Nº 9 - Dez. 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 


ARTIGOS
 


Os movimentos
sociais na rede:

Produção de notícia e
valorização de sujeitos

Por CatarinaTereza Farias Oliveira
e Zoraia Nunes Dutra Ferreira*



Reprodução

RESUMO

Acreditamos que não é mais possível manter a visão que percebe a Internet apenas como um palco para o público jovem, que se “encontra” virtualmente e que a usa para entretenimento, quando muito para pesquisa ou afirmar que a rede é simplesmente um instrumento de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Online / Sociedade / Interatividade

O quadro que se apresenta diante de nossos olhos, refaz essa idéia de uso tão restrito. São partidos políticos, ONGs, movimentos sociais, sindicatos e até grupos guerrilheiros que descobriram esse ambiente interativo, e descentralizado e nele viram a possibilidade de difusão de idéias e reivindicações, aproveitando-se do alcance global, da velocidade de transmissão e recepção de mensagens e do barateamento de custos, entre outras vantagens. Porém, mesmo diante de tantos fatores positivos que atraem a participação de mais e mais grupos, nem tudo são flores.

Fato notório é que a Internet propiciou visibilidade a esses movimentos e isto é de extrema importância. No entanto, não se trata de simplesmente crer em conto de fadas, há a consciência da existência das barreiras socioeconômicas e culturais. É preciso também ter consciência das barreiras que são impostas quando os segmentos hegemônicos censuram os conteúdos das práticas comunicativas realizadas pelos movimentos sociais culturais populares. Mesmo diante de tudo isso, felizmente é fato que a Internet tem um potencial que pode ser utilizado para a transformação social. Com tantos discursos diversos e muitas vezes antagônicos coexistindo no mesmo espaço, seria apocalíptico pensar na Internet sendo dominada por discursos de conotação puramente mercantilista. 

Para Porto (1986) um novo campo de exclusão, o analfabetismo digital se junta às mazelas sociais existentes. O autor expressa suas dúvidas e preocupações com relação ao investimento exagerado em tecnologia em países que apresentam sérios problemas de desigualdades sócio-econômicas. Segundo Porto (1986), antes de se colocar como prioridade o investimento em novas tecnologias de comunicação é preciso esgotar as possibilidades e impossibilidades da comunicação de massa.

O texto de Porto data de 1986, ou seja, do início das reflexões sobre esse tema, mas traz embutidas preocupações sobre os aspectos da exclusão digital, que, mais de 15 anos depois, serão apresentados por outros autores (Cf. CASTELLS, 1999; SORJ, 2003). A questão é que o texto apresenta afirmações que Problematizam a convivência do que ele chama de sistema de comunicação massiva (televisão aberta, rádios, etc.) com o novo sistema de comunicação de informação proporcionado pelo computador, TV a cabo etc., no contexto dos países pobres.

Sua discussão aparece como um apelo para que essas tecnologias não sejam implementadas nas realidades socioeconômicas que apresentam desigualdades acentuadas, antes que se discuta com a sociedade, de forma mais profunda, a essência da era massiva na qual os meios de comunicação de massa legitimam valores a serviço da lógica capitalista. Porto utiliza uma expressão por demais forte quando diz que “Ainda pode parecer ridículo falar da instalação de um terminal de videotexto numa favela” (Cf. PORTO, 1986: p.75). Para esse autor soa mal falar ao mesmo tempo em favela e em telemática, em analfabetismo e em informática e assim por diante. Após 15 anos, Sorj (2003) faz essa discussão, mas chega a levantar através da análise do projeto Vivafavela, implementado a partir do Movimento Viva Rio, que providências podem ser tomadas para que os setores populares fiquem mais próximos do que seria uma realidade distante, “ridícula”, ou quase impossível, conforme destacou Porto (1986).

Desse modo, Sorj ressalta a importância de iniciativas que procuram incluir as classes populares no processo de conhecimento e utilização do computador e da Internet. Ele destaca ainda a importância do Movimento Viva Rio e da iniciativa do site Viva Favela como estratégia de comunicação dessa luta.

Moraes (2000) também aponta desafios a serem vencidos pelos movimentos contra-hegemônicos para que haja um melhor aproveitamento da Internet. São eles: a necessidade de políticas competentes de comunicação eletrônica, capazes de ampliar o raio de difusão dos sites e a exigência de ampliação do número de usuários conectados, o que pressupõe vencer obstáculos econômico-financeiros, como, por exemplo, o custo de computadores e provedores e a simplificação dos procedimentos de acesso à rede.  

