Artigos
Conhecimento
e Formação
Graduada em Jornalismo no Brasil
Uma
defesa da validade dos Projetos Experimentais
Grande Reportagem e Práticas Editoriais
Por
Francisco José Castilhos Karam*
Resumo
No
Brasil, os Cursos de Graduação em Jornalismo duram
em média quatro anos. Exigem, como trabalho de conclusão,
a realização de Pesquisa Monográfica e/ou
o desenvolvimento de Projetos Experimentais, por exemplo, nas
áreas de Grande Reportagem e de Práticas Editoriais,
como a implantação de revistas, jornais, sítios
digitais, programas de rádio ou televisão e afins.
O presente trabalho critica os casos em que se exclui Projetos
Experimentais como GR ou PE. Considera que tais áreas
podem expressar conhecimento profissional e social e se inserem
na essência do trabalho jornalístico.
Palavras-chaves:
Jornalismo Formação Conhecimento
No
Brasil, as críticas ao Projeto Experimental Grande Reportagem
ou Projetos/Práticas Editoriais, impedindo-se que o acadêmico
se dedique parcial ou integralmente a ele como Trabalho de Conclusão
do Curso de Comunicação Social-Habilitação
Jornalismo (formação geral de dois anos e específica
de outros dois) ou do Curso de Jornalismo (quatro anos) situam-se,
basicamente, ao redor dos seguintes eixos:
1)
a Universidade deve produzir conhecimento, o que a Monografia
faz e a Grande Reportagem e as Práticas Editoriais
limitam;
2)
o aluno deve aprender a pensar e não apenas a fazer,
o que a Pesquisa Monográfica permite e as GR/PE limitam;
3)
deve-se evitar a hegemonia tecnicista, que se
dá no campo das GR/PE e não no da Pesquisa Monográfica;
4)
a PM qualifica melhor do que os projetos experimentais GR/PE
para o exercício crítico profissional, já
que estas apenas reproduzem.
As
indagações são muitas. Depois de quatro
anos de estudos em Jornalismo, o acadêmico estaria ou
não preparado para realizar a profissão com as
bases teóricas, estéticas e éticas que
adquiriu ao longo da formação didático-pedagógica?
E
poderia ele, ao final do período de graduação,
executar, como trabalho final de curso, algo que fosse a realização
prático-teórica da profissão? Poderia ele,
para a conclusão do curso, realizar uma Grande Reportagem
(em televisão, rádio, mídia impressa) ou
implementar um jornal ou revista, programas de rádio
e de televisão, atuando no campo do Jornalismo ou Comunicação
Institucional ou do que se pode chamar de Práticas Editoriais?
Ou
teria de, exclusivamente, realizar uma monografia sobre um tema
ou veículo ou área similar, em geral como crítica
negativa da mídia? Os Projetos Experimentais, existentes
em parte dos cursos, como é o caso do Brasil, deveriam
excluir grandes reportagens ou práticas editoriais, aceitando
apenas pesquisa monográfica ou o estudante poderia optar
entre uma ou outra?
Este
trabalho trata, sob alguns aspectos, dos Projetos Experimentais,
defendendo a opção de realização
do trabalho final - prático-teórico -, nas áreas
do exercício da profissão, centrando-se na Reportagem
ou Grande Reportagem, ou, ainda, no que se chama Livro-Reportagem.
E, também, nas Práticas Editoriais, implantando-se,
reformulando-se, melhorando projetos de implantação
de revistas, jornais, sítios digitais, desenvolvendo
programas de rádio e televisão.
Com
esta perspectiva, não seria diferente, afinal, de diversos
trabalhos executados pelos formandos em Arquitetura, Medicina
ou Nutrição. Como o Jornalismo se insere no âmbito
das Ciências Sociais Aplicadas, a aplicação
do conhecimento parece ser requisito para o exercício
qualificado da futura profissão e de sua inserção
social. E tal trabalho não seria, necessariamente, menos
digno, menos importante ou menos qualificado.
Dúvidas
Em
debates com colegas acadêmicos brasileiros, surgiram algumas
controvérsias, que aparecem nos itens numerados anteriormente
e que tentarei contra-argumentar ou, ao menos , suscitar dúvidas.
