Nº 8 - Julho 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 

 

 


 

 

 

 

 

 


ARTIGOS
   

A "loucura" nos jornais:
Um estudo da categorização

Por Letícia Adriana Pires Teixeira e
Maria de Fátima Medina Lucena
*

Resumo
O objetivo deste estudo foi verificar como é que a mídia impressa cearense categoriza a loucura na década de 90. Fizemos a categorização da loucura sobre a teoria dos protótipos e constatamos que a impressa utiliza mais termos técnicos como sinônimos do que os termos do senso comum. Os principais vocábulos utilizados para denominar a loucura foram: depressão, neurose, distúrbio mental, síndrome do pânico, ansiedade, esquizofrenia, retardo mental, doença mental, loucura, doença do sistema nervoso, problema mental, doença psicológica, estresse, enfermidade psicológica, psicose maníaco-depressiva, problema psicológico, transtorno do pânico e transtorno mental.


Francis Bacon, "Auto-retrato" (1971), Óleo sobre tela. (Reprodução).

Palavras-chave
[Loucura / Mídia impressa cearense / Teoria dos Protótipos]


Introdução

Apesar de as pesquisas lingüísticas cada vez mais trabalharem com temas ligados a questões sociais e políticas, há ainda grandes lacunas acerca da relação da linguagem, do poder e da discriminação em uma sociedade.

Este trabalho tem por objetivo analisar o discurso jornalístico na mídia imprensa cearense, a fim de categorizar léxicos usados como sinônimos de loucura. Esse seria, então, o primeiro passo de uma caminhada para questionar como e por que a loucura vem sendo construída modernamente como uma doença que não mais necessita de um isolamento social.

Com isso, também se abrirão os questionamentos acerca da prática discursiva da imprensa com o intuito de refletir sobre o processo de discursivização da própria instituição jornalística.

É bom ressaltar a esse respeito o trabalho de Nogueira (2000), citando Mariani (1999) que estuda o processo histórico e jurídico da formação do discurso jornalístico brasileiro, enfatizando a heterogeneidade constitutiva dos discursos institucionais. Para ela "a compreensão do funcionamento de um discurso institucional não permanece restrito a uma convulsão mecânica entre a que se diz e um lugar institucional correspondente, nem a uma concepção fixista da instituição, impedindo uma leitura crítica da sua forma de existência histórica".

Thompson (1995) mostra-nos que o discurso da imprensa sempre esteve ligado com o exercício do poder político. Nesse contexto a "comunicação é uma forma de ação" (2002), assim, Austin é lembrado por Thompson quando mostra que pronunciar uma expressão é realizar uma ação e não apenas descrever ou narrar um estado de coisas. Dentro do processo comunicação e pertinente dizer que as informações são manipuladas a partir de ações de outros indivíduos.

As instituições podem ser vistas como determinados conjuntos de regras, recursos e relações com certo grau de durabilidade no tempo e alguma extensão no espaço, e que se mantêm unidas com o propósito de alcançar alguns objetivos globais. As instituições definem a configuração dos campos de interação pré-existentes e, ao mesmo tempo, criam novas posições dentro deles, bem como novos conjuntos de trajetórias de vida para os indivíduos que os ocupam. (Thompson, 2004). [1]

O desenvolvimento da imprensa nos séculos XVII, XVIII e XIX foi marcado pelo controle do estado eclesiástico ao processo de informação e, principalmente, ao acesso do homem comum ao conhecimento. A história da imprensa data de 618 na China com o lançamento do pão que divulgava as notícias da corte e circulou por mais de mil anos. Já na Roma Antiga nascem os graffiti que anunciavam nos muros as vendas e locações, a perda de objetos e os espetáculos.

A Acta Diurna informava sobre as questões do estado, acontecimentos do dia, guerras e jogos. Num entanto foi durante a Idade Média que se registra um período de regressão no processo de informação. Agora a comunicação passa a ser realizada pela palavra falada. É dessa época os rapsodos e jograis que com suas poesias e cantigas, as gestas, que eram a crônica popular da época. Os livros são feitos artesanalmente, à mão e tendo um único exemplar.

