Artigos
O
radiojornalismo brasileiro nos anos 40:
uma análise formal e discursiva a
partir
das notícias de O Repórter Esso
Por
Luciano Klöckner
Resumo
O
objetivo do artigo será o de proceder a um estudo do
radiojornalismo brasileiro dos anos 40 através da análise
formal e discursiva nas notícias de O Repórter
Esso, sustentando-se nas categorias de Notícia, Estereótipo,
Cultura, Imaginário, Discurso e Globalização.
Das 13 edições e textos dos noticiários
encontrados no Brasil, além de gravações
avulsas, selecionaram-se, cinco assuntos básicos, dos
anos 40 (Segunda Guerra, Pós-Guerra, Capitalismo X Comunismo
e Política Internacional), e, a partir deles, escolhidas,
para análise, 14 notícias.
PALAVRAS-CHAVE:
radiojornalismo anos 40 Repórter Esso
1.
Contexto sócio-histórico
Sessenta
emissoras retransmitiram, por cerca de 30 anos, um dos maiores
sucessos da radiofonia mundial: O Repórter Esso. Com
notícias da United Press e supervisão da agência
de publicidade McCann-Erickson, o radiojornal da Standard Oil
of New Jersey mais tarde tipificado como síntese
noticiosa acompanhou, conforme os seus slogans brasileiros
(Testemunha Ocular da História e O Primeiro a dar as
Últimas), os principais fatos, ocorridos no planeta,
no século XX, em especial, dos anos 30 até o início
dos anos 70.
Milhares
de edições foram ao ar em 15 países (Argentina,
Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Estados Unidos,
Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico,
República Dominicana, Uruguai e Venezuela), com repercussão
em outras nações, através das ondas curtas
(short waves) das emissoras irradiantes.
No
Brasil e em outros países da América Latina, o
noticioso chegou a reboque da Política da Boa Vizinhança
(Good Neighbor Policy), demonstrando a preocupação
dos Estados Unidos, com a possibilidade dos países latino-americanos
apoiarem o nazifascismo, durante a Segunda Guerra Mundial. Depois
do conflito bélico, a síntese de cinco minutos,
que se ocupava, praticamente, só de notícias internacionais,
produzidas pela UP, abre espaço para informações
locais.
O
desgaste político e o desinteresse da Esso excluíram
o noticioso das programações jornalísticas
brasileiras: primeiro, do rádio, em 1968, e, a posteriori,
na televisão, em 1970. Logo, a tendência seria
imitada pelos demais países latino-americanos e El Repórter
Esso, também, sairia do ar.
A fama de O Repórter Esso perdurou até o seu término,
mas as melhores décadas foram, conforme comprovam as
aferições, as de 40 e de 50. A fase inicial do
noticiário se estende de 1941 até os anos 50,
com a cobertura dos grandes conflitos mundiais (Segunda Guerra,
Guerra da Coréia, Guerra Fria, Capitalismo X Comunismo
e Corrida Espacial).
Tecnicamente,
a evolução temporal se reflete nos discursos mais
diretos com a supressão dos adjetivos e pelo aprofundamento
da forma com que era elaborada a síntese noticiosa, além
da ênfase para notícias locais.
O
objetivo do artigo será o de proceder a uma análise
nas notícias de O Repórter Esso, sustentando-se
nas categorias de Notícia (BAHIA, 1990b), Estereótipo,
Cultura, Imaginário e Discurso (BARTHES, 1974, 1981,
1984, 1996 e 1999), e, em Globalização (THOMPSON,
2001), apresentando uma análise formal e discursiva dos
noticiosos.
Das
13 edições e textos dos noticiários encontrados,
além de gravações avulsas, selecionaram-se,
cinco assuntos básicos, dos anos 40 (Segunda Guerra,
Pós-Guerra, Capitalismo X Comunismo e Política
Internacional), e, a partir deles, escolhidas, para análise,
14 notícias.
A
seleção das amostras considerou dois fatores:
os temas mais importantes dos anos 40 no Brasil e as referidas
notícias, localizados durante a pesquisa nos acervos,
prospectados em Brasília, Porto Alegre, São Paulo
e Rio de Janeiro. Para a análise das notícias,
foram consideradas as edições reunidas dos anos
40 que tratam de períodos históricos, especialmente
da Segunda Guerra.
Na
época do conflito mundial, o noticioso chegou ao ápice
da audiência[1], segundo as medições realizadas
pelos institutos de pesquisa. No entanto a grande popularidade
que a síntese noticiosa desfrutava junto aos ouvintes
motivou a sua permanência no ar, a partir de então,
com a montagem de uma redação na Rádio
Nacional (atitude logo seguida pelas demais emissoras), para
captar notícias locais. A idéia foi considerada
avançada, no início, mas foi implantada e deu
novo vigor ao Repórter Esso.
As
notícias locais passaram a ser melhor exploradas e o
noticiário tornou-se mais abrangente, informando sobre
os matches (partidas de futebol), os teams (times de futebol)
a cotação do café, as condições
do tempo, os resultados do turfe, etc.
A
partir de dois de dezembro de 1945, o Esso, mais uma vez, inovaria,
sendo o primeiro a revelar os resultados das eleições.
As notícias internacionais continuam, mas em menor quantidade.
Contudo, o noticiário mantinha a ótica dos Estados
Unidos. Situações favoráveis ou de ameaça
à ideologia norte-americana mereciam destaque positivo
ou negativo.
2.
Análise Sócio-histórica dos anos 40
Os
anos 40 foram caracterizados, basicamente, pela Segunda Guerra
Mundial e pela organização dos governos dos continentes
entre os países do eixo e os aliados. A Alemanha avançava
pela Europa e os Estados Unidos, em princípio, demonstrando
neutralidade no conflito que se desenrolava na Europa, se preparavam
para entrar na guerra.
O
período é conhecido como a Época de Ouro
do rádio, com a consolidação do veículo
como Meio de Comunicação de Massa, com a audiência
em constante crescimento.
Durante
o conflito, houve várias batalhas no campo dos veículos
de comunicação. O radiojornalismo vivia a sua
infância e concorria com os jornais matutinos e vespertinos.
Entretanto, o vespertino começa a vencer essa escaramuça,
com várias edições, inclusive, durante
o dia, quando os noticiosos eletrônicos entram na fase
adulta.