Não
preciso citar nomes de colegas ou amigos, mas alguns defendem
a idéia de que o estudante tem de realizar, obrigatória
e exclusivamente, uma monografia final de conclusão de
curso, porque cabe a Universidade produzir conhecimento, não
apenas reproduzi-lo; que cabe à universidade ser crítica,
não apenas aceitar o conhecimento de determinada área
tal como está posto.
Em
alguns casos, chega-se a proibir o estudante de realizar grande
reportagem ou desenvolver projetos/práticas editoriais
como conclusão de curso.
A
idéia, que abriga outros caminhos similares, é
interessante, mas repetitiva ou surrada. Os problemas
enfrentados pelo formando ao realizar uma monografia são
parecidos aos encontrados quando se confeccionam grandes reportagens,
por exemplo.
Se
o jornalismo, como acredito, é uma forma de conhecimento
sobre o cotidiano, em escala massiva, planetária, imediata,
em períodos curtos, possibilitando aos outros o acesso
ao entorno social, por meio de fatos e de relatos sobre eles,
que incluem fontes, dados, interpretações e conhecimentos
produzidos por infinitas áreas, da Sociologia à
Biotecnologia, a exclusão da possibilidade de concluir
o curso com uma Grande Reportagem atesta a desconfiança
com a própria área do saber.
E
reduz a própria importância da profissão,
quase negando o produto profissional, atribuindo a ele algo
menos qualificado ou menor.
Afinal,
uma reflexão que sempre nega seu produto e um produto
que não pode expressar jamais reflexão e conhecimento
parecem estar fadados à condenação geral.
Mas, apesar das críticas, a afirmação do
jornalismo e de seu ethos, e o crescente reconhecimento do campo
da formação e da pesquisa na área jornalística
indicam que os méritos ultrapassam as condenações.
No
caso da formação, se depois de quatro anos, ao
realizar uma grande reportagem ou implantar uma revista, sem
necessidade de monografia, o estudante não consegue dar
conta das bases teóricas, éticas e estéticas,
que vão ser apresentadas com determinadas técnicas
e por algum suporte tecnológico, isso é sintomático.
Parece
atestar o fracasso da própria estrutura curricular e
a incapacidade de reunir a práxis da área num
projeto experimental que ajude a qualificar a própria
atividade e a sociedade.
Se
toda a justificativa da formação profissional
é ancorada na idéia de qualificar teórica
e tecnicamente bem os futuros jornalistas, um currículo
deve embasar disciplinas de ordem reflexiva e laboratorial que
permitam tanto a capacidade de pensar, criticar, indagar quanto
a capacidade de, após ou simultaneamente a isso, executar.
Afinal
o jornalismo parece ter um objeto e, sem o exercício
da práxis, seria apenas uma área teórica
sem possibilidade de realização prática,
o momento em que é expresso não apenas a qualificação
técnico-operacional, mas também o momento, relativamente
culminante, da boa realização técnico-operacional.
Nele, a escolha da pauta, das entrevistas, da linguagem e a
apresentação estética e a escolha ética
vão refletir e expressar, precisamente, conhecimento
e base teórica.
Neste
aspecto, as críticas à Grande Reportagem ou Práticas
Editoriais como conclusão de curso parecem desacreditar
no próprio papel ativo da linguagem na produção
de conhecimento. E isso me faz pedir socorro a Adam Schaff:
Pode-se
captar o problema do papel activo da linguagem na actividade
intelectual do homem em função do que entendemos
por esta actividade, isto é: como o problema do papel
da linguagem no pensamento, ou como o problema do papel da
linguagem no conhecimento humano [1]
Partindo
de tal aspecto, Schaff vai desdobrando sua análise, considerando
que o conhecimento humano é, com efeito, um tipo
particularmente qualificado do pensamento, tanto no sentido
do acto como no sentido do produto [2], acrescentando,
ao detalhar sua explicação:
Enquanto
ponto de partida social do,pensamento individual, a linguagem
é mediadora entre o que é social, dado, e o
que é individual, criador, no pensamento individual.