Para Castells (1999: p.354) esta transformação envolve a “integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa”. O autor ressalta que esse supertexto integra as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicação humana. Ele argumenta que há uma grande difusão da ficção científica em torno desta questão, grande parte feita pela publicidade, e que não é possível negar este contexto, mas é preciso tentar afastar-se de excessos e futurologias que envolvem essa temática. Castells (1999) afirma que esse novo sistema se desenvolverá envolvendo apenas os principais segmentos de todo o planeta. Como principais segmentos ele destaca o segmento populacional mais instruído ou de poder aquisitivo mais elevado.

O autor acredita que essa tecnologia será incapaz de atingir os segmentos de massa sem instrução. No entanto, nossa questão, é se essas principais atividades e os principais segmentos mencionados por Castells envolvem os movimentos sociais populares. É interessante perguntar também como se dá esse envolvimento ou essa interação em termos de sua diversidade. Nesse sentido, Castells (1999) destaca a utilização da internet por movimentos sociais quando historiciza a atuação dos Zapatistas no México. Ele não restringe a utilização da comunicação feita pelo movimento ao uso da Internet, mas sim elabora essa discussão, como uma percepção mais ampla da relação que os Zapatistas estabeleceram com a mídia no processo de sua organização.

É interessante ressaltar que quando a internet foi utilizada pelos Zapatistas foi incorporada a dois elementos inovadores seguidos nos anos 90, a criação da La Neta uma rede alternativa de comunicação computadorizada no México e em Chiapas e sua utilização por grupos femininos (...). A utilização amplamente difundida da internet permitiu aos zapatistas disseminarem informações e sua causa a todo o mundo de forma praticamente instantânea, e estabelecerem uma rede de grupos de apoio que ajudaram a criar um movimento internacional de opinião pública que praticamente impossibilitou o governo mexicano de fazer uso da repressão em larga escala. As imagens e as informações provenientes dos zapatistas, e a respeito deles, atuaram de maneira decisiva sobre a economia e a política mexicana (Cf. CASTELLS, 1999: p.105).

Com essa análise Castells (1999) nos coloca concretamente que os movimentos sociais se incluem entre os atores que podem utilizar a internet e o contexto midiático em suas ações reivindicativas. O autor também evidencia a importância dessa rede alternativa na construção da auto-imagem desses movimentos para a sociedade que os percebem.

Dentro dessa mesma linha de discussão, Bernardo Sorj (2003), no livro Brasil@povo.com, nos apresenta que, ao criar o site “Vivafavela.com”, o Movimento Viva Rio tinha como objetivo central divulgar o contexto das favelas através da difusão de notícias que mostrassem sua riqueza humana e cultural em vez de divulgar apenas os acontecimentos relativos à violência envolvendo moradores da favela. Esse tema é discutido no livro com o subtítulo de “Dignidade pela Auto-Imagem”. Sorj (2003) relaciona como o Movimento Viva Rio passou a usar o site Viva Favela (www.vivafavela.com) na construção da auto-imagem das favelas cariocas.

Para tanto, foram criados diversos projetos que envolviam o site e o movimento. O projeto “Favela tem Memória”, que objetiva “divulgar e promover histórias e imagens que resgatem a identidade social e cultural das comunidades” é um dos exemplos. (Cf. SORJ, 2003: p.118).

No Brasil, o momento histórico em que os movimentos sociais estão situados hoje não corresponde mais aos processos vividos na década de 80, quando as lutas se apoiavam em suportes mais imediatos, para resolver problemas em relação a deficiências no transporte coletivo, saneamento básico, construção de moradias, etc. Essas questões ainda fazem parte da agenda dos movimentos populares, mas se juntam às novas problemáticas ambientais, a temática da violência, a reconstrução da memória dos movimentos e a mobilização cultural.

A organização agora ocorre também em favor do respeito à história dos movimentos sociais e pelos sujeitos que estão inseridos direta ou indiretamente nas mobilizações. No site do Bairro Ellery, experiência analisada nesse artigo, encontramos uma preocupação significativa com a apresentação do bairro e dos moradores e com as expressões socioculturais da comunidade.