Os
jornais se adaptam à presença do rádio
e, depois da Segunda Guerra, as mudanças são inevitáveis,
com uma sistematização interna e externa das redações,
os textos diminuem e o lide (originário do lead) é
adotado como primeiro parágrafo.
A
importância do estilo no jornalismo corresponde às
transformações culturais do pós-guerra.
Antes de 1945, vários jornais americanos e europeus introduzem
regras de linguagem em suas redações, mas é
a partir das mudanças políticas, econômicas
e sociais desse período que a prática se generaliza.
Isso coincide com maiores exigências dos leitores, com
a expansão do rádio e o aparecimento de novas
tecnologias nos setores básicos da produção
industrial. (BAHIA, 1990b, p. 77 e 86)
Até
1950, a alma do rádio era o ecletismo e a variedade de
programas (GOLDFEDER, 1980, p. 42 e 43). Era comum até
os anos 60, especialmente no rádio e depois na TV, associar
os nomes dos programas aos de empresas nacionais e estrangeiras.
No
jornal, isso não era possível. Nesses, a publicidade
se limitava às páginas internas, reduzindo, de
forma aparente, a influência direta no conteúdo
da informação. Os norte-americanos foram os que
melhor souberam explorar esta tendência.
Os conceitos de propaganda e marketing foram se transformando,
de acordo com as necessidades e mudanças do próprio
mercado, baseados nos hábitos e no consumo da população,
e na penetração cada vez maior dos meios de comunicação
nos lares modernos.
Aos
poucos, a modalidade de associar o nome do patrocinador ao programa
foi sendo abandonada, por encarecer muito o tempo da publicidade.
Em vista disso, os anunciantes preferiram ocupar as janelas
e os intervalos dos programas, dando mais exposição
aos seus produtos (DUALIBI, 1996).
A partir de 1939, o Brasil já recebia emissões
estrangeiras de várias emissoras, através das
ondas curtas (SW - short waves): o rádio estava globalizado.
As ondas da Rádio Berlim, da BBC, da Voz da América,
entre outras, privilegiavam audições em português.
As populações de outros países também
ouviam as programações especiais na língua
nativa (TOTA, 2000, p. 144).
Uma
das preocupações seguintes era a de oferecer programas
jornalísticos, transmitidos pelas emissoras locais. Em
1939, a Esso já patrocinava, na Rádio Nacional,
o programa radiofônico Variedades Esso e, em 1940, a narração
de jogos de futebol, denominados, na época, de matches.
Com
tão fortes predicados, o patrocinador e os produtores
do Repórter Esso não tiveram dúvida ao
escolher a Rádio Nacional para a transmissão do
noticioso. Além de grandes astros e estrelas da música
e do teatro, a emissora detinha, também, o melhor quadro
de locutores do País, entre eles, Rubens Amaral, Celso
Guimarães, Romeu Fernandes, Saint-Clair Lopes e Heron
Domingues, que ficaria famoso ao ler de forma exclusiva o Repórter
Esso.
2.1 As notícias dos Anos 40: época de guerra
Entre
as notícias que receberam destaque nos Anos 40, estão
a internalização de 16 navios do Eixo, que estavam
em portos brasileiro em 28 de agosto de 1941 (1ª edição
de O Repórter Esso), o ataque de aviões japoneses
à base norte-americana de Pearl Harbor, em sete de dezembro
de 1941; a declaração de guerra do governo brasileiro
aos países do eixo em 22 de agosto de 1942; o envio da
Força Expedicionária Brasileira à Itália
em 1943; o desembarque das forças aliadas na costa normanda
da França em seis de junho de 1944; a conquista da fortaleza
nazista de Monte Castelo pela FEB em 21 de fevereiro de 1945,
a rendição da Alemanha em nove de maio; o lançamento
da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente,
em seis e nove de agosto de 1945, a rendição do
Japão em 14 de agosto de 1945, a renúncia do presidente
brasileiro Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945, a
divulgação dos resultados da eleição
para a Presidência da República a partir de dois
de dezembro de 1945 e o início da Guerra Fria.
Ainda, em nível nacional, o Partido Comunista do Brasil
é colocado fora da lei e o Brasil rompe relações
com a, então, União Soviética, em 1948.
Um ano depois, em 1949, O Repórter Esso realiza um feito
sem precedentes, para a época: acompanha o presidente
Eurico Gaspar Dutra aos Estados Unidos, transmitindo edições
de todos os pontos do território visitado pelo Presidente
brasileiro.
As
notícias dos anos 40 apresentaram como característica
o conflito mundial: a Segunda Guerra. Das amostras selecionadas,
os assuntos principais concentram-se na Segunda Guerra, no Pós-Guerra,
na luta do Capitalismo X Comunismo e o posicionamento dos países
em relação a uma Política Internacional.
Até
1945, os textos se restringem à guerra (ataque dos japoneses
a Pearl Harbor e a rendição da Alemanha, da Itália
e do Japão). Os discursos, com muitos adjetivos, valorizavam
o feito das tropas aliadas (inclusive da Força Expedicionária
Brasileira), a Política de Boa Vizinhança e preconizam
a união definitiva das Américas contra os agressores
mundiais. Também o lançamento da bomba atômica
sobre Hiroshima e Nagasaki confere um certo tom de mistério
a essa nova e poderosa arma, capaz de varrer cidades do mapa
múndi.
No
Pós-Guerra (fim de 1945 até 1950), os assuntos
do noticioso versam sobre a queda dos ditadores e o restabelecimento
da democracia (renúncia de Getúlio Vargas), a
criação de Israel e a possibilidade dos Estados
Unidos terem feito conchavos com ditadores da América
Latina. Com a Guerra Fria, o Comunismo e o Capitalismo passam
a freqüentar os discursos, sempre em tom de desafio ou
de denúncia (Perón acusa os consórcios
capitalistas internacionais de atentarem contra a vida dele
e da esposa).
Em
meio à nova reorganização geográfica
do mundo do Pós-Guerra, a Política Internacional
ocupa boa parte das notícias, preconizando a defesa conjunta
e ajuda mútua dos países americanos (Tratado do
Rio de Janeiro, 1947). Até mesmo o Papa Pio XII se manifesta,
falando em francês, que o mundo se encontra ante
uma verdadeira encruzilhada e que 1948 será um ano de
graves resoluções. Mais uma vez a Globalização
se apresenta, através dos meios de produção,
pela forma e pelo conteúdo, apresentados nas notícias
do Esso.