No século XVI surge na Itália as fogli d'avvisi que eram publicações noticiosas, totalmente, dedicada ao comércio marítimo. Mas, em quase toda a Europa já circulavam panfletos noticiosos que eram vendidos na feira com temas os mais variados. Gutenberg cria os tipos móveis, feitos de metal que através de punções, matrizes e molde caracterizam a tipografia e revoluciona a impressão de texto. Mas, seu invento fica refém da Igreja que o faz copiar a bíblia. Por volta de 1583 passa a ser impressa a primeira folha periódica dentro nos moldes tipográficos, a "Relatio Histórica", com periodicidade semanal. A partir de então a Veneza, Alemanha e Paises Baixos lançam jornais com periodicidade regular.

Mas é, em meados do século XVII e século XVIII, com advento das universidades, agora fora do domínio da igreja, que aparecem os primeiros jornais diários. Na Espanha surge a gazeta oficial em 1624, atualmente com o nome de Boletim oficial do Estado. No ano de 1702 aparece o primeiro jornal diário, Daily Courant, inglês e que serviu com modelo para outras publicações como o francês "Le Journal de Paris" datado de 1777, em seguida vem o inglês The Times (1785) e o "Gazeta de México" (1722).

É no início do século XVIII que começa a luta pela liberdade de imprensa.

Marcada pela alfabetização crescente através da educação pública que se torna obrigatória ou indispensável e afetada pela idéias da Revolução Francesa e Revolução Industrial. Dentro da concepção de liberdade de expressão muitas publicações passam a aprofundar a informação em busca da realidade.

No Brasil é com a vinda da família real em 1808 que tem início os primeiros exemplares, porém, produzido pelo jornalista Hipólito José da Costa, em Londres onde morava refugiado do processo da Inquisição aberto contra ele em Portugal, e enviava ao Brasil o Correio Brasiliense difundindo as idéias liberais e um governo baseado na constituição.

Século XVIII, na Europa as idéia eram efervescente sobre liberdade, democracia, justiça direitos igualitários. Vivia-se o resultado do pensamento iluminista período em que foi considerado o "século das luzes". Iluminado pela razão a humanidade saia do obscurantismo e entrava para o conhecimento maior da ciência e ao respeito à humanidade. Naquela época os jornais já denunciavam os maus tratamentos aos loucos. Segundo Foucault, apesar de se falar tanto em liberdade os "insensatos" são esquecidos presos com criminosos como é o caso no Hospital de Bicêtre.

Cita Foucault (História da Loucura, 1999) tendo como fonte de informação a Gazette Nationale de 12.12.1789.

Bicêtre seguramente tem criminosos, salteadores, homens ferozes... mas também, deve-se convir, uma multidão de vítimas do poder arbitrário, da tirania das famílias, do despotismo paterno... As celas ocultam homens, nossos irmãos e nossos semelhantes, aos quais se recusa o ar e que só vêem a luz através de estreitas frestas.

Com todo esse discurso sobre a imprensa, verificamos que há sempre uma rede de poder nas relações sociais e midiáticas. Pesquisar sobre a categorização da loucura na mídia imprensa cearense é entrar em um mundo bastante complexo, principalmente quando conhecemos a influência dos valores sócio-culturais que estigmatizam qualquer atitude relativa aos portadores de transtornos mentais a ponto de retirá-los até do convívio familiar e de sua comunidade.

Há um abandono, e conseqüentemente, o banimento e uma prática excludente, pois o contexto sócio-econômico não perdoa os "loucos" e os tem como uma ameaça à sociedade. Sociedade essa que, desde sempre, tem utilizado punições para quem apresenta comportamentos inadaptáveis aos limites da liberdade burguesa, eximindo-se, inclusive, de qualquer culpa sobre os problemas de saúde mental e colocando somente ao indivíduo as razões de seu desajuste.

A reclusão de pessoas com transtornos mentais em asilos, hospícios e posteriormente em manicômios representa a situação ideal que a sociedade burguesa estabeleceu para os indivíduos classificados como loucos. Esse tipo de tratamento impõe aos inclusos uma ruptura com a sua história de vida, bem como atua na negação da cidadania.