Na realidade, a sua mediação exerce-se nos dois
sentidos: não só transmite aos indivíduos
a experiência e o saber das gerações passadas,
mas também se apropria dos novos resultados do pensamento
individual, a fim de os transmitir sob a forma de um
produto social às gerações futuras
[3]
Não
seria a reportagem um produto social, afinal?
Adam
Schaff vai considerar que a expressão do pensamento conceitual
é a língua. Caberia muitos comentários
em torno da obra de Schaff, mas vou apenas usá-la, brevemente,
como suporte para as idéias ou conceitos expressos neste
trabalho.
Ora,
o desenvolvimento de projetos no entorno geográfico da
escola, seja nas grandes capitais ou em remotas regiões
dos países, pode qualificar o próprio exercício
da profissão e da cidadania que representa, melhorando
veículos regionais, dando mais visibilidade qualificada
aos aspectos locais, contribuindo para o debate e visibilidade
de determinados setores e segmentos excluídos dos processos
de cobertura e tratamento de grandes mídias.
Por
isso, uma revista implementada como projeto experimental, tratando
do universo infantil, do analfabetismo, do lazer e do trabalho
escravo infantil ajuda a que os temas sejam pauta de outros
veículos e dá dimensão pública ao
entorno geográfico em que atua.
O
desenvolvimento de programas radiofônicos, televisivos
e outros que incluam debates e fontes sem os limites
mercadológicos atestam o que de melhor poderia
fazer o jornalismo, propiciando espaços de liberdade,
de criatividade e de qualidade que, muitas vezes, as limitações
de ordem econômica, política e ideológica
prejudicam na grande mídia.
Tais
projetos não precisam ser extintos quando se formam os
alunos, mas a idéia é o contrário: que
permaneçam, abrindo tanto novas perspectivas de trabalho
quanto de novos debates e temas trazidos à cena pública,
ainda que regionalmente.
Assim,
parece importante que as mídias regionais sejam criadas,
melhoradas, fortalecidas. E o espaço do TCC Práticas
Editoriais ajuda. Ora, seja numa revista ou jornal, em sítios
digitais ou programas de tevê e rádio há
conteúdos que expressam fatos e significados de mundos,
mediados por profissionais e adaptados para a linguagem jornalística;
há espaços livres de ingerência para o debate
aberto e franco.
A
escola é um lugar privilegiado para isso. Por isso, também
em tais projetos há o alargamento dos mundos vividos
pelo público, que pode participar da interlocução.
Por isso, os novos espaços criados, em uma universidade,
por exemplo, em que o exercício acadêmico-profissional
deve ser um dos objetivos, também permitem a reflexão
e o pensar, não apenas aos profissionais que buscam pautas,
escolhem fontes, ouvem e perguntam, mas ao público que
é beneficiado tanto pelos profissionais quanto pelas
fontes, além de participar.
Tais
espaços podem ser rádios universitárias,
tevês universitárias, jornais universitários,
sítios digitais e projetos de extensão entre cursos
de jornalismo e instituições públicas e
privadas, organizações não governamentais,
sindicatos. A prática acadêmica, que pode juntar
ensino, pesquisa e extensão, parece dar grandes contribuições
sociais.
A
resistência a um projeto experimental como grande reportagem
ou práticas editoriais pode ser a desconfiança
de que, se a linguagem tem papel ativo no conhecimento, isto
não caberia no jornalismo. Ou seja, a linguagem do jornalismo
poderia não ter, ou, ao menos, conforme críticas
correntes na academia especialmente na área de
literatura-, rebaixaria o conhecimento, o que merece, de minha
parte, alguns comentários.
Ora,
o acadêmico vai se formar em Jornalismo, e não
em outra área, como culinária ou bordado, que
têm também sua linguagem. E se concordarmos com
Schaff, como eu concordo, parece que a linguagem contém,
em algum grau, uma forma de repartição cognitiva
do mundo, tanto pelo acúmulo do passado construído
nos conceitos e representações do mundo atual
quanto pela possibilidade do indivíduo criador agregar
mais qualificação a seu produto final, aproveitando
o acúmulo do passado em direção a novas
projeções do futuro.