Os
anos 40 se encerram com as perspectivas democráticas
reinantes no mundo e, especialmente, nos Estados Unidos, preparando
tempos modernos para a década de 50. Porém uma
nova guerra se inicia e as tendências entre as duas nações-pólo
do mundo ficam acirradas, comprometendo as visões mais
otimistas. Qualquer tema em discussão no planeta recebe
diferentes versões e interpretações, aparecendo
com maior nitidez a intenção de controlar as fontes
de energia, em especial, das jazidas de petróleo, espalhadas
pelos diferentes continentes.
3
Análise Formal e Discursiva das notícias dos anos
40
Duas fases podem ser distinguidas, ao se analisar os noticiários
selecionados: a primeira, em que quase a totalidade das notícias
tratava da Segunda Guerra Mundial e era francamente favorável
aos aliados; e a segunda, sob a pressão da Guerra Fria
e a ameaça do comunismo.
No
entanto a grande popularidade que a síntese noticiosa
desfrutava junto aos ouvintes motivou a sua permanência
no ar, a partir de então, com a montagem de uma redação
na Rádio Nacional (atitude logo seguida pelas demais
emissoras), para captar notícias locais. A idéia
foi implantada e deu novo vigor ao Repórter Esso.
As
notícias locais passaram a ser melhor exploradas e o
noticiário tornou-se mais abrangente, informando sobre
os matches (partidas de futebol), os teams (times de futebol)
a cotação do café, as condições
do tempo, os resultados do turfe, etc.
A partir de dois de dezembro de 1945, o Esso, mais uma vez,
inovaria, sendo o primeiro a revelar os resultados das eleições.
As notícias internacionais continuam, mas em menor quantidade
na área espaço-tempo. Contudo, o noticiário
mantinha a ótica dos Estados Unidos. Situações
favoráveis ou de ameaça à ideologia dos
Estados Unidos mereciam destaque positivo ou negativo.
Dessa maneira, os discursos de O Repórter Esso podem
ser divididos em antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Em
ambas as fases, o noticiário atendia aos interesses comerciais
e políticos. Patrocinado pela Standard Oil of New Jersey,
uma das maiores companhias petrolíferas do mundo, o Esso
anunciava comercialmente produtos no varejo, como combustíveis
(gasolina e óleo), fogareiros, entre outros produtos.
Quando o Esso começou a ser transmitido no Brasil, outros
países já veiculavam o informativo. Nos primeiros
quatro anos, período em que predominaram as notícias
da Segunda Guerra, não houve problemas com a censura
brasileira. O noticiário foi para o front e inaugurou
a guerra de informações, pois ele nasceu no Brasil,
para informar a sociedade sobre os acontecimentos da Segunda
Guerra, jamais se afastando da ótica dos Estados Unidos.
O
noticiário era baseado, quase que exclusivamente, em
fatos, envolvendo os combates na Europa. Em edições
extraordinárias, muitas vezes, O Repórter Esso
interrompia até programas humorísticos, para transmitir
notícias trágicas. Deste modo, ele desempenhou
um papel importante ao influenciar a posição do
governo brasileiro diante do conflito.
No
início dos anos 40, o oceano Atlântico se transformou
em área de risco para a navegação comercial.
Alguns navios mercantes brasileiros foram torpedeados, e o Esso
fazia despertar o sentimento de defesa da pátria, condenando
a ofensiva do Eixo, exorcizando alemães, italianos e
japoneses pelos atos contra o Brasil.
Em
vista disso, é atribuída ao Repórter Esso
uma importante parcela de influência no consenso popular
que levou o Presidente Getúlio Vargas a abrir mão
de sua primeira tendência pró-nazi-fascismo, e
depois de neutralidade, e colocar o Brasil ao lado das forças
aliadas.
Ao
mesmo tempo, o governo americano tinha interesse em contar com
o apoio brasileiro, pois o Nordeste do País se constituía
numa região estratégica. Ali, os americanos pretendiam
e montaram uma base aérea, para possibilitar
a abertura de uma nova frente de batalha pelo Norte da África.
Isto, de fato, terminou acontecendo.
Antes,
porém, o Presidente Getúlio Vargas realizou uma
longa negociação com os Estados Unidos. Em troca
das bases no Nordeste, a United States Steel Corp. forneceu
tecnologia para a construção em Volta Redonda,
da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada em
1946, no Rio de Janeiro. Os americanos, também, ergueram
a Base de Pára-Mirim, na Barreira do Inferno, em Natal.
Nessa primeira fase, a palavra telegrama aparecia como sinônimo
de notícia e era possível notar certo exagero
no uso de adjetivos e na forma de redação, ainda
rebuscada e pomposa, como nos jornais da época, embora
o texto fosse menor e mais direto. Era o embrião de um
texto específico para o radiojornalismo no Brasil.
3.1 Notícia
Em
geral, as informações, divulgadas no noticiário,
não cumpriam todas as fases previstas por Bahia (1990b),
para transformar uma informação em notícia.
A fase inicial do noticiário se estende de 1941 até
os anos 50, com a cobertura dos grandes conflitos mundiais.
Tecnicamente, a evolução temporal se reflete nos
textos mais diretos com a supressão dos adjetivos e pelo
aprofundamento da forma com que era feito o Repórter
Esso.
Os
detalhes foram considerados ao máximo, para dar a impressão
de perfeição. A característica, a frase
de abertura, a maneira de narrar os fatos, a ilusão de
que os telegramas chegavam na hora quando, na verdade,
estavam com o locutor há muito tempo, etc. Os critérios,
a informação exata e honesta (ou redigida de forma
a parecer exata e honesta), a estética do noticioso (compacta,
rápida, dinâmica), as notícias sem posição
clara, mas apresentando a opinião subentendida.
Os discursos eram curtos, mas nem sempre objetivos, e, muitas
vezes, não respondiam aos seis quesitos do lide (que,
quem, como, quando, onde, porque), conforme preconiza Bahia
para que uma informação se transforme em notícia.
