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O radiojornalismo brasileiro nos anos 40:
uma análise formal e discursiva
a partir
das notícias de O Repórter Esso

Por Luciano Klöckner

Resumo

O objetivo do artigo será o de proceder a um estudo do radiojornalismo brasileiro dos anos 40 através da análise formal e discursiva nas notícias de O Repórter Esso, sustentando-se nas categorias de Notícia, Estereótipo, Cultura, Imaginário, Discurso e Globalização. Das 13 edições e textos dos noticiários encontrados no Brasil, além de gravações avulsas, selecionaram-se, cinco assuntos básicos, dos anos 40 (Segunda Guerra, Pós-Guerra, Capitalismo X Comunismo e Política Internacional), e, a partir deles, escolhidas, para análise, 14 notícias.

PALAVRAS-CHAVE: radiojornalismo – anos 40 – Repórter Esso

1. Contexto sócio-histórico

Sessenta emissoras retransmitiram, por cerca de 30 anos, um dos maiores sucessos da radiofonia mundial: O Repórter Esso. Com notícias da United Press e supervisão da agência de publicidade McCann-Erickson, o radiojornal da Standard Oil of New Jersey – mais tarde tipificado como síntese noticiosa – acompanhou, conforme os seus slogans brasileiros (Testemunha Ocular da História e O Primeiro a dar as Últimas), – os principais fatos, ocorridos no planeta, no século XX, em especial, dos anos 30 até o início dos anos 70.

Milhares de edições foram ao ar em 15 países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Estados Unidos, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela), com repercussão em outras nações, através das ondas curtas (short waves) das emissoras irradiantes.

No Brasil e em outros países da América Latina, o noticioso chegou a reboque da Política da Boa Vizinhança (Good Neighbor Policy), demonstrando a preocupação dos Estados Unidos, com a possibilidade dos países latino-americanos apoiarem o nazifascismo, durante a Segunda Guerra Mundial. Depois do conflito bélico, a síntese de cinco minutos, que se ocupava, praticamente, só de notícias internacionais, produzidas pela UP, abre espaço para informações locais.

O desgaste político e o desinteresse da Esso excluíram o noticioso das programações jornalísticas brasileiras: primeiro, do rádio, em 1968, e, a posteriori, na televisão, em 1970. Logo, a tendência seria imitada pelos demais países latino-americanos e El Repórter Esso, também, sairia do ar.

A fama de O Repórter Esso perdurou até o seu término, mas as melhores décadas foram, conforme comprovam as aferições, as de 40 e de 50. A fase inicial do noticiário se estende de 1941 até os anos 50, com a cobertura dos grandes conflitos mundiais (Segunda Guerra, Guerra da Coréia, Guerra Fria, Capitalismo X Comunismo e Corrida Espacial).

Tecnicamente, a evolução temporal se reflete nos discursos mais diretos com a supressão dos adjetivos e pelo aprofundamento da forma com que era elaborada a síntese noticiosa, além da ênfase para notícias locais.

O objetivo do artigo será o de proceder a uma análise nas notícias de O Repórter Esso, sustentando-se nas categorias de Notícia (BAHIA, 1990b), Estereótipo, Cultura, Imaginário e Discurso (BARTHES, 1974, 1981, 1984, 1996 e 1999), e, em Globalização (THOMPSON, 2001), apresentando uma análise formal e discursiva dos noticiosos.

Das 13 edições e textos dos noticiários encontrados, além de gravações avulsas, selecionaram-se, cinco assuntos básicos, dos anos 40 (Segunda Guerra, Pós-Guerra, Capitalismo X Comunismo e Política Internacional), e, a partir deles, escolhidas, para análise, 14 notícias.

A seleção das amostras considerou dois fatores: os temas mais importantes dos anos 40 no Brasil e as referidas notícias, localizados durante a pesquisa nos acervos, prospectados em Brasília, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Para a análise das notícias, foram consideradas as edições reunidas dos anos 40 que tratam de períodos históricos, especialmente da Segunda Guerra.

Na época do conflito mundial, o noticioso chegou ao ápice da audiência[1], segundo as medições realizadas pelos institutos de pesquisa. No entanto a grande popularidade que a síntese noticiosa desfrutava junto aos ouvintes motivou a sua permanência no ar, a partir de então, com a montagem de uma redação na Rádio Nacional (atitude logo seguida pelas demais emissoras), para captar notícias locais. A idéia foi considerada avançada, no início, mas foi implantada e deu novo vigor ao Repórter Esso.

As notícias locais passaram a ser melhor exploradas e o noticiário tornou-se mais abrangente, informando sobre os matches (partidas de futebol), os teams (times de futebol) a cotação do café, as condições do tempo, os resultados do turfe, etc.

A partir de dois de dezembro de 1945, o Esso, mais uma vez, inovaria, sendo o primeiro a revelar os resultados das eleições. As notícias internacionais continuam, mas em menor quantidade. Contudo, o noticiário mantinha a ótica dos Estados Unidos. Situações favoráveis ou de ameaça à ideologia norte-americana mereciam destaque positivo ou negativo.

2. Análise Sócio-histórica dos anos 40

Os anos 40 foram caracterizados, basicamente, pela Segunda Guerra Mundial e pela organização dos governos dos continentes entre os países do eixo e os aliados. A Alemanha avançava pela Europa e os Estados Unidos, em princípio, demonstrando neutralidade no conflito que se desenrolava na Europa, se preparavam para entrar na guerra.

O período é conhecido como a Época de Ouro do rádio, com a consolidação do veículo como Meio de Comunicação de Massa, com a audiência em constante crescimento.

