...................................................................... pjbr@eca.usp.br













...
...

Artigos


MTV no Ar: o McJornalismo no Brasil

Por Luiza Lusvarghi

Quando se fala em MTV, a comparação ao McDonald's, outro símbolo norte-americano que ultrapassou fronteiras, sempre se adaptando ao gosto local para impor o seu produto, não é fortuita. O ensaísta norte-americano Raymond Barber cunhou o termo cultura McWorld para definir a expansão em escala global de produtos que têm por objetivo conquistar o mundo e monopolizar mercados.

Independentemente de sua condição de produto cultural que se transmite pelo ar, a MTV pode ser comparada ao McDonald's pela sua rápida capacidade de expansão no mundo, dentro de uma política de economia global, e pela sua identificação com o símbolo máximo da globalização - a sua origem norte-americana. E ainda que a sua reprodução e a sua programação não possam ser comparadas ao cardápio fast food do velho Mac, a associação é imediata.

A relação entre um Big Mac e um videoclipe já era alvo de comentários, em uma reportagem da Newsweek, It´s an MTV, de 25 de abril de 1995, feita pelo jornalista Marc Levinson, sobre a MTV Latino, no sentido de trabalhar com a regionalização - é o thinks globaly, acts locally, adotado oficialmente pela rede apenas em 1999, em substituição ao Discurso Único. Enquanto o McDonald's serve o mesmo hambúrguer em qualquer lugar do mundo, e a Procter & Gamble vende sua sopa sob os mais variados nomes, a MTV combina uma presença global e uma singular marca internacional a um produto específico para diferentes mercados regionais.

Na mesma matéria, mais adiante, o chairman da MTV, Tom Freston, garantia que a "embalagem é a mesma, o que pode variar são os ingredientes". O artigo questionava a pertinência da palavra coolissimo, uma invenção do MTV Latino para adaptar-se à expressão cool (legal) norte-americana, numa espécie de spanglish (dialeto que mescla termos espanhóis e ingleses usados pela comunidade hispânica que vive nos Estados Unidos), criado pelo marketing ousado da emissora.

No Brasil não foi diferente. O que ocorreu no início da MTV nacional é que a escassez de videoclipes brasileiros no mercado - os únicos eram produzidos pela Rede Globo, em videoteipe, e ela detinha os direitos de distribuição -, e a pouca disposição de gravadoras e da rede em investir neste segmento, deixou o jornalismo com a missão de dar uma "cara brasileira" para a emissora, o que levou à falsa impressão de que iriam investir no mercado nacional.

A MTV Brasil chegou ao país pelas mãos do Grupo Abril, [1] por intermédio de um contrato de licensing, estratégia de marketing que permite a um licenciado utilizar uma marca mediante o pagamento de royalties, semelhante ao sistema de franchising. [2]

A estratégia sempre foi largamente utilizada para introduzir marcas estrangeiras, notadamente produtos ligados à área de entretenimento, roupa e alimentação, que se estabeleceram no País enquanto imagem e formato sem estar presente enquanto estrutura física. O diferencial no sistema de franquias é a noção de um controle de qualidade e a importância de obediência ao formato, ou seja, uma preocupação com o branding.

O grande atrativo que a rede oferecia, era, sem dúvida, o de representar uma mercadoria pronta e fácil de ser instalada com rapidez. O motivo que levou o Grupo Abril a lançar a MTV antes mesmo de colocar a TVA, sua distribuidora de sistema a cabo, no ar, foi a necessidade de adquirir um canal rapidamente. O Grupo possuía uma concessão em sistema aberto de transmissão desde 1985 [3] e tinha de montar uma programação rapidamente, pois findo o prazo de cinco anos, perderia a concessão.

A idéia era vender canal por assinatura e reproduzir no Brasil o canal Plus, da França. Mas a concessão era de transmissão aberta, o canal 32 UHF, o que não dava direito a cobrar pelo sinal. Os preparativos para o lançamento da TVA já estavam em andamento. Victor Civita Neto, o Titte, atualmente diretor de criação do grupo, foi o primeiro diretor do Grupo Abril a integrar a direção da MTV Brasil - em 1996 foi sucedido pelo seu irmão, Giancarlo Civita.

A MTV Brasil, inaugurada em 20 de outubro de 90 com transmissão inicial em sinal aberto nas cidades de São Paulo (canal 32 UHF) e Rio de Janeiro (canal 24 UHF), alcançava então 53 cidades e 5 milhões de domicílios com TV. Somente a partir de 1º de abril de 1995 é que ela tornou-se de fato a primeira emissora de televisão brasileira a transmitir sua programação durante 24 horas ininterruptas todos os dias, em todas as suas retransmissoras e afiliadas. Segundo o IBOPE, a MTV atinge mensalmente cerca de 3,5 milhões de jovens de 15 a 29 anos, das classes AB [4] em todo o País. Hoje, atinge mais de 200 municípios do País, cerca de 16 milhões de casas, a maioria pelo sistema de transmissão a cabo.

Os primeiros VJ´s foram a apresentadora Astrid Fontenelle e Zeca Camargo. No início, Zeca foi chamado apenas para ser diretor de jornalismo no sentido de dar uma credibilidade a esse segmento, - ele trabalhava à época no caderno Ilustrada, na Folha de S.Paulo - mas por causa de sua atuação como crítico de música acabou sendo indicado pela direção para apresentar o MTV no Ar, versão do MTV News, que existe na sede até hoje, e que era apresentado por Kurt Lowder, antigo e conceituado jornalista da revista americana Rolling Stone.

Ambos, Astrid e Zeca, cumpriram estágios de treinamento no Exterior. Astrid foi para a sede da MTV, em Los Angeles, nos Estados Unidos, e Zeca Camargo para Londres, sede da MTV Europe. A escolha foi estratégica: a MTV européia era parecida com o formato que viria a ser desenvolvido no Brasil. Zeca ficou por lá cerca de três semanas. A MTV americana, ele só veio a conhecer um ano depois, "minha primeira referência foi a inglesa, na época não existiam as outras, a alemã, era tudo em inglês.

A forma como praticavam jornalismo tinha muito a ver conosco, nos EUA o mercado musical é mais homogêneo, na Europa, na época, eles eram baseados em Londres, mas trabalhavam com vários mercados diferentes de música, o espanhol, o francês, o inglês. No Brasil essa realidade não é tão drástica, mas você tem de lidar com culturas diferentes, você tem vários gostos musicais". [5]

Outro dado importante, naturalmente, era o tamanho do empreendimento, modesto, se comparado à MTV americana. O objetivo do estágio de Zeca era aprender a fazer uma cobertura jornalística com uma estrutura enxuta. Enquanto isso, na unidade da TVA, em Pinheiros, bairro de São Paulo, foram realizados cursos de treinamento para quem queria trabalhar na MTV, técnicos, jornalistas e produtores. Os cursos davam um histórico da empresa, sua função no mundo, e preparavam as pessoas para lidar com os equipamentos.

A preocupação em adaptar a programação aos valores nacionais fez com que o Grupo Abril anunciasse, no início da implantação da MTV, a contratação de nomes como o cantor Leo Jaime, a roqueira Rita Lee a apresentadora Astrid Fontenelle e até mesmo o irreverente Marcelo Tas, da produtora Olhar Eletrônico, que trouxe para a emissora o seu personagem Ernesto Varela.

O programa TVLeesão, de Ritta Lee, feito pela produtora Frame, foi sucessivamente adiado, e acabou indo ao ar apenas em junho de 1991, por um breve período, até que um incêndio da emissora consumiu seus cenários, em 1o de julho de 1991. O programa era uma versão televisiva do Rádio Amador, programa musical-humorístico que ela apresentou na 89 FM. Além dos personagens que ela mesma criou, havia entrevistas como a que fez com o veterano roqueiro Serguei, os dois em um telhado. Sob a direção de Adriano Goldman, e roteiro do dramaturgo Antonio Bivar, ela desfilava pela tela personagens como a Adelaide Adams (colunista social carioca), a Gininha, uma senhora moralista, e Aníbal, corintiano fanático, rapper, e louco pela Alcione.

Netos do Amaral, com Marcelo Tas, também ficou pouco tempo no ar - foi lançado no dia 4 de dezembro de 1990 e teve apenas três episódios. O motivo alegado por Tas para o encerramento do programa foi seu acidente durante a filmagem na Amazônia, ocasião em que quebrou o pé.
Segundo Titte, diretor à época, o problema de programas como TVLeesão e Netos era, na verdade, uma questão de custos, os programas eram verdadeiras "ilhas da Fantasia". A fórmula de sucesso da MTV é baseada em equipe mínima, visual computadorizado, equipamento de ponta, agilidade na informação e linguagem característica, voltada para o seu público-alvo, o jovem brasileiro de 18 a 29 anos. Não interessava a eles atingir 40 pontos no Ibope.

O fracasso desses dois projetos autorais durante a gestão de Alexandre Machado na programação, aparentemente, acabou modificando a idéia inicial de criar projetos "brasileiros" e falar a "linguagem tupiniquim" da subsidiária nacional a partir de produções terceirizadas. A política de programação da emissora passou a privilegiar os produtos criados na casa.

Na pesquisa Dossiê Universo Jovem, efetuada pela emissora em agosto de 99, onde ela se autodefine como mais do que uma emissora, mas um estilo de vida (branding), os jovens pesquisados - das camadas ABC de São Paulo, Interior de SP, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, deixaram claro que percebiam seu país de forma integrada e globalizada em relação ao mundo. Nos grupos e entrevistas, ficou evidente a referência americana como padrão de desenvolvimento e modo de vida real. A referência ao modelo europeu era menos freqüente e dispersa.

Surgia também, segundo a pesquisa, um certo orgulho em ser brasileiro, apesar do descontentamento com o País, o que levou a direção à época garantir que a programação passaria a incluir mais política, o que efetivamente acabou ocorrendo a partir da série Contato MTV, e ainda a existência de uma democratização dos estilos de música, incluindo ritmos até então polêmicos e populares como axé e pagode. Apoiada por essa pesquisa, a rede passou a incluir outros ritmos além de rock com mais freqüência na grade, incorrendo numa popularização muito criticada pela imprensa, mas que na verdade ocorreu em todas as afiliadas.

Na MTV Latino, surgiu a era Ricky Martin, o que levou alguns vejotas a anunciarem que iriam deixar a casa. O termo rock foi substituído por pop.
Quando a Viacom anunciou em meados de setembro de 1999 a compra da rede de TV CBS por US$ 37,7 bilhões, tornou-se a segunda maior empresa mundial em seu segmento - a Time Warner permanecia na liderança. [5] A notícia repercutiu no Brasil, pois o SBT tinha um acordo com a CBS, que produzia o CBS Telenotícias, primeiro noticiário em português feito no Exterior, comandado pelo casal de apresentadores Leila Cordeiro e Eliakim Araújo.

Formato - A identidade visual, e a preocupação com a padronização, ter uma linguagem única, constituem o grande diferencial da MTV. Tanto na imagem dos VJS quanto nos clipes. Em todas elas a identidade prevalece. A importância que ela atribuiu ao design sempre foi fundamental, o que se explicitava no seu slogan inicial, o Discurso Único.

No Brasil, podemos dividir a MTV praticamente em duas fases: a primeira, enquanto licenciada da MTV Networks no Brasil, quando ela faz uma tentativa de adaptar-se ao mercado brasileiro a partir de fórmulas da MTV americana e algumas produções terceirizadas, como Netos do Amaral e TVLeesão; e a segunda, que se inicia em 1996, com a reformulação do acordo empresarial entre o Grupo Abril e a MTV International que culminou com a criação da MTV Brasil Ltda, anunciada pela rede como a "aquisição de 50% da MTV Brasil em uma joint-venture com o Grupo Abril", e como parte integrante do projeto de expansão global da rede.

Em 20 anos, o "estilo MTV" tornou-se sinônimo de ousadia, de juventude no mundo inteiro e de uma nova estética visual na TV e na internet. Mas de que forma poderíamos conceituar esse padrão MTV? A forma de produção certamente faz diferença. Um autêntico repórter MTV participa de todo o processo de edição da matéria, exceto pelo uso da câmera, daí ser chamado de producer, pois no Brasil o produtor não corresponde a essa função. O conceito hoje é utilizado por outras emissoras. O producer, que nunca aparece na tela, nem mesmo em off, atua como um diretor de cena. Esse padrão foi transgredido entre 1999 e 2000, que corresponde à segunda fase da emissora no País, principalmente nos programas jornalísticos como Contato, com a inclusão da figura do entrevistador e do microfone em cena, como ocorre nas emissoras abertas.

A técnica de edição de videoclipe também é um diferencial - a imagem é colocada em função do som e da música, tanto nas reportagens quanto nas vinhetas. Os personagens são sempre jovens e anônimos, com rostos comuns. O argumento publicitário das vinhetas e mesmo das reportagens trabalha sempre com a mensagem de forma conceitual, e com a persuasão do telespectador. O estilo narrativo adotado é documental, mas a edição e a câmera, chamada pela casa de "hidráulica", lembra os videoclipes, com imagens perpendiculares, fragmentação.