É necessário até lembrar que os loucos foram os ícones da campanha publicitária de Hitler para persuadir os alemães a verem os doentes mentais como mal social.

Hoje já existe, porém uma mudança de postura na compreensão da loucura que contesta o isolamento do doente mental. Todavia a exclusão desse doente dos direitos à cidadania ainda situa-se na sociedade que institui a razão como conceito fundamental para o homem. Como isso, até mesmo no léxico o louco é estigmatizado. Termos como "desmiolado", "desmemoriado", "irracional", "descontrolado emocional", "desequilibrado", "insano", "alienado", "doido", "demente", "insensato", "inconveniente"; "esquisito", "excêntrico", são vocábulos usados para denominá-los e rotulá-los como "pessoas sem razão". Portanto, o léxico usado para denominar a loucura é formado de morfemas de negação: "des", "sem", "i", "e" e tantos outros.

Diante disso, aumentou a vontade de realizar uma pesquisa que verificasse a categorização da doença e a relação de poder da imprensa. Partimos, então, dos seguintes questionamentos: será que a imprensa cearense considera os loucos como "irracionais" e "incapazes" de manterem um convívio social? Que léxicos utiliza para categorizá-los como loucos? Qual a relação desses léxicos com a exclusão social?

Existem diferenças significativas entre as escalas de prototipicidade propostas pela imprensa cearense para categorização da doença mental? Existindo, quais são elas? Esses questionamentos nos conduziram a formulação da hipótese: Há diferenças significativas entre as escalas de prototipicidade propostas pela imprensa cearense para a categorização da doença mental no início da década de 90 e no final.

Considerações teóricas

Como a medicina orgânica. A medicina mental tentou, inicialmente, decifrar a essência da doença no agrupamento coerente dos sinais que a indicam. Constituiu uma sistematologia na qual são realçadas as correlações constantes, ou somente freqüentes, entre tal tipo de doença e tal manifestação mórbida: a alucinação auditiva, sintoma de uma estrutura delirante; a confusão mental, sinal de tal forma demente. Constituiu, analisadas as próprias formas da doença, descritas as fases de sua evolução, e restituídas as variantes que ela pode apresentar: haverá as doenças agudas e as crônicas, as alternâncias de sintomas, e sua evolução no decorrer da doença. Foucault (1994:09)

Toda história da categorização da loucura tem de ser pensada como uma série de substituições de nomenclatura para nomenclatura, de forma para forma como reflexo, talvez, das relações sócio-culturais e históricas de um povo. Conforme a época, conforme os grupos sociais ou contexto, vê-se surgir ora uma forma ora outra para denominá-la.

A verdade é que até hoje, apesar das tentativas, não há uma uniformização dessa categorização nem unanimidade no uso de termos sinônimos. Isso talvez porque o termo loucura seja amplamente difundido como um sinônimo quase perfeito para doença mental. E isso acontece, apesar de especialistas e não-especialistas saberem que esses termos nem sempre representam um desequilíbrio psico-orgânico, podendo inclusive ser um estado que qualquer ser humano dito normal poderá se encontrar. Em outras palavras, qual pessoa pode ser chamada de "louca", mas nem todos podem ser considerados "doentes mentais".

A dificuldade maior em estabelecer uma terminologia universal consiste certamente em verificar quais os traços característicos mais salientes em uma pessoa com desequilíbrio psico-orgânico que não sejam salientes ou que não apareçam em uma pessoa "normal". Esse padrão de normalidade é um tanto complexo e difícil de ser delimitado, uma vez que o limite entre a sanidade e a doença mental, algumas vezes, se nos apresenta bastante tênue. O que seria um homem "normal"?

Não se pode negar que outras doenças, como por exemplo, câncer, tuberculose, lepra, AIDS, têm diagnósticos mais precisos e fáceis de serem mostrados através de uma prova material, como por exemplo, exames laboratoriais. No caso da doença mental, não tem sido fácil estabelecer as tão "solicitadas provas concretas, materiais", que mostrem a divisão entre pessoas com transtorno mentais e pessoas normais.