Durante o conflito, houve várias batalhas no campo dos veículos de comunicação. O radiojornalismo vivia a sua infância e concorria com os jornais matutinos e vespertinos. Entretanto, o vespertino começa a vencer essa escaramuça, com várias edições, inclusive, durante o dia, quando os noticiosos eletrônicos entram na fase adulta.

Os jornais se adaptam à presença do rádio e, depois da Segunda Guerra, as mudanças são inevitáveis, com uma sistematização interna e externa das redações, os textos diminuem e o lide (originário do lead) é adotado como primeiro parágrafo.

A importância do estilo no jornalismo corresponde às transformações culturais do pós-guerra. Antes de 1945, vários jornais americanos e europeus introduzem regras de linguagem em suas redações, mas é a partir das mudanças políticas, econômicas e sociais desse período que a prática se generaliza.

Isso coincide com maiores exigências dos leitores, com a expansão do rádio e o aparecimento de novas tecnologias nos setores básicos da produção industrial. (BAHIA, 1990b, p. 77 e 86)

Até 1950, a alma do rádio era o ecletismo e a variedade de programas (GOLDFEDER, 1980, p. 42 e 43). Era comum até os anos 60, especialmente no rádio e depois na TV, associar os nomes dos programas aos de empresas nacionais e estrangeiras.

No jornal, isso não era possível. Nesses, a publicidade se limitava às páginas internas, reduzindo, de forma aparente, a influência direta no conteúdo da informação. Os norte-americanos foram os que melhor souberam explorar esta tendência.

Os conceitos de propaganda e marketing foram se transformando, de acordo com as necessidades e mudanças do próprio mercado, baseados nos hábitos e no consumo da população, e na penetração cada vez maior dos meios de comunicação nos lares modernos.

Aos poucos, a modalidade de associar o nome do patrocinador ao programa foi sendo abandonada, por encarecer muito o tempo da publicidade. Em vista disso, os anunciantes preferiram ocupar as janelas e os intervalos dos programas, dando mais exposição aos seus produtos (DUALIBI, 1996).

A partir de 1939, o Brasil já recebia emissões estrangeiras de várias emissoras, através das ondas curtas (SW - short waves): o rádio estava globalizado. As ondas da Rádio Berlim, da BBC, da Voz da América, entre outras, privilegiavam audições em português. As populações de outros países também ouviam as programações especiais na língua nativa (TOTA, 2000, p. 144).

Uma das preocupações seguintes era a de oferecer programas jornalísticos, transmitidos pelas emissoras locais. Em 1939, a Esso já patrocinava, na Rádio Nacional, o programa radiofônico Variedades Esso e, em 1940, a narração de jogos de futebol, denominados, na época, de matches.

Com tão fortes predicados, o patrocinador e os produtores do Repórter Esso não tiveram dúvida ao escolher a Rádio Nacional para a transmissão do noticioso. Além de grandes astros e estrelas da música e do teatro, a emissora detinha, também, o melhor quadro de locutores do País, entre eles, Rubens Amaral, Celso Guimarães, Romeu Fernandes, Saint-Clair Lopes e Heron Domingues, que ficaria famoso ao ler de forma exclusiva o Repórter Esso.

2.1 As notícias dos Anos 40: época de guerra

Entre as notícias que receberam destaque nos Anos 40, estão a internalização de 16 navios do Eixo, que estavam em portos brasileiro em 28 de agosto de 1941 (1ª edição de O Repórter Esso), o ataque de aviões japoneses à base norte-americana de Pearl Harbor, em sete de dezembro de 1941; a declaração de guerra do governo brasileiro aos países do eixo em 22 de agosto de 1942; o envio da Força Expedicionária Brasileira à Itália em 1943; o desembarque das forças aliadas na costa normanda da França em seis de junho de 1944; a conquista da fortaleza nazista de Monte Castelo pela FEB em 21 de fevereiro de 1945, a rendição da Alemanha em nove de maio; o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente, em seis e nove de agosto de 1945, a rendição do Japão em 14 de agosto de 1945, a renúncia do presidente brasileiro Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945, a divulgação dos resultados da eleição para a Presidência da República a partir de dois de dezembro de 1945 e o início da Guerra Fria.

Ainda, em nível nacional, o Partido Comunista do Brasil é colocado fora da lei e o Brasil rompe relações com a, então, União Soviética, em 1948. Um ano depois, em 1949, O Repórter Esso realiza um feito sem precedentes, para a época: acompanha o presidente Eurico Gaspar Dutra aos Estados Unidos, transmitindo edições de todos os pontos do território visitado pelo Presidente brasileiro.

As notícias dos anos 40 apresentaram como característica o conflito mundial: a Segunda Guerra. Das amostras selecionadas, os assuntos principais concentram-se na Segunda Guerra, no Pós-Guerra, na luta do Capitalismo X Comunismo e o posicionamento dos países em relação a uma Política Internacional.

Até 1945, os textos se restringem à guerra (ataque dos japoneses a Pearl Harbor e a rendição da Alemanha, da Itália e do Japão). Os discursos, com muitos adjetivos, valorizavam o feito das tropas aliadas (inclusive da Força Expedicionária Brasileira), a Política de Boa Vizinhança e preconizam a união definitiva das Américas contra os agressores mundiais. Também o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki confere um certo tom de mistério a essa nova e poderosa arma, capaz de varrer cidades do mapa múndi.