No começo, a MTV Brasil baseou-se praticamente no estilo americano da rede para compor seu padrão de captação de imagens. Houve adaptações negociadas - como a fala dos VJ´s, que no Brasil aumentou de 30 segundos para 1 minuto e meio, mesmo porque a estrutura fonológica da língua portuguesa, e o estilo de comunicação do brasileiro não se adaptaram à fala corrida, quase monocórdica e sem acentuação do modelo americano. Hoje, com o progressivo aumento da programação não-musical, a rigidez de cronometragem da fala se foi, e no vídeo o que se vê é uma linguagem mais adaptada à personalidade de cada apresentador. Os próprios VJ´s, por sua vez, passaram a ser menos estereotipados, atendendo inclusive a uma reivindicação da audiência. [6]

Dentro do formato, a questão do conteúdo também sempre foi importante. Apostar em nichos de comportamento surgidos a partir da década de 90, como a estética clubber, assuntos ligados ao universo jovem, como sexualidade, a prevenção da AIDS e a pílula do dia seguinte, também sempre fez parte da atitude MTV. Os palavrões e a linguagem cotidiana também sempre foram colocados no ar sem edições, uma versatilidade que só o rádio parecia ter. Em seus 10 anos de Brasil, aparentemente, a MTV nunca enfrentou problemas de censura. O fato de trabalhar com um público segmentado, pequeno, e de estar disponível na maior parte do Brasil apenas por transmissão a cabo, talvez expliquem essa imunidade e a aceitação do público.

A função da informação e do jornalismo na MTV tem outro aspecto a ser ressaltado: ela é uma legítima representante da tendência crescente da programação de televisão no mundo, de associar informação a entretenimento - o infoteinment, traduzido para o português como infotenimento. Uma forma que sempre foi a marca registrada da emissora. O pastiche, a paródia e a despreocupação absoluta com a contextualização do telespectador levaram muitos pesquisadores como Kaplan a classificá-la como símbolo do pós-modernismo.

O pastiche, [7] termo adotado para nomear uma obra literária ou artística imitada servilmente de outra, origina-se da música. Pastiche, paródia, são características presentes na estética da emissora, que é auto-referida e freqüentemente parodia a si mesma, o que a transforma num emblema de pós-modernidade para muitos ensaístas.

O caráter descontextualizado da programação da emissora, entretanto, pode ser confundido com a própria programação da televisão como um todo. As tendências para a nova década apontam para um estreitamento do vínculo com o telespectador, visto, porém mais como consumidor e não como cidadão. Concorrem para tanto a segmentação cada vez maior de público e o desenvolvimento da tecnologia.

O controle remoto modificou a forma de assistir televisão, na hora do intervalo o público "zapeia" e acaba assistindo a dois ou mais programas ao mesmo tempo. O público passa a receber um conteúdo fragmentado, mas é induzido a sentir-se como sendo capaz de fazer a sua própria edição, tendo a sensação de um controle pessoal do meio de recepção. Essa tendência promete ser levada ao paroxismo com o advento da televisão digital, que irá promover a interação entre computador e televisão num futuro próximo.

Dentro dessa nova perspectiva de entretenimento e abordagem da realidade, não é raro que repórteres e apresentadores transformem-se em personagens e vice-versa - caso de BBC Guide to the World, um programa de turismo com um casal de apresentadores-personagens, e Muvuca, com Regina Casé e de talk shows como Jô Onze e Meia. Outra característica da linguagem da tevê é o discurso coloquial, que está mais próximo do cotidiano do receptor, o que permite uma maior identificação. Essa singularidade e essa necessidade de capturar o telespectador faz com que muitas vezes ela concorra para a banalização do discurso científico, ao assumir o que é senso comum em detrimento da pesquisa e da informação de qualidade, e ao mesmo tempo interfira no idioma, ajudando a criar novas linguagens.

A qualidade de informação, entretanto, merece uma análise cuidadosa. A linha entre realidade e entretenimento vai se tornando a cada dia mais tênue. A novidade invadiu completamente não só os jornalísticos propriamente ditos como os programas de auditório como Gugu e Faustão, que acabam produzindo reportagens, e chegando ao paroxismo em programas como No Limite, uma gincana eletrônica baseada no homônimo Survivor, que foi exibido pela Fox no Brasil, onde pessoas comuns, previamente selecionadas, são colocadas para conviver em situações artificialmente delimitadas, e que é produzido pela Central Globo de Jornalismo.

Existiria um decálogo MTV? Um formato predeterminado pela matriz? Porque sem dúvida, existe uma estética MTV, embora a palavra liberdade de expressão quase sempre surja associada a improviso e falta de condições de trabalho nos depoimentos de quem passou pela emissora. Zeca Camargo, o primeiro diretor de jornalismo da casa, chamado para a emissora ainda em agosto de 90, um mês antes de sua estréia, e também VJ, concorre para reforçar essa impressão, de que o abrasileiramento do canal não era imposto, nasce da resistência pessoal de cada um à padronização e a nossa infinita impossibilidade de copiar.

O caso de Zeca pode ser considerado exemplar dentro da linha de busca de novos talentos da MTV. Ao lado de Rogério Gallo, que foi o diretor musical, aos 23 anos, ele foi provavelmente o mais jovem diretor de jornalismo da história da TV. Ex-repórter da Folha, onde exerceu dentre outras funções a de crítico de música, Zeca contava apenas 28 anos quando foi chamado para ocupar o cargo. Acabou cumulando a função de VJ com a de repórter, apresentando o MTV no Ar, o único programa essencialmente jornalístico da casa.

Segundo sua própria definição, ele teria sido escalado para o MTV no Ar, do qual saiu em 1994 para trabalhar na Globo, sendo substituído por Chris Couto, inspirado no similar norte-americano, que era apresentado pelo velho crítico da revista Rolling Stone, Kurt Lowder. Sua atuação como crítico musical na imprensa o credenciava para a função, pois o público de música é muito mais exigente do que pode parecer, e não perdoa uma informação equivocada - os fã-clubes estão sempre atentos.
Para Titte, o modelo existe, mas não como uma imposição contratual da MTV, apesar de reconhecer que o diálogo com a Viacom sempre foi permanente mesmo quando eram apenas licenciados, pois o produto final tinha de ter uma "cara MTV".

A cara da MTV era definida pelo visual computadorizado, e também pelos marketings points, bombardeados na cabeça do telespectador, na verdade chamadas apresentadas como vinhetas, e que todo mundo faz nas rádios. Um é o "você ouviu aqui primeiro, é inédito", outro é "a primeira emissora digital, estéreo, 24 horas!". E tinha a câmera hidráulica, que é como é chamada dentro da rede a câmera com o horizonte fora de cena, sempre perpendicular. "aquela coisa de virar a câmera, fazer ela andar, isso não existia aqui".

Outra inovação foi a criação dos VJ´s, os video-jóqueis, criados para cumprir no vídeo o papel dos disc-jóqueis nos bailes e rádios. O padrão visual da casa era o fundo eletrônico para os VJ´s, e os gráficos, com milhões de camadas, montadas frame a frame no computador. Há ainda a questão da atitude, irreverente, auto-referida, "por que tem todas essas técnicas, essa linguagem, essa atitude de ser uma autoridade musical, ao mesmo tempo essa linguagem de captação, o recurso dos gráficos, essa atitude dos VJ's de tirar sarro deles mesmos". A emissora depende dos clipes, mas ao mesmo tempo faz questão de ironizá-los, numa atitude irreverente e iconoclasta.

A opção de nunca mostrar o repórter é uma atitude que foi adotada também como identidade visual, deixando o entrevistado falar. Por fim, a política de sempre apostar em jovens comuns e desconhecidos em sua maioria, faz parte do decálogo - o apresentador sai, mas a emissora continua. Sua personalidade é construída de forma a funcionar apenas dentro do sistema da casa.

Ao investir sempre em novos talentos, jovens, em busca de um diálogo com o seu segmento, e fugindo de rostos famosos, a MTV não apenas inovou em linguagem na tevê como também provou que seus apresentadores não funcionam fora do padrão MTV. Os primeiros VJ´s da casa podem comprovar essa afirmação. No auge da fama, o VJ Thunderbird, ex-vocalista da banda Nossa Senhora Aparecida, e um dos primeiros a ingressar na casa, saiu para trabalhar na Rede Globo.

Malsucedido, tentou uma carreira no SBT em um malogrado programa de auditório e voltou para a MTV.

A VJ Maria Paula, que deixou a emissora na mesma época de Thunder, está ainda hoje na Rede Globo, servindo de escada para os bem-sucedidos comediantes do humorístico Casseta e Planeta. Cuca Lazzarotto, após viver seus muitos minutos de fama e ser paquerada pelo terrível Axl Rose, do Guns, em sua primeira e conturbada visita ao Brasil, por ocasião do Rock in Rio II, e de uma breve passagem pela Rede Globo no dominical Programa do Faustão, tornou-se uma obscura apresentadora da Direct TV. Fazem companhia a eles Gastão, Sabrina Parlattore, Soninha, o apresentador Cazé e Babi, cuja estrela, depois do malogrado Programa Livre, no SBT, nunca mais brilhou como antes.

Sem falar em Astrid Fontenelle, hoje na Bandeirantes disputando espaço com Leão Lobo e Márcia Goldschmidt, em o Melhor da Tarde, e Marcos Mion, que saiu no final de 2001 da emissora, onde comandava o Piores Clipes do Mundo, e foi para a Bandeirantes, comandar o programa Descontrole baseado no apresentador-personagem que desenvolveu na emissora e que se tornou um símbolo da casa na fase "popular". As expressões "Mion continua mais MTV do que nunca" confirmavam o acerto do formato. [8]

De qualquer forma, todas essas pessoas, de algum modo, representam uma contribuição para o processo de renovação de jovens apresentadores e talentos para a tevê aberta que não necessariamente saíram de uma agência de modelos ou do casting de telenovelas. A própria Babi foi chamada por Sílvio Santos para substituir Serginho Groisman por representar uma espécie de musa da juventude graças ao seu trabalho no programa Erótica. O apresentador MTV não funciona fora da MTV. A constatação apenas confirma a existência de um método, uma espécie de decálogo, e que incluía o tempo de fala dos VJ's no vídeo quando o formato chega ao País. Pela fórmula MTV EUA, ele não deveria ultrapassar 30 segundos, mas no Brasil acabou sendo fixada em um minuto e meio, um tempo mais adequado à nossa latinidade.

O primeiro time de VJ's era composto por Cuca Lazarotto, Zeca, Astrid Fontenelle - a mais experiente em televisão da equipe, vinha de outro projeto semelhante, na TV Gazeta -, Rodrigo Leão, Daniela Barbieri, Maria Paula, Gastão e Thunderbird. Mais tarde surgem outros VJ's e apresentadores que até hoje, com mais ou menos brilho, se mantêm em atividade na mídia: Sabrina Parlattore, Soninha, Chris Couto, Cazé - que saiu para ir para a Globo apresentar um programa e agora está de volta -, João Gordo (vocalista do Ratos do Porão que já mereceu elogios até mesmo de pelo seu programa Gordo a Go Go), Babi e Marcos Mion.

Exceções ao time de desconhecidos, Márcio Garcia (apresentava um programa de esportes, o MTV Sports), Adriane Galisteu e Luana Piovani, exceções no time de desconhecidos, também já fizeram parte da história da MTV, mas nunca como VJ´s.

O programa de Marcelo Tas [9] foi lançado na feira que inaugurou a MTV para o mercado, outra inovação em termos de estratégia de marketing que a MTV Brasil trouxe para o País. A idéia já existia, o projeto foi levado para a Videofilmes, Walter Salles se interessou, - a Videofilmes, produtora de Walter e João Moreira Salles abrigou a afiliada carioca da MTV no início da emissora por dois anos. O projeto foi pensado para a MTV e para o público do canal. Por conta disso, houve uma preocupação extrema com o tratamento visual, nem sempre presente nas produções do Olhar, e foi convocado o videomaker Eder Santos para fazer o programa. Afinal teriam de competir com Madonna, e Michael Jackson. Netos do Amaral tinha a idéia de ser uma releitura crítica do Amaral Neto, o repórter da ditadura, que nunca mostrava nada que não fosse para engrandecer a nossa cultura.

Os programas tinham 30 minutos e eram apresentados pelo repórter Ernesto Varela, alter ego de Tas. A idéia era realizar uma série de 10 programas, mas apenas três edições foram produzidas. Foi lançado no dia 4 de dezembro, no Natal de 1990. Os motivos de suspensão do programa foram muitos. Um deles é que Tas fraturou o calcanhar durante as filmagens do terceiro programa, na Amazônia. A recuperação foi longa.

Mas os custos e a sofisticação do programa, incompatíveis com a estrutura enxuta da emissora foram os maiores responsáveis pela sua curta duração.

Naquele tempo a preocupação era dar à MTV uma cara brasileira, havia a idéia de apoiar projetos autorais, e o Netos foi um investimento da MTV, ainda uma licenciada do Grupo Abril, nesse sentido. A produção era da Videofilmes, mas o programa era editado nos estúdios da emissora. Os equipamentos da MTV eram de ponta, sofisticados para a realidade do País. O corte off-line do programa era na Videofilmes, mas o on-line era na MTV. "O primeiro equipamento digital que eu vi na vida, o D-2, foi lá. O equipamento deles era muito atualizado. É um outro diferencial deles que continua presente até hoje, eles investem nisso, nos softwares. Eles são sempre mais ousados, eles lançam novos equipamentos, procuram descobrir antes".

O repórter do programa era o repórter Varela, criado por Tas na época da produtora "Olhar Eletrônico", que revolucionou a linguagem do vídeo no País. "Nós éramos um grupo com objetivos definidos, que desde o começo estudou muito para produzir as coisas, inclusive Filosofia. O José Américo Pessanha foi contratado pra dar aulas pra gente durante dois meses, nós fazíamos seminários, discutíamos muito. Éramos ambiciosos, queríamos ser famosos, revolucionar a televisão, ser reconhecidos no mundo. Nós nos revezávamos na direção, na edição, todo mundo fazia tudo, havia esse espírito, mas na hora de apresentar ninguém queria". E assim acabou surgindo o Ernesto Varela, elaborado por Tas durante as oficinas de teatro da atriz Regina Casé, que pertencia à época ao grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. Tas teve ainda aulas com o diretor de teatro Antunes Filho.