Alguns textos, especialmente durante as guerras, desprezavam
o contexto e iam ao ar sem as explicações necessárias
para que o ouvinte entendesse.
O
principal era criar uma expectativa na audiência, sem
explicar o que realmente estava acontecendo. A linguagem era
parcial, enaltecendo a posição dos Estados Unidos
e seus aliados na luta contra os nazi-fascistas, comunistas
e soviéticos em relação à corrida
espacial.
A
parcialidade caracterizava algumas notícias (especialmente
na época das guerras ou que difundiam o modo de vida
dos Estados Unidos) como propaganda, segundo o que enseja Lima
(1970, p. 64-65), de que podem ser considerados programas ou
notícias de propaganda, as informações
emitidas com o propósito de persuadir, de convencer,
de levar a audiência à mudança de opiniões
e atitudes.
Quanto à utilização de uma única
agência, mesmo que isso não represente, de antemão,
qualquer parcialidade, convém recordar, de acordo com
Thompson (1995, p. 240), apesar de se constituírem em
organizações comerciais independentes, as agências
noticiosas tinham campos de operação que
correspondiam a esferas da influência econômica
e política das principais potências imperialistas.
Não
há como negar, conforme o autor, que cada agência
colaborava estreitamente com os representantes do governo no
Estado que lhes servia de base doméstica, e a expansão
econômica e política desses Estados foi facilitada
pelos serviços de comunicação, propiciados
por essas agências.
Há que se considerar as notícias, divulgadas durante
a Segunda Guerra, francamente favoráveis aos aliados,
além dos posicionamentos, nesse mesmo sentido, expressos
nas notícias sobre a Guerra da Coréia, nas informações
anticomunistas e da exploração de petróleo
no mundo.
A
partir dessa análise, pode-se constatar que, muitas vezes,
as notícias distribuídas pela agência UP,
especialmente na década de 40, apresentavam-se com vícios
de origem, isto é, deixavam transparecer a simpatia com
a causa aliada e com o estilo de vida dos Estados Unidos. Nos
anos 50, o mesmo ocorreu com as informações relacionadas
com a o capitalismo e com ameaças veladas em relação
à prospecção de petróleo no mercado
internacional.
3.2
Estereótipo
A
aplicação de estereótipos era comum em
todos os discursos da síntese. Havia a repetição
de termos, como a marcar, ritmadamente, uma informação,
conferindo a ela um sentido pré-determinado, como
um oportunismo da linguagem, como uma via natural da verdade
(BARTHES, 1999, p. 57).
Durante
a cobertura da Segunda Guerra, é percebido, no texto
de O Repórter Esso, a presença de adjetivos; alguns
valorizando as iniciativas aliadas como: poderosas
forças, vigorosas lutas, tenaz
batalha, histórica resistência, gigantesco
orçamento, graves resoluções,
sábia política da boa vizinhança
de Roosevelt; ou atribuindo qualidades depreciativas aos inimigos
como: tragicômico Duce, sanguinário
fascismo; além de outros adjetivos como sensacional,
grande, maior, quando se referiam aos
feitos norte-americanos.
Também podem ser observados estereótipos como:
vermelhos ou inimigos, para se referir
aos comunistas; e expressões como último
baluarte ou frases de efeito como a história
humana jamais esquecerá este nome, o mundo se encontra
ante uma verdadeira encruzilhada, em esferas responsáveis,
reina a impressão.
Outra
técnica utilizada era criar um clima de tensão,
de apreensão, ao preceder a última notícia
com as palavras de atenção, urgente, urgentíssimo
ou ainda: e agora o último telegrama.
Através
dos estereótipos, todos os alemães, japoneses
e italianos passaram a ser agressores, numa generalização
prejudicial a convivência de muitos imigrantes em território
nacional. A eufemização apareceu na análise,
pois os aliados nunca invadiam, sempre defendiam,
enquanto os japoneses, alemães e italianos sempre invadiam,
nunca defendiam.
Neste
particular, o noticiário trabalhou com a metáfora,
pois, enquanto as autoridades aliadas eram enaltecidas com adjetivos
positivos, os líderes do eixo eram tachados de tragicômico,
de sanguinário, entre outros estereótipos
negativos.
Ainda,
nesse particular, o noticiário sempre se referia aos
aliados, como uma entidade única, unificada, reforçando
o conceito em que as Américas declaram-se unidas,
condenando em declaração histórica, os
agressores mundiais.
Já os integrantes do Eixo eram sempre fragmentados, através
da diferenciação e do expurgo do outro: os japoneses
atacaram, os alemães (...), os italianos (...) Somente
havia a unificação, quando o caráter a
ser considerado na notícia era negativo: agressores,
fascistas, nazistas.
Esses
adjetivos chegavam às notícias já de uma
forma estereotipada, abrindo, conforme Barthes (1981, p. 172),
completamente a porta à ideologia, existindo
identidade entre ideologia e estereótipo.
Para
o autor, mesmo quando escapa a repetição,
o adjetivo, enquanto atributo maior, é também
o caminho real do desejo, o dizer do desejo, uma forma de afirmar
a vontade.
Os atos praticados pelos aliados eram sempre valorizados com
os seguintes adjetivos: poderosas forças,
vigorosa luta, tenaz batalha, histórica
resistência, sábia política
de boa vizinhança de Roosevelt. As atitudes aliadas eram
legitimadas pela defesa de um ataque desfechado, pela idéia
de que os nossos interesses são os de todos
e pela invocação das tradições da
Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, principais
forças aliadas.
3.3 Cultura
As
influências culturais dos Estados Unidos e do capitalismo
estavam presentes nas edições diárias do
noticiário. Além de ser produzida pela United
Press (UP), agência noticiosa dos Estados Unidos, O Repórter
Esso era supervisionado pela McCann-Erickson, ex-agência
de publicidade doméstica da Standard Oil Company. As
edições eram estruturadas de forma a reservar
espaço para a publicidade.
As
notícias eram, em verdade, mercadoria, pois, embora redigidas
em uma agência de notícias, tinham a supervisão
de uma agência de publicidade. Era assim que a estrutura
estava montada na matriz, os Estados Unidos, onde o Repórter
Esso se constituía na via natural de informações
para os ouvintes daquele País. Em nível externo,
ele serviu para consolidar o american way of life, um estilo
de vida, uma forma de pensar e agir.