No Pós-Guerra (fim de 1945 até 1950), os assuntos do noticioso versam sobre a queda dos ditadores e o restabelecimento da democracia (renúncia de Getúlio Vargas), a criação de Israel e a possibilidade dos Estados Unidos terem feito conchavos com ditadores da América Latina. Com a Guerra Fria, o Comunismo e o Capitalismo passam a freqüentar os discursos, sempre em tom de desafio ou de denúncia (Perón acusa os consórcios capitalistas internacionais de atentarem contra a vida dele e da esposa).

Em meio à nova reorganização geográfica do mundo do Pós-Guerra, a Política Internacional ocupa boa parte das notícias, preconizando a defesa conjunta e ajuda mútua dos países americanos (Tratado do Rio de Janeiro, 1947). Até mesmo o Papa Pio XII se manifesta, falando em francês, que “o mundo se encontra ante uma verdadeira encruzilhada e que 1948 será um ano de graves resoluções”. Mais uma vez a Globalização se apresenta, através dos meios de produção, pela forma e pelo conteúdo, apresentados nas notícias do Esso.

Os anos 40 se encerram com as perspectivas democráticas reinantes no mundo e, especialmente, nos Estados Unidos, preparando tempos modernos para a década de 50. Porém uma nova guerra se inicia e as tendências entre as duas nações-pólo do mundo ficam acirradas, comprometendo as visões mais otimistas. Qualquer tema em discussão no planeta recebe diferentes versões e interpretações, aparecendo com maior nitidez a intenção de controlar as fontes de energia, em especial, das jazidas de petróleo, espalhadas pelos diferentes continentes.

3 Análise Formal e Discursiva das notícias dos anos 40
Duas fases podem ser distinguidas, ao se analisar os noticiários selecionados: a primeira, em que quase a totalidade das notícias tratava da Segunda Guerra Mundial e era francamente favorável aos aliados; e a segunda, sob a pressão da Guerra Fria e a ameaça do comunismo.

No entanto a grande popularidade que a síntese noticiosa desfrutava junto aos ouvintes motivou a sua permanência no ar, a partir de então, com a montagem de uma redação na Rádio Nacional (atitude logo seguida pelas demais emissoras), para captar notícias locais. A idéia foi implantada e deu novo vigor ao Repórter Esso.

As notícias locais passaram a ser melhor exploradas e o noticiário tornou-se mais abrangente, informando sobre os matches (partidas de futebol), os teams (times de futebol) a cotação do café, as condições do tempo, os resultados do turfe, etc.

A partir de dois de dezembro de 1945, o Esso, mais uma vez, inovaria, sendo o primeiro a revelar os resultados das eleições. As notícias internacionais continuam, mas em menor quantidade na área espaço-tempo. Contudo, o noticiário mantinha a ótica dos Estados Unidos. Situações favoráveis ou de ameaça à ideologia dos Estados Unidos mereciam destaque positivo ou negativo.

Dessa maneira, os discursos de O Repórter Esso podem ser divididos em antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Em ambas as fases, o noticiário atendia aos interesses comerciais e políticos. Patrocinado pela Standard Oil of New Jersey, uma das maiores companhias petrolíferas do mundo, o Esso anunciava comercialmente produtos no varejo, como combustíveis (gasolina e óleo), fogareiros, entre outros produtos.

Quando o Esso começou a ser transmitido no Brasil, outros países já veiculavam o informativo. Nos primeiros quatro anos, período em que predominaram as notícias da Segunda Guerra, não houve problemas com a censura brasileira. O noticiário foi para o front e inaugurou a guerra de informações, pois ele nasceu no Brasil, para informar a sociedade sobre os acontecimentos da Segunda Guerra, jamais se afastando da ótica dos Estados Unidos.

O noticiário era baseado, quase que exclusivamente, em fatos, envolvendo os combates na Europa. Em edições extraordinárias, muitas vezes, O Repórter Esso interrompia até programas humorísticos, para transmitir notícias trágicas. Deste modo, ele desempenhou um papel importante ao influenciar a posição do governo brasileiro diante do conflito.

No início dos anos 40, o oceano Atlântico se transformou em área de risco para a navegação comercial. Alguns navios mercantes brasileiros foram torpedeados, e o Esso fazia despertar o sentimento de defesa da pátria, condenando a ofensiva do Eixo, exorcizando alemães, italianos e japoneses pelos atos contra o Brasil.

Em vista disso, é atribuída ao Repórter Esso uma importante parcela de influência no consenso popular que levou o Presidente Getúlio Vargas a abrir mão de sua primeira tendência pró-nazi-fascismo, e depois de neutralidade, e colocar o Brasil ao lado das forças aliadas.

Ao mesmo tempo, o governo americano tinha interesse em contar com o apoio brasileiro, pois o Nordeste do País se constituía numa região estratégica. Ali, os americanos pretendiam – e montaram – uma base aérea, para possibilitar a abertura de uma nova frente de batalha pelo Norte da África. Isto, de fato, terminou acontecendo.

Antes, porém, o Presidente Getúlio Vargas realizou uma longa negociação com os Estados Unidos. Em troca das bases no Nordeste, a United States Steel Corp. forneceu tecnologia para a construção em Volta Redonda, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada em 1946, no Rio de Janeiro. Os americanos, também, ergueram a Base de Pára-Mirim, na Barreira do Inferno, em Natal.

Nessa primeira fase, a palavra telegrama aparecia como sinônimo de notícia e era possível notar certo exagero no uso de adjetivos e na forma de redação, ainda rebuscada e pomposa, como nos jornais da época, embora o texto fosse menor e mais direto. Era o embrião de um texto específico para o radiojornalismo no Brasil.