No primeiro programa da série, Regina foi inclusive homenageada. E o extinto programa Muvuca que ela levou para a Globo, lembra o Netos. Regina era uma referência pra a geração de Tas. Após a experiência com Varela, Tas participou como ator de programas da própria Cultura - foi o professor Tibúrcio no Castelo Ratimbum.

A introdução do conceito de personagem dentro da reportagem foi importante nos anos 90 e parte do mérito deve-se ao trabalho da Olhar Eletrônico. O repórter-personagem [10] colocava por terra a idéia da neutralidade da informação, de um jornalismo neutro que retratava a realidade objetiva. A edição, tanto na mídia impressa quanto na eletrônica, é um recorte da realidade. Essa visão é abominada por Tas e sem dúvida pela MTV, que não hesita em colocar apresentadores absolutamente informais e parciais na tela, como João Gordo.

A programação, que inicialmente era muito parecida como a americana, foi se descolando desse modelo, não por uma diretriz imposta pela direção, mas por iniciativa de quem trabalhava na emissora naquela época. "Enquanto vinha uma orientação oficial para a gente colar no modelo dos EUA, a gente simplesmente ignorava e fazia do nosso jeito. O texto americano dizia coisas do tipo 'Michael Jackson, o rei do pop está de volta'. E eu me recusava a escrever esse tipo de coisa. Eu preferia escrever que o Michael Jackson, que já foi preto, que teve mil problemas com a família e ficou dois anos sumido, tá de volta com novo clipe", conta ex-VJ Soninha. [11]

As pautas de comportamento foram a saída encontrada para estabelecer a programação brasileira da MTV. O mercado pop rock brasileiro não era tão rico quanto o americano e o europeu, e não havia videoclipes suficientes para preencher a grade musical da emissora. Os únicos que havia, além de não satisfazerem o padrão estético - eram feitos em videoteipe - eram produzidos pela Rede Globo, que detinha os direitos. As gravadoras, em sua maioria multinacionais, alegava não ter os mesmos recursos financeiros que suas matrizes para investir nesse mercado.
Dessa forma, sobrava para o jornalismo da casa dar a cara brasileira da MTV. Mas as bandas, as mesmas de hoje, não davam conta da demanda. "Na quinta vez que você vê uma entrevista dos Paralamas, é complicado, não há mais o que explorar...", lembra Camargo, para quem a grande "sacada" foi investir nas pautas de comportamento. "Era o único jeito de colocar gente falando português na tela", explica.

A produção era paupérrima, e mesmo programas como MTV a Go Go, cópia do programa de moda da MTV EUA que era apresentado pela modelo Cindy Crawford e aqui ganhou versão com Rita Lobo, acabou saindo do ar. "Não havia dinheiro para produzir programas tão sofisticados", diz referindo-se inclusive a programas autorais e elaborados como o Netos do Amaral, de Marcelo Tas.

Apesar da forte referência da MTV européia, no que tange ao modo de produção, uma das coisas mais importantes que aconteceram para ajudar a MTV Brasil a afinar seu estilo foi o Rock in Rio II, em janeiro de 1991, na cidade do Rio de Janeiro. A MTV americana veio para o Brasil cobrir o evento, com uma equipe de cerca de 50 pessoas. Aproveitaram para fazer um grande especial da MTV, gravaram vários programas, e a equipe brasileira, anfitriã, praticamente "colou neles". "Era uma relação bem simbiótica porque a gente estava empenhado em ajudá-los a circular por aqui e eu queria ver ao máximo como eles trabalhavam", conta Camargo, para quem a experiência londrina foi alicerçada pelo grande "workshop" proporcionado pelos colegas americanos de rede.

Para quem participou do comecinho da emissora, o que era melhor é que ninguém sabia como fazer, não havia nenhum modelo, apesar da escassez de recursos. Zeca acha que a audiência muito baixa, e a não obrigatoriedade de fazer 40 pontos no Ibope representam um trunfo da MTV porque permitem experimentar mais enquanto formato, e errar.
A liberdade de experimentar, entretanto, perderia terreno rapidamente para a necessidade de se sustentar no mercado. Conquistar a fidelidade de um segmento difícil como o jovem é mais complicado do que parece. E havia a responsabilidade de passar a cara da MTV Brasil.

Em que pese a tão decantada aculturação, representada pelo modelo de jornalismo, e por alguns programas que se propunham a estimular o incipiente mercado nacional, como Demo MTV, as principais características da emissora em seus primórdios de existência no País sempre foram as mesmas das franqueadas ao redor do mundo. Com uma programação dirigida ao público jovem, exibia 24 horas de música pop de predominância norte-americana, programas e entrevistas enfocando cinema, esportes, moda e comportamento sob um tratamento jornalístico diferenciado, mas sempre moldado a partir de sua sede.

Os cortes, rápidos, randômicos, dos programas made in MTV, exibem uma freqüência que busca traduzir no vídeo a batida musical, aplicando efeitos de cor e tratamento de imagem quase experimentais, originados do cinema, e apresentadores jovens, predominantemente brancos.

O objetivo maior era produzir um jornalismo calcado na figura do produtor, o producer, eliminando a presença do repórter. A câmera-olho, ou câmera subjetiva desempenha o papel do repórter, e a edição dá ao entrevistado uma fala-reportagem em tom confessional, naturalista e coloquial, resultando num jornalístico de ritmo interessante e diferente e diminuindo consideravelmente os custos com equipe.

"O equipamento de externa era composto por uma câmera com microfone de lapela, um kit de luz bem modesto, um produtor. A figura do producer era a sustentação deste esquema, e o perfil ideal do profissional que a empresa buscava era a do produtor que é ao mesmo tempo pauteiro e repórter", conta S., produtora da MTV Rio. O método de produção é muito importante para o resultado final da identidade visual da MTV. E embora o conceito de producer não fosse tão radical quanto o conceito de vídeo-reportagem explorado na TV Gazeta com o repórter-abelha, na década de 80, onde o repórter saía com a câmera na mão, não resta dúvida de que ele contribui para um resultado extremamente natural e descontraído.

O conceito de producer, que veio dos EUA, junto com o formato MTV, e se diferencia substancialmente do produtor e pauteiro da televisão no Brasil. Na verdade, essa forma de produção de matéria coloca o repórter como o diretor geral de um programa, embora do ponto de vista da estrutura interna ele seja considerado como um produto. Dentro do núcleo de jornalismo da emissora, o producer participa da reunião de pauta, define o que vai fazer, mas tem de ser o repórter e sair pra filmar, voltar para a emissora, entrar na ilha e editar, sozinho, colocando a matéria no ar. Trata-se de percorrer toda a estrutura de produção até a elaboração do produto final. Na MTV aprende-se a trabalhar todas as etapas do processo, da pré-produção à pós.

Durante o Hollywood Rock de 1994, a produção da MTV Brasil carioca teve de arrumar um grupo de pagode branco no Rio de Janeiro para contracenar em uma reportagem com o pessoal do Live, um grupo de rock norte-americano surgido a partir das rádios universitárias norte-americanas, lançado pela MTV.

O problema não era fácil de ser solucionado, pois não existia ainda o estouro do pagode e do axé, com grupos de meninos brancos de classe média cantando, como ocorreu com o Karametade, É o tchan e o Só no Sapatinho, mas uma produtora conseguiu identificar a custo um grupo de garotos que preenchia o requisito, "um grupo de lourinhos que fazia roda na Casa da Espanha (bairro de classe média de Humaitá, Rio de Janeiro), uma casa de cultura, foi o máximo", conta S., produtora da afiliada carioca, "pautas como baile funk, Terreirão do Samba, botar preto pobre na telinha nem pensar".

Os adolescentes a serem entrevistados tinham de representar estereótipos étnicos, para dar a impressão de democracia racial, alternando pretos, nipônicos, louros, garotos tatuados com piercing, metaleiros, todos jovens e exóticos, quanto mais alternativo melhor, mas sempre dentro do target de consumo da emissora, que queria jovens das classes A e B. Os temas: música, cinema, moda e comportamento. Política jamais.

A participação dos artistas nacionais, entretanto, permanecia baixa. A emissora continuava creditando, entretanto, a fraca participação do produto nacional na programação à má qualidade dos clipes e a sua pequena produção.

A qualidade, ao que parece, não era um problema somente dos clipes nacionais. O compositor norte-americano Frank Zappa comentou em entrevista à revista norte-americana Spin, em 1991, que a fotogenia havia passado a ser pré-requisito para entrar na programação da MTV: naquele ano, a emissora rejeitou um vídeo onde aparecia o vocalista Tad, da banda Woodgoblins, por considerá-lo muito feio e agressivo, e ajudou a criar o Milli Vanili, a maior farsa do pop, uma dupla bonitinha que, descobriu-se um dia, era pura técnica de dublagem, um choque na época.

A MTV inovou o padrão do clipe nacional, impondo uma nova estética. Mas não ficou nisso. A emissora não exibia mais de 8 minutos por hora de comerciais, praticamente metade das outras emissoras, nem aceitava merchandising, mas os preços eram considerados razoáveis: US$ 530,00 a inserção de 30 segundos. A inovação também atingia o conteúdo, muitas vezes de cunho institucional e educacional que estes anúncios assumiam, falando de drogas, AIDS, sexo e camisinha numa linguagem jovem, assunto tabu em outras emissoras. Criou ainda a figura do VJ, o video jockey, tradução para a telinha do Disc Jockey, o DJ, popularizado pelo rádio e pelos bailes, que seleciona as músicas.

A estética MTV inclui uma certa preocupação com etnias, mas sem chegar aos extremos da Benetton. Vale sim, ser diferente, representar tribos diferentes, desde que essa representação não destoe do target da emissora, que visa o jovem que possa consumir e que não tem na verdade, apesar de palavrões e roupas espalhafatosas, a intenção de chocar. De qualquer forma, o conceito de etnia está mais presente do que o de classes sociais, talvez até mesmo por ter um target voltado para a classe AB, o segmento que interessa à emissora.

O texto institucional da empresa fala em "linguagem arrojada" e "um público qualificado, de vanguarda e formador de opinião" para descrever as características da programação da emissora no mundo. Ou seja, o objetivo é atingir o público de classe média e de alto poder aquisitivo, que possa consumir. Outro objetivo que consta da apresentação da casa, cuja equipe de produção é totalmente brasileira, fala em estimular a música popular local.

Na prática, a programação da emissora brasileira sempre privilegiou o rock e o pop norte-americanos, mais "evoluídos" do que seu similar tupiniquim, cujos videoclipes - cedidos gratuitamente pelas gravadoras para veiculação e formatados de acordo com o padrão MTV -, ocupavam 90% da programação.

Outro fator que deve ser ressaltado e que compõe uma estética MTV é sem dúvida, a ousadia de colocar jovens apreciadores de música, com alguma ou nenhuma experiência em televisão em programas feitos muitas vezes ao vivo. E, como enfatizou Marcelo Tas em seu depoimento sobre a MTV, ela investe em novos talentos. Seu trunfo é a identidade visual, é ter uma linguagem única. Tanto na imagem dos VJ's quanto nos clipes. Em todas elas, a identidade prevalece. A importância que a MTV atribui ao design foi fundamental para seu êxito.

O público jovem é considerado dos mais difíceis, só perde para o público infantil, o mais difícil de ser conquistado. Uma pesquisa do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública) abordou no início do ano a relação do público infantil com os programas de televisão, O telespectador infantil vai direto a um tipo de programa, ela não zapeia, é fiel, mas exigente.
A liberdade de investir em novos talentos sempre notabilizou a emissora. "A idade média quando a gente lançou a MTV era 21 anos.

A MTV serve pra você entrar nesse mundo, ninguém vai ficar ali, raramente, alguém fica mais que três, quatro anos, você entra, aprende, e sai. Ela precisa se renovar, se a equipe que estava em 90 estivesse lá hoje, estaria velha. A gente só investe em talento novo. Molecada de 18, 20 anos. Por que? Porque a MTV é feita pelo jovem para o jovem. Não adianta botar coroa pra fazer nada...a gente tá sempre procurando o novo, porque é pra jovem, é feito pra você, esse é o recado. Você entra lá pra trabalhar com 18 ou 20 anos e faz a TV que você quer assistir. Claro que não é assim tão livre, existem regras, mas basicamente é isso", confirma.

Aparentemente, a interferência da Viacom na política editorial da emissora brasileira deu-se mais com relação à popularização e ao formato MTV do que à decisão de não discutir política na programação, uma decisão do próprio Grupo Abril. Em 1992 a MTV americana foi considerada fator decisivo nas eleições norte- americanas, que deram a Clinton uma significativa votação entre a juventude. Exceto por alguns especiais, alguns discutindo inclusive o fenômeno dos cara-pintadas, a MTV Brasil não seguiu os passos da matriz americana nessa seara, ao menos até o 11 de Setembro, quando a CBS entrou em rede para transmitir ao vivo a tragédia para os jovens.

As mudanças que se iniciam em 1996, e se refletem num acordo para criar a MTV Brasil Ltda, e o primeiro VMB, são as primeiras medidas para popularização da programação, que culminaria numa maior intervenção da MTV Networks na afiliada brasileira, que passou a estar mais integrada, e num abrasileiramento que para muitos resultou em queda de qualidade.

Na verdade, o termo alternativo da MTV não necessariamente implica conteúdo musical de vanguarda e nem popular - o rock no Brasil sempre foi muito identificado com a classe média, por ser cantado em inglês. De qualquer forma, o caminho da popularização da grade no sentido de massificação para agradar a audiência foi um fenômeno que atingiu a rede mundialmente.

O fenômeno da popularização da programação televisiva, acrescida do sucesso da bisbilhotagem eletrônica que pode ser traduzida pelos reality shows como Big Brother, Survivor (todos distribuídos na televisão americana pela Viacom) acabou por atingir também a MTV, estendendo-se ao jornalismo e aos não-musicais, como Erótica, Fica Comigo, Meninas Veneno.