O bairro ele lutou muito por habitação, por calçamento, por coisas básicas, aí eu acho que o movimento comunitário aqui deu uma grande contribuição porque se conseguiu isso. As associações, não apenas essas contribuíram pra isso, pro desenvolvimento do bairro, melhorou o padrão arquitetônico e as pessoas passaram, eu acho que a viver melhor, nesses aspectos das condições do bairro, o problema do desemprego, a violência tudo isso continua. Aí quando o povo conseguiu isso, as associações e o movimento comunitário não percebeu havia novas lutas, o meio ambiente, o problema cultural. O bloco, o site, são esforços do movimento comunitário não se acabar, são novas formas de atuação. Há uma tentativa de buscar novas formas de luta, na área da cultura, na área da comunicação. O bairro não comporta mais aquela associação que ocupa terra, porque nem há mais isso aqui. (José Agnaldo Aguiar, líder comunitário, entrevista de 2006).

Essa reflexão nos encaminha para a análise do uso que os movimentos sociais populares fazem da internet na construção de sua auto-imagem na sociedade. No site do Bairro Ellery, localizado na periferia de Fortaleza entre os bairros de Monte Castelo, Pirambu, Carlito Pamplona, Presidente Kennedy e Morro do Ouro, é evidente a elaboração de uma representação positiva sobre o cotidiano da comunidade. As matérias produzidas pelos repórteres da comunidade não se detém em cobrir os crimes ou conflitos que ocorrem no bairro. Esses fatos aparecem no link, “Bairro Ellery na Mídia” que apresenta a produção de notícias que a mídia comercial faz do bairro.  Ao bairro cabe a cobertura dos acontecimentos culturais, festividades, memória do bairro, pessoas em destaque na comunidade, dentre outros acontecimentos que ressaltam a imagem dos moradores e sua valorização.

O contexto sócio-comunicativo do Bairro Ellery

Desde 1956, os moradores do Bairro Ellery tinham iniciado sua organização comunitária, no primeiro momento fundaram o Conselho do Bairro e lutaram para resolver problemas de ordem mais imediata como a estruturação de calçamento para as ruas e melhorias de transportes coletivos. Nesse primeiro momento as lutas eram esporádicas e não se concretizavam, ainda, como um movimento organizado efetivo.

Na década de 80, os movimentos sociais urbanos em Fortaleza se apresentam num contexto de emergência social, no Bairro Ellery os moradores mobilizando-se pela construção da igreja e da sede da associação dos moradores do bairro, depois essas atividades voltaram-se para a distribuição do ticket do leite. Esse último evento deu às mobilizações um caráter assistencialista e de atuação religiosa.

Gradativamente pessoas ligadas ao PC do B (Partido Comunista do Brasil), passaram a fazer parte do Movimento e se juntaram aos membros da igreja na organização da associação dos moradores. Esse último segmento era identificado com uma tendência tradicional católica. Em 1987, cenário no qual Fortaleza estava sob a administração municipal do Partido dos Trabalhadores, o movimento popular iniciou diversas ocupações e mutirões no bairro, fato que interrompeu o processo de integração entre católicos e militantes. Os integrantes da igreja voltaram-se mais intensamente para um trabalho religioso, enquanto a Associação dos Moradores definiu um trabalho de mobilização por moradia, creche, dentre outros direitos. A partir de então essas mobilizações passaram a ter uma característica mais política.

A presença do PC do B no movimento popular do Bairro Ellery não deu às mobilizações e à organização uma representação eminente deste partido. Há sem dúvida uma presença marcante do partido na associação comunitária do bairro, entretanto, as atividades que a associação comunitária desenvolve exigem do grupo uma relação com setores da igreja, com membros do Lyons Club e inclusive diálogos com as mais diversas instâncias do Estado, bem como relações com os moradores e comerciantes da comunidade que não são ligados ao Partido Comunista do Brasil.

No Bairro Ellery, a utilização de meios de comunicação seguiu a trajetória dos movimentos sociais urbanos emergentes na segunda metade dos anos 70 e início da década de 80. Esse foi um período no qual as manifestações populares editaram seus jornais comunitários e criaram suas radiadoras. Na década de 90 muitas das experiências com as radiadoras se transformaram em rádios comunitárias FM’s, entretanto, com o fechamento da maioria delas, têm surgido novas experiências comunicativas, a utilização da internet e a criação de site é uma dessas novidades.