É por isso que o jornalismo é um ambiente propício
para estabelecer controvérsia das fontes, suscitar comentários
ao redor das informações, interpretações
e idéias de mundo das fontes, expressas em reportagens,
em programas de entrevistas, em pautas, em reportagens, em grandes
reportagens ou simples notícias. Enfim, no fazer jornalístico,
no produto jornalístico, na prática jornalística.
É preciso , obviamente, que tenha qualidade, tanto como
a boa monografia.
Naturalmente,
a intensidade do conhecimento e sua densidade são processadas
de forma diferente. Mas parece haver legitimidade em reconhecer
o conhecimento presente e sua repercussão instantânea
estimulando comentários e debates num cenário
social inclusivo e imediato - como algo útil e relevante
socialmente. Para Lorenzo Gomis, el servicio más
inmediato y consistente que prestan los medios a las audiencias
de este siglo es ampliar y solidificar las dimensiones del presente
[4].
O
acadêmico vai expor, a uma banca, se como futuro profissional
tem condições de exercer com qualidade técnica
e dignidade a profissão. Por isso, os Projetos Experimentais
se tornam momentos possíveis da realização
acadêmico-profissional, e excluí-los seria, a meu
ver, um gesto de não reconhecimento sobre o conhecimento
produzido pela própria área, que se vale, evidentemente,
do conjunto de conhecimentos produzidos por distintos setores,
visíveis todos os dias por meio de inúmeras mídias.
Os
problemas enfrentados, operacionalmente, pelos autores de GR
, em termos de acúmulo cognitivo, parecem ser obstáculos
também para os autores de monografias. Seguidamente,
encontro trabalhos monográficos, como conclusão
de curso, que expressam uma visão reducionista de mundo:
fontes científicas minuciosamente escolhidas de acordo
com a ideologia do autor, colagem de citações
uma atrás da outra, pouca autonomia reflexiva e narrativa
por parte dos autores, conclusão que repetem apenas o
que as fontes bibliográficas escolhidas já disseram.
A
complexidade reduz-se a uma troca de impressões e opiniões,
com base em exemplos analisados. Talvez isso tenha a ver com
a imaturidade intelectual, porque se exige, de quem tem 20 anos,
rigor metodológico e densidade intelectual, às
vezes, similares a quem tem acúmulo profissional e tempo
de estudos para cursar mestrado ou doutorado.
E,
às vezes, a curiosidade, a liberdade, a investigação
possível em uma grande reportagem é censurada
pela exigência de um trabalho exclusivo de pesquisa monográfica.
Recorro
outra vez a Adam Schaff, que considera a linguagem, também,
uma prática condensada:
O
processo do conhecimento está indissociavelmente ligado
à prática, - e isso de modos diversos. A estrada
do conhecimento tem o seu início na prática,
ou, em termos mais precisos, o conhecimento começa
onde se manifestam necessidades práticas, dando lugar
a uma ordem-encomenda cognitiva. Em numerosos
casos, é imediata a relação entre o conhecimento
e a prática, mas, mesmo nos domínios mais abstractos
e mais autônomos dos estudos científicos, pode
sempre demonstrar-se uma relação genética,
pelo menos, indirecta com a prática. É evidente
que resolvemos, ao mesmo tempo, as duas questões
a da gênese do conhecimento e a da sua finalidade: o
conhecimento serve directa ou indirectamente
para a prática humana, ainda que certos pensadores
nem sempre tomem consciência disso e até rejeitem
redondamente essa possibilidade. [5]
E
a prática jornalística, para quê serve?
Precisa ser apenas mecânica e inconsciente? Ou pode ser
resultado de inquietação, reflexão e consciência?
Se a operacionalidade rebaixa a prática estaríamos
condenados à reflexão sem objeto.
As
críticas ao veículos, a programas, à manipulação
da mídia, à concentração da propriedade
midiática, à invasão do jornalismo pela
publicidade , parece-me, apenas, reforçar a necessidade
de que o acadêmico deve fazer bem, e não é
a faculdade que o impede.
No
mais das vezes, é o próprio mercado, submetido
a regras outras que não a da formação qualificada.