E tudo indica que não vai parar por aí. Depois de anos com o The Real World, que assume a bisbilhotagem mas recusa o caráter de gincana eliminatória e mostra a juventude americana, ela produziu o Ozzy Osbourne Show, que teve uma versão brasileira, a Família MTV.

Como se pode ver, a superpopularização da grade está longe de ser um fenômeno exclusivamente brasileiro causado pelo crescimento do consumo nas faixas C e D. De qualquer forma, pode-se dizer que ele é tributário da inserção na audiência de novos públicos emergentes, com menor poder aquisitivo e que passaram a ter aparelhos de tevê em casa, o que inclui não apenas as camadas C e D no Brasil, mas também o mercado russo e o asiático, por exemplo.

Outra característica fundamental da estética MTV é a liberdade e autonomia com que ela aborda assuntos que para outras emissoras permanecem tabu, como sexo. A série de cinco vinhetas institucionais da campanha da MTV "Sexo é bom. Use camisinha", de prevenção à Aids, programada para o primeiro semestre de 2001, é um emblema desse tipo de postura e um excelente ponto de partida para discutir a política de programação da MTV e a sua fórmula estética . A série integrava a campanha preventiva contra AIDS com o objetivo de estimular o uso de camisinha nas relações sexuais entre adolescentes em idade de iniciação sexual - o target da emissora no Brasil vai de 15 a 29 anos.

O material tinha o objetivo prioritário de contribuir para uma maior disseminação do uso de camisinha entre os jovens como forma preventiva de doenças infecto-contagiosas, e um objetivo secundário de estimular a prática do sexo como saudável, como uma opção mais prazerosa do que o consumo de drogas. O terceiro objetivo, subliminar, seria o de reafirmar a afinidade da emissora com seu público-alvo, o que é dado pela logomarca fechando o institucional.

O principal conteúdo da vinheta é a noção de que sexo é bom. Depois, segue-se o conceito de que fazer sexo é saudável e altamente estimulante, muito mais do que drogar-se. Todos os jovens deveriam fazer mais sexo. Sentir tesão não tem nada a ver com amor ou vontade de casar. Não existe nenhuma referência explícita à AIDS nem ao uso de drogas, mas as imagens e a fala do rapaz número quatro levam a isso. Outro conteúdo secundário é o de que o jovem deve proteger-se ao fazer sexo, usando a camisinha. A MTV apóia o jovem com esse tipo de atitude.

As vinhetas da MTV contra a Aids são uma marca registrada da emissora, que está presente em cerca de 140 territórios no planeta, e fazem parte de sua política global de relacionamento com o universo jovem.

A MTV Brasil sempre utilizou as vinhetas de forma politicamente correta, mas foi somente a partir de agosto de 1999 que a emissora passou a desenvolver programação apoiando ações de cidadania contra a violência, a favor do voto e estimulando trabalhos voluntários de assistência a ONGs que cuidam de portadores de AIDS. A mudança fez-se acompanhar de uma série de pesquisas sobre a juventude brasileira denominada Dossiê Mundo Jovem. O programa Contato MTV, apresentado pelo VJ Edgar, exibido de segunda a sexta-feira às 19h30, de 2000 até final de 2001, reforçou as listas de discussão do site, que conta com depoimentos de jovens sobre a AIDS.

No caso específico das vinhetas sobre AIDS, cada país desenvolve o seu projeto, baseado no que julgar mais adequado a seu público, desde que mantenha características básicas da identidade visual da emissora: dialogar com jovens, utilizando linguagem coloquial característica desse público, com recursos sofisticados de edição, calcados numa estética e argumentos inspirados pela lógica publicitária, por meio de métodos persuasivos.

Uma das séries, exibida em 2001, mostrava cinco jovens, três mulheres e dois rapazes, tendo ao fundo um parque de diversões, falando em tom de depoimento sobre o que é o sexo para ele, qual a importância, quais as suas preferências sexuais. A linguagem utilizada inclui gíria e palavrões - o rapaz número 4 fala em trepar, a garota número 3 em tesão - num tom naturalista e documental. Todos os depoimentos terminam com o letreiro "Sexo é bom. Use camisinha" ao lado da logomarca MTV.

Nas cinco vinhetas que totalizam cinco minutos, o sexo é representado de forma lúdica pelo parque, onde os cinco jovens personagens são colocados em estado de êxtase, similar ao delírio provocado pela droga. Não há nenhuma alusão direta, em forma de imagem, a corpos nus, cama, uma relação sexual, seringas, baseados, e nem mesmo à Aids. O texto, coloquial, onde cada um deles coloca suas impressões sobre sexo de forma crua, é dito em off, enquanto são mostradas suas imagens divertindo-se num carrossel e numa montanha-russa.

O recurso do off em tom espontâneo e debochado - "não recomendo o tapete, já me ralei todo", diz o garoto 5 - dá uma sensação de intimidade, de exposição dos protagonistas, e deixa o espectador como cúmplice e voyeur, embora o sexo não seja explicitado. Os depoimentos são diretos e utilizam uma linguagem do dia-a-dia, sem rebuscamentos. A sensação é a de conversar com alguém que a gente conhece há muito tempo. Os protagonistas das vinhetas são adolescentes comuns, não há nenhum rosto famoso, o que é também faz parte da política de comunicação do canal.

O efeito de êxtase foi obtido por meio de enquadramentos suscitados pela "câmera hidráulica" que enfoca o entrevistado-personagem em perspectivas não-lineares, editada de forma fragmentária e sem ações consecutivas, como a linguagem dos clipes que a emissora ajudou a popularizar, desfocando imagens, utilizando fusões.

Nestas vinhetas, os cortes rápidos e o caráter descontínuo da ação tendem a reproduzir o ritmo da música, conferindo dinamismo à ação e disseminam a sensação de que sexo dá barato, e pode ter um efeito tão alucinógeno quanto o consumo de drogas. A idéia de editar as imagens a partir do áudio, adotada inclusive pelo jornalismo da emissora, prevalece nas vinhetas, e aliada ao repórter oculto, conferem à entrevista um caráter de narrativa documental.

O roteiro segue o padrão de roteiros publicitários de venda direta do produto - no caso reforçam a idéia de que sexo é bom, mas que é melhor usar a camisinha, apresentada como se fosse um eletroeletrônico de uso doméstico. Para tornar a camisinha um artefato útil, a vinheta tem de introduzir a noção de que fazer sexo é agradável e estimular a sua prática.O tom de universalidade étnica que a emissora gostava de propagar não está mais presente nessas vinhetas. Não representam tribos ou segmentos ou estilos muito diferentes como clubbers, nerds - um dos rapazes exibe um piercing, o outro um corte de cabelo diferenciado. A diferença entre os cinco, além do sexo e da idade, parece estar mais em uma questão de atitude frente ao sexo, de estilo, variando do tímido ao mais comportado, do que em alguma característica ideológica, de raça ou ainda de opção sexual.

Tampouco se detém em variações de classe - todos são iguais perante o universo de consumidores, há uma certa homogeneização nesse sentido.
Em termos de diálogo, também não existe alusão direta à AIDS ou a drogas. Exceto pela fala do rapaz número quatro. A ousadia do passado, quando as vinhetas exibiam um rapaz com uma seringa e explicavam como utilizá-la, recomendando o uso de seringas descartáveis, e dando no ar a receita da droga, deu lugar a uma linguagem direta e a uma atitude sexualmente ativa, de uma irreverência mais comportada.

Uma curiosidade a esse respeito foi que a famosa vinheta da seringa foi uma encomenda do Ministério da Saúde para a MTV - a idéia era assumir uma campanha nacional conjunta de esclarecimento à população jovem. A vinheta, entretanto, considerada ousada demais, foi deixada de lado. E o dito Ministério, ainda hoje, peleja na tentativa de conciliar o esclarecimento à população com as vicissitudes da moral cristã.

A propaganda divulgando a camisinha, discreta, do Ministério, exibida em rede nacional no Carnaval de 2001, por exemplo, mostrava um rapaz olhando uma moça e sendo assediado por um diabo, simbolizando a tentação, e um anjo, simbolizando o politicamente correto. Foi execrada pela Igreja Católica e quase retirada do ar. Para "consertar", a de 2002 não tem diabo - apenas a atriz Cláudia Jimenez, presumivelmente a mãe de um jovem rapaz que mais parece seu namorado. O tal do sexo resume-se a um personagem chamado "juízo", um clown amordaçado jogado na cadeira, representando a falta da consciência da juventude.

A questão da pluralidade de atitudes foi pouco explorada para os padrões da emissora nessas vinhetas mais recentes, mas a questão social de padronizar o consumidor se mantém coerente. Embora a programação MTV esteja voltada prioritariamente para o jovem que tem potencial de consumidor, o público A-B, a propaganda trata o jovem urbano a despeito de suar origens sociais. Garotos de rua, jovens da alta burguesia, pouco importa, basta comprar o tênis adequado, usar a roupa certa e ouvir o som mainstream, todos têm direitos iguais e passam a pertencer à mesma tribo, essa é a mensagem principal dos comerciais, vinhetas e das teorias de marketing voltadas para a globalização, que capta atitudes regionais para poder incorporá-las a um denominador comum e maior.

Um efeito interessante dessa padronização a partir de bens de consumo é que as definições de camada A-B nos grandes centros urbanos passam cada vez mais por redefinições, afetadas por problemas mundiais, como o desemprego, e pelo barateamento e massificação de alguns artigos. Exemplo disso é que uma pesquisa de consumo realizada pela MTV Brasil, em 1999, parte integrante do Dossiê Universo Jovem, incorporou jovens das camadas C.

Uma das mudanças de perfil identificadas na pesquisa foi que a geração que hoje tem 20 anos no Brasil, a maior população dessa idade na história do País, quando possui uma célula familiar estruturada, tende a aglutinar-se em torno dela, adiando cada vez mais a hora de constituir sua própria família ou sair de casa. O motivo é que a sofisticação do consumo não acompanhou as perspectivas salariais e de emprego. Os quartos desses jovens são a cada dia mais completos, autênticos flats que incluem equipamentos sofisticados de som e imagem - DVD´s, computadores. O que não significa necessariamente que ele pertença à camada A em termos de poder aquisitivo.

A televisão a cabo contribui para universalizar desejos e criar novas demandas. A informação é comum mesmo àqueles que não possuem teto. O jovem morador de rua dos centros urbanos usa o corte de cabelo da garota estampada na capa da The Face, mesmo sem nunca ter lido a revista.

Os jovens que protagonizam o institucional da MTV na vinheta sobre Aids aqui analisada, aparentemente, são personagens-padrão, e a mensagem veiculada, elitizante e ingênua, pois não levaria em conta, por exemplo, diferenças sociais e de credo. Um jovem pertencente a uma seita religiosa que proíba as relações sexuais antes do casamento não seria atingido pela mensagem contida nas vinhetas e nas matérias, autênticas propagandas sobre práticas sexuais. A discriminação, entretanto, é oportuna e ousada. O que o garoto 5 diz, na verdade, é "se você não pensa como eu, você é um idiota, não sabe o que está perdendo, sexo é bom".

A vinheta se dirige ao jovem com uma naturalidade ímpar, como nenhum outro comercial nacional é capaz de fazer. O censurado comercial do Ministério da Saúde mostrando Deus e o Diabo no carnaval impulsionando o rapaz a pecar sem camisinha passa longe da irreverência das vinhetas MTV. As outras emissoras não conseguem dirigir-se ao jovem com tamanha criatividade e audácia.

Em 2003, a MTV conquistou o Prêmio Esso Especial de Telejornalismo como trabalho Documento AIDS 2002, produzido pelas jornalistas Andréa Cassola, Zico Góes, Lílian Amarante e Cris Lobo, exibido no programa MTV BRASIL, da MTV, onde mostravam o impacto da AIDS na vida dos jovens a partir de depoimentos dramáticos que revelam de que maneira os personagens contraíram o vírus. O documentário indica que há espaço para o amor para quem é soropositivo; mostra como os amigos e parentes lidam com o preconceito; o papel da família de quem contraiu a doença; e o que significa, na prática, administrar os medicamentos que compõem o coquetel anti-aids.

Em abril de 2004, a MTV anunciou o lançamento de sua marca de preservativo. Além de sua própria camisinha, que será comercializada na Europa e EUA, a unidade da Viacom anunciou expansão na TV européia via compra da rival Viva Media A camisinha da MTV Networks International, segundo a empresa, tem a preocupação de ser embalada e comercializada de forma "a facilitar seu consumo por garotos ou garotas inibidos". O preservativo, produzido em parceria com a fabricante alemã Condomi, que também publica a revista online EroticLifestyle, possui embalagem especial e será vendido em locais de alta frequência jovem, como as lojas de música Virgin Megastores e os balcões da Mac Cosmetics em grandes magazines.

Segundo notícia do jornal Financial Times, que não revelou detalhes sobre a marca, o lançamento será apoiado pela Viacom Inc., a matriz da MTV Networks, e por seu braço de compra de mídia Viacom Outdoor. Segundo o comunicado, a idéia de um produto especificamente dirigido ao segmento partiu da observação do aumento de número de casos de doenças sexualmente transmissíveis nos ultimos anos, entre elas a Aids, que apenas no Reino Unido cresceu 20% em 2003, e pretende beneficiar-se mais ainda, naturalmente, do sucesso de suas campanhas de prevenção à AIDS entre o segmento jovem.