Mais especificamente na trajetória do Bairro Ellery, à medida que as mobilizações cresciam mais assembléias e eventos passaram a ser realizados, os líderes comunitários sentiram necessidade de um meio de comunicação, assim, no dia 13 de agosto de 1991, montaram o sistema de som, denominando de Rádio Comunitária do Bairro Ellery. Anteriormente o bairro já tinha vivido a experiência de criar o jornal comunitário, Garra Comunitária, que circulou de forma irregular na década de 80. Temos nessas duas experiências as primeiras estratégias de comunicação existentes no Bairro.

A programação inicial da radiadora divulgava as assembléias, repassava informes sobre as atividades dos mutirões e chamava os moradores para atender chamadas no telefone público, instalado na sede da associação. Aos poucos, o sistema de som passou a acompanhar as lideranças em suas manifestações, foi integrado e utilizado nos mutirões para reproduzir música e também em manifestações de confronto com a prefeitura. Programas musicais, informes e mais tarde a transmissão de jogos de futebol amadores nos bairros, caracterizaram as primeiras programações do sistema de alto-falantes.

Em 1998 a radiadora transformou-se na Rádio Mandacaru FM. Durante a atuação das lideranças no Bairro Ellery, Fortaleza viveu junto com muitas cidades brasileiras o movimento de radiadoras comunitárias (sistemas de alto-falantes), entretanto os moradores do bairro ressaltam que não fizeram parte desse movimento que se integrava através do Centro de Produção em Comunicação Alternativa (CEPOCA), criado em 1988. Somente em 1995 o Bairro Ellery passou a fazer parte do CEPOCA quando Aguinaldo José Aguiar, liderança do movimento popular foi eleito presidente dessa entidade. Nesse período o CEPOCA tinha sofrido muitas transformações e recebia a denominação de Associação de Rádios Comunitárias, ARCOS-CEPOCA.

Ainda na década de 90, em nível nacional começaram a surgir muitas rádios comunitárias FM’s, estimuladas pelo Movimento de Democratização da Informação e da Comunicação. 

A participação no CEPOCA e a existência do sistema de som estimularam os moradores a montarem a Rádio Comunitária Mandacaru FM em 1998. Entretanto, o processo de montagem da emissora foi gradativo. Em meio às dificuldades financeiras, comuns ao movimento populares, a montagem da rádio só foi possível com o financiamento de quatro mil reais conseguido através de empréstimo concedido pelo Cearah Periferia [1] e a quantia de quinhentos reais conseguida com o Sindicato da Castanha, entidade da qual faziam parte diversas lideranças do bairro.

A quantia conseguida com o Cearah Periferia foi emprestada e deveria ser paga após o funcionamento da emissora. A rádio Mandacaru FM, de grande importância para o Bairro, existiu de 1998 a 2003 quando não conseguiu concessão e foi fechada pela ANATEL.

É importante ressaltar que essa emissora teve uma programação plural, na qual diversos segmentos sociais e culturais apresentaram programas. Os programas tinham duração de uma hora e se dividiam entre: Hip Hop, Cultura de Rua, Vem cá Poeira, Vida de Mulher, Rock História, The Reggae Moving, A volta da Jovem Guarda etc.

A Rádio Mandacaru FM representou uma proposta educativa que teve sua paralisação num contexto em que a comunicação é monopolizada por empresários e políticos. No entanto, o fechamento da rádio não impede que o Bairro Ellery crie outro meio de comunicação, dessa vez, o site ou sítio eletrônico, como preferem chamar: www.bairroellery.com.br.

www.bairrroellery.com.br, uma nova estratégia comunicativa

O site é a estratégia comunicativa mais evidente no momento e representa um novo momento na mobilização do bairro. A comunidade não vive um período de grandes mobilizações, no entanto, atualmente o bairro tem alguns núcleos de organização que trabalham em defesa da mulher, do consumidor, do lazer, contra a violência urbana e que estimulam o movimento cultural e a criação do site. A questão é que esses núcleos não atuam de forma articulada nem partem de um mesmo ponto de ação e mobilização.

Criado há um ano o site é um campo rico com as mais diversas atrações e expressões do movimento popular do bairro e das atividades cotidianas vividas por muitos de seus moradores. O site apresenta informações sobre assuntos diversos como: história do bairro, entidades culturais e sociais do movimento popular, notícias locais e nacionais, fotografias, etc. Uma constatação importante é uma coletividade no processo de criação do site. Essa coletividade não expressa a ação de todos os moradores do bairro, mas já é possível perceber que o site não representa uma iniciativa individual.