Excelentes profissionais podem realizar a profissão em
um veículo e não conseguirem em outro. O projeto
editorial, os vínculos econômicos e políticos
são fatores que extrapolam a formação dada
pela universidade, que não tem poder, sozinha, de interferir
nos negócios da empresa, mas tenta qualificar
profissionais para o melhor exercício possível
de sua atividade, em qualquer meio e suporte, desde que, no
caso, no exercício do fazer jornalístico.
E
é precisamente o fazer jornalístico que incorpora
o pensar a sociedade e a profissão, sem o que o jornalista
ou o acadêmico apenas seriam como reprodutores mecânicos
do aprendizado também mecânico.
Mas
parece não ser assim, e o jornalismo, na plenitude de
seu exercício, pode ser a linguagem expressando conhecimento,
refletindo e criticando o próprio mundo, fazendo e se
refazendo, tal como é próprio num processo em
que os diversos conhecimentos de mundo vão se expressando
nas páginas de jornais ou revistas, no tempo do rádio
ou da tevê, na virtualidade das redes de computador.
Em
tal direção, Adelmo Genro Filho observa:
o
objeto de apropriação prática dos homens
é, cada vez mais, a totalidade do mundo social e natural.
Cada indivíduo exerce sua atividade não apenas
sobre uma parcela dessa realidade, mas sobre a totalidade,
através das mediações objetivas e subjetivas
que se constituem com o avanço das forças produtivas
e a socialização da produção
[6].
Portanto,
prossegue ele, cada indivíduo, em alguma medida,
precisa aproximar-se dessa realidade através de uma relação
tanto mediata como imediata [7], salientando que tanto
o jornalismo, que tem intermediação, quanto o
imediato visto com os próprios olhos, não
excluem configurações ideológicas e certas
técnicas de apreensão da realidade o que
ademais existe em qualquer processo de produção
de conhecimento, seja no jornalismo ou na história ou
sociologia ou na monografia em qualquer área.
Para
AGF,
A
linguagem jornalística quer apreender a singularidade,
mas só pode fazê-lo no contexto de uma particularidade
determinada, ou seja, no contexto de generalizações
e conexões limitadas capazes de atribuir sentido ao
singular sem, no entanto, dissolvê-lo enquanto fenômeno
único e irrepetível [8].
E
acrescenta, sem desconsiderar a validade dos conceitos científicos
ou teóricos, que estes tendem a diluir a força
da experiência imediata o singular no interior
de uma abstração ou mesmo de uma concretitude
intangível à percepção dos indivíduos
[9].
Para
legitimar ainda mais a grande reportagem como espaço
essencial de produção de conhecimento e de ajudar
a pensar, tanto o jornalista quanto o público, recorro
mais uma vez a Genro Filho:
A
informação jornalística, vale insistir,
e a base técnica para sua produção (imprensa,
rádio, tv) nasceram no bojo do mesmo processo de desenvolvimento
das relações mercantis. Surgiu, então,
o jornalismo como uma forma social de percepção
e de apropriação da realidade, correspondendo
a um aspecto determinado da práxis humana[ 10].
Uma
outra acusação que pesa sobre cursos que permitem
o TCC como prática profissional, incluindo a Grande Reportagem,
é de que os futuros jornalistas precisam aprender a pensar.
Parece-me
uma contradição: se em quatro anos, após
passar por disciplinas de ordem teórica ou laboratorial,
seja estética e cultura de massas, teoria da comunicação,
comunicação e realidade, comunicação
comparada, teoria do jornalismo, teoria e método de pesquisa,
sociologia da comunicação, filosofia da comunicação,
ética jornalística, legislação jornalística,
políticas de comunicação, telejornalismo,
radiojornalismo, reportagem para mídia impressa, produção
jornalística, comunicação institucional,
e inúmeras outras, obrigatórias ou optativas,
o aprender a pensar falha já de antemão.
Se
um trabalho de conclusão de curso ou projeto experimental
é o ápice da formação, é
natural que se apliquem conhecimentos anteriores na produção
de algo que pode ser pesquisa monográfica ou grande reportagem.
Parece-me, portanto, contraditório excluir o trabalho
profissional, então acadêmico, do aprender
a pensar.