3.1 Notícia

Em geral, as informações, divulgadas no noticiário, não cumpriam todas as fases previstas por Bahia (1990b), para transformar uma informação em notícia. A fase inicial do noticiário se estende de 1941 até os anos 50, com a cobertura dos grandes conflitos mundiais. Tecnicamente, a evolução temporal se reflete nos textos mais diretos com a supressão dos adjetivos e pelo aprofundamento da forma com que era feito o Repórter Esso.

Os detalhes foram considerados ao máximo, para dar a impressão de perfeição. A característica, a frase de abertura, a maneira de narrar os fatos, a ilusão de que os telegramas chegavam na hora – quando, na verdade, estavam com o locutor há muito tempo, etc. Os critérios, a informação exata e honesta (ou redigida de forma a parecer exata e honesta), a estética do noticioso (compacta, rápida, dinâmica), as notícias sem posição clara, mas apresentando a opinião subentendida.

Os discursos eram curtos, mas nem sempre objetivos, e, muitas vezes, não respondiam aos seis quesitos do lide (que, quem, como, quando, onde, porque), conforme preconiza Bahia para que uma informação se transforme em notícia. Alguns textos, especialmente durante as guerras, desprezavam o contexto e iam ao ar sem as explicações necessárias para que o ouvinte entendesse.

O principal era criar uma expectativa na audiência, sem explicar o que realmente estava acontecendo. A linguagem era parcial, enaltecendo a posição dos Estados Unidos e seus aliados na luta contra os nazi-fascistas, comunistas e soviéticos em relação à corrida espacial.

A parcialidade caracterizava algumas notícias (especialmente na época das guerras ou que difundiam o modo de vida dos Estados Unidos) como propaganda, segundo o que enseja Lima (1970, p. 64-65), de que podem ser considerados programas ou notícias de propaganda, as “informações emitidas com o propósito de persuadir, de convencer, de levar a audiência à mudança de opiniões e atitudes”.

Quanto à utilização de uma única agência, mesmo que isso não represente, de antemão, qualquer parcialidade, convém recordar, de acordo com Thompson (1995, p. 240), apesar de se constituírem em organizações comerciais independentes, as agências noticiosas tinham “campos de operação que correspondiam a esferas da influência econômica e política das principais potências imperialistas”.

Não há como negar, conforme o autor, que “cada agência colaborava estreitamente com os representantes do governo no Estado que lhes servia de base doméstica, e a expansão econômica e política desses Estados foi facilitada pelos serviços de comunicação, propiciados por essas agências”.

Há que se considerar as notícias, divulgadas durante a Segunda Guerra, francamente favoráveis aos aliados, além dos posicionamentos, nesse mesmo sentido, expressos nas notícias sobre a Guerra da Coréia, nas informações anticomunistas e da exploração de petróleo no mundo.

A partir dessa análise, pode-se constatar que, muitas vezes, as notícias distribuídas pela agência UP, especialmente na década de 40, apresentavam-se com vícios de origem, isto é, deixavam transparecer a simpatia com a causa aliada e com o estilo de vida dos Estados Unidos. Nos anos 50, o mesmo ocorreu com as informações relacionadas com a o capitalismo e com ameaças veladas em relação à prospecção de petróleo no mercado internacional.

3.2 Estereótipo

A aplicação de estereótipos era comum em todos os discursos da síntese. Havia a repetição de termos, como a marcar, ritmadamente, uma informação, conferindo a ela um sentido pré-determinado, “como um oportunismo da linguagem, como uma via natural da verdade” (BARTHES, 1999, p. 57).

Durante a cobertura da Segunda Guerra, é percebido, no texto de O Repórter Esso, a presença de adjetivos; alguns valorizando as iniciativas aliadas como: “poderosas” forças, “vigorosas” lutas, “tenaz” batalha, “histórica” resistência, “gigantesco” orçamento, “graves” resoluções, “sábia” política da boa vizinhança de Roosevelt; ou atribuindo qualidades depreciativas aos inimigos como: “tragicômico” Duce, “sanguinário” fascismo; além de outros adjetivos como “sensacional”, “grande”, “maior”, quando se referiam aos feitos norte-americanos.

Também podem ser observados estereótipos como: “vermelhos” ou “inimigos”, para se referir aos comunistas; e expressões como “último baluarte” ou frases de efeito como “a história humana jamais esquecerá este nome, o mundo se encontra ante uma verdadeira encruzilhada, em esferas responsáveis, reina a impressão”.

Outra técnica utilizada era criar um clima de tensão, de apreensão, ao preceder a última notícia com as palavras de “atenção, urgente, urgentíssimo” ou ainda: “e agora o último telegrama”.

Através dos estereótipos, todos os alemães, japoneses e italianos passaram a ser “agressores”, numa generalização prejudicial a convivência de muitos imigrantes em território nacional. A eufemização apareceu na análise, pois os aliados nunca “invadiam”, sempre “defendiam”, enquanto os japoneses, alemães e italianos sempre “invadiam”, nunca “defendiam”.

Neste particular, o noticiário trabalhou com a metáfora, pois, enquanto as autoridades aliadas eram enaltecidas com adjetivos positivos, os líderes do eixo eram tachados de “tragicômico”, de “sanguinário”, entre outros estereótipos negativos.

Ainda, nesse particular, o noticiário sempre se referia aos aliados, como uma entidade única, unificada, reforçando o conceito em que as “Américas declaram-se unidas, condenando em declaração histórica, os agressores mundiais”.

Já os integrantes do Eixo eram sempre fragmentados, através da diferenciação e do expurgo do outro: os japoneses atacaram, os alemães (...), os italianos (...) Somente havia a unificação, quando o caráter a ser considerado na notícia era negativo: “agressores”, “fascistas”, “nazistas”.