Não existem provas laboratoriais. Isso é um fato, pois a única forma de diferenciar a sanidade da loucura é através da fala, da conversação, do discurso do paciente e do discurso de seus familiares. Assim, não se pode negar que a doença mental, para uma pessoa especialista nessa área, é diagnosticas muito subjetivamente e de forma bastante diferente das outras doenças que têm como critério de classificação a causa da patologia.

Na psiquiatria e na psicologia, as causas das doenças mentais nem sempre são conhecidas, apesar de existirem várias hipóteses sobre essas causas e sobre a etiologia das doenças mentais. Desse modo, alguns critérios têm sido utilizados para determinar os distúrbios mentais que passam, então, a ser diferenciados pela manifestação maior de determinados sintomas padronizados pela medicina ao longo dos anos.

Novaes (1996:25) mostra-nos que ao tomar para si os procedimentos da Psicologia, a Psiquiatria coloca um indivíduo-padrão, uma espécie de protótipo, na posição de parâmetro definidor da doença:

Um indivíduo de fabricação imaginada na Psicologia e a serviço de um discurso que interessa à Psiquiatria. Dessa forma, institui-se uma relação entre indivíduos-padrão normais e indivíduos-padrão loucos, a qual se constitui, por sua vez, pela relação de fala e escuta entre médico e paciente. Uma relação de fala e escuta que se caracteriza pela aplicação ou não de certos procedimentos que definam a diferença. O procedimento principal recai na aplicação do rótulo distúrbio mental ou desarranjo do pensamento e/ou da cognição.

Esse rótulo-chave "distúrbio-mental" tem várias maneiras de ser descrito na literatura. Para uns é a "desordem do pensamento e do processo cognitivo"; como por exemplo, a não fluência das idéias manifestadas na perseverança das palavras e no bloqueio das sentenças, que caracterizam muito bem um doente mental.

Mas o que é então essa loucura? É uma doença única ou um conjunto de doenças ou não é uma doença? Essas questões são abordadas pela própria psiquiatria que prefere adotar os termos distúrbios mentais ou doença mental por achar que loucura é um termo muito abrangente, complexo e pouco técnico; um termo que não garante certo estatuto de cientificidade ao reconhecimento dos sintomas das doenças mentais.

Há, na realidade, uma tendência contemporânea de universalizar os conhecimentos em todas as áreas da medicina, buscando-se, assim, esclarecer conceitos, terapias e curas de doenças. Isso acontece, fundamentalmente, para facilitar a troca de experiências e informações, a fim de se encontrar uma melhor Classificação Internacional de Doenças (CID).

As doenças mentais, desde o século passado, vêm sendo catalogadas em grandes grupos que atualmente ainda são aceitos num esquema bem tradicional e são distribuídos em cinco grupos: neuroses, psicoses, psicopatias, retardo mental e demências. Contudo, na tentativa de uma melhor sistematização e de uma melhor comunicação em comunidades diferentes a CID-10 substituiu a CID-9 após uma reunião de psiquiatras representantes de quase todos os países do mundo, ficando assim distribuídos os transtornos mentais em:

  • Transtornos mentais orgânicos, incluindo os sintomáticos;
  • Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas;
  • Esquizofrenia, transtorno esquizofrênico e delirantes transtornos do humor (afetivos);
  • Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e sematoformes;
  • Síndromes comportamentais associados a perturbações fisiológicas e fatores físicos;
  • Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos;
  • Retardo mental;
  • Transtornos do desenvolvimento psicológico;
  • Transtornos emocionais e de comportamento com início usualmente ocorrendo na infância e adolescência;
  • Transtorno mental não especificado.

Diante dessas colocações, resolvemos trabalhar com as teorias dos conceitos que surgiram da necessidade de hipotetizar como se dá a organização simples do conhecimento. E, ao fazermos isso, entramos em questões também complexas: a diversidade, a gama e a individualidade do conhecimento humano. E o que seria, pois, esse conhecimento? Essa também não é uma questão fácil de responder.