Se
fosse assim, estariam condenadas de antemão extensas
e minuciosas reportagens, tanto produzidos por Gay Talese, Caco
Barcellos, Ignacio Ramonet, Gabriel García Marquez, Sebastião
Salgado e inúmeros outros jornalistas, seja sobre guerras,
sobre prostituição infantil, sobre a reforma agrária,
sobre os problemas da educação, sobre as descobertas
científicas, sobre o mundo da cultura e os novos comportamentos,
sobre as artes e os esportes, sobre a criminalidade e sobre
o narcotráfico, sobre a inflação e o desemprego...
Os
cursos que permitem as GR/PE como TCC têm dado grande
contribuição ao campo do conhecimento, à
livre manifestação do pensamento e das versões
e qualificado tanto a profissão quanto dado retorno social
a investimentos feitos no campo da academia. Não são
poucos, por exemplo, os livros-reportagem publicados a partir
dos TCCs Grande Reportagem em diversas escolas brasileiras.
Verifica-se,
com satisfação, que reportagens sobre prostituição
infantil, narcotráfico, esportes, comportamento e cultura,
biografias sobre personagens sociais marginalizados ou esquecidos
- incluindo novas versões e abordagens sobre temas aparentemente
esgotados -, podem recuperar a dimensão narrativa jornalística
em seus momentos de esplendor.
Isso
se dá, por exemplo, em TCCs reportagens transformados
em livros-reportagem e em reportagens aproveitadas por revistas
de ampla circulação nacional, confirmando um gênero
de expressão de versões, conhecimentos, fatos
singulares que dimensionam particular e universalmente fenômenos
humanos relevantes.
Parece-me
que os críticos de tais possibilidades têm preconceitos,
não reconhecendo que o fazer jornalístico carrega
em si mesmo significados relevantes e compartilhados de mundo.
Ou não reconhecem no jornalismo uma forma de conhecimento
e nem qualidades outras que ajudem a pensar no seu exercício
cotidiano.
Uma
outra acusação que pesa, ainda, é que o
trabalho de conclusão de curso, caso seja uma grande
reportagem ou implantação de um jornal ou programa
de rádio, significa uma espécie de tecnicismo.
Ora,
é necessário separar tecnologia de técnica,
e entender esta como a culminação de diferentes
saberes que incluem pensar e fazer, refletir e executar, de
tal forma incorporado por meio de conhecimentos anteriores que
o profissional faz de sua prática uma práxis,
no seu conceito melhor empregado e entendido, como um pensar/fazer
único, resultado da experiência, do saber acumulado,
patrimônios hoje de qualquer profissão que se preze.
É
por isso, também, que os campos de sistematização
deste saber, delimitados num espaço próprio de
formação, legitima um atestado, chamado diploma,
e um registro que tenha como requisito o atestado de um saber
para o exercício profissional.
Se
levarmos para o campo da resposabilidade profissional perante
a ética aplicada à profissão, é
bom recorrer a Bonete Perales:
Los
periodistas, cuando informan (ética descriptiva) y
cuando forman (ética prescriptiva) se sirven inevitablemente
del lenguaje, escrito, oral o visual; y por ello, al igual
que los folósofos anglosajones se centraban en el análisis
del lenguaje moral convirtiéndole en el objetivo básico
de su forma de hacer ética filosófica, podemos
sugerir que los medios de comunicación e información
tienen que ser conscientes de los supuestos e implicaciones
morales que conlleva la utilización del lenguaje, y
convertir el lenguaje mismo en objeto principal de responsabilidad
moral [11]
A
ética, a deontologia, a responsabilidade social e moral
do futuro profissional, então acadêmico, encontra
no Projeto Experimental GR ou PE um espaço privilegiado
para o exercício e consolidação. E além
do mais, neste aspecto não é possível entender
como tecnicismo a realização de programas
e reportagens em que os conteúdos sejam conhecimentos
de mundo e de pensar e debater sobre o mundo, com diferentes
versões.
Trata-se
de um conjunto de temas expressos por palavras e imagens, que
refletem conceitos, interiorizados no formato reportagem ou
programa de entrevistas ou debates ou apuração/investigação
jornalística para, depois, ganhar um novo nome, por exemplo,
grande reportagem sobre o problema da terra no Brasil nos últimos
40 anos e sua relação com o crescimento do desemprego,
exclusão do campo e perda de terras próprias.