Dentre os colaboradores encontramos Agnaldo José, principal articulador do site, ex-morador do bairro e militante do movimento popular e do PC do B, Raul Campos, morador do bairro, professor de história e participante do movimento Comunidade Reunida Hip Hop, Clarice Araújo, esposa de Raul, estudante de economia doméstica e participante da ONG feminista Centro Socorro Abreu, entidade que defende os direitos da mulher no bairro, Daniel Almeida morador do bairro e webdesigner que mantém tecnicamente o site e Tobias Marques Sampaio que é cronista, escritor e também morador do bairro.

No link que apresenta a história do bairro encontramos informações densas como: a história do nome das ruas que foi levantada por Tobias Sampaio.  Nesse mesmo link encontramos uma catalogação de todos os equipamentos do bairro, desde quantidade de praças, instituições religiosas até os estabelecimentos comerciais. Este item será renovado em breve, pois uma nova pesquisa foi realizada em 2006 por 10 jovens que participaram de um mapeamento da comunidade. Os jovens são estudantes das três escolas públicas localizadas na comunidade.

O site possui uma agenda atualizada com informações sobre reuniões e assembléias que acontecem no bairro, divulgação de eventos, de campanhas de vacinação etc. A Agenda contém a programação mensal dos acontecimentos mais relevantes na comunidade. Apresenta ainda as galerias de fotos dos eventos realizados no bairro: bloco de carnaval (Bloco Sai na Marra), quadrilhas juninas, mobilizações realizada durante a copa de 2006 etc. Com relação à interação com o receptor e com o bairro em si, o site é extremamente rico. Tem diversos mecanismos que permitem esse contato, como por exemplo: enquetes com assuntos que dizem respeito ao bairro, possibilidade de criação de conta de e-mail e Orkut. O espaço apresenta ainda a possibilidade de envio de comentários sobre os artigos e fotos.

Um fato que chama nossa atenção é a preferência dos idealizadores do uso da palavra sítio e não site. Vemos isso como uma valorização da Língua Portuguesa, como é explicado no próprio site. Não há, porém uma exploração desta opção com artigos explicando essa escolha. Apesar da valorização da Língua, a utilização da palavra sítio pode inclusive causar confusão ao receptor não acostumado com essa nomenclatura. Entretanto, não nos detivemos ainda na verificação desse detalhe.

E importante ressaltar que o site tem o compromisso com a informação, com a propagação da cultura, com melhorias do bairro e conseqüentemente da vida dos moradores. Numa análise mais profunda constatamos que o site do Bairro Ellery é uma ferramenta importante como difusor da memória e auto-imagem da comunidade e de seus moradores. Nesse espaço virtual o bairro aparece em movimento contínuo, as matérias destacam as qualidades positivas das pessoas, as atividades culturais e a memória das conquistas concretizadas através das lutas da associação comunitária do bairro.  O link que melhor expressa essa dimensão positiva da imagem da comunidade é aquele construído com o trabalho de elaboração de textos e ensaios fotográficos realizados pelos próprios moradores. 

A memória, além de está presente no link “Conheça Nosso Bairro” e apresentada também no tópico “História do Bairro” que mostra a trajetória de organização do bairro em seus 50 anos (1940 a 2007). Aparece ainda em muitas matérias, sendo usada como suporte para projetar a auto-imagem da comunidade. Observamos que os fatos ocorridos no passado ganham relevância na construção da auto-imagem, tanto do Bairro como de seus moradores. Essa estratégia parece nova e tem sido descoberta ao longo dos cinqüenta anos de história e mobilização da comunidade.

Em 2006 com a comemoração do cinqüentenário do bairro, esse tema foi retomado pelas entidades do movimento popular como tema do Bloco de Carnaval Sai na Marra e em diversas festividades na comunidade durante o ano. Em 2007, a relação com a memória ainda permanece, em maio foi realizada uma solenidade em homenagem ao time futebol mais antigo do bairro que fazia 40 anos.

Conselho de Desenvolvimento Local – Bairro Ellery e Monte Castelo lançaram, no último dia 16 de dezembro, uma série de oito cartões de fim de ano, com fotos que contam parte da história do bairro Ellery. O evento ocorreu durante a festa de comemoração do cinqüentenário do bairro, no pólo de lazer da Avenida Sargento Hermínio. (www.bairroellery.com.br, 28 dez. 2006).