O conhecimento está definido como produto da aprendizagem humana que se organiza/estrutura numa memória duradoura e dinâmica em que são percebidos os objetos através da generalização de propriedades similares e da abstração de propriedades comuns a vários objetos para a formação de classe ou categoria. Dessa maneira, o conhecimento pode ser considerado em termos de seu formato de representação - análogo ou proporcional - ou sobre a forma em que ele está organizado. Parece, então, claro que as teorias dos conceitos surgiram a partir da necessidade de hipotetizar como se organiza o conhecimento e como se agrupam conceitos como instâncias ou membros de uma classe.

Para que os objetos sejam agrupados juntos conceitualmente é preciso verificar formas diferenciadas de percebê-los. Pontos de vistas que avaliam de formas diferentes a inclusão de um determinado objeto em uma classe ou em outra.

Um das teorias que busca estudar essas questões é a tradicional de conceitos que vê os conceitos como sendo definíveis em termos de atributos que são imprescindíveis individualmente e suficientes em conjunto.

Nessa teoria, um conceito poderá ser caracterizado por um conjunto de atributos intencionais que definem o que é preciso para ser um membro do conceito. Esses atributos são necessários em conjunto e individualmente, limitando, portanto, com clareza, a separação e os membros e os não-membros de uma categoria. Outro aspecto relevante nessa teoria é que um conceito subordinado deve conter todos os atributos de seu concito supra-ordenado. Esse conceito subordinado terá mais atributos em comum com seu supra-ordenado imediato do que com seu supra-ordenado mais distante.

A teoria de atributos foi colocada em questão quando os conceitos estudados passaram a se relacionar às categorias mais naturais que envolviam elementos do cotidiano. Dessa forma, houve um aperfeiçoamento da teoria do atributo de definição, realçando a noção de rede hierárquica e acrescentando a consideração de que alguns conceitos ficam isentos de carregarem os atributos de seus supra-ordenados.

Com as limitações da teoria de atributos e com a idéia falha de que todos os atributos seriam igualmente relevantes para o conceito, surgiram outras versões que passaram a considerar os conceitos em duas fases de análise: uma fase que confronta todos os atributos (de definição e características) dos conceitos comparados e outros apenas os atributos de definição.

Mesmo assim, criticas continuaram sendo lançadas a essa nova abordagem. Wittgenstein fala-nos que é defensor de que alguns conceitos simplesmente parecem não ter nenhum atributo que os definam. Para Wittgenstein, alguns membros de uma categoria carregam entre si "semelhanças da família" e não um conjunto de atributos essenciais e auto-suficientes que os entrelaçam. O que conduz à conclusão de que, entre os membros mais típicos e os menos típicos de uma categoria, há conceitos que não são nitidamente delineados como pertencentes a tal categoria.

Representando, então, essa abordagem crítica, temos a teoria dos protótipos ou de atributos característicos em que as categorias são organizadas em torno de protótipos centrais.

Na teoria dos protótipos, existem quatro hipóteses que têm sido propostas para explicar o fenômeno da prototipicidade como resultado da estrutura fisiológica do aparato perceptual e tem como base experimental as pesquisas realizadas a partir da categorização de cores; a hipótese referencial que estabelece a prototipicidade como sendo resultado do fato que algumas instâncias de uma categoria partilham mais atributos de que outras instâncias possuidoras dos membros periféricos que partilham em número reduzido de atributos como os membros centrais; para a hipótese estatística, o membro mais experienciado de uma categoria é o protótipo; já a riqueza conceptual de cada categoria através da incorporação de "nuances" relacionadas em um conceito singular.

É válido salientar que os modelos de categorização podem ter abordagens sobre protótipos ou sobre exemplares. A primeira abordagem, como podemos verificar nas linhas anteriores, é de natureza probabilística em que a representação de um conceito refletirá a tendência central dos atributos mais representativos, melhores exemplares, compartilhados pelos membros de uma categoria. Os itens a serem categorizados serão incluídos ou excluídos da categoria ou com base na similaridade ou com base na ausência de similaridade.

Parece, portanto, claro que o sistema de categorização humano inclui não apenas relações hierárquicas de natureza estritamente taxionômica, mas também agrupamentos de itens que se congrega por outras relações que não somente as que se baseiam em critérios científicos, por co-ocorrência de atributos ou funções. Os comportamentos de categorização parecem ser motivados por duas principais abordagens: uma prototípica e uma abordagem esquemática.