Não
compreendo porque tais temáticas, com distintas fontes,
do líder dos Sem Terra ao ministro da Reforma Agrária,
do presidente da República ao sociólogo que interpreta
a violência, o crime e o desemprego, ao se expressarem
nas páginas jornalísticas a cada dia, não
significariam algum grau de conhecimento, contribuindo para
debates, busca de soluções; permitindo a pessoas
que não têm acesso a conhecimentos mais caros e
produzidos em escala maior de tempo (a cada seis meses, em uma
faculdade, nos livros ou cursos), possam acessar rapidamente
os relatos de mundo, versões sobre o entorno social.
Isso
ajuda nas escolhas cotidianas.
Ora,
tal perspectiva negativista diante das GR/PE não é
apenas uma contradição. É o atestado de
que um curso superior não forma profissionais para o
exercício da profissão, apenas para criticá-la
ou para concluir que não adianta se formar, já
que a prática não ajuda nem a pensar nem pode
mudar.
E
aí entro em outro aspecto: a Universidade é, por
essência, um ambiente de debate e de liberdade. No TCC
o acadêmico pode experimentar, buscar alternativas, criticar,
propor pautas, veículos, novos formatos, enfim, é
a possibilidade real, que há no Projeto Experimental,
de realizar a profissão e de buscar melhorá-la,
seja por meio da crítica, seja por meio da criação
de novos espaços para o exercício da profissão.
Isso
contribui para a possibilidade de melhoria de emprego e para
novas experimentações, ancoradas na idéia
de profissão, que afinal é o destino buscado por
aqueles que cursam Medicina, Direito ou Jornalismo.
Em
princípio se faz um curso em uma ou outra área
para isso, buscando-se conhecimento e emprego; exercendo-se
a atividade com alguma grandeza, qualificando tanto a ela quanto
o entorno social; buscando conexões com a sociedade;
dando visibilidade imediata, como pretende fazer o jornalismo,
à própria sociedade.
As
boas GR/PE permitem, enfim, a escolha imediata e necessária
no desdobramento do próprio cotidiano, que é o
objeto, a cada minuto, do Jornalismo. Trabalhadas com esta perspectiva
contribuem, profissional e socialmente, muitas vezes mais e
melhor, do que a própria pesquisa monográfica.
Notas
[1]
Schaff, Adam (1974). Linguagem e Conhecimento. Coimbra:
Livraria Almedina, p.247.
[2]
Idem, p. 248.
[3]
Ibidem, 250-251.
[4]
Gomis, Lorenzo (1991). Teoria del Periodismo: como se forma
el presente. Barcelona: Paidós, p. 33.
[5]
Schaff, Adam, op. cit., p. 253-254.
[6]
Genro Filho, Adelmo (1987). O Segredo da Pirâmide:
para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchê!,
p. 180.
[7]
Idem, p. 180.
[8]
Ibidem, p. 182.
[9]
Ibidem, p. 182.
[10]
Ibidem, p. 180.
[11]
Bonete Perales, Enrique (1995). De la ética filosófica
a la deontología periodística. In: _________
(coordinador). Éticas de la Información y Deontologías
del Periodismo. Madrid: Tecnos, p. 39.
Bibliografia
BONETE
PERALES, Enrique (1995) (Coord.). Éticas de la Información
y Deontologías del Periodismo. Madrid: Tecnos.
GENRO
FILHO, Adelmo (1987). O Segredo da Pirâmide: para uma
teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchê!
GOMIS,
Lorenzo (1991). Teoria del Periodismo: cómo se forma
el presente. Barcelona: Paidós.
SCHAFF,
Adam (1974). Linguagem e Conhecimento. Tradução
de Manuel Reis. Coimbra: Livraria Almedina.
*Francisco
José Castilhos Karam é professor
da Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis,
Brasil). fjkaram@terra.com.br.
#
Trabalho apresentado no VII Congresso Latino-Americano de Ciências
da Comunicação, da Associação Latinoamericana
de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), realizado
na Faculdad de Periodismo y Comunicación da Universidad
Nacional de La Plata, Argentina, de 11 a 16 de outubro de 2004.
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