Esses adjetivos chegavam às notícias já de uma forma estereotipada, abrindo, conforme Barthes (1981, p. 172), “completamente a porta à ideologia”, existindo “identidade entre ideologia e estereótipo”.

Para o autor, “mesmo quando escapa a repetição, o adjetivo, enquanto atributo maior, é também o caminho real do desejo, o dizer do desejo, uma forma de afirmar a vontade”.

Os atos praticados pelos aliados eram sempre valorizados com os seguintes adjetivos: “poderosas” forças, “vigorosa” luta, “tenaz” batalha, “histórica” resistência, “sábia” política de boa vizinhança de Roosevelt. As atitudes aliadas eram legitimadas pela defesa de um ataque desfechado, pela idéia de que “os nossos interesses são os de todos” e pela invocação das tradições da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, principais forças aliadas.

3.3 Cultura

As influências culturais dos Estados Unidos e do capitalismo estavam presentes nas edições diárias do noticiário. Além de ser produzida pela United Press (UP), agência noticiosa dos Estados Unidos, O Repórter Esso era supervisionado pela McCann-Erickson, ex-agência de publicidade doméstica da Standard Oil Company. As edições eram estruturadas de forma a reservar espaço para a publicidade.

As notícias eram, em verdade, mercadoria, pois, embora redigidas em uma agência de notícias, tinham a supervisão de uma agência de publicidade. Era assim que a estrutura estava montada na matriz, os Estados Unidos, onde o Repórter Esso se constituía na via natural de informações para os ouvintes daquele País. Em nível externo, ele serviu para consolidar o american way of life, um estilo de vida, uma forma de pensar e agir.

Mesmo um noticiário, considerando-se imparcial, ao ser analisado sob a ótica da Cultura, a sua linguagem transparece. Para Barthes (1981, p. 150), é impossível praticar uma não-cultura, “pois a cultura é uma fatalidade” normalmente apoiada “em estereótipos, em fragmentos de linguagem que já existem”.

Não é possível, também, esconder o sujeito, pois, de acordo com o autor (1984, p. 20), não há sujeito fora da linguagem. A linguagem o denuncia, apesar da tentativa de se esconder atrás do imparcial e do neutro.

A cultura de massa, para Barthes (1984), tem uma aparência de homogeneidade, mas se apresenta com “uma grande divisão das linguagens culturais”. Não há como unificá-la, a partir do momento em que “há sempre na cultura uma porção de linguagem que o outro (e, portanto, eu) não compreende”.

A cultura de massa, para o autor, por repetir-se, constantemente, oferece um elevado grau de “degradação, porque não há invenção; os modelos são repetidos, aplanados”.

O Repórter Esso se enquadra na categoria de Cultura, pois, como refere Barthes, “se a cultura é o que se mantém” e aparece “como um sistema geral de símbolos”, a estrutura do noticiário, apesar de extinto, no Brasil, desde dezembro de 1968, ainda serve de modelo para outras sínteses e resumos noticiosos, não só no rádio, mas, também, na televisão e na Internet.

3.4 Imaginário

Desde o início, o noticiário tinha cunho político-ideológico definido, conforme Ortiwano (1985, p. 76), mas, uma análise mais detalhada necessitaria que fosse possível detectar ou mesmo medir a quantidade de informações que não foram veiculadas no Repórter Esso.

A exclusão de certos assuntos no processo de edição mostra os interesses e as opções ideológicas aplicados ao noticiário. O número de notícias sobre determinado assunto é tão significativo, ou mais, do que o tratamento, pela redação, que a notícia veiculada recebe.

Como ressalta Marcondes Filho (1989, p. 12), “atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, com que destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o meio de comunicação um veículo de reprodução parcial da realidade”.

No Esso, há uma coerência na busca da imagem de “imparcialidade”, para reforçar a “credibilidade”. A preocupação da agência de publicidade, que acompanhou a história do noticiário, tratou de vários aspectos, da pontualidade à entonação com que o locutor deveria ler as notícias. O som, que entra pelo ouvido, gera desconfiança e insegurança (BRAJNOVIC, 1974). Sendo assim, o jornalismo radiofônico necessita de uma linguagem convincente, persuasiva, clara e concreta, que realce o compromisso com a verdade.

A locução, no Esso, segue essa premissa e reforça a idéia de “credibilidade”. A contratação de locutores exclusivos serve como confirmação à “imagem” do noticiário, faz parte da sua identidade, integra num mesmo ser o locutor, o noticiário e a “marca” do patrocinador. As campanhas de utilidade pública contribuíram para reforçar ainda mais a credibilidade do Repórter Esso.

Também as edições extraordinárias, aquelas não previstas e transmitidas durante a guerra, conferiram ao noticiário ainda mais credibilidade. Nos áureos tempos, quando o ouvinte escutava a característica fora do horário tinha certeza de que a notícia que viria a seguir seria realmente muito importante para os destinos do País e do mundo (ORTRIWANO, 1985, p. 96).

Outro item importante à credibilidade foi a determinação de horários certos para a entrada do Repórter Esso. A pontualidade destacava o noticiário, na grade radiofônica da época, não muito rígida com os horários de início e término.

O período, em que não eram veiculadas notícias nacionais, aponta questões relevantes. Sem apoiar ou se confrontar com interesses locais, o Esso ganhava trânsito livre para divulgar o que interessava à Standard Oil naquele momento e ao próprio governo dos Estados Unidos. Com o fim da guerra, a medida não mais se justificava.