A primeira baseia-se na co-ocorrência de atributos entre o item a ser categorizado e o(s) membro(s) mais representativo(s) da categoria enquanto que a segunda, em instanciações que não possuem, necessariamente, características comuns aos protótipos da categoria, mas que são motivados pelo conhecimento de mundo do indivíduo e pelo seu contexto de vida.

Por fim, a fonte originária dos protótipos não parte de uma única hipótese, mas emerge da profusão dos vários caminhos percorridos na tentativa de elucidar a questão da prototipicidade.

Metodologia

A pesquisa está sendo desenvolvida em três momentos interligados: no primeiro, fizemos o levantamento e a seleção teórica sobre a loucura e sobre a categorização. Para se saber que sinônimos desse vocábulo são técnicos e quais são de uso do senso comum. Foi importante também descrever o que determina a Classificação Internacional de Doenças (CID).

No terceiro momento, foram realizadas consultas nos arquivos dos Jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo " da década de 90. Levando em consideração as publicações referentes à Loucura, Doença Mental e Reforma Psiquiátrica, fizemos a análise das matérias impressas que tivessem referências sobre esse termo. Dessa forma, em um terceiro momento, analisamos as matérias jornalísticas que abordam a "loucura", seguindo as etapas:

  • Verificação da conceituação de loucura;
  • Categorização dos nomes que melhor representam à loucura e/ ou os doentes mentais nesses jornais;
  • Organização de uma lista de dez exemplares utilizados como sinônimos de loucura;
  • Após essa organização, selecionamos os sinônimos recorrentes na década de 90 nesses dois jornais.

Análise e discussão dos dados

Ao analisar os Jornais "O Povo" e o "Diário do Nordeste", constatamos que os termos mais usados foram os técnicos, isso talvez, deve-se ao fato de eles terem sido mencionados pelos movimentos em prol da Reforma Psiquiátrica, na década de 90. Essa reforma foi divulgada na mídia Impressa Cearense, e em suas matérias havia uma maior participação de especialistas. Inferimos que eles devem ter influenciado o discurso da imprensa local.

De acordo com nossa Pesquisa e também levando em consideração a Classificação Internacional de Doenças (CID) foram encontrados os termos relacionados à Loucura: transtornos mentais orgânicos, incluindo os sintomáticos; transtornos mentais, e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas; esquizofrenia; transtornos esquizofrênicos e delirantes; transtornos do humor (afetivos); transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e sematoformes; Síndromes comportamentais associados a perturbações fisiológicas e fatores físicos; transtornos de personalidade e de comportamento em adultos; Retardo mental; Transtornos do Desenvolvimento psicológico; Transtornos emocionais e de comportamento com início usualmente ocorrendo na infância e adolescência; Transtorno mental não especificado.

A dificuldade maior em estabelecer uma terminologia universal consiste certamente em verificar quais os traços característicos mais salientes em uma pessoa com desequilíbrio psíquico orgânico. Esse padrão de normalidade é um tanto complexo e difícil de ser delimitado, uma vez que o limite entre a sanidade e a doença mental nos apresenta bastante tênue.

Vejamos, pois, o quadro comparativo de vocábulos usados como sinônimos de loucura nos jornais pesquisados ou como sinônimos de pessoas loucas. Resolvemos ampliar a pesquisa para os léxicos do campo semântico de loucura, por acharmos que assim teríamos uma abordagem mais representativa dessa temática:

Quadro I - Expressões mais usadas na década de 90.