Mesmo
um noticiário, considerando-se imparcial, ao ser analisado
sob a ótica da Cultura, a sua linguagem transparece.
Para Barthes (1981, p. 150), é impossível praticar
uma não-cultura, pois a cultura é uma fatalidade
normalmente apoiada em estereótipos, em fragmentos
de linguagem que já existem.
Não
é possível, também, esconder o sujeito,
pois, de acordo com o autor (1984, p. 20), não há
sujeito fora da linguagem. A linguagem o denuncia, apesar da
tentativa de se esconder atrás do imparcial e do neutro.
A
cultura de massa, para Barthes (1984), tem uma aparência
de homogeneidade, mas se apresenta com uma grande divisão
das linguagens culturais. Não há como unificá-la,
a partir do momento em que há sempre na cultura
uma porção de linguagem que o outro (e, portanto,
eu) não compreende.
A
cultura de massa, para o autor, por repetir-se, constantemente,
oferece um elevado grau de degradação, porque
não há invenção; os modelos são
repetidos, aplanados.
O
Repórter Esso se enquadra na categoria de Cultura, pois,
como refere Barthes, se a cultura é o que se mantém
e aparece como um sistema geral de símbolos,
a estrutura do noticiário, apesar de extinto, no Brasil,
desde dezembro de 1968, ainda serve de modelo para outras sínteses
e resumos noticiosos, não só no rádio,
mas, também, na televisão e na Internet.
3.4
Imaginário
Desde
o início, o noticiário tinha cunho político-ideológico
definido, conforme Ortiwano (1985, p. 76), mas, uma análise
mais detalhada necessitaria que fosse possível detectar
ou mesmo medir a quantidade de informações que
não foram veiculadas no Repórter Esso.
A
exclusão de certos assuntos no processo de edição
mostra os interesses e as opções ideológicas
aplicados ao noticiário. O número de notícias
sobre determinado assunto é tão significativo,
ou mais, do que o tratamento, pela redação, que
a notícia veiculada recebe.
Como
ressalta Marcondes Filho (1989, p. 12), atuar no jornalismo
é uma opção ideológica, ou seja,
definir o que vai sair, com que destaque e com que favorecimento,
corresponde a um ato de seleção e de exclusão.
Este processo é realizado segundo diversos critérios,
que tornam o meio de comunicação um veículo
de reprodução parcial da realidade.
No
Esso, há uma coerência na busca da imagem de imparcialidade,
para reforçar a credibilidade. A preocupação
da agência de publicidade, que acompanhou a história
do noticiário, tratou de vários aspectos, da pontualidade
à entonação com que o locutor deveria ler
as notícias. O som, que entra pelo ouvido, gera desconfiança
e insegurança (BRAJNOVIC, 1974). Sendo assim, o jornalismo
radiofônico necessita de uma linguagem convincente, persuasiva,
clara e concreta, que realce o compromisso com a verdade.
A
locução, no Esso, segue essa premissa e reforça
a idéia de credibilidade. A contratação
de locutores exclusivos serve como confirmação
à imagem do noticiário, faz parte
da sua identidade, integra num mesmo ser o locutor, o noticiário
e a marca do patrocinador. As campanhas de utilidade
pública contribuíram para reforçar ainda
mais a credibilidade do Repórter Esso.
Também
as edições extraordinárias, aquelas não
previstas e transmitidas durante a guerra, conferiram ao noticiário
ainda mais credibilidade. Nos áureos tempos, quando o
ouvinte escutava a característica fora do horário
tinha certeza de que a notícia que viria a seguir seria
realmente muito importante para os destinos do País e
do mundo (ORTRIWANO, 1985, p. 96).
Outro
item importante à credibilidade foi a determinação
de horários certos para a entrada do Repórter
Esso. A pontualidade destacava o noticiário, na grade
radiofônica da época, não muito rígida
com os horários de início e término.
O
período, em que não eram veiculadas notícias
nacionais, aponta questões relevantes. Sem apoiar ou
se confrontar com interesses locais, o Esso ganhava trânsito
livre para divulgar o que interessava à Standard Oil
naquele momento e ao próprio governo dos Estados Unidos.
Com o fim da guerra, a medida não mais se justificava.
As notícias nacionais e locais surgem, então,
atendendo a uma necessidade de mercado. Servem para manter a
audiência dos consumidores do conteúdo,
veiculado e da marca Esso, mais do que dos produtos
da empresa, mas também do que era vendido pela Standard.
A concorrência com outros noticiários impulsiona
essa tendência de se voltar para o local.
Quando o Repórter Esso se assume como porta-voz da Standard
Oil é que a identificação entre noticiário
e marca se torna mais importante. A credibilidade
do noticiário se transfere para o patrocinador. Essa
credibilidade é fundamental para manter os
ouvintes. Uma outra emissora, num outro noticiário, pode
ter veiculado uma informação importante antes,
mas os ouvintes vão sintonizar o Esso para confirmar.
Como
já dizia Lippmann (1922, p. 30), muitas vezes não
acreditamos realmente no que vemos à nossa frente, enquanto
não lemos a respeito no jornal ou ouvimos no rádio.
Ou no Repórter Esso.
Com isso, a credibilidade assume um valor maior
do que o furo, tornando o slogan O primeiro
a dar as últimas, superável e superado.
Surge, então, uma segunda frase para caracterizá-lo:
Testemunha ocular da história.
Mesmo esse slogan pode ser analisado como testemunha do
que realmente importa, dos fatos mais importantes, daqueles
que vão influenciar a humanidade, dos que vão
fazer parte da história, e não de outros,
que são excluídos, porque não importam,
não têm expressão tão grande para
o mundo, a partir do ponto de vista dos interesses veiculados
através do Esso, que coincide com o ponto de vista dos
Estados Unidos.
A
análise do discurso de uma notícia de rádio,
onde a informação se apresenta concentrada, transitaria
ainda pela lingüística, pela psicanálise
e outras abordagens que pudessem desvendar o significado
das palavras utilizadas, mesmo as que parecem comunicar a isenção.
É exatamente nesta isenção
que o Esso parece revelar os interesses que justificaram sua
existência enquanto noticiário. É a imparcialidade
como um signo que, neste caso, serve para esconder,
dissimular.