No segundo número da Revista Farol, elaborada pela Prefeitura de Fortaleza, há uma matéria em homenagem ao cinqüentenário do bairro e ao lançamento do site. Na elaboração da notícia referente ao lançamento da revista percebemos o destaque dado a presença dos moradores antigos na solenidade.

Lançamento - Sitio eletrônico e história do bairro Ellery são destaques na revista Farol. Na última sexta-feira, dia 09, membros da equipe de produção da revista Farol, iniciativa da Prefeitura Municipal de Fortaleza que está em seu 2º número de publicação, estiveram na Associação Comunitária do Bairro Ellery para travar um bate-papo sobre a produção da matéria de seis páginas sobre a iniciativa local de destacar e reconstruir a história do bairro (que possui 50 anos de existência oficial), sobretudo através dos depoimentos de moradores antigos do bairro, com atenção para o destaque que esta ação tem no sítio eletrônico www.bairroellery.com.br (em funcionamento na Internet há mais de um ano).

Estiveram no bate-papo moradores (e seus familiares) que tiveram seus depoimentos sobre o bairro (e a própria vida) estampados nas linhas da revista, como os casais inseparáveis Seu Geraldo e Dona Mocinha; Marcelo, o neto da Dona Maria José (mais conhecida como Mazé, que mandou dizer que não foi ao encontro porque não gosta mais de sair de casa); “Júnior”, comerciante e grande apoiador do bloco Sai na Marra (manifestação local que também foi destaque na matéria) e Aguinaldo José, militante há duas décadas por melhorias na região e idealizador do sítio eletrônico.

Contribuíram também no debate outras figuras envolvidas no contexto cultural e político da região, como foi o caso do Preto RAP, grafiteiro e rapper morador do Pirambu; Clarice Araújo, membro da ONG feminista Centro Socorro Abreu; Raul Campos, educador, membro do Movimento Comunidade Reunida Hip-Hop e da equipe do sítio eletrônico do bairro, outro membro fundamental desta equipe que esteve presente foi Daniel Almeida, webdesigner que criou e mantém tecnicamente o sítio eletrônico. (www.bairroellery.com.br, 13 fev. 2007).

Outro trecho da notícia se refere ao site como uma mídia através da qual o bairro é apresentado de forma positiva em contraposição a imagem apresentada na mídia comercial local. Não estamos, com essa afirmação, desconsiderando a cobertura midiática dos eventos culturais ocorrido nas comunidades e bairros de periferia, no entanto, para os elaboradores do site o que prevalece nesta cobertura é uma abordagem dos acontecimentos da comunidade de uma forma sensacionalista. As matérias mais positivas são conquistadas pelos moradores que procuram e provocam a mídia para divulgar esses atos. Algumas matérias divulgadas são oriundas da cobertura que a mídia comercial local faz dos eventos promovidos pelo Governo do Estado ou pela Prefeitura.

O destaque na matéria ao conteúdo do sítio eletrônico www.bairroellery.com.br demonstra a importância desta experiência pioneira na comunicação comunitária cearense, que é um projeto do Conselho de Desenvolvimento do Bairro Ellery, fórum que reúne hoje as entidades e instituições populares mais ativas no debate e enfrentamento dos problemas e potencialidades sociais da região. As questões levantadas foram depoimentos de alegria pela criação e qualidade de uma publicação que destaca as pessoas, comunidades e iniciativas que historicamente tem sido esquecidas, ou diminuídas em importância, ou mesmo estigmatizadas pela “grande” imprensa cearense, que supervalorizam aspectos negativos destes lugares e seus moradores, como no caso da cobertura jornalística sobre atos violentos. (www.bairroellery.com.br, 13 fev. 2007).

As matérias, produzidas pelo site, também enfocam atletas da comunidade, atividades de mobilização e a fala daqueles que participam desses eventos. Nesses casos, encontramos uma atenção especial dada a quaisquer atividades que envolvam jovens, idosos ou grupos culturais e que ressaltem a imagem da comunidade como inserida num contexto social, político e cultural produtivo.