A estética do videoclipe, presente nas vinhetas e no jornalismo, para muita gente, está intrinsecamente relacionada à MTV. De fato, a emissora que começou a ser veiculada nos EUA exibindo gratuitamente videoclipes para tentar alternativas à crise do mercado fonográfico e opções de lançamento, mais baratas que as tradicionais turnês, contribuiu para a sua popularização em escala mundial. No início de sua mais forte investida dentro do processo de expansão global, em 1 de agosto de 1996, 15 anos após a criação do canal, a rede criou o MTV2, canal exclusivo de clipes, sem programas não-musicais, que não está disponível no Brasil. [12]

A pesquisadora E. Ann Kaplan, que em 1987 dedicou-se a estudar o fenômeno MTV, classificou os videoclipes em cinco categorias: o romântico, o socialmente consciente, o niilista, o clássico e o pós-moderno. Para Kaplan, quando se fala em imaginário pós-moderno, o que está em jogo é uma mescla das noções de Lacan, quando fala na separação do objeto no momento da inserção no simbólico e da concepção de Althusser dos aparatos ideológicos do estado: a visão do espelho que possibilita a fusão da imagem ideal, combinando as duas entidades, a mãe e a não-mãe. Nem Lacan nem Althusser, em verdade, debruçaram-se sobre a televisão em seus estudos. Jean Baudrillard é dos únicos a dar um passo adiante nessas reflexões, questionando que a tela da TV simbolizava uma nova era na qual "ö Fausto, o Prometeu, talvez Édipo, acenavam com um período de produção e de consumação, abrindo caminho para uma narcisística era de conexões, contatos, contigüidade, feedback e interface generalizada que se afinava com o universo da comunicação".

De qualquer forma, o imaginário social que ela explora em seu estudo teria sido cunhado nos anos 60, num momento em que os vídeos de rock simbolizavam um momento da contracultura americana e uma forma popular e jovem de cultura de massa americana. Outro fator a ser explorado, sem dúvida, é a riqueza da produção americana, em contraposição com a brasileira, sempre problemática. Talvez por isso, os vídeos socialmente engajados, representados especialmente pelos rappers e pelo movimento hip hop, tenham encontrado formas originais e contundentes de realização e produção.

Os estudos que enfocam a videomúsica sob o aspecto da cultura também analisam o vídeo musical e a MTV como uma forma de pós-modernismo. Kaplan explica que uma característica básica do pós-modernismo é a emergência de uma consciência descentralizada que embota as categorias tradicionais e questiona instituições estabelecidas. Jean Baudrillard descreve este estado como uma "implosão' de significados caracterizada pela "difusão de polaridades, uma espécie de curto-circuito de pólos de cada sistema diferencial de significados, a obliteração de distinções e oposições entre os termos".

Kaplan afirma que as pessoas jovens das sociedades capitalistas maduras vêm adotando cada vez mais esta percepção descentralizada da realidade, atribuindo o desenvolvimento desta consciência a forças disparatadas, tais como o avanço da tecnologia, o capitalismo corporativo multinacional e o aumento das estratégicas sofisticadas de marketing. Baudrillard afirma que os meios de comunicação de massa em expansão geram um aumento de informação, contribuindo para o colapso do significado convencional.

Kaplan diz que a MTV exemplifica o pós-modernismo porque sua grade de programação mina as classificações estabelecidas e os limites, incluindo diferenças musicais de gêneros, formas de arte, e períodos históricos, além de distinções entre cultura erudita e popular. A MTV e os clipes incorporam materiais das mais diversas fontes num pastiche caleidoscópico sem o reconhecimento da origem deste material. O canal subverte qualquer sentido estético de sua história ao mesclar indiscriminadamente gêneros de filmes e formas de arte de vários períodos históricos.

A MTV também repudia concepções lineares de história, rejeitando as distinções convencionais de passado, presente e futuro, colocando a si mesma num presente atemporal. Os anunciantes da MTV raramente mencionam o período do dia durante as entrevistas exibidas entre os vídeos. A representação roqueira que a MTV faz de si mesma, colocando no ar a mais ampla diversidade de imagem sem ritmo frenético, e a recusa do canal de se posicionar diante de uma perspectiva determinada são solicitadas para contribuir para a experiência descentralizadora do telespectador.

Entretanto, o movimento que a MTV vem fazendo recentemente no sentido de tornar-se uma programação mais convencional dentro do meio televisivo, apresentando atrações de duração determinada , limita a aceitação deste argumento, uma observação que vale para o Brasil, que começa a ter programação própria e não mais gerada a partir da matriz.
Não existe concordância entre a maioria dos autores sobre o fato da natureza pós-modernista da MTV ou mesmo dos vídeos exercerem uma influência progressiva ou opressiva sobre os telespectadores. Kaplan defende que o processo de descentralização deve libertar o telespectador dos códigos convencionais da cultura dominante.

Esta experiência desorientaora liberaria o telespectador: Kaplan acredita que os meios culturais pós-modernos como a MTV cultivam pessoas mais criativas, menos limitadas pela tradição e mais receptivas a mudanças.
O teórico marxista norte-americano Fredric Jameson, que se esquiva de comentar a MTV especificamente, apenas a menciona, e mesmo a televisão comercial, apontada por ele, assim como os vídeos, como a mídia pro excelência da globalização, vê na videoarte, fonte de inspiração para a maioria da produção de videoclipes identificada como pós-moderna, um arremedo das posturas libertárias do surrealismo francês. Nos vídeos, entretanto, a fragmentação estaria destituída de seu conteúdo libertário.

Em "Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio", ele dedica um longo capítulo ao vídeo, e suas manifestações correlatas, como a televisão comercial, e o vídeo experimental ou videoarte. Em "Surrealismo sem inconsciente", Jameson, considera que as produções de vídeo experimental, que nos permitem estabelecer uma analogia com algumas formas de videoclipe, representariam uma prática cultural vazia de significado, na qual a figura do autor estaria problematizada, e jamais poderia ser classificada como ficcional, mesmo ao fazer uso de estruturas narrativas, por não projetar um tempo ficcional. Já a televisão comercial teria essa aspiração, bem como o cinema.

Assim, até mesmo a percepção de um texto, diferente e singular, teria de ser extraída a partir de um fluxo aleatório, impedindo-se aquilo que foi fundamental para o movimento conhecido como surrealismo - a vivência do desejo, seja por parte dos receptores, ou mesmo sob o prisma da produção coletiva, restando em seu lugar apenas a memória. Assim, a prática delirante substituiria os propósitos libertários. O movimento surrealista, baseado nas teorias de Freud, tinha como opção dar livre trânsito ao inconsciente como forma de transgressão psicológica e cultural. O surrealismo era transgressor, pois vivenciava a noção de um limite.

O formato videoclipe, como assinala Arlindo Machado em A televisão levada a sério, há muito deixou de ser apenas uma peça promocional de venda de CDs (Machado, 2000: 174). No mundo inteiro, videoartistas realizaram trabalhos nesse formato, como Roberto Longo para a banda New Order em Bizarre Love Triangle, e para o R.E.M em The One I Love; Michelangelo Antonioni para a cantora italiana Gianna Nannini em Fotoromanza, Joan Logue, para Paul Simon em René and Georgette Magritte. No Brasil, Tadeu Jungle fez O silêncio, para Arnaldo Antunes, Éder Santos (ex-Olhar Eletrônico, atual O2) fez clipes para Uakti, Câmbio Negro e Mílton Nascimento, Sandra Kogut para Fausto Fawcett, Ed Motta e Fernanda Abreu. Sem falar nos nossos cineastas, como se pode conferir pelos trabalhos da produtora Conspiração, que abrange clipes com praticamente todo o time de estrelas da MPB, da Dramafilmes, de Beto Brant e Renato Ciasca, e da própria Videofilmes, dos irmãos Salles.

Tome conta do Brasil - após o anúncio de que finalmente havia saído do vermelho, e das mudanças de política de programação anunciadas com a publicação do Dossiê Universo Jovem, em abril de 1999, uma série de três pesquisas sobre o comportamento do jovem brasileiro, a MTV rompe com seu padrão jornalístico de repórter oculto, o producer, e começa a abordar política. A tendência só viria a se acentuar após o 11 de Setembro, quando a rede americana se coloca em função da escalada anti-terrorista deflagrada pelo governo dos EUA.

Em 1999, o diário "MTV no ar" deixou de ser exibido. Permaneceram apenas os "Drops" - programetes de um minuto em média, apresentados a cada hora com as notícias do dia, e o "Semana rock", noticiário comandado por Chris Couto.

A emissora assume um programa com apresentador, repórter e entrevistas de rua chamado Contato MTV, uma série que começou em fevereiro de 99. "Decidimos mudar o estilo jornalístico da emissora e tirar o MTV no Ar. Em 98 já tínhamos começado a fazer umas intervenções ao vivo ao longo da programação e decidimos adotar esse novo estilo', conta a diretora de programação Cris Lobo. Foram abordados temas como Aids, Drogas, Violência, Ecologia , Eleições e Trabalho.

Em 1999, a MTV decidiu incorporar à grade formatos que permitissem discutir assuntos como participação política, AIDS, emprego. O principal é que, ao fazer isso, a emissora rompeu com o padrão MTV. O entrevistado deixou de ser personagem e o VJ e repórter assumiu a postura da emissora, como ocorre nas emissoras abertas.

O fato do repórter entrar em cena, entretanto, não se transformou num padrão absoluto, sendo reservado apenas para a nova programação. O repórter não ancora a matéria, interpretando o fato, como ocorre no jornalismo da maioria das emissoras abertas, notadamente na TV Globo, em que o repórter relata o fato e o entrevistado aparece apenas para ilustrar o caso, como personagem.

Em 2001, estabelecido pela UNESCO como Ano do Voluntariado, o tema foi introduzido nessa série de programas. O Contato, que ficou no ar ao longo de 2001, tinha um desdobramento também pela Internet, por meio das listas de discussão, e em sua fase diária, exibido de segunda a sexta-feira, era apresentado pelo VJ Edgar, um dos mais antigos da casa.
Uma característica interessante da MTV Brasil, possibilitada pela sua estrutura enxuta, é que os assuntos jornalísticos são debatidos não somente com os repórteres e entrevistados, ou no núcleo de jornalismo. , uma característica do jornalismo sob a globalização, o infotenimento, nem sempre evidente nas redes abertas. Por exemplo, se o núcleo de jornalismo pautar os riscos da pílula do dia seguinte, em função do problema que o País tem com jovens mães solteiras, o jornalismo se reúne com a programação musical e não-musical.

Já no início de 2001, ao divulgar sua nova grade de programação, a emissora demonstrava estar disposta a participar da cobertura política em 2002, ano de eleições para presidente e governador no País.
Um passo que indicava essa nova política de programação e revelou-se importante no sentido de introduzir novos temas, foi a campanha institucional "Vamos tomar conta do Brasil", lançada durante a campanha governamental para economizar energia que ficou conhecida como Apagão. Era protagonizada pelo apresentador-símbolo da nova era MTV, Marcos Mion, que introduzia o assunto assumindo um mea culpa: "sei que você não tem nada a ver com isso, e que agora estamos tendo de pagar a conta". Em seguida, ele incitava o jovem a economizar, mesmo admitindo a incompetência governamental ao lidar com a questão. Totalmente MTV. Em 2002, a campanha Tome Conta do Brasil foi oficializada.

Além das equipes paulistana e carioca, Porto Alegre, Salvador e BH serão os pólos de onde a emissora pretende emitir matérias. A estratégia é uma tentativa de tornar-se mais nacional, um dos principais problemas em termos de cobertura política que a emissora enfrenta. Os repórteres serão locais, mas serão treinados em São Paulo.

No dia 7 de Dezembro de 2001, um comunicado oficial da MTV Brasil falava do projeto 'Tome Conta do Brasil', envolvendo vinhetas e a exibição, na época das eleições, de uma série de debates. A decisão pode ser considerada politicamente importante. No Brasil, a MTV atinge 23,3 milhões de telespectadores, sendo que 4 milhões têm entre 15 e 29 anos, e se concentra nas classes AB. Entre os jovens, a emissora encontra-se em segundo lugar nas preferências, conforme pesquisa encomendada ao IBOPE, perdendo apenas para a Rede Globo.

A MTV já vinha demonstrando a intenção de dar essa guinada, anunciada em 99. Em março de 2002, ao projeto "Tome conta do Brasil", para despertar o interesse dos jovens a envolver-se mais com as questões ligadas ao País - principalmente no que se refere à conscientização política. A iniciativa tem como objetivo, naturalmente, o ano eleitoral brasileiro. Zico Goes, diretor de programação não-musical e produção da MTV, explica que o projeto começa com a inserção de promos (tipo de vinhetas), em formatos de 30" a dois minutos de duração, ao longo da programação. "São mensagens de utilidade pública, chamando a atenção dos jovens para questões políticas, ecológicas e sociais", comenta.
Entre os meses de julho e setembro, a emissora intensificará o projeto, produzindo programas para discutir as eleições. "Pretendemos fazer uma série total de 12 a 13 programas, que serão exibidos semanalmente para abordar sobre o futuro político do país", revela. "O conteúdo terá denúncias jornalísticas e debates entre os jovens", adianta. A emissora está comercializando apenas uma cota de patrocínio para o projeto, no valor de R$ 1,9 milhão.

As emissoras preferidas dos jovens, segundo matéria divulgada no jornal Valor, naquele período, foram Globo, 34%, MTV Brasil, 19%, Sony, 9%, Discovery, 8%, SBT, 6%, Telecine Premium, 6%, Cultura, 6%, Cartoon, 6%, Sport TV, 5%, HBO, 5%, Multishow, 5%.
O índice das preferidas dos jovens que têm TV por assinatura foi mais alto: Globo, 28%, MTV Brasil, 22%, Sony,18%, Discovery, 17%, Telecine Premium, 12%, SportTV, 11%, Cartoon, 10%, Multishow, 9%, HBO, 8%, HBO2, 8%, Fox, 7%, SBT, 7%, Warner, 6%.

A MTV americana sempre fez, em solo pátrio, cobertura política. Em 1992, Bill Clinton participou do americano "Hi Teens", fazendo campanha entre os jovens. O expressivo número de votos do eleitorado jovem na vitória de Clinton serviu como respaldo para evidenciar a força da marca em seu segmento. O presidente admitiu publicamente a influência da emissora na campanha americana.