As notícias nacionais e locais surgem, então, atendendo a uma necessidade de mercado. Servem para manter a audiência dos “consumidores” do conteúdo, veiculado e da “marca” Esso, mais do que dos produtos da empresa, mas também do que era vendido pela Standard. A concorrência com outros noticiários impulsiona essa tendência de se voltar para o “local”.

Quando o Repórter Esso se assume como porta-voz da Standard Oil é que a identificação entre noticiário e marca se torna mais importante. A “credibilidade” do noticiário se transfere para o patrocinador. Essa “credibilidade” é fundamental para manter os ouvintes. Uma outra emissora, num outro noticiário, pode ter veiculado uma informação importante antes, mas os ouvintes vão sintonizar o Esso para confirmar.

Como já dizia Lippmann (1922, p. 30), “muitas vezes não acreditamos realmente no que vemos à nossa frente, enquanto não lemos a respeito no jornal ou ouvimos no rádio”. Ou no Repórter Esso.

Com isso, a “credibilidade” assume um valor maior do que o “furo”, tornando o slogan “O primeiro a dar as últimas”, superável e superado. Surge, então, uma segunda frase para caracterizá-lo: “Testemunha ocular da história”.

Mesmo esse slogan pode ser analisado como “testemunha do que realmente importa”, dos fatos mais importantes, daqueles que vão influenciar a humanidade, “dos que vão fazer parte da história”, e não de “outros”, que são excluídos, porque “não importam”, não têm expressão tão grande para o mundo, a partir do ponto de vista dos interesses veiculados através do Esso, que coincide com o ponto de vista dos Estados Unidos.

A análise do discurso de uma notícia de rádio, onde a informação se apresenta concentrada, transitaria ainda pela lingüística, pela psicanálise e outras abordagens que pudessem desvendar o “significado” das palavras utilizadas, mesmo as que parecem comunicar a “isenção”. É exatamente nesta “isenção” que o Esso parece revelar os interesses que justificaram sua existência enquanto noticiário. É a “imparcialidade” como um “signo” que, neste caso, serve para “esconder”, “dissimular”.

Como é citado por Barthes (1984, p. 128), lembrando Nietzsche, não há fatos sem que haja um sentido. As notícias, expressando um discurso, conferem um sentido, mesmo que parcial, de beneficiar alguma instituição ou algum modo de vida. Assim, alguns discursos escondem o sujeito (BARTHES, 1984, p. 16), a título de objetividade, enquanto algumas notícias apresentavam o discurso histórico como se fosse mítico. Para o autor (BARTHES, 1984, p.65), o mítico está presente na frase em que são contadas histórias.

A escolha das palavras era meticulosa. Estabelecia o contexto da informação, “pois a palavra faz parte da guerra de linguagens” (BARTHES, 1984, p. 186 e 220). Algumas, inclusive, tinham o “uso mágico” e eram empregadas em diversas situações para suscitar determinados sentimentos na audiência. Palavras radiofonizáveis, conforme observações de Thompson (1995, p. 27) e González (1993, p.56) , que garantam uma oralidade de segunda ordem, aquela feita sob medida, industrial e organizacionalmente estruturada, com a dupla qualidade, simultânea, de mercadoria e produto, elaborados para significar.

O ponto de encontro da oralidade de primeira ordem (situacional e contextual) e de segunda é precisamente o mercado de bens culturais.

Barthes (1999, p. 24, 26 e 82) esclarece o porquê dos textos curtos no rádio, provenientes da linguagem telegráfica e da redação publicitária: “um texto sobre o prazer não pode ser senão curto”. O texto, que, segundo o autor, “é uma teia”, captura o leitor, o ouvinte e está presente, pela novidade, pelo poder de envolvimento, no Repórter Esso.

As notícias, na edição, eram ordenadas de forma a causar frisson na audiência.

As informações do Esso divulgavam a filosofia capitalista. Assim, a linguagem capitalista se transformava em doxa, pois, conforme Barthes (1999, p. 38,39,40 e 43), “a ideologia passa pelo texto como o rubor por um rosto”.

Não é possível esconder essa intenção. Mesmo que os redatores, intermediários no processo, demonstrassem a neutralidade, Barthes (1999, 47 e 48) entende que, “como criatura de linguagem, o escritor está sempre envolvido na guerra das ficções (dos falares), mas nunca é mais do que um joguete”.

3.5 Discurso Encrático

Não só o discurso direto está nos noticiosos. Há a presença do discurso da ausência, através da omissão. A idéia de exclusão, pois não há um “esquecimento” propriamente dito, mas um “esquecimento intencional”, “editando” informações que não são divulgadas. O que era escolhido para fazer parte do noticiário, bem como o que nele era veiculado, tem a mesma importância na análise, preocupação sempre presente na história do Esso.

Assim, as notícias veiculadas no Repórter Esso podem desempenhar o papel de propaganda política ou ideológica, enquadrando-se no pressuposto, estabelecido por Jules Rassak (citado por MATTELART, 1994, p. 85), de que a notícia que se limita a anunciar fatos tem efeito de propaganda superior aos textos e discursos políticos cujo objetivo principal é fazer propaganda.

No processo de seleção das notícias, são escolhidas aquelas que interessa divulgar, com opiniões pertinentes que as sustentem e as fortaleçam perto de outras, discriminadas e, portanto, sem acesso aos Meios de Comunicação de Massa.

Foi possível notar, também, no discurso do noticioso, a transformação das ações em nomes e a colocação dos verbos na voz passiva, apagando os atores e a ação, tornando os fatos sem sujeito, sem autores. Neste particular, a voz ativa aparecia na frase, quando algum fato positivo dos aliados deveria ser destacado.