Como é citado por Barthes (1984, p. 128), lembrando Nietzsche,
não há fatos sem que haja um sentido. As notícias,
expressando um discurso, conferem um sentido, mesmo que parcial,
de beneficiar alguma instituição ou algum modo
de vida. Assim, alguns discursos escondem o sujeito (BARTHES,
1984, p. 16), a título de objetividade, enquanto algumas
notícias apresentavam o discurso histórico como
se fosse mítico. Para o autor (BARTHES, 1984, p.65),
o mítico está presente na frase em que são
contadas histórias.
A
escolha das palavras era meticulosa. Estabelecia o contexto
da informação, pois a palavra faz parte
da guerra de linguagens (BARTHES, 1984, p. 186 e 220).
Algumas, inclusive, tinham o uso mágico e
eram empregadas em diversas situações para suscitar
determinados sentimentos na audiência. Palavras radiofonizáveis,
conforme observações de Thompson (1995, p. 27)
e González (1993, p.56) , que garantam uma oralidade
de segunda ordem, aquela feita sob medida, industrial e organizacionalmente
estruturada, com a dupla qualidade, simultânea, de mercadoria
e produto, elaborados para significar.
O
ponto de encontro da oralidade de primeira ordem (situacional
e contextual) e de segunda é precisamente o mercado de
bens culturais.
Barthes (1999, p. 24, 26 e 82) esclarece o porquê dos
textos curtos no rádio, provenientes da linguagem telegráfica
e da redação publicitária: um texto
sobre o prazer não pode ser senão curto.
O texto, que, segundo o autor, é uma teia,
captura o leitor, o ouvinte e está presente, pela novidade,
pelo poder de envolvimento, no Repórter Esso.
As
notícias, na edição, eram ordenadas de
forma a causar frisson na audiência.
As informações do Esso divulgavam a filosofia
capitalista. Assim, a linguagem capitalista se transformava
em doxa, pois, conforme Barthes (1999, p. 38,39,40 e 43), a
ideologia passa pelo texto como o rubor por um rosto.
Não
é possível esconder essa intenção.
Mesmo que os redatores, intermediários no processo, demonstrassem
a neutralidade, Barthes (1999, 47 e 48) entende que, como
criatura de linguagem, o escritor está sempre envolvido
na guerra das ficções (dos falares), mas nunca
é mais do que um joguete.
3.5
Discurso Encrático
Não só o discurso direto está nos noticiosos.
Há a presença do discurso da ausência, através
da omissão. A idéia de exclusão, pois não
há um esquecimento propriamente dito, mas
um esquecimento intencional, editando
informações que não são divulgadas.
O que era escolhido para fazer parte do noticiário, bem
como o que nele era veiculado, tem a mesma importância
na análise, preocupação sempre presente
na história do Esso.
Assim, as notícias veiculadas no Repórter Esso
podem desempenhar o papel de propaganda política ou ideológica,
enquadrando-se no pressuposto, estabelecido por Jules Rassak
(citado por MATTELART, 1994, p. 85), de que a notícia
que se limita a anunciar fatos tem efeito de propaganda superior
aos textos e discursos políticos cujo objetivo principal
é fazer propaganda.
No
processo de seleção das notícias, são
escolhidas aquelas que interessa divulgar, com opiniões
pertinentes que as sustentem e as fortaleçam perto de
outras, discriminadas e, portanto, sem acesso aos Meios de Comunicação
de Massa.
Foi
possível notar, também, no discurso do noticioso,
a transformação das ações em nomes
e a colocação dos verbos na voz passiva, apagando
os atores e a ação, tornando os fatos sem sujeito,
sem autores. Neste particular, a voz ativa aparecia na frase,
quando algum fato positivo dos aliados deveria ser destacado.
No
discurso geral do Repórter Esso, é possível
captar traços de poder, tendo em vista que ele está
presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio
social: não somente no Estado, nas classes, nos grupos,
mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos,
pois o poder nunca perece (BARTHES, 1996, p. 10,11 e 12).
O poder, de acordo com o autor, reside na língua, a partir
do momento que a língua é uma classificação,
e toda classificação é opressiva.
O
discurso presente no noticioso é misto, mas predominantemente
encrático (ligado à sombra do poder do Estado).
É um discurso conforme o paradigma capitalista dos Estados
Unidos, mas acrático e para-doxal frente ao governo brasileiro,
na época de Getúlio Vargas. Essas alterações,
conforme Barthes, são permanentes. Às vezes, o
discurso se apresenta acrático contra um determinado
governo, mas é, em paralelo, encrático quanto
ao modo de governar.
Com
o Esso, o discurso foi hegemonicamente encrático quando
tratava dos aliados, do capitalismo, da política do petróleo
e do estilo de vida dos americanos, mas era acrático
frente aos países do eixo, ao comunismo e outras políticas
a que se opunha por questões filosóficas.
3.6
Globalização
O
Repórter Esso, conforme foi possível demonstrar,
nunca deixou o seu caráter transnacional. Era uma cópia
do noticioso, implantado nos Estados Unidos, em 1935, e, durante
a sua existência, esteve presente em 60 emissoras de 15
países (Estados Unidos, Argentina, Brasil, Costa Rica,
Cuba, Honduras, Nicarágua, Panamá, República
Dominicana, Porto Rico, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile
e Uruguai). As notícias provinham de uma única
agência, a United Press, com ramificações
no planeta.
Na
época, o mundo estava sendo interligado pelas agências
de notícias numa arena global, através de cabos
submarinos e pelo espectro eletromagnético. As rotas
de comunicação sempre seguiram o poder político
e econômico. Assim, ocorreu, também, com O Repórter
Esso, patrocinado pela Standard Oil, um dos maiores conglomerados
dos Estados Unidos, com braços de prospecção,
distribuição e produção de derivados
de petróleo espalhados por todo o globo.
Além disso, as notícias do Repórter Esso
circulavam numa arena global, pois o material produzido pela
UP era distribuído em todos os continentes. Essas agências
noticiosas, por sua vez, se utilizavam, de forma predominante,
do discurso encrático (discurso do poder) para a formulação
dos textos, uma vez que os seus objetivos, muitas vezes, estavam
ligados aos interesses dos governos aos quais lhe repassavam
benefícios (cabos submarinos ou outras formas de conexão
com o mundo).