Na matéria “Dengue, passeata alerta para o combate ao mosquito” de 26 jan. 2007, são destacadas as ações educativas desenvolvidas na comunidade, construindo dessa forma uma imagem dos moradores engajados numa ação educativa e integrada. A matéria ressalta o número de 200 pessoas envolvidas na atividade e enfatiza que em sua composição encontramos estudantes de escolas públicas e agentes de saúde. A empolgação dos participantes é outro elemento utilizado para destacar a ação dos jovens de forma positiva e distante do universo da violência e do crime. 

Jonatan de Sousa, 12 anos, estudante da 6ª série, da Escola Faustino de Albuquerque, era um dos mais empolgados na passeata. Ele disse que em sua casa, o mosquito da dengue não tem vez. Durante a caminhada Jonatan e seus colegas de escola iam distribuindo panfletos e orientando a população. Como evitar a reprodução do mosquito. (www.bairroellery.com.br, 26 jan. 2007).

Observando as manchetes constatamos que há um foco na elaboração de uma auto-imagem positiva.

  • Orçamento participativo, entidades visitam Habitafor e defendem projetos para o bairro Ellery (12 fev. 2007).

  • Lauro Gondim festeja 10 anos de atletismo na corrida de são Silvestre. (30 dez. 2006).

  • Atleta do bairro Ellery é homenageado entre os desataques de 2006. (29 dez. 2006).

  • Quatro idosos, estão cuidando da Praça Manoel Dias Macedo, no bairro Ellery. Eles participam do projeto Encanto da Praça, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, da Prefeitura de Fortaleza. A ação teve início, no Ellery, desde maio deste ano.

  • Mapeamento - Estudantes de escolas públicas realizam pesquisa nas comemorações do cinqüentenário do Bairro (23 out. 2006).

  • Revitalização do pólo de lazer – organização popular e usuários cobram ginásio poli esportivo de SER I. (29 jul. 2006).

  •  Estudante do bairro Ellery vai representar o município de Fortaleza em conferencia nacional. (31 mar. 2006).

  • Entidades e moradores do bairro Ellery e região se mobilizam para orçamento e plano Diretior. (24 mar. 2006).

Como podemos perceber, a diversidade de sujeitos tomada na apresentação do bairro valoriza um único elemento o destaque positivo da comunidade. Desse modo, a auto-imagem vai sendo construída. Os elementos mais comuns são a cultura, a mobilização, o destaque pessoal dos moradores e a atuação coletiva das entidades mobilizadas existentes nessa comunidade. O destaque pessoal é uma novidade na trajetória dos movimentos sociais, entretanto, ele não aparece como um propósito individualista. Os sujeitos em suas trajetórias individuais são ressaltados para engrandecer a imagem da comunidade e o cenário social onde todos habitam. Sendo assim, a auto-imagem não é construída apenas com a valorização das ações coletivas.

A fotografia é outro recurso fundamental na construção do site e na expressão dessa auto-imagem. Ela aparece na ilustração das matérias dando ênfase a descrição dos acontecimentos que envolvem grupos e pessoas.  Fotografias de passeatas, pessoas em ação nas reuniões, moradores em destaque legitimam e concretizam a imagem informada no texto das matérias.

O recurso fotográfico aparece também como elemento chamativo para os internautas visitarem o site. Imagens dos brincantes do Bloco Sai na Marra, que desfila durante os quatro sábados que antecedem o carnaval, das apresentações de quadrilhas, das festas e movimentos que ocorrem no bairro, são dispostas no site com o objetivo de atrair o internauta.

As fotografias que retratam crimes ou conflitos violentos aparecem somente no link “Bairro Ellery na Mídia”, cobertura feita pela mídia comercial. Aqui se repete o mesmo processo que constatamos na elaboração das notícias sobre o bairro nas quais é priorizada a valorização da auto-imagem da comunidade e de seus personagens sociais.

É interessante ressaltar que da mesma forma que nas matérias do link “Notícias do Bairro”, os detalhes sobre a violência ocorrida na comunidade são excluídos, também as fotografias que envolvem crimes ou qualquer outro ato violento são e só irão aparecer essencialmente no link “Bairro Ellery na Mídia”.

O fato de o site colocar a disposição do internauta a apresentação da cobertura que a mídia comercial faz da comunidade deixa claro que o objetivo não é idealizar a comunidade, mas destacar as atividades produtivas realizadas pelos sujeitos que habitam nesses contextos. 