No discurso geral do Repórter Esso, é possível captar traços de poder, tendo em vista que ele está presente “nos mais finos mecanismos do intercâmbio social: não somente no Estado, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, pois o poder nunca perece” (BARTHES, 1996, p. 10,11 e 12). O poder, de acordo com o autor, reside na língua, a partir do momento que a língua é uma classificação, e toda classificação é opressiva.

O discurso presente no noticioso é misto, mas predominantemente encrático (ligado à sombra do poder do Estado). É um discurso conforme o paradigma capitalista dos Estados Unidos, mas acrático e para-doxal frente ao governo brasileiro, na época de Getúlio Vargas. Essas alterações, conforme Barthes, são permanentes. Às vezes, o discurso se apresenta acrático contra um determinado governo, mas é, em paralelo, encrático quanto ao modo de governar.

Com o Esso, o discurso foi hegemonicamente encrático quando tratava dos aliados, do capitalismo, da política do petróleo e do estilo de vida dos americanos, mas era acrático frente aos países do eixo, ao comunismo e outras políticas a que se opunha por questões filosóficas.

3.6 Globalização

O Repórter Esso, conforme foi possível demonstrar, nunca deixou o seu caráter transnacional. Era uma cópia do noticioso, implantado nos Estados Unidos, em 1935, e, durante a sua existência, esteve presente em 60 emissoras de 15 países (Estados Unidos, Argentina, Brasil, Costa Rica, Cuba, Honduras, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Porto Rico, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile e Uruguai). As notícias provinham de uma única agência, a United Press, com ramificações no planeta.

Na época, o mundo estava sendo interligado pelas agências de notícias numa arena global, através de cabos submarinos e pelo espectro eletromagnético. As rotas de comunicação sempre seguiram o poder político e econômico. Assim, ocorreu, também, com O Repórter Esso, patrocinado pela Standard Oil, um dos maiores conglomerados dos Estados Unidos, com braços de prospecção, distribuição e produção de derivados de petróleo espalhados por todo o globo.

Além disso, as notícias do Repórter Esso circulavam numa arena global, pois o material produzido pela UP era distribuído em todos os continentes. Essas agências noticiosas, por sua vez, se utilizavam, de forma predominante, do discurso encrático (discurso do poder) para a formulação dos textos, uma vez que os seus objetivos, muitas vezes, estavam ligados aos interesses dos governos aos quais lhe repassavam benefícios (cabos submarinos ou outras formas de conexão com o mundo).

Na década de 40, há duas locais para 12 internacionais. As notícias, bem como o seu fluxo, de ida e volta, também atestam a Globalização de O Repórter Esso. Nos anos 40, a Segunda Guerra predomina com a totalidade dos 12 textos.

Ao mesmo tempo, se, no início, o noticiário era quase que vetado a notícias locais, esses informes eram colhidos em território brasileiro e distribuídos no exterior pela United Press, através de uma ação integrada, o que caracteriza aspectos globalizantes muito fortes no processo de coleta e distribuição das notícias no mundo, a partir da associação e articulação entre a Standard Oil Company (Esso), patrocinador de O Repórter Esso, e os produtores do noticioso, as agências de publicidade McCann-Erickson e a de notícias United Press.

4 Interpretando e reinterpretando O Repórter Esso

O Repórter Esso é uma forma simbólica por representar um grande conglomerado internacional e constituir-se na primeira forma de globalização de um noticioso de rádio.

Traz, em vista disso, interesses empresariais inerentes a sua própria existência. Por se inserir no Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, carrega consigo, além da ideologia empresarial, a ideologia e a cultura de um estado-nação, no caso os Estados Unidos da América do Norte.

Com o fim da guerra e a proposta de democracia vencendo no mundo, as ditaduras perderam força, e o desgaste político do Estado Novo afastou o Presidente Getúlio Vargas do poder em 1945. No Brasil, foram realizadas eleições diretas vencidas pelo General Eurico Gaspar Dutra, que governou de 1946 a 1951.

Durante o Governo Dutra foi fechada a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e promulgada a nova Constituição (1946). O Partido Comunista foi colocado na ilegalidade (1947) e o Brasil rompeu relações diplomáticas com a União Soviética (1948). Novas eleições foram realizadas em 1950. Getúlio Vargas venceu, assumindo a Presidência da República em 1951.

Ao tomar posse, Vargas baixou o Decreto nº 29.783, considerado pelos donos das emissoras um atentado à liberdade da radiodifusão. O decreto[2] garantia ao Governo o direito de rever a cada três anos as licenças de concessões de canais, concedidas com o prazo máximo de dez anos, submetendo-os à cassação e não oferecendo garantias aos proprietários.

O Repórter Esso se utilizava do tom oficial, de expressões do tipo “fontes bem-informadas”, “porta-voz oficial” na forma passiva neutralizante e no tempo condicional, o que, para Marcondes Filho (1989, p. 48), favorece o comportamento receptivo da audiência.

Essa forma de transmissão noticiosa busca identificar uma imagem neutra, oficial, séria e indiscutível (Cultura), tom direto, restritivo e imperativo, conferindo autoridade ao comunicado. Além disso, o uso de rótulos, adjetivos e definições de conotação negativa servem para estigmatizar determinados objetivos, constituindo-se em outra tática empregada para criar animosidade contra determinadas pessoas ou grupos políticos.

Algumas notícias eram interpretadas pelos produtores (redatores). Em outros casos, a forma de redigir apresentava associações e adjetivos, alguns depreciativos, que demonstravam não só o posicionamento da empresa, mas do noticiário e dos profissionais que ali trabalhavam.