No dia 15 de fevereiro de 2002 foi ao ar uma experiência inédita para os brasileiros: a Conexão Global Colin Powell, um mega-programa gravado com o Secretário de Estado dos EUA, e entre espectadores da MTV. Pela primeira vez, o Brasil participou.

Os espectadores da MTV e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell, tiveram um encontro atípico no Dia dos Namorados norte-americano, quando o canal de música realizou um fórum mundial sobre o terrorismo. Canais da MTV dos EUA, Brasil, Índia, Oriente Médio, Reino Unido, Rússia e outros países exibirão o especial de 60 minutos, chamado Be Heard: An MTV Global Discussion With Colin Powell (Seja Ouvido: Uma Discussão Mundial Da MTV Com Colin Powell).

O programa foi gravado na manhã de 14 de fevereiro de 2002, diante de uma platéia reunida em um estúdio de Washington, e foi ao ar nos EUA às 20h (23h em Brasília) do mesmo dia. No Brasil, foi exibido na sexta-feira, dia 15 de fevereiro, às 23h.

Os âncoras do programa em Washington foram os apresentadores da MTV News, John Norris e Gideon Yago. As perguntas foram feitas por jovens de todo o mundo, com correspondentes e VJs comandando e traduzindo via satélite. No Brasil, o papel foi desempenhado por Cazé.

A MTV não é considerada exatamente o veículo natural para membros do governo Bush, mas a nova campanha de Washington para ganhar corações e mentes mundo afora diante da tragédia do atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, transformou a rede global numa vitrine desejável.

Foi a primeira vez que o Brasil foi incluído numa conexão desse porte. "Já fizemos outras co-produções ,como em programas de Aids. Mas ao vivo, assim, nunca", reconheceu o diretor de programação Zico Goes. Após a exibição do programa, foram ao ar imagens do estúdio da MTV em São Paulo, reunindo jovens e comentaristas como o jornalista José Arbex, que criticou a arrogância do secretário americano, para demonstrar a independência da afiliada brasileira. Outro fato que gerou polêmica foi a interpretação dada à resposta de Powell a uma adolescente brasileira, que lhe perguntou sobre a questão da ajuda aos países em desenvolvimento e de uma mudança de política de investimentos internacionais por parte do governo americano, em função do atentado.

A preocupação da jovem dizia respeito a um possível desvio de verbas da questão social e de prevenção à Aids para a questão política, capitaneada por campanha mundial anti-terrorista que reativou a indústria bélica. A resposta de Powell foi interpretada como uma crítica a FHC: "seu governo não está sabendo aplicar o dinheiro que recebe", teria dito o secretário. Powell, via embaixada, se desculparia mais tarde dizendo que se referia aos governos em geral, e não ao brasileiro.

Além disso, no ano eleitoral de 2002, a MTV Brasil decidiu realmente fazer a diferença. Dessa forma, a apresentação da Conexão Global serviu como demonstração de poder. O objetivo da emissora seria o de realizar uma experiência idêntica com o presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, ou com candidatos.

De qualquer forma, em que pese a arrogância dos EUA enquanto potência - o tom da fala de Powell era o de um administrador conversando com os seus funcionários, ao falar dos governos dos demais países do mundo -, não é provável que um político brasileiro tradicional ostentasse a mesma desenvoltura do secretário ao responder à pergunta: "Como se sente sendo o secretário dos EUA, o Satã da política mundial"

A transmissão do programa, entretanto, serviu no geral para consolidar a imagem do secretário, que se fez politicamente durante a Guerra do Golfo, e que reafirmou sua versatilidade diante das câmeras ao lidar com os jovens colocados pela MTV em estúdios das franqueadas da rede ao redor do mundo.

A campanha Tome Conta Do Brasil, como foi chamada a cobertura política da casa, baseada em institucionais induzindo o jovem a votar e a perceber de que forma a política estaria ligada a questões de seu cotidiano, e a volta do apresentador Casé no programa Neurônio, foram idealizadas para contemplar aquele ano eleitoral brasileiro, que elegeu Lula para presidente.

De volta à MTV, após o sonho frustrado de fazer um programa alternativo na Globo, Casé ganhou um quiz semanal, Neurônio, um programa diário, lançado em abril, com uma linha de atuação voltada para a denúncia e o sarcasmo.

Os dropes diários, que substituíram inicialmente o MTV no Ar, durante anos o jornalístico da emissora, e uma característica da emissora, voltaram a ser utilizados. Apesar do resultado das pesquisas encomendadas pela casa, e presentes no Dossiê divulgado em 1999, o diretor da MTV Brasil, Zico Goes, por exemplo, não acredita que o jovem brasileiro tenha incorporado totalmente a questão da globalização. "Não acho que o brasileiro se sinta parte de um mundo globalizado. Nem através da MTV, que é cada vez mais brasileira embora seja, em parte, veículo de parte da cultura globalizada (americana).

Mas sem nunca perder o rebolado. Mas a MTV sim , aposta em ser mais global para levar a consciência do seu jovem a um nível menos "colonizado". Para Goes, "ser global na MTV Brasil significa fazer frente à globalização míope e exclusivista dos americanos e exigir que as perguntas de brasileiros ao Colin Powel sejam feitas em português e brigar para que uma discussão como essa não releva a segundo plano questões sobre a pobreza crônica da maior parte do mundo que mata mais que o terrorismo que os americanos temem tanto e entendem muito pouco".

A tragédia que se abateu sobre os Estados Unidos a partir do World Trade Center, e a campanha quase histérica que teve início no combate ao terrorismo, pelo governo norte-americano, entretanto, levou a uma parceria inédita no mundo da comunicação e do jornalismo. A CNN e a MTV, duas emissoras a cabo lançadas no início da década de 1980 com públicos-alvo totalmente distintos, e pertencentes a grupos concorrentes, Aol Time Warner e Viacom, anunciaram sua intenção de unir forças em uma série de reportagens sobre a guerra no Afeganistão. O que evidencia o compromisso das redes com o país-sede.

O encarregado de consumar a façanha foi o jovem apresentador Jason Bellini, de 26 anos, responsável pela série que se concentrou no comportamento dos jovens - norte-americanos e afegãos. Os temas das reportagens de Bellini variavam do entretenimento à religião, mas sempre com a mesma pauta: mostrar no vídeo como a vida dos afegãos mudou desde os atentados de 11 de setembro contra os Estados Unidos.

As primeiras transmissões foram feitas de Cabul por Bellini e uma equipe, e renderam de cara alguns episódios polêmicos e uma saia-justa diplomática, a partir de uma das matérias, abordando o que os afegãos pensam da música norte-americana. Durante o regime dos talibãs, a população era proibida de ouvir música e tocar instrumentos.

Irreverente, bem ao estilo MTV, Bellini foi ao ar mostrando a vários jovens afegãos uma revista para adolescentes, que trazia fotos da atriz e cantora Jennifer López. Ele perguntava: 'o que vocês acham dela?'", E os jovens entrevistados responderam dizendo que ela era muito bonita, mas nunca deveriam deixar que se vestisse daquela forma, pois o modelo marcava seu traseiro. O episódio despertou a ira de vários segmentos da religião muçulmana, que resultaram em um pedido formal de desculpas do governo americano encaminhado via embaixadas.

Norte-americano, Bellini começou a trabalhar na CNN em 1997. Em 2000, trocou a emissora pela MTV, mas retornou à emissora sediada em Atlanta no início de 2001. A colaboração consistia na transmissão das reportagens de Bellini do Afeganistão via CNN. A produção e a edição ficaram à cargo da MTV. O material foi exibido ao longo de dezembro de 2001, nos dois canais.

A dose se repetiria em 14 de março de 2003, quando a MTV brasileira e as MTVs do mundo, transmitiram a entrevista com Tony Blair, defensor da guerra. No mesmo período, a rede recusou nos Estados Unidos exibir um comercial contra a guerra, realizado pela premiada documentarista Barbara Kopple.

Ainda que Blair tenha sido questionado pelos jovens telespectadores convocados para o fórum, sequer se cogitou fazer uma matéria com algum dissidente. Enquanto isso, na MTV americana, comerciais contra o ataque militar continuam vetados, mas os de alistamento militar seguem liberados.

E aí surge uma polêmica crucial para a democracia. Uma das principais questões que a presença de uma rede global no país desperta é que, não importa de que forma a população brasileira apreenda seus conteúdos e formatos, ou mesmo a autonomia que ela adquira diante de sua matriz, ela nunca deixa de ser global e suas franqueadas, dependentes, do ponto de vista cultural e da própria transmissão ao redor do mundo. A televisão, como de resto a questão de todos os demais produtos da indústria cultural, é um sistema de transmissão que depende de uma estrutura. A dependência econômica do nosso mercado fonográfico ao internacional se reflete na programação de uma emissora musical como a MTV. Que emissora nacional teria condições hoje de fazer um debate internacional em rede com a agilidade da MTV? E, certamente, assunto para isso não nos falta.

A cobertura jornalística brasileira é extremamente pobre, se comparada ao modelo americano e europeu. A única emissora que consegue realizar uma cobertura nacional efetivamente é a Globo - o projeto jornalístico do SBT nunca vingou e o da Cultura claudica em função de problemas de sobrevivência e de estrutura. A cobertura internacional veiculada no Brasil é quase sempre adquirida das agências internacionais.

Outro problema diz respeito à aferição de pesquisas e à questão daclassificação das camadas ABC, citadas com insistência em qualquer pesquisa hoje.

O método empregado para tais avaliações leva em conta domicílio e capacidade de consumo, além do número de commodities - quantos carros possui, quantas geladeiras têm -, em detrimento de posses, conta bancária, cargo e função Automaticamente, qualquer universitário formado em Direito é considerado formador de opinião.

Ocorre que o boom do ensino pago nessa faixa no Brasil levou muitos jovens às universidades, aliado ao desemprego, de onde saem muitas vezes para executar funções técnicas e administrativas, ou ainda trabalhar com vendas de tele-marketing.

O público AB é o público-alvo na verdade da maioria das emissoras brasileiras, pois teria maior capacidade de consumo. Mas a forma de aferição torna esses limites entre as camadas muito variáveis e pouco confiáveis.

É duvidoso ainda que a audiência seja a maior responsável pela qualidade do que se vê na televisão aberta, pois a grade é sustentada ainda pelos anunciantes - o público não paga pelo que assiste, como acontece em alguns países como a Grã-Bretanha, apenas pela conta de luz e pelo aparelho. A tevê se torna, assim, a grande vitrine do crediário.

Talvez por esse motivo, emissoras que trabalham um público segmentado consigam obter um alto índice de afinidade com seu público. Ainda que seu público real esteja longe de representar o tal segmento AB.
O Dossiê divulgado pela emissora em 99 também não ajuda muito a esclarecer essa questão. De acordo com o Dossiê, os jovens foram divididos em seis grupos, numa classificação totalmente comportamental: As antenas do tempo (15%), Novas Posturas 11%), Sonhando com as alturas e lutando nas bases (20%), Vivendo intensamente (16%), Arranhados pela vida (21%), Solitário (15%).

A grade da emissora pode até estimular o consumismo e disseminar novos comportamentos, idéias. Mas é improvável que os jovens recebam as imagens da MTV e os apelo de consumo da mesma forma, sem ruídos. A entrevista com Colin Powell, apesar de monitorada, deu uma idéia clara das tensões sociais advindas da globalização. No Brasil, essa tensão atinge proporções bastante preocupantes, na medida em que o aumento dos índices de exclusão social concorre para elevar os índices de violência nas ruas.

Hoje, a classe média pode ser considerada a elite do País. Para muitos jovens que vivem e trabalham na periferia, a MTV é a emissora de adolescentes privilegiados. As famílias cuja renda por pessoa está acima de R$ 2,1 mil fazem parte do 1% mais rico da população. A última tábua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre a pobreza no País, divulgada em abril, coloca um terço da população do Brasil na mais extrema pobreza - 39,6% da população -, consolidando um dos piores níveis de desigualdade econômica e social da nossa história.

A estabilidade econômica promovida pelo Plano Real não contribuiu para reduzir a pobreza. Em 1995, 33,9% viviam em situação de indigência. Em 1999, esse percentual subiu para 34,1%120. Todas essas pesquisas reforçam os dados verificados pelo Dossiê da MTV em 1999 - a situação econômica da geração que hoje tem 20 anos e luta para se inserir no mercado de trabalho é pior do que a de seus pais, e por esse motivo muitos hesitam em abandonar a casa paterna. Para eles, o paraíso do consumo é uma imagem longínqua.

A mudança da legislação brasileira através da aprovação da PEC 203-B/95, permitindo a participação do capital estrangeiro em até 30% de uma emissora de sinal aberto, e a concessão de sinais para grupos empresariais - vem sendo colocada como a grande tábua de salvação para o mercado nacional de comunicação, capitaneado pelas cinco maiores redes de televisão. Alguns consultores do segmento, como Antonio Athayde121 - foi diretor da Rede Globo, por cerca de 20 anos, e trabalhou para o Grupo Abril, Rede Bandeirantes, Telefonica Media - advogam a idéia de que a maior beneficiada pela mudança da lei será a mesma Rede Globo, que monopoliza o mercado nacional. A causa seria a falta de planejamento estratégico de nossas empresas de mídia, que ainda funcionam de forma familiar.

Para Athayde, a MTV é o exemplo a ser seguido para quem quiser atrair o investidor estrangeiro, o casamento perfeito entre um formato de sucesso mundial e o talento da produção brasileira, acostumada desde cedo a operar sob o improviso. A MTV abrasileirou sua programação, mas sem perder a veia pop, excluindo deliberadamente da grade toda e qualquer referência enraizada na tradição brasileira da música popular, internacionalizando-a, a exemplo do que Paulo Coelho fez com sua prosa.