ANO
DIÁRIO DO NORDESTE O POVO
1990
Pessoas com transtornos mentais orgânicos, indivíduo com distúrbios comportamentais, portador de insuficiência mental. Transtornados, doentes mentais, esquizofrênicos, neuróticos.
1991
Pessoas com crise de saúde mental, indivíduos com distúrbios psíquicos. Demente, portador de doença mental, doidos e loucos.
1992
Portadores de doenças mentais, doentes mentais, doidos e esquizofrênicos. Demente, paciente, indivíduo com retardo mental, doente mental.
1993
Doentes mentais, doente psíquico, fraco da saúde mental. Doentes mentais, pessoas com distúrbios mentais, neuróticos.
1994
Doentes mentais, esquizofrênicos, loucos Doentes, loucos, doidos, esquizofrênicos.
1995
Indivíduo com distúrbios mentais e comportamentais, psicótico, louco, anormal. Enfermo, deficiente mental, indivíduo com retardo mental, esquizofrênico.
1996
Doidos, indivíduo com problemas mentais, psicótico, esquizofrênicos. Louco, anormal, doente mental, doido, esquizofrênico.
1997
Doidos, abilolados, fracos do juízo, demente, tipo curioso, detento, anormal, indivíduo com problemas mentais, psicótico, paciente, doente mental, deficiência mental.

Transtorno mental, psicótico, esquizofrênico, demente, louco, doente mental, sujeito com problemas mentais, psicótico, paciente, doente mental, deficiente mental.

1999
Pacientes mentais, doentes mentais, pessoas com problemas psíquicos, transtorno mental, esquizofrenia, problemas mentais, doença mental, psicóticos, portadores de deficiência mental. Esquizofrênicos, doentes mentais, doença mental, deficiência mental, problemas de saúde mental.

Os termos que caracterizaram a Loucura, nesses anos, nos jornais pesquisados, foram: depressão, neurose, distúrbio mental, síndrome do pânico, ansiedade, esquizofrenia, transtornos do desenvolvimento, retardo mental, transtorno mental, doença do sistema nervoso, problema mental, doença psicológica, estresse, enfermidade psicológica, psicose maníaco depressiva, pânico, transtorno do pânico, patologia social, fobia social e expressão violenta do comportamento.

Conclusões

Os conceitos e denominações originam-se dos discursos, os quais mudam de acordo com o processo histórico e social, condicionados à Ideologia dominante. Com o termo "loucura", podemos perceber o curso histórico de transformações em torno do conceito e da adequação das práticas sociais às alterações de seus significados. Dependendo do contexto a Loucura está sendo tratada sob diversos sinônimos, dentre eles os mais usados, nos dois jornais pesquisados, foram: esquizofrenia, doidos, psicóticos e portadores de deficiência mental. É válido acrescentarmos que não houve uso dos termos mais modernos da área médica: transtornos mentais.

A pesquisa constatou que há um predomínio de termos técnicos que revelam a relação entre a Linguagem Jornalística, o poder e a ideologia passados através de conhecimentos científicos.

Nota

[1] THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 2004. 6ª ed., p. 21.

Referências bibliográficas

DALGALARRONDO, P. Civilização e loucura. São Paulo: Lemos, 1993.

FOUCAULT, M. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 1995. 4ªed.

________________. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

HABERMAS, J. Mudança estrutural da Espera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempos Modernos, 2003. 2ª ed.

__________________. Pensamentos Pós-Metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempos Modernos, 1990.

NOGUEIRA, C. S. Os "mais velhos" na Folha de S.Paulo: uma análise crítica do discurso jornalístico sobre a velhice (1990-1999). Campinas, s/r, 2000.

NOVAES, M. Os dizeres nas esquizofrenias: uma cartola sem fundo. Rio de Janeiro: Escuta, 1996.

PINTO, M. J. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker Editores, 1999.

SILVA, D. E. G.; VIEIRA, J. A. (Org.). Analise do discurso: percursos teóricos e metodológicos. Brasília: Editora Plano, 2002.

THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 2004. 6ª ed.

WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1996.

*Letícia Adriana Pires Teixeira é graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará (1987), especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará, mestre em Lingüística pela Universidade Federal do Ceará e professora assistente da Universidade Estadual do Ceará e da Faculdade Integrada do Ceará. Maria de Fátima Medina Lucena é graduada em Comunicação Social pelo Universidade Estadual da Paraíba (UEPb) (1980), mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (2002), jornalista e professora das Faculdades Integrada do Ceará (FIC), Integrada da Grande Fortaleza (FGF) e 7 de Setembro (FA7).

Voltar.


®Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]