Na
década de 40, há duas locais para 12 internacionais.
As notícias, bem como o seu fluxo, de ida e volta, também
atestam a Globalização de O Repórter Esso.
Nos anos 40, a Segunda Guerra predomina com a totalidade dos
12 textos.
Ao
mesmo tempo, se, no início, o noticiário era quase
que vetado a notícias locais, esses informes eram colhidos
em território brasileiro e distribuídos no exterior
pela United Press, através de uma ação
integrada, o que caracteriza aspectos globalizantes muito fortes
no processo de coleta e distribuição das notícias
no mundo, a partir da associação e articulação
entre a Standard Oil Company (Esso), patrocinador de O Repórter
Esso, e os produtores do noticioso, as agências de publicidade
McCann-Erickson e a de notícias United Press.
4
Interpretando e reinterpretando O Repórter Esso
O
Repórter Esso é uma forma simbólica por
representar um grande conglomerado internacional e constituir-se
na primeira forma de globalização de um noticioso
de rádio.
Traz,
em vista disso, interesses empresariais inerentes a sua própria
existência. Por se inserir no Brasil, durante a Segunda
Guerra Mundial, carrega consigo, além da ideologia empresarial,
a ideologia e a cultura de um estado-nação, no
caso os Estados Unidos da América do Norte.
Com
o fim da guerra e a proposta de democracia vencendo no mundo,
as ditaduras perderam força, e o desgaste político
do Estado Novo afastou o Presidente Getúlio Vargas do
poder em 1945. No Brasil, foram realizadas eleições
diretas vencidas pelo General Eurico Gaspar Dutra, que governou
de 1946 a 1951.
Durante
o Governo Dutra foi fechada a Confederação Geral
dos Trabalhadores (CGT) e promulgada a nova Constituição
(1946). O Partido Comunista foi colocado na ilegalidade (1947)
e o Brasil rompeu relações diplomáticas
com a União Soviética (1948). Novas eleições
foram realizadas em 1950. Getúlio Vargas venceu, assumindo
a Presidência da República em 1951.
Ao
tomar posse, Vargas baixou o Decreto nº 29.783, considerado
pelos donos das emissoras um atentado à liberdade da
radiodifusão. O decreto[2] garantia ao Governo o direito
de rever a cada três anos as licenças de concessões
de canais, concedidas com o prazo máximo de dez anos,
submetendo-os à cassação e não oferecendo
garantias aos proprietários.
O Repórter Esso se utilizava do tom oficial, de expressões
do tipo fontes bem-informadas, porta-voz oficial
na forma passiva neutralizante e no tempo condicional, o que,
para Marcondes Filho (1989, p. 48), favorece o comportamento
receptivo da audiência.
Essa
forma de transmissão noticiosa busca identificar uma
imagem neutra, oficial, séria e indiscutível (Cultura),
tom direto, restritivo e imperativo, conferindo autoridade ao
comunicado. Além disso, o uso de rótulos, adjetivos
e definições de conotação negativa
servem para estigmatizar determinados objetivos, constituindo-se
em outra tática empregada para criar animosidade contra
determinadas pessoas ou grupos políticos.
Algumas notícias eram interpretadas pelos produtores
(redatores). Em outros casos, a forma de redigir apresentava
associações e adjetivos, alguns depreciativos,
que demonstravam não só o posicionamento da empresa,
mas do noticiário e dos profissionais que ali trabalhavam.
Através
da interpretração dos discursos do noticiário
é possível perceber que a notícia de O
Repórter Esso não esteve livre da influência
dos agentes econômicos que a patrocinaram. As edições
nos anos 40 foram dedicadas exclusivamente às notícias
internacionais, enaltecendo somente os feitos dos norte-americanos
na guerra e engrandecendo as atitudes do Presidente dos Estados
Unidos, Franklin Delano Roosevelt e seus sucessores.
Em geral, os detalhes do noticioso foram considerados ao máximo
para dar a impressão de perfeição: a característica
de tambores e fanfarras, chamando o ouvinte para escutar o Esso;
a frase de abertura (Alô, alô Repórter Esso,
alô...); a maneira de narrar os fatos com a ilusão
de que os telegramas chegavam na hora, quando, na maioria das
vezes, eles estavam com o locutor há muito tempo.
Além
desses fatores, somavam-se, ainda, os critérios de seleção
das notícias, a informação redigida de
forma a parecer exata, neutra, mas apresentando uma opinião
subentendida e a estética do noticiário (compacta,
rápida e dinâmica).
Os discursos eram curtos, mas nem sempre objetivos, e, muitas
vezes, não respondiam aos seis quesitos do lide (que,
quem, como, quando, onde, porque). Algumas notícias desprezavam
o contexto e iam ao ar sem as explicações necessárias
para que o ouvinte entendesse.
O
principal era criar a expectativa na audiência, sem explicar
o que realmente estava acontecendo. A linguagem era parcial,
enaltecendo a posição dos Estados Unidos e seus
aliados na luta contra os nazi-fascista. O mesmo recurso foi
utilizado durante a Guerra Fria contra o comunismo.
A
mistura de discursos (Encrático e Acrático) é
uma das características das notícias do Esso,
mas há a predominância do primeiro. Ele está
ao lado, em sua maioria, do discurso dos Estados Unidos, como
nação. No entanto se apresenta acrático
frente ao governo brasileiro, especialmente, quando os interesses
do Brasil não coadunam com os americanos.
O
noticiário apresentava-se com um Discurso Encrático,
quando tratava de assuntos de interesse do grupo aliado, do
livre mercado ou da política petrolífera, por
exemplo. E deixava transparecer nuances acráticas, quando
o sujeito estava ligado aos países do eixo (Alemanha,
Itália e Japão).
Em
outras palavras, a publicidade de que os discursos presentes
nas notícias eram imparciais e neutros, não passava,
talvez, de um desejo de quem idealizou o noticiário e
da empresa; aliás, sentimento muito bem cultivado na
audiência, pois O Repórter Esso tem sido considerado
exemplo de noticioso, justamente, por suas características
intrínsecas, como a seriedade, a neutralidade, a imparcialidade
e a credibilidade.
Coube, ainda, ao noticiário contribuir na difusão
tanto do estilo de vida americano, o american way of life, como
da cultura capitalista, sendo considerado um ponta-de-lança
na americanização do Brasil.