Nessa corrida atrás do sócio estrangeiro, aparentemente vale mais investir em produto e formato do que investir em estúdio. O capital estrangeiro não tem o menor interesse em entrar no Brasil para montar uma estrutura. As restrições constitucionais nunca impediram parcerias entre empresas mundiais detentoras de produtos e marcas, e um exemplo claro disso é a parceria da Disney com o SBT, criando o Disney Club, e a própria parceria da Viacom e da Abril, ainda que do ponto de vista legal possam suscitar questionamentos. A concessão do Grupo Abril, em UHF, portanto em sinal aberto, não permitiria à época, anterior à alteração do art. 2222, a inclusão de sócios estrangeiros na MTV Brasil LTDA, mas tão-somente o licenciamento da marca.

É forçoso reconhecer, entretanto, que a globalização sob a hegemonia americana exerce um impacto sobre o formato nacional, de modo geral, e particularmente sobre a MTV, sem contudo reconhecer a sua existência ou a sua influência musical, ou seja, a incorporação dos valores é unilateral. Nos Estados Unidos, a maior influência exercida pela Música Popular Brasileira continua sendo a Bossa Nova. No site da MTV, o Brasil é representado por uma foto de um passista do Carnaval carioca. A franqueada brasileira, entretanto, nem mesmo cobre o Carnaval, como as demais, limitando-se a fornecer na grade uma programação musical para quem quer fugir das folias de Momo.

Ser nacional e popular não implica mais necessariamente criar um modelo estético independente das correntes internacionais, o que é impossível em tempos de economia global, em que os cidadãos de todas as partes do mundo são bombardeados continuamente com um fluxo fantástico de informações. Skank, Paralamas, Cássia Eller, são tão nacionais quanto Bezerra da Silva. A dificuldade de se criar um mercado consumidor próprio, entretanto, continua a ser um fator limitador de desenvolvimento cultural e portanto de autonomia.

Algumas conclusões - a MTV Networks já nasce nos Estados Unidos, em 1980, com vocação global, destinada a ser uma vitrine de consumo para as grandes marcas do segmento jovem ao redor do mundo. Seu projeto de expansão, entretanto, sofre uma guinada ao ser adquirido pelo holding Viacom, hoje o terceiro maior conglomerado mundial de mídia, detentor de marcas como Blockbuster, Paramount, UCI, todas presentes no Brasil.

Introduzida no país pelo Grupo Abril, por meio de um contrato delicenciamento, a forma usual pela qual as empresas internacionais ingressam no mercado local sem investir um centavo, ela passa inicialmente por um processo de aculturação que inclui uma revisão do formato, e até mesmo um pequeno estímulo à nossa incipiente produção de videoclipes. Naquela época, seus primeiros investimentos na produção não-musical, como Netos do Amaral, são considerados projetos excessivamente sofisticados e logo abandonados. O Video Music Awards (VMA) só ganhou versão nacional em função de pressão dos anunciantes internacionais e de mudanças estratégicas da rede, visando conquistar novos mercados, como o asiático.

O Grupo Abril, não por acaso, introduz no país o primeiro contrato de licenciamento de marca para o mercado editorial, trazendo a revista Pato Donald. Chega com o aporte da forte presença do capital estrangeiro no Brasil, conseqüência do modelo econômico adotado por Juscelino Kubitscheck. Sua presença é assinalada por João Calmon, em O livro negro da invasão branca, citado por Daniel Herz em A história secreta da Rede Globo (Herz, 1987:91), como preocupante, por se tratar de um grupo que estava instalando a maior empresa editorial da América Latina em diversos países, o que contribuía para eliminar a concorrência local. Seu proprietário, Victor Civita, nascido na Itália e naturalizado norte-americano, foi funcionário do grupo Time-Life [13] O Grupo Abril, àquela época, operava em três países: Brasil, Argentina e Itália e estava abrindo sua 19ª revista, a extinta Realidade.

A partir de 1996, quando a MTV Brasil volta a ser parte da Viacom, e é criada a empresa MTV Brasil Ltda, em sociedade como Grupo Abril, tem início um processo de adequação ao mercado e de popularização do canal que resulta em novos formatos correspondentes à vulgarização dos programas de televisão no mundo inteiro, num fenômeno típico da globalização - padronização, baixos custos, segmentação, expansão via franquia e parcerias, qualidade duvidosa -, eliminando a concorrência e eventuais diferenças locais, das quais muitas vezes se apropriam, recriando-as a sua imagem e semelhança.

Neste período, o mercado fonográfico brasileiro se destaca cultuando a produção musical de um religioso, Padre Marcelo, e ritmos de letras e gosto duvidosos, em detrimento de nomes tradicionais da música popular. A Ditadura FM, como é chamada a programação popularesca imposta pelas gravadoras às rádios, entra na tela da MTV através do pagode e do axé, ritmos considerados de baixa qualidade e duvidoso valor artístico, retirando a aura alternativa da emissora e angariando críticas de seu público e da mídia.

A afiliada brasileira acaba por recuar parcialmente dessa posição, retomando sua antiga grade. Mas encerra o ano de 2003 com o Acústico Zeca Pagodinho, reverenciando um ídolo da música brasileira alinhado ao samba de raiz, que se oporia aos pagodeiros, atualmente cantando em espanhol, caso de Alexandre Pires e Karametade. A mudança na programação musical roqueira, mais propensa a baladas, de resto, reflete a popularização da grade no mundo, e naturalmente, o próprio mercado fonográfico mundial. A nova ordem mundial é privilegiar músicas e melodias mais fáceis, que possam atravessar fronteiras, sem enfrentar grandes oposições regionais.

Ao longo do final da década de 90, o que se consolida é a grade de programas não-musicais, a verdadeira responsável pelo abrasileiramento e por uma maior aceitação da MTV Brasil. Formatados a partir de modelos da matriz norte-americana, os programas da emissora passam a discutir sexo, violência, política, sempre com o molho irreverente da casa. Mas acabam optando por formatos mais consagrados pelo grande público em emissoras abertas do mundo inteiro. Assim, surgem programas como Família MTV, um Vinte e poucos anos que pretende ser uma resposta brasileira ao show da vida real dos Osbournes, e Gororoba, onde o irreverente João Gordo assume seu lado Ana Maria Braga.

O atentado terrorista ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 acrescenta um novo ingrediente à grade - a campanha antiterrorismo deflagrada pelo governo americano visando angariar votos a favor da guerra contra o Iraque. Enquanto a rede anunciava especiais destinados a ganhar adeptos para a causa americana entre os jovens no mundo, como a Conexão Global Colin Powell e a entrevista com Tony Blair, CNN e MTV, pertencentes a grupos supostamente rivais ( Time Warner e Viacom), se unem numa aliança para criar uma série especial destinada aos jovens afegãos que visa ridicularizar a cultura muçulmana. No mesmo ano, a UNESCO formula um documento em prol da defesa da biodiversidade cultural, temerosa diante da possibilidade do aumento de discriminações de cunho étnico e racial no mundo.

Em 2002, pela primeira vez, a franqueada brasileira anuncia que pretende cobrir as eleições no Brasil, e lança programas com formatos até então restritos aos EUA, como o Choose or Loose (Escolha ou Perca), que ajudou a eleger Clinton entre o eleitorado jovem, dispostos a fazer a diferença e influenciar a opinião dos jovens brasileiros. O problema é que até o momento a rede não parece interessada em promover debates políticos que estimulem o jogo democrático - até agora Lula foi convidado a ser entrevistado pelo irreverente João Gordo em seu célebre programa de entrevistas. Já Powell e Blair tiveram tratamento completamente distinto em seus "fóruns" mundiais. Não se conhece, todavia, qualquer espaço em toda a programação mundial da MTV, para qualquer estadista que não seja norte-americano ou represente um aliado dos interesses dos EUA - no momento totalmente focado para o conflito Iraque.

No ano de 2003, é votada ainda a alteração de legislação que permite a participação de capital estrangeiro em até 30% (art. 222) nas empresas de radiodifusão brasileiras, além da possibilidade de a concessão ser liberada para grupos e não mais para pessoas físicas. A esperança de que essa alteração, uma antiga reivindicação de grupos religiosos, influentes na mídia, e posteriormente incorporada pelas empresas nacionais, venha a influir decisivamente em nosso mercado, injetando dólares na estrutura das redes tupiniquins, é remota. O acordo firmado entre Abril e Viacom em 1996, fundando a MTV Brasil Ltda, permite constatar que os grupos internacionais não têm a menor intenção de investir em estrutura, e sim em parcerias e formatos, de preferência mais baratos, que eles continuam vendendo para o mercado brasileiro.

A perspectiva alentada pelas mudanças na legislação de concessão de canais de radiodifusão no Brasil, de que conglomerados de mídia iriam investir em nosso mercado não é corroborada por especialistas como o consultor Antonio Athayde, ou ainda o economista da Unicamp e membro do conselho superior do Instituto Metropolitano de Altos Estudos - IMAE - da UniFMU, Luis Gonzaga Beluzzo. "O ciclo de crescimento desses holdings acabou, e nossas empresas de mídia estão em sua maioria quebradas", analisa.

O desafio que se apresenta para os grupos de mídia nacionais é sobreviver em plena era global e garantir um papel de destaque dentro da revolução tecnológica promovida pelo advento da televisão digital, em curso nos próximos 10 anos. Mas até agora, o único saldo positivo da lei foi a renúncia fiscal, que tem estimulado as emissoras a financiar documentários e programas. Mas é improvável que isso se traduza em reaquecimento do mercado.

Por fim, o processo de desterritorialização da cultura dentro da globalização dos mercados contribui para a criação de uma aldeia global nos grandes centros urbanos de todo o planeta, mas não minimiza as crescentes desigualdades econômicas e o aumento da pobreza. No caso brasileiro, a internacionalização da cultura é um dado forte da identidade cultural nacional e remete a um período anterior à chegada da televisão no país, não constituindo fator de resistência relevante diante da crescente americanização da cultura no mundo, fenômeno já batizado de cultura McWorld, como ocorre em países como a China ou Afeganistão.

Ou seja, embora a americanização seja um dado constitutivo da nossa cultura, o que significa que a agressão a nossos valores culturais é bem menor do que ocorre em um país como a China ou ainda o Iraque, não podemos descartar a importância da esterilidade desse processo. Se tudo que nos resta é copiar, e não mais necessariamente com criatividade, como acreditava o crítico e ensaísta Paulo Emílio Salles Gomes, que lugar está reservado à produção televisiva genuinamente brasileira? Em um mundo globalizado, a perspectiva de sobreviver contando apenas com o mercado local é praticamente um suicídio cultural. As formas de articulação, contudo, e de inserção no mercado mundial, podem determinar o massacre do mercado local.

Nos Estados Unidos, The Osbournes, que mostra o dia-a-dia da família do cantor Ozzy Osbourne, terá uma terceira temporada, a ser exibida pelo canal MTV em 2005. A emissora americana teve com a primeira temporada, em 2002, os maiores índices de audiência de sua história. Tudo indica que esse novo filão, que a MTV soube tão criativamente explorar, não vá terminar por aí.

O cineasta Walter Salles, em artigo para a Folha de S.Paulo [14 ], em 2003, assinalou o perigo representado pelo filme O Verdadeiro Cancun (The Real Cancun), que estreou em 2003 em mais de duas mil salas de cinema nos Estados Unidos. O filme, sem atores nem roteiro, se auto-intitula como documentário sobre a vida de gente idiota e é um produto calcado no modelo do reality show feito para o cinema. A espetacularização do vida real chega às salas de cinema, segundo o cineasta, "depois de ter invadido quase todas as outras áreas do audiovisual, incluindo o jornalismo televisivo. Quem viu a transmissão do conflito entre os EUA e o Iraque feita pela TV norte-americana sabe o que isso significa". Sem dúvida.

O conceito de The Real Cancun é derivado do programa que inaugurou o gênero na televisão dos EUA, feito pela MTV em 1992, o The Real World, exibido no Brasil como Na Real, conforme vimos no quarto capítulo, e os produtores e diretores do filme são os mesmos. O conceito foi adaptado por sua vez de uma fórmula desenvolvida na Holanda no final dos anos 80. Qualquer semelhança com Big Brother não é mera coincidência.
No cinema, a idéia é ultrapassar os limites impostos pela censura da televisão no que diz respeito aos diálogos e às cenas de sexo e vender ainda mais. A embalagem é a de um documentário. O estúdio é o mesmo de O Senhor dos Anéis. A Universal, outro grande estúdio norte-americano, está finalizando nesse momento outro produto do gênero. Intitulado The Quest(A conquista) e também gravado em uma praia do México, o filme terá uma campanha de lançamento digna de Matrix 2.

O custo médio de um filme de ficção hollywoodiano está por volta de US$ 60 milhões, enquanto obras como as noveletas de vida real consomem 15 vezes menos, não somente pelos baixos custos de produção como também pelo fato de empregarem atores desconhecidos dispostos a tudo por seus cinco minutos de fama, que no cinema devem render ainda mais.

Um filme demora em média um ano para ser filmado e pós-produzido. The Real Cancun foi gravado no final de março e chegou ao cinema um mês depois. A probabilidade dos reality shows invadirem as salas de cinema nos Estados Unidos e do mundo é grande. Adaptados para o cinema, eles podem representar uma "tentativa de reapropriação de uma forma de narração que os estúdios norte-americanos perderam e que tentam reconquistar a qualquer custo", segundo o cineasta, e naturalmente a mais perfeita tradução cinematográfica do McWorld preconizado por Barber.