A mídia comunitária sempre exerceu esse papel impulsionador de uma imagem elevada das comunidades. No site do Bairro Ellery essa representação é intensa, pois observamos que na mídia eletrônica a dinâmica da produção é mais recorrente. O mesmo não acontecia com os jornais comunitários impressos na década de oitenta.

O custo dos jornais impressos não permitia essa dinamicidade e muito menos o uso da fotografia como elemento chave na composição dessa imagem. 

É importante destacar que não descartamos uma complexidade na análise da construção da auto-imagem do bairro presente nos próprios textos encontrados no site, entretanto, nesse artigo não apresentamos uma análise dessas ambigüidades discursivas. Essa reflexão será alvo de nossas próximas discussões na elaboração dessa pesquisa.

A pesquisa tem constatado e refletido até o momento, que o site do Bairro Ellery surge como novo instrumento de comunicação para dar continuidade e visibilidade ao movimento popular e ao cenário urbano, no entanto, o site não aparece como instrumento de comunicação isolado da trajetória anterior das mobilizações ou da criação de outros meios de comunicação para contribuir na construção da auto-imagem desse movimento.

Como foi relatado, o Bairro Ellery já viveu experiências com jornais e com uma rádio comunitária, a Mandacaru FM, analisada por nós em outra pesquisa (Cf. OLIVERA, 2007). A emissora foi desmobilizada e fechada pela ANATEL em 2003 e posteriormente há 20 de janeiro de 2006, surgiu o site que dá continuidade as experiências comunicativas já vivenciadas pelo Bairro Ellery. No entanto, essa continuidade traz diferenças oriundas do contexto do movimento popular que hoje apresenta outras demandas as quais ficam ressaltadas na apresentação do site.

O fechamento da rádio criou certo vazio e nós tentamos buscar no contexto atual, observando o que tinha espaço, observando as nossas possibilidades de criar um novo instrumento que pudesse contribuir de outra forma porque o site tem outra linguagem, Mas uma dificuldade que sempre tivemos aqui foi de se comunicar com a juventude, por exemplo, o site ele consegue fazer isso. Ele ta numa fase inicial, embrionária que tem muito pela frente. Ele tem facilidades e dificuldades.

Enfim, o site não ressalta apenas elementos coletivos da luta popular. Isso ocorre porque a visibilidade buscada não é centralizada na imagem do movimento, mas na visibilidade do bairro, de seus moradores na construção de sua alto-imagem positiva e na reconstrução de sua história.

NOTA

[1] O Cearah Periferia é uma Organização Não Governamental que atua no Ceará apoiando projetos sociais e culturais voltados para as comunidades organizadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELS, M. A Sociedade em Rede: a era da informação, economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Vol. 1.

DAVIS, N. Z. Culturas do povo, sociedade e cultura no início da França moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

DOWINING, J. D. H. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais.São Paulo: Editora Senac, 2002.

ECHEGARAY, F. “Dimensões da Cibercultura no Brasil”. Opinião Pública, Campinas, Vol. 9, n° 2, Out. 2003.

MORAES, D. “Comunicação virtual e cidadania: Movimentos sociais e políticos na Internet”. Ano III, Vol. 2, set. 2000. Disponível em: http://www.saladeprensa.org/art156.htm.

NUNES, M. V. “Novas tecnologias e cidadania: a internet como fator de politização ou de adequação das comunidades excluídas ao sistema produtivo?”. Universidade Federal do Ceará, 2006.

OLIVEIRA, C. T. F. O. Escuta Sonora: recepção e cultura popular nas ondas das rádios comunitárias. Rio de Janeiro: Editora E-papers, 2007.

PORTO, S. D. “As teorias da comunicação de massa diante das novas tecnologias: início do fim da comunicação massiva?”. In: FADUL, A. (Org). Novas tecnologias de comunicação: impactos políticos, culturais e socioeconômicos. São Paulo: Summus/INTERCOM, 1988.

SORJ, B. Brasil@.com, a luta contra a desigualdade na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

DOCUMENTOS ONLINE

Disponível em: http://www.cdvhs.org.br/.

Disponível em: http://www.bairroellery.com.br/ellery/index.php.

*Catarina Tereza Farias de Oliveira é doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e professora da Universidade Estadual do Ceará. Zoraia Nunes Dutra Ferreira é graduanda em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda na Faculdade Evolutivo (FACE/CE).


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]