Os
comerciais, encaixados antes da última notícia,
estimulavam a compra de bens como automóveis, fogões,
fogareiros, baterias, óleos e lubrificantes. E, junto
com a síntese noticiosa, chegaram os chicletes, a Coca-Cola,
as revistas em quadrinhos e uma série de hábitos
americanos.
A Globalização estava presente não só
nos meios de difusão, pois a maioria das notícias
provinha dos Estados Unidos, mas com a própria estrutura
do noticioso, definido por um Manual[3] como em todos os países
onde o Esso era irradiado. O controle era quase completo, pois
a United Press, na origem, definia qual a informação
passível de ser divulgada, enquanto a autocensura dos
produtores e editores se encarregava de bloquear as notícias
de caráter duvidoso.
Evidenciam-se, nesses aspectos, as contradições
entre a filosofia da empresa, defensora do livre mercado, e
a prática. A livre iniciativa, preconizada em âmbito
empresarial, não se aplicava à divulgação
imparcial das notícias.
Assim,
o ideal de imprensa livre e sem compromissos com
os grandes conglomerados econômicos também pode
ser fabricado a exemplo da imparcialidade e neutralidade
apresentadas como requisitos básicos do noticiário
em análise.
Mesmo a objetividade, preconizada como característica
do texto radiofônico, esconde um conteúdo superficial,
sem contexto, sem história. Observa-se, ainda, que a
imparcialidade, a neutralidade e a credibilidade, muitas vezes,
são predicados usados com a intenção de
transmitir à opinião pública uma aparência
de verdade.
Notas
[1]
De 1943 a 1955, os levantamentos do IBOPE Instituto Brasileiro
de Opinião e Pesquisa somente mediam as unidades
em 15 minutos. Mesmo assim, os módulos onde O Repórter
Esso estava incluído apresentavam índices 25%
mais altos do que as unidades anteriores e posteriores. Esses
percentuais chegaram ao auge, no primeiro semestre de 1945,
alcançando em torno de 50% e começaram a cair
no pós-guerra.
[2]
Com a morte de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, esse
decreto foi revogado pelo Presidente Café Filho (1954-1955).
Nos governos seguintes, outros decretos viriam para apertar
ou afrouxar o domínio sobre o rádio.
[3]
O noticioso tinha normas de redação rígidas,
intituladas Manual de Produção do Repórter
Esso, destacando o seu caráter imparcial e neutro na
redação dos textos. O controle sobre o noticiário
era quase completo. A United Press selecionava as informações
e a McCann-Erickson atuava na criação, evolução
e supervisão. Só detinham direito à fala
as autoridades legalmente constituídas, pois a
notícia estava na fonte oficial. O manual revelava
extrema preocupação com a seleção
das informações, a forma da notícia e com
a edição, que deveria ter exatos cinco minutos.
Referências
bibliográficas
BAHIA,
Juarez. Jornal, História e Técnica
volume 1 história da imprensa brasileira.
São Paulo: Ática, 1990.
_____________.
Jornal, História e Técnica - volume 2
técnica. São Paulo: Ática, 1990.
BARTHES,
Roland. Escritores, intelectuais e professores. Lisboa:
Presença, 1974.
________________.
O grão da voz. Lisboa: Edições 70,
1981.
________________.
O rumor da língua. Lisboa: Edições
70, 1984.
________________.
A aula. São Paulo: Cultrix, 1996.
________________.
O prazer do texto. São Paulo: Editora Perspectiva,
1999.
BRAJNOVIC,
Luka. Tecnologia de la información. Pamplona:
Universidade de Navarra, 1974.
DUALIBI,
Roberto. Depoimento. In.: FRANÇA, Carla. Infantil
da Gazeta revive os tempos do Repórter Esso. O Estado
de S.Paulo. São Paulo: 22/9/1996. Caderno Telejornal:
T14.
GOLDFEDER,
Miriam. Por trás das ondas da Rádio Nacional.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
GONZÁLEZ,
Jorge A. A razão e o coração nos tão
falados tempos do cólera moralidade, modernidade
e meios (a três níveis sem limite de tempo).
In.: HAUSSEN, Doris (org.). Sistemas de comunicação
e identidades da América Latina. Porto Alegre: Edipucrs,
1993, p. 49-60.
IBOPE.
Pesquisas Especiais. 1948. v. 7, p. 367, Arquivo Edgar
Levenroth-Unicamp.
______.
Serviço de Rádio. Pesquisa de Audiência,
agosto de 1950. Arquivo Edgar Levenroth-Unicamp.
______.
Pesquisas Especiais. Pesquisa 18. 1952, p. 18, Arquivo
Edgar Levenroth-Unicamp.
KLÖCKNER,
Luciano. O Repórter Esso e a Globalização:
uma investigação hermenêutica. Tese
de Doutorado, PUCRS. Porto Alegre, 2003.
LIMA,
Zita de Andrade. Os princípios e técnicas de
radiojornalismo. Brasília: Institinto de Ciências
da Informação, v. 5, nº 1, ano VI, nº
13, Revista Comunicações e Problemas, 1970.
LIPPMANN,
Walter. Public Opinion. Nova Iorque, 1922.
MARCONDES
FILHO, Ciro. O capital da notícia. São
Paulo: Ática, 1982.
MATTELART,
Armand. Multinacionais e sistemas de comunicação:
os aparelhos ideológicos do imperialismo. São
Paulo: Ciências Humanas, 1976.
___________________.
Comunicação Mundo história das
idéias e das Estratégias. Petrópolis:
Vozes, 1994.
ORTRIWANO,
Gisela S. A informação no rádio: os
grupos de poder e a determinação dos conteúdos.
São Paulo: Summus, 1985.
THOMPSON,
John B. Ideologia e cultura moderna teoria social
crítica na era dos meios de comunicação
de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
TOTA,
Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização
do Brasil na época da Segunda Guerra. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
#
Trabalho apresentado no VII Congresso Latino-Americano de Ciências
da Comunicação, da Associação Latinoamericana
de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), realizado
na Faculdad de Periodismo y Comunicación da Universidad
Nacional de La Plata, Argentina, de 11 a 16 de outubro de 2004.
Voltar
|