertura iam trabalhar para os partidos de oposição. Hoje, os jornalistas tentam ser mais imparcias, mais independentes, ou "profissionais". O governo do PT está cheio de jornalistas que não são petistas. Acho que é melhor do que se criar um acordo partidário entre assessor e assessorado. Perdem ambos, perdemos nós, perde a informação.

Márcio Kroehn (Repórter - CardNews Magazine - SP) - Eliane, você acredita que as faculdades estão conseguindo ensinar para os estudantes boa parte do dia-a-dia da profissão? Quais seriam os grandes "buraco"?

EC - Márcio, eu tenho uma posição distinta da da Folha em relação ao diploma de jornalista. A Folha é radicalmente contra. E eu sou a favor. Por quê? Porque me formei, tenho diploma e sou de uma geração que inaugurou o jornalista-jornalista, ou seja, uma carreira. Antes, os advogados, dentistas, professores ou sei lá o que vinham para o jornalismo como boquinha, acréscimo de salário. Hoje, eu, por exemplo, sou apenas jornalista. Agora... que as faculdades estão mal equipadas, estão. Acho que o currículo tem de ser todo revisto, é preciso mais rigor inclusive na escolha de professores. Mas isso é exclusivo do jornalismo?

Lorena Pires Rostirolla (Assessor de Imprensa - Prefeitura Municipal de Londrina - PR) - Desculpe. Com o que acontece ao seu redor: os tecnicistas. Como você vê esse novo perfil?

EC - Lorena, o que você chama de tecnicistas? Jornalistas experts em algumas áreas? Aguardo nova pergunta, tá?

Evaldo Magalhaes (subeditor - Estado de Minas) - Eliane, trabalhei bons anos na sucursal mineira do Estadão e chegamos a cobrir uma visita presidencial juntos (Collor, se não me falha a memória). Hoje, faço um mestrado na UFMG com o projeto "a internet como fonte de pesquisa no trabalho jornalístico". Gostaria de saber, claro, de forma breve, como você percebe essa ferramenta no cotidiano dos seus comandados, aí em Brasíla. Virou muleta? Ou não, ainda se mantém aquela máxima de que jornalista, antes de tudo, é um gastador de sola de sapato?

EC - Oi, Evaldo. Tudo bom? Olha, eu acho a internet importantíssima como instrumento de trabalho. Você tem informações rápidas e precisas sobre o que acontece no mundo todo, tem um banco de dados 24 horas, é o máximo. Mas... o que não é legal é que tem gente que substitui a reportagem pela internetagem. Não dá. Se você vai cobrir uma eleição na Venezuela, no Paraguai, seja onde for, tem de gastar sola, sim, ouvir os candidatos, os partidos, os eleitores, descrever o clima local, dar o enfoque de jornalista brasileiro. Ficar colano na telinha não dá!!!!

Luiz Felipe Setten Fustaino (Freelancer - Freelancers) - Enquanto a mídia impressa está sofrendo bastante, surgem aos poucos algumas revistas eletrônicas, saites especializados em política, cultura, economia, na internet. Você acha que a internet é mais um caminho para novos jornalistas? Qual é a função da internet para o jornalista que está começando, estudando ou dando seus primeiros passos fora da faculdade?

EC - Luiz Felipe, antes de mais nada, a internet pode ser um bom mercado de trabalho. Houve um excesso de expectativa há uns dois, três anos, mas agora esse mercado está mais equilibrado, mais pé no chão. Depois, a internet é fundamental para um jornalista em início de carreira, porque é uma fonte formidável de informações.

João Carlos de Amurim (Estudante) - Boa Tarde Eliane, gostaria de saber a sua opinião sobre importância dos estagiários no Jornalismo e a partir de qual semestre os veículos devem contratar.

EC - Ih, João Carlos, me atrapalhei e apaguei a resposta inteira. Vamos rever: eu dizia que fui selecionada por estágio. Eu fazia UnB, os professores selecionavam os melhorezinhos para fazer estágio nos jornais, revistas, etc. Os que iam bem acabavam ficando, ficando, até serem contratados. Não conheço forma melhor de selecionar profissionais. Aí, os jornalistas começaram a chiar que as empresas usavam estagiários para economizar no salário dos profissionais. Hoje, a Folha, o Estadão e a Veja, por exemplo, têm os trainees. Acho ótimo!

Thiago Reges (Estagiário - A&G Assessoria de Imprensa - SP) - Cara Eliane, boa tarde ! Na sua opinião, quais são as causas com relação a crise nas mídias. Você acredita em soluções?

EC - Thiago, a crise é brabíssima e pode ser resumida assim: com a estagnação da economia, diminuem anúncios, classificados, leitores. E os jornais pagam papel e tinta em dólar, que está alto. Assim, você tem, ao mesmo tempo, aumento de despesa e queda de receita. Ruim, hein? A solução é a economia voltar a crescer. Com a palavra, sr. Lula!

Thomaz Magalhães (Freelancer) - Boa tarde Eliane, você é muito competente na reportagem, na interpretação e opinião, tem muito bom juízo, e por isso gosto muito de ler, ao lado de milhares. Mas como não gosto muito de política e seu lado econômico, fica a curiosidade de fã, você gostaria de escrever em outras editorias, nas de arte e cultura, por exemplo?

EC - Thomaz, tudo na vida é política. Quando escrevo sobre menor abandonado, sobre juros, sobre Bush, sobre o Maníaco do parque (lembra?), na verdade estou escrevendo sobre política. Quanto a arte e cultura... bem, para ser honesta, não tenho preparo (cultura) em nenhuma dessas duas áreas. Os leitores sairiam perdendo muito. E eu também! Fica para a próxima encarnação.

Bárbara Paludeti (Estagiário - Diário do Grande ABC - SP - Santo André) - Olá Eliane. O que fazer para o jornalista chamado Webwriter não ser confundido com um 'baba-ovo' das empresas, visto que ele pratica o chamado 'Jornalismo Empresarial'?

EC - Bárbara, isso é puro preconceito desse pessoal que ainda tem o pé na ditadura, vinte, trinta anos atrás. Os jornalistas que transmitem informações sobre empresas, negócios, compras e vendas, nada mais estão fazendo do que pressionando o mercado e o próprio mercado de trabalho para cima, para diante. Tenho o maior respeito pelos meus colegas dessa área.

Evaldo Magalhaes (subeditor - Estado de Minas)- Sem querer polemizar, mas já o fazendo, você não acha que, embora a internet seja uma fonte formidável de informações, é preciso muita cautela ao fazer a garimpagem das coisa que se encontram? E que essa falta de cuidado, que é comum, muitas vezes, compromete o trabalho do jornalista?

EC - Evaldo, é preciso cautela sempre, em qualquer apuração. Quando você ouve uma fonte, lê um documento, ouve uma notícia no rádio, você precisa estar sempre alerta, desconfiado. Isso vale também para a internet. Ela não pode substituir as fontes básicas de informação, mas você tem de reconhecer que se trata de um instrumento poderosíssimo para melhorar e até confrontar as informações.

O programa "Papo na Redação" é realizado através da ferramenta Eventos Online, um produto da Comunique-se S/A que está disponível para contratação.

Voltar

 

www.eca.usp.br/prof/josemarques