Se na televisão, a própria grade da MTV parece ter se rendido a essa fórmula - The Osbournes Show, Dismissed, Jackass, Rich Girls e Viva La Bam -, no cinema, a tendência pode ser uma saída fácil para alimentar o público com diversão barata. É a sociedade internacional americana para o pobre voyeur brasileiro morrer de inveja da superprodução americana que jamais terá um sucedâneo nacional à altura. E deveria? Para o filósofo marxista Fredric Jameson, o discurso cinematográfico, bem como o poético, ainda que realistas, introduzem a forma como nos relacionamos com a realidade, que no cotidiano acaba sendo ocultada pela ideologia. A globalização enterrou a noção de política e de cidadania, e promete a igualdade e a expansão econômica para todos, é só aderir.

Em um dos episódios de Viva La Bam, reality show em cartaz na grade atual da MTV brasileira, um jovem milionário ocioso chamado Bam Margera, considerado o "guru do skate" se diverte com seus amigos irreverentes aprontando brincadeiras com seus pais, April e Phil, no Natal. A idéia é largar os velhos numa ilha contaminada por 24 horas. Os pais percebem a tempo e revidam, deixando Bam e seus amigos antes que eles percebam, por tempo indeterminado, na ilha.

A contrapartida de Bam, munido de celular, jatinho e amigos ricos, é simular uma explosão da casa paterna, articulado com a emissora de televisão local. April, a mãe, ri quando percebe o engodo e lamenta: "Será que todas as mães passam por isso?". É pouco provável. Quanto poder. Mensagem: qualquer jovem endinheirado americano pode implodir a qualquer hora sua própria casa, sua família e, por que não, o mundo. Basta querer. A próxima atração da emissora é um programete de vida real mostrando como vivem as garotas milionárias de Beverly Hills - Rich Girls. É a miséria afetiva da civilização do microondas e do DVD, que tem como única fonte de prazer a tecnologia e a capacidade de destruição que ela pode disseminar pelo planeta.

Os dois primeiros programas, The Osbournes Show, Dismissed, tiveram versão nacional - o Família MTV e a Pé na bunda. Aparentemente, as versões escancaradamente mais leves das versões nacionais se devem mais às dificuldades de produção - no programa dos Osbournes, até o cachorro tem uma câmera somente para acompanhar suas estripulias - do que a alguma tentativa de criar algo diferenciado.

Enquanto isso, em novembro de 2003, os candidatos democratas às eleições presidenciais norte-americanas foram ao ar na MTV assumindo que já haviam fumado maconha, [15] num debate que reforçou a posição de Bush e dos republicanos. Howard Dean, ex-governador de Vermont e líder nas pesquisas entre os democratas, e John Kerry, senador por Massachusetts, disseram em debate ao vivo na MTV já terem usado a droga. O terceiro pré-candidato tido como um dos favoritos para a nomeação do Partido Democrata, o general da reserva Wesley Clark, respondeu que ''jamais'' fumou maconha.

Na campanha de 1992, o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), cunhou a famosa frase ''fumei, mas não traguei'' ao ser questionado sobre o tema - um tabu na política americana e na brasileira. Em 1996, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, então candidato, protagonizou episódio semelhante. Divididos, os democratas perderam pontos para seu principal adversário, o presidente George W. Bush (republicano). Mesmo a situação americana no Iraque teve papel secundário. A economia, em forte recuperação e anteriormente considerada o ponto fraco de Bush, sequer foi mencionada no debate. É a MTV em campanha.

É provável, entretanto, que a franqueada brasileira, agora autônoma, tenha novidades para 2005. Atenta às novas perspectivas que se abrem, a holding Grupo Abril vai investir em uma nova unidade de negócios, a de televisão. O diretor-geral da MTV, André Mantovani, irá comandar a unidade, que terá a tarefa de implantar uma produtora de televisão.

Ainda não há nada definido, mas o primeiro movimento da produtora deverá ser a criação de formatos de programas com as marcas das revistas da Abril. O programa da Capricho, exibido há um mês pela MTV, deve passar a ser realizado pela nova produtora - atualmente, é realizado pela produtora Pródigo. Um projeto semelhante, com a Superinteressante, está em estudos.

A idéia do Grupo Abril não é só gerar programas para a MTV ou TVA, mas também comprar espaços e fazer parcerias com outras redes abertas. Jornalistas da Editora Abril já estão passando por um processo de treinamento, acompanhando e participando das transmissões da All TV, canal de tevê na internet e na TVA de São Paulo.

Há projeto também de criação de uma segunda MTV, para a transmissão paga, só com videoclipes, como já ocorre em alguns países. No futuro, a Abril pretende produzir conteúdo para os dois canais tipo "S" (usados inicialmente para TV paga e que podem transmitir oito horas por dia de programação aberta), que possui em São Paulo, o 24 e o 29 - locados para igrejas. Com a nova unidade, produtos de tevê, como a MTV, deixam de integrar a unidade jovem da Abril, que inclui revistas.

De qualquer forma, nada leva a crer que o caminho a ser tomado pelas novas programações ou ainda por um eventual investimento na produção cinematográfica inclua documentários com algum tipo de compromisso com o público enquanto cidadão, o que poderia ser sugerido pelo investimento da emissora no documentário sobre AIDS que ganhou o prêmio Esso, ou ainda na divulgação e promoção do videoclipe Minha alma, do Rappa, feito por Paulo Lins, Breno Silveira e Kátia Lund em 2000. Em declaração aos jornais, o diretor-geral Mantovani afirmou que os filmes a serem produzidos pela MTV iriam passar longe das favelas, e, provavelmente, do experimentalismo dos clipes.

O próximo campo de batalha é a telefonia celular digital. Ao que tudo indica, a chegada ao mercado brasileiro dos primeiros aparelhos capazes de transmitir TV ao vivo deverá trazer à tona uma disputa silenciosa entre emissoras e operadoras de celulares. À frente das concorrentes no estudo sobre a nova tecnologia, a Rede Globo teme que as teles sejam liberadas a distribuir televisão sem seguir leis da radiodifusão, uma preocupação inédita em sua trajetória. No Brasil, emissoras de televisão e rádios só podem ter 30% de capital estrangeiro. Já no celular, uma empresa completamente estrangeira teria a possibilidade de transmitir televisão.

Um dos grandes interesses das emissoras no celular é a possibilidade de transmissão móvel. Assim, as emissoras não perderiam, por exemplo, a audiência de quem está no ônibus a caminho de casa. Ainda sem definição no Brasil (o governo anunciou que decidirá, em março de 2005, qual sistema será usado no país), a nova televisão acabou atropelada pelo celular. A Rede Globo aposta na digitalização e acredita que os brasileiros tenham acesso a ela a partir de 2007. A televisão no celular foi desenvolvida para a conexão individualizada, em que cada consumidor escolhe o que quer assistir e paga por isso. Para ele, não seria economicamente viável transmitir gratuitamente o mesmo conteúdo do televisor convencional simultaneamente no telefone móvel. Já com a emissão digital, o telespectador não teria de pagar pela transmissão, como ocorre atualmente.

Notas

1 O contrato de licensing se deu com a Televisão Abril S/A. A holding Grupo Abril só foi anunciada no dia 8 de julho de 2004, bem como a inclusão do parceiro internacional, a Capital Inc.. Disponível em www.abril.com.br na seção sala de imprensa.

2 Com relação ao franchising, a legislação é mais rígida, com direitos e obrigações entre franqueados e franqueadores, o que ocorre com empresas de fast food, como McDonalds, em que o franqueado pode processar o franqueador caso se sinta prejudicado. Apesar disso, a MTV Networks se refere a seus licenciados como franqueados. Outra forma comum de utilização de marcas e produtos estrangeiros se dá mediante o pagamento de direitos autorais, especialmente no caso de produtos artísticos.

3 Segundo o jornalista Marcelo Tas, em 1986 teria havido uma outra tentativa da MTV Networks estabelecer-se no país, a partir da Rede Manchete. Tas teria sido convidado a montar uma equipe, que incluía seus parceiros da produtora Olhar Eletrônico, além de Chris Couto e Kid Vinil, entre outros. Após seis meses de trabalho e intensa produção nos estúdios da Manchete, as negociações entre Adolpho Bloch e a Viacom não avançaram e o negócio foi desfeito.

4 As características sociais da população brasileira são acompanhadas regularmente pelo Grupo IBOPE por meio do Levantamente Socioeconômico, uma pesquisa que traça operfil da população das principais regiões metropolitanas do País. O objetivo do Critério Brasil é medir o poder aquisitivo do consumidor. Os critérios para classificação social do País foram estabelecidos pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e ANEP (Associação Nacional das Empresas de Pesquisa de Mercado), com a participação da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme).

5 Zeca Camargo, entrevista efetuada em agosto de 1999 na sede da Rede Globo em São Paulo.

5 A fusão foi a primeira desde que a Comissão Federal de Comunicações norte-americano aprovou a nova regulamentação que permite às empresas de comunicações serem proprietárias de até duas estações de televisão em um mesmo mercado. Embora a comissão impeça que uma rede de televisão atinja uma audiência superior a 35% do total dos telespectadores, a nova Viacom passou a controlar 41% da audiência em rádio e TV, citado na tese A Música Brasileira no Contexto das tendências internacionais, Adonay Ariza, pg 28.

6 conforme pesquisa Dossiê Universo Jovem, agosto de 1999.

7 Por pastiche ou pasticho designava-se uma espécie de representação lírica composta de árias, duetos, tirados de várias óperas, muitas vezes de autores diversos, com o fim de reunir num só espetáculo, em rápida sucessão, os seus números de maior êxito.

8 O programa acabou sendo retirado do ar pela Viacom e advogados da Viasem, subsidiária da Viacom no Brasil, que entrou com ação judicial para acusar o apresentador Marcos Mion e a Band de plagiar os programas "Jackass" e "The Tom Green Show", da MTV dos EUA. Para a Viacom, Mion teria plagiado "Jackass" ao atear fogo no corpo, na estréia do "Descontrole". E imitaria Tom Green ao registrar a reação de telespectadores a pseudo-obras de arte. Mion, hoje, ensaia voltar para a MTV em "Um VJ, um Ator, umas Mentiras...', nome da série que estreou na MTV no dia 17 de novembro. Irá contar, com 'algumas invenções', segundo o canal, a história de Marcos Mion. E será um teste para a MTV investir em 2005 em novela ou seriado.

9 entrevista concedida no dia 4 de maio de 2002, nos estúdios da TV Cultura, em São Paulo.

10 o cineasta João Moreira Salles desenvolveu um projeto de pesquisa que trabalha com essa idéia, que foi importante nos anos 90 como contrapartida ao mito da neutralidade jornalística.

11 em depoimento prestado para a dissertação de TCC "MTV do alternativo ao pop", de Renata Pucci et alli, Faculdade Anhembi-Morumbi, 2001.

12 A MTV tem ainda o VH1, lançado em 1 de janeiro de 1985 e relançado em outubro de 1994, exibindo vídeos clássicos e concertos de música em versão original, destinado ao público mais velho, de 18 a 49 anos.

13 O grupo Time-Life era vinculado à área mais reacionária e retrógrada do Partido Republicano, e mantinha predominantemente em países como o nosso, bases anticomunistas. Em 1962, a Globo assinou com Time-Life dois contratos e passou a ser subvencionada por milhões de dólares, desbancando a concorrência. Os milhões de dólares injetados a partir do contrato, ilegal pela legislação da época, foram justificados em na CPI que investigou o acordo pelo Dr. Roberto Marinho como um empréstimo pessoal.

14 Folha de S.Paulo, Caderno Ilustrada, pág E14, Edição: São Paulo Apr 26, 2003.

15 "Democratas admitem já terem fumado maconha", Folha de S.Paulo, Editoria: Mundo, pág A12, Edição: São Paulo Nov 6, 2003, de Fernando Canzian.

Referências Bibliográficas

ADORNO, T. W. A indústria cultural - o iluminismo como mistificação de massa. IN: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa, Paz e Terra. [S.l.] Ed. Civilização Brasileira. 1978.

BARBER, Benjamin R. Culture McWorld contre démocratie. Le Monde Diplomatique.. Disponível em: http:/www.lemondediplomatique.fr.
Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.org Acesso em 4 Abr. 2000.

FRIEDMAN, Thomas. O lexus e a oliveira - entendendo a globalização. [S.l.] Ed. Objetivo, 1999.

GOODWIN, Andrew. Dancing in the distraction factory. Minnesota: University of Minnesota Press, 1992.

HERZ, Daniel, A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Editora Ortiz, 1991.

IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1999.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática, 1997.

________________. As marcas do visível. São Paulo: Graal, 1995.

KAPLAN, E. Ann. Rocking Around the Clock, Music Television, Postmodernism & Consumer Culture. New York: Methuen, 1987.

LUSVARGHI, Luiza, MTV no Brasil: a padronização da cultura na mídia eletrônica mundial, dissertação de mestrado, ECA/USP, São Paulo, 2002.

MACHADO, Arlindo, A Televisão levada a sério, São Paulo: Editora Senac, 2000.

MARTINO, Luiz C. Globalização e Cultura de Massa. , in : Sovick, Liv e Prado, José Luiz Aidar, org. Ensaios sobre democracia e globalização, São Paulo: Hacker Editores, 2001.

MORAES, Dênis de. O planeta mídia: tendências da comunicação na era global. Campo Grande: Letra Livre, 1998.

SIMPÓSIO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO DA REGIÃO SUDESTE - VIII SIPEC. A TV e o superpopular - gente comum na programação da TV aberta brasileira. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. www.observatoriodaimprensa.com.br Acesso em ago. 1998

TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor, a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

WICKE, Peter. Rock music, culture, aesthetics and sociology. New York: Cambridge University Press, 1990.

MTV lança marca de preservativo - 17/05/2004. Além de sua própria camisinha, que será comercializada na Europa e EUA, a unidade da Viacom anuncia expansão...


Voltar

 

www.eca.usp.br/prof/josemarques