Através da interpretração dos discursos do noticiário é possível perceber que a notícia de O Repórter Esso não esteve livre da influência dos agentes econômicos que a patrocinaram. As edições nos anos 40 foram dedicadas exclusivamente às notícias internacionais, enaltecendo somente os feitos dos norte-americanos na guerra e engrandecendo as atitudes do Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt e seus sucessores.

Em geral, os detalhes do noticioso foram considerados ao máximo para dar a impressão de perfeição: a característica de tambores e fanfarras, chamando o ouvinte para escutar o Esso; a frase de abertura (Alô, alô Repórter Esso, alô...); a maneira de narrar os fatos com a ilusão de que os telegramas chegavam na hora, quando, na maioria das vezes, eles estavam com o locutor há muito tempo.

Além desses fatores, somavam-se, ainda, os critérios de seleção das notícias, a informação redigida de forma a parecer exata, neutra, mas apresentando uma opinião subentendida e a estética do noticiário (compacta, rápida e dinâmica).

Os discursos eram curtos, mas nem sempre objetivos, e, muitas vezes, não respondiam aos seis quesitos do lide (que, quem, como, quando, onde, porque). Algumas notícias desprezavam o contexto e iam ao ar sem as explicações necessárias para que o ouvinte entendesse.

O principal era criar a expectativa na audiência, sem explicar o que realmente estava acontecendo. A linguagem era parcial, enaltecendo a posição dos Estados Unidos e seus aliados na luta contra os nazi-fascista. O mesmo recurso foi utilizado durante a Guerra Fria contra o comunismo.

A mistura de discursos (Encrático e Acrático) é uma das características das notícias do Esso, mas há a predominância do primeiro. Ele está ao lado, em sua maioria, do discurso dos Estados Unidos, como nação. No entanto se apresenta acrático frente ao governo brasileiro, especialmente, quando os interesses do Brasil não coadunam com os americanos.

O noticiário apresentava-se com um Discurso Encrático, quando tratava de assuntos de interesse do grupo aliado, do livre mercado ou da política petrolífera, por exemplo. E deixava transparecer nuances acráticas, quando o sujeito estava ligado aos países do eixo (Alemanha, Itália e Japão).

Em outras palavras, a publicidade de que os discursos presentes nas notícias eram imparciais e neutros, não passava, talvez, de um desejo de quem idealizou o noticiário e da empresa; aliás, sentimento muito bem cultivado na audiência, pois O Repórter Esso tem sido considerado exemplo de noticioso, justamente, por suas características intrínsecas, como a seriedade, a neutralidade, a imparcialidade e a credibilidade.

Coube, ainda, ao noticiário contribuir na difusão tanto do estilo de vida americano, o american way of life, como da cultura capitalista, sendo considerado um ponta-de-lança na americanização do Brasil.

Os comerciais, encaixados antes da última notícia, estimulavam a compra de bens como automóveis, fogões, fogareiros, baterias, óleos e lubrificantes. E, junto com a síntese noticiosa, chegaram os chicletes, a Coca-Cola, as revistas em quadrinhos e uma série de hábitos americanos.

A Globalização estava presente não só nos meios de difusão, pois a maioria das notícias provinha dos Estados Unidos, mas com a própria estrutura do noticioso, definido por um Manual[3] como em todos os países onde o Esso era irradiado. O controle era quase completo, pois a United Press, na origem, definia qual a “informação” passível de ser divulgada, enquanto a autocensura dos produtores e editores se encarregava de bloquear as notícias de caráter “duvidoso”.

Evidenciam-se, nesses aspectos, as contradições entre a filosofia da empresa, defensora do livre mercado, e a prática. A livre iniciativa, preconizada em âmbito empresarial, não se aplicava à divulgação imparcial das notícias.

Assim, o ideal de “imprensa livre” e sem compromissos com os grandes conglomerados econômicos também pode ser fabricado a exemplo da “imparcialidade” e “neutralidade” apresentadas como requisitos básicos do noticiário em análise.

Mesmo a objetividade, preconizada como característica do texto radiofônico, esconde um conteúdo superficial, sem contexto, sem história. Observa-se, ainda, que a imparcialidade, a neutralidade e a credibilidade, muitas vezes, são predicados usados com a intenção de transmitir à opinião pública uma aparência de verdade.

Notas

[1] De 1943 a 1955, os levantamentos do IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa – somente mediam as unidades em 15 minutos. Mesmo assim, os módulos onde O Repórter Esso estava incluído apresentavam índices 25% mais altos do que as unidades anteriores e posteriores. Esses percentuais chegaram ao auge, no primeiro semestre de 1945, alcançando em torno de 50% e começaram a cair no pós-guerra.

[2] Com a morte de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, esse decreto foi revogado pelo Presidente Café Filho (1954-1955). Nos governos seguintes, outros decretos viriam para apertar ou afrouxar o domínio sobre o rádio.

[3] O noticioso tinha normas de redação rígidas, intituladas Manual de Produção do Repórter Esso, destacando o seu caráter imparcial e neutro na redação dos textos. O controle sobre o noticiário era quase completo. A United Press selecionava as informações e a McCann-Erickson atuava na criação, evolução e supervisão. Só detinham direito à fala as autoridades legalmente constituídas, pois “a notícia estava na fonte oficial”. O manual revelava extrema preocupação com a seleção das informações, a forma da notícia e com a edição, que deveria ter exatos cinco minutos.

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# Trabalho apresentado no VII Congresso Latino-Americano de Ciências da Comunicação, da Associação Latinoamericana de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), realizado na Faculdad de Periodismo y Comunicación da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, de 11 a 16 de outubro de 2004.

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